AventureBox
Crie sua conta Entrar Explorar Principal
Edgar Perlotti 07/08/2015 13:59
    Uma Viagem ao Monte Roraima

    Uma Viagem ao Monte Roraima

    Relato da viagem de sete dias até o topo do Monte Roraima

    Trekking Montanhismo

    Disponível em: http://www.trekkingbrasil.com/uma-viagem-ao-monte-roraima/

    Em 1912, a selva amazônica ainda guardava, em seus recantos inexplorados e misteriosos, um misterioso segredo: um planalto onde criaturas, isoladas durante milhões de anos, sobreviveram às mudanças que exterminaram seus semelhantes do restante do mundo. Um grupo de quatro aventureiros ingleses partiu para esta região e encontraram o santuário pré-histórico.

    Um destes homens conta: “Durante um dia inteiro caminhei ao longo da gigantesca encosta com a esperança de encontrar um ponto acessível. Mas não encontrei. A rocha em forma de pirâmide de onde abati o pterodáctilo me pareceu mais acessível. Como tenho prática de alpinismo, logrei chegar até a metade do caminho ao cume. Depois, somente as lascas rochosas me ofereciam asperezas capazes de permitir a escalada. Subi, finalmente, e lá de cima consegui lançar um olhar sobre o misterioso planalto. Pareceu-me muito extenso, com imensas áreas de floresta. Embaixo, a muralha natural é cercada por pântanos, onde as serpentes, os mosquitos e as febres formam uma barreira tão temível, que explica o isolamento em que se manteve o platô.”

    Este é o retrato da região do Monte Roraima desenhado por Sir Arthur Conan Doyle (o mesmo autor das aventuras de Sherlock Homes), no livro “O Mundo Perdido”, de 1912. Em 2009, a região foi redescoberta pela Disney, no desenho “Up – Altas Aventuras”. Por diversas vezes, andando pelos labirintos de pedra no topo, tive a sensação de que encontraria um desses pterodáctilos. Em outras vezes, a expectativa era de encontrar Kevin, a ave colorida de Up, ou o cachorrinho Dug.

    O Monte Roraima é um “tepui”, formação bastante semelhante às grandes chapadas brasileiras. A estimativa é de que ele tenha se formada a mais de 2 bilhões de anos, antes mesmo da separação dos continentes. Seu topo tem uma extensão aproximada de 90 km2 e marca a divisa entre Brasil, Venezuela e Guiana.

    Roraima deriva da língua indígena pemon e significa “Monte Verde”. Segundo a lenda dos índios Macuxi, no passado não existia nenhuma elevação no planalto em que viviam. Certo dia, surgiu uma grande e imponente árvore na região, dando belos e incríveis frutos. Os deuses advertiram ao pajé que não se deveria tocar na árvore ou nos frutos, alegando que se tratava de um ser sagrado. Um desconhecido, porém, desobedeceu a advertência e os deuses foram inclementes: aves e caças fugiram, o solo se tornou infértil e uma grande tempestade fez surgir no local da árvore o Monte Roraima. Até hoje, a natureza continua mostrando sua tristeza através das lágrimas que correm pelos paredões rochosos e as nuvens que estão constantemente ao redor do tepui.

    Chegar ao topo desta mágica montanha estava nos meus planos há algum tempo. Finalmente, perto do final de 2010, surgiu a oportunidade e me juntei a uma expedição de sete dias, através da savana venezuelana e o topo do Monte Roraima.

    O primeiro passo é chegar até a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, que está na divisa com o estado brasileiro de Roraima (aproximadamente 230 km de Boa Vista). Em Santa Elena é possível contratar guias e carregadores, que cobram por volta de R$50/dia (200 bolívares/dia) para tomar parte na expedição. Outra opção é contratar uma agência, brasileira ou venezuelana, para organizar a expedição. É importante lembrar que se você vem de território brasileiro deverá passar pela migração na fronteira Brasil-Venezuela. Cruzar fronteiras terrestres entre o Brasil e seus vizinhos exige uma boa dose de paciência e bom-humor. Ouvi relatos de pessoas que tiveram que refazer toda a programação de expedição ao Monte Roraima, porque o funcionário que deveria carimbar os passaportes na fronteira decidiu não ir trabalhar até depois do almoço. Outra coisa importante, a fronteira fecha depois das 17h.

    De Santa Elena, usando veículos 4×4, chega-se a uma aldeia tuarepán, Paraytepui. Ali também é possível contratar os indígenas como guias e carregadores. Eles são bastante experientes, mas vale conversar com quem você for contratar antes. A maior parte dos indígenas já está bastante acostumada com o fluxo de turistas e sabem guiar muito bem. Outros, porém, ainda são bastante tímidos e, embora conheçam muito bem o lugar, terão dificuldades em interagir.

    Se você tiver optado por uma agência, tudo deverá estar organizado e, no máximo, você poderá contratar um guia pessoal, quando não estiver em condições, ou não tiver vontade, de carregar sua própria mochila.
    Da aldeia segue-se em uma caminhada de aproximadamente 15 km até o acampamento do Rio Tek. O caminho é muito bem demarcado, com praticamente nenhum obstáculo e sem variação de altitude. Ou seja, o primeiro trecho é longo, mas é plano. Além disso, caminha-se o tempo todo diante dos imponentes tepuis. Além do gigante Monte Roraima, ao seu lado está o Kukenán. Segundo os índios, as montanhas são gêmeas. O Kukenán possui a energia negativa e o Roraima a energia positiva, mais ou menos como uma versão em pedra do clássico embate entre Rutinha e Raquel. Assim como na novela, o irmão malvado, o Kukenán parece ser maior e mais bonito. Na verdade, na maior parte das fotos, é ele quem está mais visível, geralmente com menos nuvens que o irmão mais famoso. De perto, observa-se que o ângulo em que estão é que faz parecer o Roraima menor.

    No acampamento do Rio Tek, ainda com temperatura amena, pode-se tomar banho no rio de mesmo nome. Uma boa água gelada para começar bem a expedição. Nossa primeira noite na região foi marcada por um céu incrivelmente estrelado. Os nossos guias e carregadores fizeram a comida – por sinal, a comida desses dias de trilha foram um dos pontos altos.

    No dia 2, o objetivo era sair do acampamento do Rio Tek e chegar ao acampamento base, perto do paredão. Seriam apenas 8 km de caminhada, mas já com forte desnível, ao redor de 800 m (saindo de 1000m acima do nível do mar e chegando a 1800m). Pelo segundo dia seguido, tivemos sol ao longo de toda trilha e o Monte Roraima continuava se mostrando, ao contrário da expectativa. No geral, as expedições relatam muita chuva, mesmo na época de seca (dezembro a abril), além de nuvens eternas ao redor dos tepuis. Teríamos sol e tempo bom até chegar ao topo, quando já tínhamos uma chuvinha leve, tempo encoberto, com poucos e bons momentos de céu aberto. Na descida, chuva apenas a noite, mas leve, sem maiores dificuldades.

    Logo no começo dessa trilha se cruza dois rios: o Tek e o Kukenán. Sem maiores dificuldades, visto que não estava chovendo. Com chuva, os rios ficam mais fortes e pode ser necessário usar as cordas fixas para fazer a travessia.

    Fizemos este trecho bem rápido e tivemos uma boa tarde de descanso no acampamento base, esperando o ataque no dia seguinte. Ambos os acampamentos possuem lugar coberto para usar como cozinha. No acampamento base também dá para tomar banho em um rio próximo. Pontos de água potável estão por toda parte. O pôr-do-sol neste dia foi memorável, um dos mais incríveis que eu já presenciei. E também tomei um banho inacreditavelmente gelado.

    No terceiro dia tínhamos a frente um desnível de quase 1000m em um trecho de 4,5 km. O ataque se dá pela via conhecida como Rampa do Roraima, com alguns trechos de escalaminhada. O trecho que merece mais cuidado é o Passo das Lágrimas, onde se tem que atravessar por baixo ou pelo lado de duas cachoeiras. Meu grupo escapou deste primeiro teste, a falta de chuvas reduziu as cachoeiras a poucos pingos de água.

    Também é possível escalar pela parede neste ponto. Só não dá para esquecer que se trata de um big wall. Em geral, leva-se de 6 a 8 dias na via desta parede. Pelos paredões da Guiana e Brasil só se sobe ao topo usando vias de escalada com a mesma ou ainda maior dificuldade. Eliseu Frechou, Fernando Leal e Marcio Bruno, conquistaram a via Luz e Trevas, no lado guianense em 2009.

    A chegada ao topo é marcada pelo Rosto de Macunaíma, o guardião do Monte Roraima, e suas gárgulas. Além disso, já se pode ver a primeira de uma série gigante de tartarugas. Esta primeira é voadora. Esta era uma das coisas mais divertidas de estar no topo. Ao invés de ficarmos tentando encontrar formas nas nuvens, fazíamos isso com as pedras. Ali encontramos crocodilos, cachorros, gatos, escaladores, galinhas e até um carro, o Maverick, o ponto mais alto do tepui com 2.875m.

    O topo é um grande labirinto de arenito e uma flora rasteira formada, principalmente, por plantas insetívoras (ou carnívoras), bromélias e orquídeas. Cristais de quartzo estão por toda a parte. Sob tudo isso, uma bruma que muda de lugar o tempo todo. O cenário é mágico, é como ser transportado para uma realidade paralela.

    Até então, as trilhas eram bem demarcadas e feitas sem necessidade de ajuda dos guias. Já no topo, a coisa muda completamente. É muito fácil perder o senso de direção. É mais ou menos como estar em um deserto, sem noção de profundidade, distância e direção. Aqui, principalmente em dias de muita névoa, é fundamental estar acompanhado de um guia experiente. Se perder no Monte Roraima pode não ser uma boa ideia (lembrando que estou falando de um topo com 90 km2 e vários trechos pouco explorados).

    Neste primeiro dia (ainda no terceiro dia de expedição) fizemos a primeira incursão no topo, em um caminhada curta de 6 km, passando pelas famosas Jacuzzis, que são piscinas naturais com o chão coberto de cristais. Banhos gelados também são constantes nesta expedição (bom, pelo menos teve banho todo dia).

    O acampamento foi feito no que os índios chamam de “Hotéis”, grutas naturalmente esculpidas em paredões de arenito. É um total de sete hotéis, com capacidade para aproximadamente 150 pessoas. Aqui também é importante destacar: no período de ano novo e janeiro existe um volume muito grande de turistas subindo o tepui. Estando em uma expedição privada, sem agência, é possível não conseguir lugar para acampar nos hotéis e ter que acampar sem abrigo da chuva e ventos constantes do topo.

    No segundo dia no cume (quarto de expedição) fizemos um ataque rápido ao Maverick, o ponto mais alto, e ainda visitamos a “Janela” de onde é possível ver o Kukenán em dias limpos (não foi o nosso caso). Também visitamos o Salto Catedral, uma cachoeira bem grande em um labirinto de pedras, com formas de colunas e santos, como uma catedral mesmo. Terminamos o dia entrando em uma caverna próxima. Uma das coisas incríveis do Roraima, existe um labirinto debaixo da terra que cruza boa parte do tepui. Explorá-lo só para pessoas bem equipadas e experientes.

    No terceiro dia (quinto da expedição), fizemos a maior caminhada, um total de 32 km, chegando até o Ponto Triplo, onde está demarcada a divisa entre os países. O ponto também marca o sétimo ponto mais alto do Brasil com 2739 m (nesse caso, considerando a lista mais recente do IBGE e desconsiderando os picos sem nome no Caparaó, que ainda estão sob avaliação). Dali se caminha pelo lado brasileiro. Para se ter ideia, 85% do tepui fica na Venezuela, 10% na Guiana e 5% no Brasil. O lado brasileiro é formado por um grande labirinto, mais simples que o existente no lado guianense, que é praticamente inexplorado. Depois se cruza um pequeno e lindo bosque e chega-se a um mirante de onde se pode observar a Floresta Amazônica brasileira e um tepui menor, chamado Roraiminha.

    Algumas expedições aproveitam este dia para dormir em um hotel próximo desta área, chamado Coati. Dali é possível chegar no Lago Gladys (batizado em homenagem ao livro do Conan Doyle) e a Proa, onde a turma do Eliseu Frechou abriu a via. Existe uma dificuldade em ir até esta região que é convencer os indígenas. Eles não gostam muito desta parte porque acham que chegar até lá é muito inviável. De fato é necessário fazer um rapel em uma fenda para atingir a proa. Nosso grupo escolheu não dormir ali para evitar perder o lugar no hotel em que estávamos.

    Nesse dia ainda visitamos “El Fosso”, um buraco de quase 10 km com uma queda de água e entradas subterrâneas. Passamos também por um dos vários Vales de Cristais e pela nascente do Rio Arabopo, que cai em terreno brasileiro (existem quatro nascentes no topo do Monte Roraima).

    O dia seguinte, o sexto, seria da descida. O que fizemos em dois dias na subida foi feito em apenas um na volta. Caminhamos do topo até o primeiro acampamento (Rio Tek) em aproximadamente 5 horas, num total de aproximadamente 16 km. Agora, ao contrário da subida, pegamos o Passo das Lágrimas com MUITA água e cruzá-lo foi como entrar em uma ducha muito forte e fria. Depois desse trecho, que merece muito cuidado (ficamos sabendo de dois acidentes no dia que descíamos: uma perna quebrada e uma pedra que caiu na cabeça de um carregador), o resto da descida é tranquila, mas bastante cansativa.

    No final, depois de acampar novamente no Rio Tek (e comemorar o sucesso com a única bebida disponível por ali, uma cerveja Polar Light quente, que estava ótima), seguimos os últimos 15 km de volta para a aldeia, onde nosso 4×4 nos trouxe de volta para o Brasil.

    A experiência de subir ao Monte Roraima é incrível e quase indescritível. O lugar é emocionante, misterioso, lindo. É importante lembrar que o lugar é sagrado para os indígenas de toda a savana venezuelana, brasileira e guianense (os índios brasileiros, inclusive, evitam se aproximar da montanha) e, portanto, todo o respeito é necessário.

    Enfim, mais do que recomendo a expedição. Vale muito a pena, exige um bom preparo físico, bons equipamentos (o frio no topo é forte, além das chuvas constantes) e bom humor para enfrentar os perrengues. Em compensação, se consegue tudo que os amantes das montanhas adoram e volta-se para o mundo real como uma nova pessoa.

    Edgar Perlotti
    Edgar Perlotti

    Publicado em 07/08/2015 13:59

    Realizada de 27/12/2010 até 02/01/2011

    Visualizações

    3687

    1 Comentários
    Luiz Paulo Nunes 20/04/2016 17:21

    show de bola

    Edgar Perlotti

    Edgar Perlotti

    Monte Santo de Minas - MG

    Rox
    156

    Mineiro de nascimento, paulistano por bastante tempo, mergulhador e entusiasta do montanhismo, cicloturismo, kayaking e tudo que tenha a ver com o mundo outdoor

    Mapa de Aventuras
    www.tripline.net/trip/RTW_Trip-35625237772010108EF7C520830FE432