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Um TBT difícil de esquecer

    Chapada Diamantina, 3 anos atrás. Passei 6 meses planejando essa viagem que seria a estreia da minha nova bike. E quase foi uma tragédia

    George Araujo
    28/10/2020 02:59

    Passagens aéreas, quatrocentos e tantos km de bus de traslado até o interior da Bahia e hospedagem garantida.

    Decidi reviver o espírito natural do homem pedalando em meio a natureza e a solidão do mundo. Depois de 5 dias espetaculares acampando no meio do nada e bebendo água da chuva eu estava realizado. Faltando 18km até o ponto onde eu concluiria minha jornada naquele local inóspito, eu sinto de repente um solavanco repentino e a roda dianteira da bike trava dentro de um buraco escondido pela sugeira da enxurrada. Nessa hora vejo o chão se aproximando da minha cara à velocidade da luz. E um "Ai caralh...! Escuridão.

    Não sei quanto tempo fiquei desacordado. E quando recobro a consciência, percebi que algo muito ruim havia acontecido. Eu estava tetraplégico! Meu corpo todo formigava e só conseguia mexer a cabeça. Melhor que não tivesse enxergando, pois o que eu via ali nada me agradava. Fiz uma oração para manter a calma para poder pensar com a razão. Fechei os olhos e esperei por horas até sentir que os dedos do pé e da mão direita esboçavam um movimento discreto. Era como aquela sensação de ter dormido por cima do membro. Eu estava apavorado mas dizia pra mim mesmo que não estava tão apavvorado assim, pois sabia que naquele local não passaria ninguém nos próximos dias, já que era meio de semana e também baixa estação. O sol já estava baixo e por isso eu deduzi que fiquei fora do ar por umas 4 horas. E teve um momento para mim que foi muito marcante. Eu adormeci e sonhei. E no sonho eu me dirigia a um ser grandioso e dizia baixinho com a cara encostada no chão e raspando os lábios e dentes na terra: "Senhor Deus, eu aprendi a lição. Por favor me ajude a sair dessa, que eu prometo fazer tudo diferente até meu último dia de vida..."

    Assim que acordei, os movimentos começaram a voltar com mais firmeza. E quando tive forças para me mexer tratei logo de por em prática a administração do tempo e dos equipamentos de segurança antes que a noite caísse. Afinal serpentes e onças tinham de sobra ali. Daí, lembrei de um ditado que meu pai me ensinou e diz o seguinte: "um homem prevenido zomba do tempo". E deve ser por isso que eu ando com tantos equipamentos na mochila, que aos olhos de quem não entende muito, caçoa de mim por conta da mochila sempre cheia. Ali tinha um rádio, GPS da bike, um cobertor de emergência, um apito, uma luz de sinalização, água e alguns pedaços de rapadura. O rádio estava mudo e para poder obter algum sinal, teria que rastejar até a beira de um penhasco que dava para o Vale do Capão. Sai feito uma minhoca por uns 30 metros e consegui contato com os bombeiros (pois já havia gravado a frequência caso precisasse). Após um breve resumo do meu estado geral, pediram a minha localização e mandei após consultar o GPS. E para minha alegria, o atendente pediu que eu aguardasse no local que eles chegariam onde eu estava por volta da meia noite. Isso porque eles teriam que se deslocar da base até o parque, e do parque caminhar 18km, pois o único acesso é a pé ou por helicóptero. Esperei confiante.

    O engraçado é que nesses momentos de aflição, ansiedade, solidão e traumatismo, você enxerga coisas que não existem de fato. Vi pessoas perto de mim, escutei músicas ao longe, luzes, e até um cavalo pastando do meu lado. Fazia 16 graus, e sorvia um pedaço de rapadura para me manter aquecido debaixo da folha de papel alumínio. Dividia o espaço com mosquitos, formigas e vagalumes. Mas o céu estrelado era o mais bonito que já tinha visto e olhar pra cima confortava minha alma. Depois de muita espera, finalmente eu vi luzes de verdade, que eram as da equipe de resgate se aproximando pelas minhas costas. Havia bombeiros militares e guardas do ICMBIO. Ao todo oito pessoas. Eles me examinaram e decidi caminhar até onde desse e assim foi feito pelos 18km de volta até a viatura. Cruzamos trilhas, riachos com água pela cintura, descemos as Gerais dos Vieiras num desnível de mais de 500m escorregando a bunda entre as rochas. E depois de caminhar e caminhar, vi o primeiro poste de iluminação da cidade. Ali estavam as viaturas que aguardavam pra me levar ao hospital em Lençóis.

    Já era de manhã quando conclui os últimos exames de imagem, fiquei em observação. Felizmente tive apenas uma compressão da medula espinal e estiramentos diversos, uma concussão grave e os miolos intactos graças ao capacete que se despedaçou em 10 mil partes. Agradeço imensamente a Deus por estar vivo e à equipe de salvamento. Porém aprendi muitas lições com esse episódio. Uma delas, é que por mais que você planeje e deseje que tudo saia conforme o planejado, a natureza é imprevisível, implacável e muito mais poderosa que você. Então concluí que aquilo que te dá muito prazer pode te matar no final das contas. Por muito menos que isso, devemos agir com prudência e medir os riscos. E existem dois tipos de risco: o aceitável e o estúpido. Você não quer este último, pois se você morrer, além de estar morto, você passou por uma grande vergonha.

    2 Comentários
    Jeff Almeida 29/10/2020 18:02

    Parabéns pela perseverança!

    George Araujo 29/10/2020 19:50

    Obrigado parceiro. A boa ira (coragem) dada por Deus me motivou ainda mais a sair daquela situação .

    George Araujo

    George Araujo

    Pernambuco

    Rox
    83

    Professor Tirador de fotos @georgearaujo_ Ciclista bruto

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