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A CONQUISTA DO MORRO DO EIXO - Ilhabela - SP

A CONQUISTA DO MORRO DO EIXO - Ilhabela - SP

Cinco Exploradores desvendam os mistérios de uma lenda do Litoral Paulista.

Acampamento Montanhismo

CONQUISTA DO EIXO

Das areias douradas da Praia do Capricórnio em Caraguatatuba, menino Thiaguinho se encanta com aquela montanha em forma de vulcão, que desponta alguns quilômetros à frente, emoldurando um cenário de sonhos naquela Ilha misteriosa. No mesmo instante, prostrado na Praia do Poço, jovem ainda e contrariando todos os conselhos dos nativos de que subir aquela montanha é algo IMPOSSÍVEL e que até aquele momento ninguém conseguiu pôr os pés no cume, parto para uma subida suicida, atabalhoada, sem conhecimento do que estava fazendo e sem levar em conta a extrema gravidade daquela empreitada. Não avanço duas horas, volto para praia todo ensanguentado, com o rabo entre as pernas e tenho que engolir esse fracasso monstro.

A EQUIPE - ( Thiago , Divanei,Julio , Potenza e Flórido )

Os anos vão passando, eu nunca mais retornei para uma segunda tentativa, mas o menino Thiago continua a sonhar e em idas e vindas ao Litoral Norte Paulista, vai se tornando lobo do mar, absorvendo os ensinamentos do seu velho pai, que o leva para subir outras montanhas icônicas da região. Mas o destino não por acaso, ousou pregar uma peça nesses dois aventureiros e numa curva do caminho, juntou os dois personagens dessa história e que 20 anos depois resolveram unir forças para tirarem um sonho do papel: Conquistar definitivamente o MORRO DO EIXO e acertar uma dívida que o tempo não apagou.

Minha experiência em 2001 foi meio traumática. Havíamos sidos levados para Praia do Poço por um suposto Pirata e seu namorado, que ficou de nos buscar no final da terça-feira de carnaval, mas não cumpriu o combinado e ficamos literalmente a ver navios, com uma bebê de 3 meses de vida, perdidos numa praia selvagem sem ter como voltar para casa, muito porque, naquela época nem sabíamos da existência de uma suposta trilha. Uma canoa motorizada de uns pescadores, nos deu uma carona para as mulheres do grupo, incluindo minha filha bebê, mas os homens foram obrigados a varar mato (alguns de sunga e descalços) até a praia de Jabaquara, onde chegamos a noite só o farrapo humano, quando as mulheres já haviam acionado a guarda costeira para ir nos resgatar, achando que alguma desgraça havia acontecido.

O MORRO DO EIXO não chega nem a ter 800 metros de altura, mas impressiona pela sua grandiosidade a beira mar. Um gigante pontudo e pontilhado por blocos de rochas colossais e seu próprio cume é marcado por dois grandes monólitos, separados por uma fenda monstruosa. Mas essas informações fomos angariando através de fotos de satélites e fotografias tiradas do mar, porque até então, todas as pesquisas não nos levaram a lugar nenhum, nada que nos dissesse que alguém já teria pisado no cume.

Era preciso traçar uma estratégia. Partir definitivamente em linha reta da Praia do Poço ou nos valer de uma possível trilha que galgava até seu ombro a 450 metros de altitude, aliás, um caminho incerto que parava no meio do nada, mas que ficamos sabendo que a intenção era religar o Poço à Praia da Serraria. Depois de discussões acaloradas, resolvemos ariscar por esse caminho e tentar comer menos mato possível.

Comecei essa história com apenas 2 personagens, mas a gente sabe que nessa vida é preciso que se junte outros com os mesmos sonhos que os nossos, para que algo seja tirado do papel, ainda mais sendo essa uma EXPEDIÇÃO para lá de casca grossa e foi nessa toada que se juntaram a nós, três dos mais experientes exploradores desse Estado, ainda que hajam outros, Alan Flórido, Paulo Potenza e Júlio Ronchese, são partes da elite e do que nós temos de melhor em termos de Exploração Selvagem.

Numa noite agradável de inverno, nos encontramos com Thiago Silva numa prainha perdida perto do Porto de São Sebastião, onde um caiçara pescador nos esperava com um barquinho de fibra. Eu sabia que era um barco pequeno que nos levaria para Ilhabela, mas não imaginava que navegaríamos a meia noite numa banheira de plástico. Thiaguinho, macaco velho do mar, ri da nossa cara de espanto, mas quando perguntei dos coletes salva-vidas, o pescador só fez desconversar e eu já comecei a medir mentalmente para onde nadaria caso aquele troço flutuante afundasse. ( rsrsrsr)

Em menos de uma hora, desembarcamos na PRAIA DO POÇO e como a lua clara nos fazia companhia, tivemos uma visão estonteante do contorno do Eixo. A Praia do Poço estava diferente, nem parecia a mesma praia que conheci 20 anos atrás. O grande lago formado pelo rio que vem do interior da Ilhabela, praticamente não existia e como a maré estava baixa, não tivemos dúvidas em usar a grande rocha do seu lado direito como abrigo, um lugar sensacional para acampar, se não fosse o problema de sempre: BORRACHUDOS COMEDORES DE HOMENS. Esses insetos fazem a desgraça das partes selvagens da Ilhabela, como a defendê-la com unhas e dentes ou no caso, com ferrões devastadores.

Nos jogamos para debaixo da toca de pedra, mas alguns se recusaram a retirar os sacos de dormir da mochila, mas quando os ilhabelus-carnívorus começaram a comer os caras, tiveram que arregar. Foi uma noite infernal, alguns mal conseguiram pregar o olho e às 6 da manhã já estavam enchendo o saco para começar a expedição. O dia nasceu bem embaçado, estranho, com cara de chuva, mas logo pela manhã, o calor já era de matar. Discutimos nossos planos, relembrando as estratégias estudadas durante meses, jogamos as mochilas nas costas e fomos fazer história.

O nosso caminho passa primeiro por cruzar o Rio do Poço para a outra margem e para não molhar as botas, passamos bem encima da Cachoeirinha , nos valendo de uma língua de pedra até ganharmos o barranco e subi-lo em direção a um grande bambuzal. Nesse primeiro momento, vamos seguir uma trilha que vai nos conectar até um grande selado, um grande OMBRO, ganhando assim mais de 450 metros de desnível. Passamos o bambuzal abrindo caminho no peito e vamos ganhando quase nada de altitude até que 20 minutos depois, passamos por uma grande clareira de acampamento e é a partir daí que o terreno deixa de ser plano e vai ganhando altitude, mas muito levemente, zig-zagueando em mato ralo, onde algumas fitas foram colocadas para dar um conforto psicológico, muito porque, sem gps seria quase impossível se manter no caminho correto. Passamos por uma grande toca que serviria para mais um abrigo sensacional, nos desviamos de outras grandes pedras pelo caminho até tropeçarmos numa rampa verde, emoldurada por samambaias trançadas.

Subir pelos samambaiais é tarefa árdua e estafante e quem vai à frente vai sempre se lascar mais que todo mundo e aí é preciso se revezar no trabalho. Vencido as samambaias, o terreno começa a ganhar altitude suavemente, contornando por lugares onde se pode caminhar com menos esforço e hora ou outra, vamos nos guiando pelas fitas amarradas nas árvores e quando elas não são mais vistas é preciso ir corrigindo o rumo pelo gps até que em meio à grandes rochas, a 250 m de altitude, é hora de dar uma parada e se acabar de tanto beber água. E é bom mesmo encher o radiador porque essa é a última água fácil e disponível dessa Expedição, inclusive alguns já se abastecem com mais de 5 litros, mas eu não estou nenhum pouco a fim de carregar esse peso todo nas costas não, apenas apanho um litro e meio, mas já pensando em alguma estratégia mirabolante para sobreviver, caso tenhamos que passar mais de um dia no cume.

Ganhando mais 100 metros de desnível, somos apresentados a outra gruta espetacular para um bivac, um ótimo lugar para acampar caso a pessoa tenha saído tarde , mas nós estamos adiantadíssimos e ainda sendo pela manhã , apertamos o passo e subimos mais uns 200 metros de desnível até atingirmos definitivamente uma grande clareira plana. Estamos no OMBRO DO EIXO, a 470 metros de altitude, o lugar até onde se pode chegar com uma certa tranquilidade, o último ponto para poder se sentar, analisar os planos traçados, rever tudo que foi discutido e decidir se vale a pena se lançar rumo ao desconhecido, embarcar definitivamente numa aventura talvez nunca dantes realizada. Seguir em frente é abandonar um porto seguro e de olhos quase fechados, pular para o MUNDO DA AVENTURA, é saber que não haverá mais com quem contar, é abraçar o projeto, juntar forças e nos mantermos unido até a conquista final.

Antes de partirmos rumo ao desconhecido, preciso abrir um parêntese para uma reflexão: Fico a me perguntar por que não há nenhum relato da conquista dessa montanha icônica, qual seria o segredo que até hoje conseguiu manter esse pico isolado? Não acredito que seja apenas falta de interesse, haveria algo de muito estranho ali, que afasta qualquer tentativa de se ir ao cume, talvez a vegetação ou os imensos blocos de rocha que talvez tivessem que serem vencidos mediante escalada técnica, além da navegação que outrora tinha que ser feita com carta e bussola, o que talvez até inviabilizasse o projeto, mas essas respostas teriam que serem dadas e foi para isso que a gente veio, o ENIGUIMA DO EIXO estava prestes a ser desvendado.

A navegação ficou a cargo do Flórido e do Thiago, mas quando havia necessidade de mudar de direção radicalmente, nos reuníamos para uma consulta em grupo. Partimos da Clareira do Ombro, mas ao invés de irmos direto para o sudeste em direção ao cume, vamos seguindo para o leste, tentando nos livrarmos do amontoado de rochas iniciais, na verdade uma fileira de monstros de pedra que parecia se estender até o cume. Esse desvio para o leste não levou nem 20 minutos, mas foi o suficiente para nos dizer que aquele terreno não estaria para brincadeira e logo no início, já tivemos que pular árvores caídas e passar por buracos potencialmente perigosos e logo depois mudamos totalmente para SUDESTE, agora embicando para cima , sem refresco, sem trégua, hora de botar a faca nos dentes porque a aventura que fomos buscar acabara de ser posta à mesa.

Varar mato é algo realmente trabalhoso, é necessário se livrar o tempo todo da vegetação entrelaçada, que vai agarrando nas mochilas e transformando nossas vidas num inferno. Ao contrário do que todo mundo imagina, nós NÃO nos valemos de facões para isso, esse negócio de facão é coisa de mateiro que quer abrir caminho e a gente não quer consolidar um caminho, queremos apenas passar, transpor a vegetação. Júlio vai à frente nesse primeiro momento, mas tem sempre que ficar ouvindo o Flórido lhe dizer para não tocar tanto para direita, a fim de escaparmos dos grandes blocos de pedra, mas é instintivo, é o terreno que acaba nos conduzindo para lá e sempre é preciso corrigir o rumo.

O dia já vai pela metade, o terreno não arrefece em nenhum momento e a cada metro ganho, a cada curva de nível que vai sendo deixada para trás, é a certeza de que mais próximo vamos ficando do nosso objetivo, até que somos surpreendidos por um gigantesco bloco de pedra empilhado que demos o nome de PEDRA MONTADA. E é mesmo surpreendente o tamanho daquelas rochas, que formam grutas superiores que talvez jamais tenham visto pés humanos.

Aos poucos vamos vendo porque talvez ninguém tenha tentado se aventurar por aqui. Estamos imersos num mundo inimaginável e mesmo nesses 25 anos de aventuras por essas serras, jamais vi blocos de pedras isolados tão grandes. Algumas paredes parecem intransponíveis. Vamos tentando encontrar uma passagem entre esses gigantes, é um trabalho de paciência, investigação, vamos correndo os paredões jurássicos de um lado para o outro, descendo e subindo fendas, nos enfiando em gretas potencialmente perigosas em atitudes quase suicidas, tudo para tentar encontrar uma passagem que nos leve mais acima, até podermos ganhar terreno e recomeçar tudo de novo, numa busca constante pelo cume.

Quando os estudos foram iniciados meses atrás, já tínhamos em mente de que no primeiro dia dificilmente alcançaríamos o cume, então tentaríamos dormir o mais perto possível dele, acamparíamos e no outro dia tentaríamos achar uma maneira de tentar escalar os grandes blocos finais, achando uma passagem, talvez subindo por chaminés ou qualquer outras fendas que pudesse nos levar ao topo, isso tudo na teoria.

Barrados por mais uma grande parede e seguindo as indicações dos navegadores, saímos pela esquerda a procura de uma passagem ou alguma forma de podermos subi-la. É uma rocha incrível, uma parede de 90 graus com lances negativos que vão formando tocas e abrigos. Fomos nos enfiando por baixo dela até surpreendentemente darmos de cara com uma passagem, um GRANDE PORTAL, como um túnel do tempo que pudesse nos transportar rumo ao cume. Aquela fenda aberta na parede de pedra, como uma escadaria para o céu, talvez seja o grande segredo para o sucesso dessa expedição. Aquele achado mudaria completamente o rumo das coisas, sem ele poderíamos tranquilamente perder mais um dia, mas a sorte ajuda aqueles que persistem. Na entrada desse portal, uma árvore com espinhos enormes parecia ser a guardiã, uma espécie muito parecida com uma paineira. Adentramos ao portal, caminhando alucinadamente e felizes pelo achado que nos elevou para outro patamar. Flórido continuava gritando que deveríamos seguir mais à esquerda para escaparmos de outras tantas rochas gigantes, mas o terreno não aceita ordens e automaticamente somos obrigados a cair pela direita, fugindo de um abismo lateral, até que pudéssemos corrigir a rota.

Ganhar altitude, subir as curvas de níveis, varar moitas de bambus, transpor florestas de bromélias gigantes, varar mato espinhento, escalar pequenas paredes, essa vai sendo a tônica do dia até que somos barrados por uma parede em pé, uma rampa de pedra que aponta para o céu. Estamos no “gargalo do vulcão”, parece ser o estágio final antes da glória, mas até então nem sabíamos disso. Era preciso parar um pouco para colocar a cabeça no lugar, havia chegado a hora de tomar uma decisão, recalcular e rever a rota, talvez refazer planos, tomar uma água, comer alguma coisa, preparar o espírito para o que há de vir.

Era uma decisão difícil! Escalar aquela parede lisa era como um caminho sem volta, pelo menos para hoje, se não déssemos em nada, se esse não fosse o caminho para o cume, correríamos o risco de dormir em pé em alguma encosta, já que não teríamos mais luz do sol para tentarmos outro caminho. Depois de discussões e achismos de onde seria o cume e de para onde deveríamos seguir, resolvemos confiar cegamente no ótimo trabalho dos navegadores, até então Flórido e Thiago estavam dando um show e mereciam esse crédito.

Decisão tomada, coube ao Júlio tomar a frente na escalada da parede. Ganhou a rampa e se atracou com a vegetação que se segurava na rocha apenas com algumas raízes superficiais até que ganhou um pequeno arbusto em uma passagem potencialmente perigosa, onde a gravidade insistia em querer nos chutar de volta para baixo. Um a um fomos ganhando terreno e eu , a fim de fazer uma foto da parede, me pus como cu de tropa, fique na rabeta do grupo e quando foi a minha vez de galgar a rampa, já não encontrei mais vegetação suficiente para me sustentar e tive que me valer de uma fita instalada estrategicamente para que eu não escorregasse no vazio.

Vencido a rampa, adentramos numa grande língua de samambaias gigantes, que tinham de ser deitadas para dar passagem. Júlio lutou bravamente, mas até o garoto que tem um foguete no rabo, teve que se dar por vencido e caiu estatelado no chão, exausto, acabado, enquanto outros tomaram a frente na tarefa ingrata. Até eu acabei pisando na cabeça do Júlio, deixando ele na rabeira do grupo. Aliás, eu estava surpreendido com a minha condição física, cheguei até ali voando apesar de estar com muito sono por não ter dormido quase nada na noite anterior.

Amassando samambaia, percebemos que estávamos numa rampa de uns 5 metros de largura, não mais que isso, que parecia nos conduzir em direção ao cume. Ao lado dessa rampa, abismos dos dois lados. A cada passo, a cada metro vencido, um sentimento diferente vai tomando conta do grupo. Cada qual tenta conter a sua ansiedade, cada um com suas angustias interiores, querendo saber se vamos chegar ao cume ou se vamos dar com os burros n’água. O terreno vai se afunilando, uma névoa cobre o horizonte, mal conseguimos enxergar nada lá de cima, principalmente para o norte. Agora nem existe mais grupo, é cada um por si, quem tem folego continua, quem não os tem, se sustenta em suas próprias pernas, tentando buscar a última barra de energia que lhe falta. Um degrau de quase 2 metros nos obriga a fazer uma escalada nos valendo de umas moitas de bromélias, até ganharmos o estirão final, caminharmos por uns 50 metros até não existir mais mundo para a gente pisar e no dia 05 de setembro de 2020, o lendário MORRO DO EIXO acabara de ser CONQUISTADO.

Cada qual correu atrás das vistas que havia ido buscar, mesmo que por hora pouco se conseguia ver por causa da intensa neblina de cume. Diante da gente, um mundo formado por abismo e pedras e uma delas, uns 2 ou 3 metros acima de onde estávamos formava o cume do EIXO, precedido por uma fenda de uns 20 ou 30 metros de profundidade. Aliás, essa GRANDE FENDA divide o cume da montanha ao meio, formando assim os DOIS GRANDES BLOCOS DE PEDRA, que é possível ver até do litoral. De onde estou, atravesso uma língua de mata de uns 5 metros até me posicionar encima de outra rocha e gritar para todo mundo que ali é o MIRANTE PRINCIPAL e quando todos para lá correram, foi hora de juntar o grupo em calorosos abraços e comemorar a conquista, finalmente o projeto que havíamos sonhado foi um grande sucesso, ainda posso dizer mais, foi uma conquista EXTRAORDINÁRIA E INIMAGINÁVEL, uma navegação impecável, um trabalho de grupo irretocável, o Morro do Eixo ( 752 m ) era nosso e até então, não encontramos um só vestígio que alguém tenha botado os pés lá.

Olhem só, Thiago Silva, o menino que na infância sonhou um dia conquistar essa montanha, o garoto que passou parte da sua vida se perguntando o que teria nesse cume mágico, o menino que outrora navegava pela Baia de Caraguá , hipnotizado por um cume enigmático, não se aguentou de emoção enquanto dava a notícia para o seu velho pai, o homem que lhe ensinou a vencer as agruras da vida e ali naquele momento único, um completava o outro como se fossem uma só pessoa, um sentimento de vitória e nunca mais na vida, quando os dois saírem para remar, aquela montanha será mais a mesma e ão de lembrar dos dias em que conversavam sobre ela, mas agora sabedores que um dia seus pés e suas almas já passaram por lá e agora estão no mesmo nível que o GIGANTE PARTIDO AO MEIO.

O certo mesmo era que o cume do Eixo ainda se encontrava quase todo fechado, mas como ainda mal havia passado das 3 da tarde, tínhamos a esperança de que perto do pôr do sol conseguiríamos ter vistas amplas. Enquanto a maioria ficava por ali, no minúsculo cume a jogar conversa fora, eu tinha uma tarefa a cumprir: Tentar arrumar água para poder passar a noite, já que eu havia subido com míseros 1500 ml. Nesses anos todos sempre me preocupei em aprender algumas técnicas de sobrevivência, mesmo virando chacotas de alguns que ficam nos chamando de Rambo. Pois bem, no alto daquela montanha isolada do mundo, vislumbrei a possibilidade de conseguir água através das bromélias, mesmo que fosse uma água de aspectos repugnantes, contendo aranhas, baratas, moscas e todo tipo de cadáveres e resto mortais de insetos e outros bichos nojentos. Fiquei o resto da tarde nessa tarefa até conseguir extrair cerca de 3 litros de água e depois fazer um filtro com musgos, gaze e algodão e no final, passar por um pouco de carvão ativado e adicionar umas gotas de clorin.

Enquanto eu me entretinha produzindo água, os outros expedicionários tratavam de montar os bivaques de emergência, já que não era possível montar redes por falta de árvores suficientes. Flórido instalou uma loninha em um lugar plano e aconchegante, onde daria para dormir além dele, eu e o Potenza, mas quando a noite já se avizinhava, os dois sem vergonhas anunciaram que eu não fazia mais parte do plano dos dois e como já não havia mais tempo para procurar um bom lugar, fui obrigado a dormir quase em pé, pendurado num barranco íngreme à beira do abismo, me segurando em bromélias de altitude. Foi uma noite de cão, apesar de quase 12 horas de sono, acordei todo troncho, torto, um tronco cutucando a costela. Outro que se deu mal foi o Júlio, que acordou reclamando da noite mal dormida, já o casalzinho da lona amarela acordou com um enorme sorriso no rosto e só faltaram desfilar de mãos dadas na passarela de altitude, ainda mais que o modelo Flórido, exibia sua fashion sunga branca, último modelo da fronteira, (não me perguntem fronteira do que, rsrsrsr)

O dia amanheceu nevoento. A única coisa que podia-se ver era o estonteante MORRO DA SERRARIA (1257 m) que se localizava a sudoeste, mesmo assim, atrás de espessas nuvens de algodão. Fomos para pedra que beirava os abismos e por lá ficamos, amaldiçoando o mal tempo que não nos deixava ver coisa alguma das vistas do litoral. Frustrados por termos conquistado um cume inédito, sem poder desfrutar das belezas que só uma montanha pode nos proporcionar, reunimos o grupo para tomarmos uma decisão: Tínhamos chegado ali depois de uma jornada árdua, havíamos vencido blocos gigantes com uma precisão milimétrica e uma competência incrível, então deveríamos ficar mais um dia no CUME a fim de tomar posse do nosso prêmio, então votamos por continuar, mesmo que isso pudesse nos trazer transtornos do qual teríamos que resolver. Claro que a votação não foi unânime, Júlio fez beicinho porque não lhe passava pela cabeça ficar mais um dia e uma noite parados no cume sem se mexer, mesmo assim, acatou a decisão da maioria.

As nuvens se mantinham no cume, mas o calor era infernal, então tivemos que retomar novamente a produção de água e dessa vez o único que ainda tinha água com sobra era o Thiago, todos os outros estavam com os cantis quase vazios, mas eu e o Júlio fomos obrigados a aumentar a produção do precioso líquido e dessa vez produzimos logo 10 litros de água, nem a SABESP era capaz de fazer isso. A produção em massa deixou a água meio sofrível e na hora de provar o liquido, Thiaguinho fez cara de nojo e mordeu a chumbada quando a gente caiu na alma dele. Flórido também foi outro que procurou evitar, mas o Potenza deu uma de João sem braço, escondeu 2 litros de água limpa no mato e deu uma de coitado para afanar a nossa produção.

O dia foi demorando a passar e eu aproveitei o tempo ocioso para montar minha rede em dois arbustos juntos ao cume, exemplo seguido também pelo Júlio que achou duas pequenas árvores em um vale entre uma pedra e outra. Mas chegou uma hora que o calor era tanto que os meninos foram se refugiar numa fenda que eles chamaram de fenda do ar condicionado, por onde entrava um vento encanado e refrescava os mais calorentos. Por mais monótono que tenha sido aquele dia, foi um dia de nos divertimos, de falar besteira, contar piadas e relembrar Expedições passadas, um dia para termos compromissos com coisa nenhuma, apenas cultivarmos o ócio da vida, sem dar satisfação de nada a ninguém.

Lá pelas 4 da tarde começou a correria e aqueles que estavam no buraco, saíram feito ratos da toca. A montanha urrou e nos chamou, pediu para que nos sentássemos, tomássemos os nossos lugares porque o ESPETÁCULO iria começar. O tempo começou a abrir, a névoa ficou reta como um mar de gelo. Sentados na pedra do cume, hipnotizados pela sena, ninguém arredava pé e o Morro da Serraria (1257 m) surgiu imponente, mostrando seu gigantismo como a dizer e a nos mostrar quem é que manda naquela parte da ilha. Cada balançar das nuvens, uma nova paisagem, e logo fomos obrigados a correr para a parte leste para ver surgir a Praia da Serraria e o amontoado de barcos caiçaras na baia e mais além, a Ilha dos Búzios e da Vitória, nos faz sonhar com aventuras mais distantes.

Perto das 6 da tarde já não haviam mais nuvens sobre o Morro da Serraria e o astro maior se apresentou para o show. Um sol alaranjado começou sua jornada definitiva para o oeste e atrás dele, olhos vidrados que mal se mexiam. A cada palmo que ele baixava, mais deslumbrante ficava o cenário e o contorno da Serra do Mar, fazia nos lembrar de outras montanhas que já havíamos subido e quando ele resolveu nos abandonar de vez, fomos obrigados a aplaudi-lo, depois que o Thiaguinho puxou a reverencia. Puta que o pariu, um dia para nunca mais esquecermos.

A noite chegou e com ela vieram também os problemas de quem não soube fazer um PLANEJAMENTO decente. Parte da galera ficou me aloprando por causa da contenda da água, dizendo que eu ia me lascar por ter subido apenas com pouco mais de um litro e eu dizendo que tudo havia sido milimetricamente calculado e estava tudo sobre controle. Mas a minha vingança viria a cavalo. Paulo Potenza e Alan Flórido resolveram levar marmitas prontas para a EXPEDIÇÃO e no segundo dia lá estavam os dois coiós com as marmitas azedas, fedendo a podre, de tal maneira que o Thiaguinho deu uma dura no Flórido pensando que ele havia soltado gazes e contaminando o acampamento com um fedor malcheiroso e viu o tonto responder:

- PORRA THIAGUINHO, PEGUA LEVE MANO, É MINHA COMIDA. ( kkkkkkkkkkkkkkk)

Os caras das marmitas podres seriam nossas piadas até o fim daquela expedição e ainda tiveram que se humilhar para não passarem fome. O certo é que passamos aquela entrada de noite dando altas risadas, apreciando a via Láctea, num céu qualhado de estrelas como poucas vezes visto, até que os olhos pesaram e cada qual foi morrer num canto daquele cume mágico.

O terceiro dia veio carregado de sol e depois de tomarmos café, fomos dar um último adeus para alturas do Morro do Eixo, agora com vistas também do Norte, nas redondezas da Praia do Poço. Enquanto parte da galera se adiantava em desmontar o acampamento, aproveitei para instalar o LIVRO DE CUME, já que todos haviam assinado e deixado seus recados para a posteridade. Na pedra junto a fenda, embaixo de outra pedra, quase dentro de um buraco, instalei o livro, que ficou guardado e protegido das intempéries do tempo e lá repousa a espera de outros aventureiros que um dia poderão lá escrever os seus nomes, ou então, repousará lá eternamente, num pico esquecido e isolado do mundo.

Rapidamente desmontei minha rede, guardei tudo na minha mochila, apanhei um litro de água de bromélia e nos despedimos do Eixo. Na volta, descemos arregaçando, tão rápido que nem nos demos conta de como descemos a perigosa rampa de acesso, passando pela floresta de samambaias, feito uma bala. Felizes da vida, fizemos planos de voltar em tempo record e ficar de bobeira tomando banho de praia, mas nem tudo é tão fácil como parece. O projeto era tentar voltar pelo mesmo caminho que viemos, mas raramente conseguíamos nos manter na trilha, mesmo seguindo o gps, muito porque, tínhamos que tentar encontrar as passagens nas rochas e nas fendas e isso era quase impossível. O tempo foi passando e a gente cada vez mais parecia não ir a lugar nenhum, tanto que ficamos travados encima de uma das rochas gigantes, onde o Flórido teve que recuar porque não consegui descer no mesmo lugar que o Júlio passou e eu, o Potenza e o Thiago fomos obrigados a nos valermos de uma corda e nos enfiarmos dentro de uma fenda de uns 10 metros de altura e descermos ralando tudo nela.

Perder altitude não estava fácil, havíamos perdido o GRANDE PORTAL que havia nos jogado lá para cima na ida e sem ele éramos como ratos encima de um prédio, correndo para lá e para cá, tentando descer. O Júlio foi até a beira de um precipício e nos gritou que tentaria descer por dentro de uma fenda (mais uma), mas nós ficamos preocupados com a segurança dele e pedimos para que não se ariscasse tanto. Júlio e o Flórido foram baixando aos poucos, se enfiando naquela fenda estreita até se verem em segurança um pouco mais abaixo, mas o Potenza não viu essa segurança toda não e ficou chorando e implorando por uma corda e foi atendido prontamente pelo Thiago, até que ele conseguiu se espremer nas paredes e ir usando o corpo de freio e aproveitou para ir auxiliando a minha descida e do próprio Thiago. (ufaaa...passamos mais essa)

Depois de descermos por dentro dessa fenda foi que nos demos conta que acabávamos de descer bem dentro da grande passagem do Portal, de uma certa maneira havíamos voltado para o caminho original, reencontramos novamente a Pedra Assentada e a partir daí, começamos a perder altura com mais competência até desembocarmos de vez na clareira do Ombro do Eixo, onde reencontramos a trilha. Resolvemos fazer uma parada breve porque a maioria já estava com a goela seca, então apertamos o passo até tropeçarmos com o ponto de água, jogarmos nossas mochilas ao chão e nos afogarmos de tanto beber.

O calor estava de lascar, mas a gente estava imbuídos de chegar o quanto antes no litoral. Nos desviamos de tudo que era pedra pelo caminho, descemos o lance da samambaia até que a trilha aplainou de vez e a gente acabou tocando para a parte superior do Rio do Poço, mas alguns resolveram que seguir pela trilha seria melhor que ficar pulando pedra, então retomamos nosso caminho e pouco depois da uma da tarde, atravessamos novamente o Rio do Poço 100 metros acima da praia de mesmo nome e sem cerimônia nenhuma, diante de uma plateia de meia dúzia de turista, nos abraçamos e nos cumprimentamos calorosamente, a jornada ao MORRO DO EIXO havia chegado ao seu final, uma EXPEDIÇÃO para entrar para história.

Com a alma lavada, aproveitamos o tempo ocioso na Praia do Poço para tomar banho no rio e na praia, enquanto esperávamos pelo barco que iria nos resgatar. Ali naquela praia paradisíaca, mesmo sendo um feriado, raramente aparecia algum turista mais abastado e quando apareciam, eram enxotados em menos de meia hora pelos borrachudos, o que fazia a gente dar risada, muito porque, nós mesmos nos mantínhamos cobertos dos pés à cabeça quando estávamos fora da água. Duas horas depois o nosso resgate encostou e aí foi nossa vez de darmos adeus ao paraíso isolado daquela ilha mágica e uma hora depois desembarcamos em São Sebastião, bem a tempo de podermos confraternizar, comemorando o sucesso daquela expedição com muita comida, até que não cabendo mais espaço na barriga, subimos no carro e voltamos para casa e o resto é história para contar para os netos.

Nesses 25 anos de aventuras, fomos a lugares incríveis e inimagináveis, tentando escapar das mesmices da vida, buscando uma forma de fazer a vida valer a pena. É uma briga incansável para realizar coisas que as vezes chegamos a pensar que nunca irão sair do papel, mas aí chega o destino e nos coloca frente a frente com gente que compartilha dos mesmos sonhos nossos . E é preciso sempre estar acompanhado de gente que queira fazer as coisas, pessoas interessadas em fazer com que um projeto dê certo e esse grupo, quando desceu o Planalto Paulista, já desceu com a vitória na manga, porque era composto de gente que não abre mão de ir atrás do EXTRAORDINÁRIO e quanto a isso, o MORRO DO EIXO não fica devendo em nada a nenhuma outra montanha do Brasil.

Divanei Goes de Paula
Divanei Goes de Paula

Publicado em 24/09/2020 17:23

Realizada de 05/09/2016 até 08/09/2016

1 Participante

Thiago Silva

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16 Comentários

Parabéns pela conquista de vcs! Relato muito bacana de ler Divanei!

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Divanei Goes de Paula 29/09/2020 22:31

Valeu Dino, ABRAÇÃO.

Bruno Negreiros 30/09/2020 13:20

Grande relato, Divanei!

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Divanei Goes de Paula 30/09/2020 18:55

Obrigado Bruno !

Parabéns Divanei! Seus relatos são ótimos e inspiradores!

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Divanei Goes de Paula 18/10/2020 13:09

Valeu Guilherme, obrigado. 🤘🤘🤘🤘🤘🤘🤘🤘

Guga Santos 21/11/2020 13:43

Booooaa Divanei!! Conversei com o Thiago esses dias sobre essa conquista... Muito massa!!

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Divanei Goes de Paula 24/11/2020 22:43

Valeu Guga , esse era mais um projeto que acabou levando quase 20 anos pra sair do papel , bastou juntar os caras certos pra virar história.

Divanei Goes de Paula

Divanei Goes de Paula

Sumaré - SP

Rox
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Quase 30 anos me dedicando às grandes trilhas e travessias pelo Brasil e por alguns países da América do Sul .

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