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Peter Tofte 11/01/2021 15:32
    Água Suja, alma limpa!

    Água Suja, alma limpa!

    Trekking de 5 dias na região do rio Água Suja, circuito bem selvagem e inédito na Chapada Oeste, com vistas maravilhosas e companhia idem!

    Trekking Montanhismo Cachoeira

    Foto portada: pico do Itobira. Foto avatar: flor de maracujá do mato. Ambas de Cristina Macedo (Sheetara).

    "What we get from this adventure is just sheer joy. And joy is, after all, the end of life"

    "O que nos obtemos desta aventura é somente pura alegria. E alegria é, ao fim de tudo, a finalidade da vida"

    George Mallory, quando perguntado qual a utilidade de escalar o Everest.

    A ideia desta trilha surgiu há cerca de dois meses ao fazer a Travessia Serras Altas com Fernanda May e Thais Cavichioli (ver relato Serras Altas). No topo do Guarda Mor olhei para o Sul-Sudeste, em direção a Arapiranga e o vale do rio Água Suja me chamou a atenção pelo relevo e beleza. Coloquei-o na minha wish list e conversei com amigos sobre a ideia. Toparam e o período que tinha disponível coincidiu com o deles, entre Natal e Ano Novo. Seria um trekking de exploração pois não havia nenhuma informação sobre trilha em alguns trechos. Provavelmente seríamos os primeiros a fazer o circuito proposto. Tivemos duas reuniões de planejamento em Salvador.

    Miguel Moraes, amigo e guia de Mucugê, também me falou do vale do rio Mocotó, afluente do Água Suja. Inclui este rio também no roteiro. Mas o Miguel não pode ir porque a pousada do pai dele estaria movimentada neste período.

    Conseguimos alguns tracklogs, especialmente no Wikiloc: os trechos Bitencourt-Cachoeira Lavra Velha e Itobira-Guarda Mor. Mas a maior parte do planejamento foi baseado em mapa e nas imagens de satélite do Google Maps porque eram lugares pouco ou não percorridos por trilheiros.

    26/12 – Guarda Mor.

    Eu, Cas, Cris e Fábio chegamos no Guarda Mor, em Catolés, distrito de Abaíra, quase escurecendo depois de 8 horas de viagem desde Salvador. Procuramos Seu Jura e Dona Raimunda para pedir permissão para acampar na área da velha moenda de cana. Aproveitamos para encomendar o jantar do dia 31/12, dali a 5 dias, quando retornaríamos da trilha. Após o acerto fomos montar as tendas, tomar um banho de rio e preparar nossa janta. Tínhamos cerveja artesanal deliciosa, fabricada por Cris e Fabio, dentro de um cooler com gelo e bebemos em torno da fogueira. Noite divertida. Sobrou cerveja para os quatro já que era uma provisão originalmente para seis pessoas. Mas, num esforço heroico, não desperdiçamos a bebida.

    Minha tarp ao lado da moenda..

    27/12 - Dia do marcha a ré.

    Manhã seguinte desarmamos o acampamento e esperamos Rodrigo e Sandra que estavam vindo no carro deles. No dia anterior eles ficaram em Mucugê tentando resolver um problema no radiador do automóvel. O combinado foi que esperaríamos até 10 horas, caso contrário partiríamos sem eles. O cronograma do circuito estava bem enxuto, sem tempo de sobra.

    Felizmente por volta de 9 horas eles chegaram e imediatamente começaram a fazer a arrumação final das mochilas.

    Às 10:00 começamos a subir o Rolling Stones, uma das subidas mais temidas da Chapada, devido ao terreno íngreme e acidentado, ainda por cima com carga máxima, pois ali iniciávamos a trilha de 5 dias. Rodrigo estava com 5 kg só de equipamentos fotográficos. A razão do nome da subida era óbvio, pedras soltas que poderiam ser deslocadas ao pisar nelas, representando um perigo para quem estivesse abaixo.

    Na foto, esquerda para a direita, com os nomes de trilha (no relato passarão a ser chamados por estes nomes- com exceção de Roncador e Xamã, todos eles baseados em desenhos animados).

    Cris (Cheetara), Fabio (Speedy Gonzalez), eu (Papa Léguas), Rodrigo (Roncador), Sandra (Docinho) e Cas (Xamã).

    Foto Cris.

    Subida cansativa, com alguma exposição e escalaminhada. Depois de uma hora e meia estávamos no colo, onde recuperamos o folego e tiramos fotos.

    Vista do colo direção NE, para a Serra da Tromba e 3 Picos.

    Foto Rodrigo.

    Descemos então pelo lado oposto para o vale dos Cristais. Nesta descida aproveitamos para descansar e fazer um lanche num córrego.

    Chegamos no vale dos Cristais, local de um acampamento feito em outra ocasião (ver relato "No Topo do Nordeste – Pico do Barbado, 2.033 Metros"), as margens do córrego Água Suja, as 13 horas. O córrego Água Suja, apesar do nome, tem águas límpidas como qualquer outra da Chapada. Nos mapas há conflito quanto ao nome e o trajeto do rio. O planejado era reencontrar o Água Suja bem mais abaixo no Sul e bem mais caudaloso. É incrível o trajeto que este rio faz nestas serras.

    Perguntei ao pessoal se queriam continuar ou acampar ali mesmo, mas opinei que era cedo. Ressaltei que ali era o local de acampada seguro. Dali em diante seria terra incognita e desconhecia se haveria bons lugares para acampar.

    Pessoal determinado, optou por continuar. Pegamos então um gerais, agradável para andar. Formamos uma frente para procurar a trilha (ou caminho de bois?) que havia visualizado na visão de satélite do Google Maps. Speedy Gonzalez rapidamente a achou.

    Tocamos pela trilha rumo Sudeste. A ideia era encontrar a interseção com a trilha que eu havia feito em outubro passado e ir para o Camp 2 da travessia Serras Altas, lugar bom para acampar. Localizei a interseção mas ao utilizar o Wikiloc para seguir offline trecho do roteiro Serras Altas não consegui abrir esta trilha. Paciência, tentaria de memória. Entretanto, ao buscar o trajeto mais fácil, acabamos derivando para a esquerda, bem abaixo do ponto. Avistei bem lá embaixo do vale o Água Suja, mas parecia estar dentro de um cânion profundo. Poderíamos andar no vara mato até lá e descobrir que não havia local bom para acampar e sem acesso fácil a água.

    Pelo avançado da hora, decidimos voltar até um ponto em que um outro rio seguia paralelo a trilha. Nova decepção. Uma mata ciliar alta e fechada tornava difícil acessar a água. Resolvemos retornar mais ainda pela trilha que já havíamos percorrido, para um ponto bonito onde no início da tarde cruzamos um riacho com uma pequena cachoeira. Acampamos ali no final da tarde.

    Foto Rodrigo.

    A cachoeirinha.

    No jantar todo mundo com inveja da comida desidratada feita por Speedy Gonzalez e Cheetara.

    Noite agradável, lua quase cheia. Já deitado, um vento insistia em sacolejar o tecido da minha tarp. Perdi a paciência e decidi derrubá-la e ficar só no saco de bivaque, com o tecido da tarp em cima. Os companheiros ao acordar na manhã seguinte disseram que eu parecia um crepe, todo enrolado. Quase meu apelido virava crepeter.

    28/12 -Vara mato e surpresa

    Decidimos no conselho de guerra que seguiríamos para o Sul pela trilha que usamos no dia anterior. Não faríamos mais a derivação para a direita procurando o Camp 2 da travessia Serras Altas. Afinal a trilha que percorremos no dia anterior rumava para o Sul-Sudeste, na direção do Poço do Melado, onde planejávamos chegar hoje. Além disso descer pelo leito do Água Suja (ideia original) pareceu ser uma tarefa bem difícil.

    Seguimos por uma trilha fácil, por gerais, cenário bonito.

    Speedy e uma formação rochosa formando uma ilha nos gerais.

    Chuviscou um pouco, o que seria a única chuva destes 5 dias. Não havia rastros de gente no caminho. Apenas de bois e animais silvestres. Por volta de 11 horas chegamos num empedrado onde a trilha desaparecia. Docinho descobriu uma toca, ao que parece utilizada esporadicamente por vaqueiros. A batizamos de toca da Docinho. Procurando água descobri a continuação da trilha, que contornava o empedrado pela esquerda. Achamos um ótimo lugar para banho, perto da toca. Imaginamos futuramente eleger este lugar como ponto de acampamento noutra expedição.

    Docinho e sua toca.

    Foto Rodrigo.

    Perto da toca a ossada de dois bois. Morte matada ou morrida? Estes gerais altos, campos de altitude são boa pastagem na época da seca. Os antigos fazendeiros levavam o gado para estas áreas na estiagem, a chamada invernada, porque ocorre no inverno. Os Gerais do Machambongo (Chapada Sul) é outro exemplo de local de invernada.

    Boi cabeludo!

    Foto Rodrigo.

    Sempre seguindo a trilha/caminho de boi, o desafio agora era descer para o leito do rio Água Suja, a nossa direita, cada vez mais baixo em relação ao platô elevado que percorríamos. Resolvemos seguir rumo sul o máximo possível para ver se a trilha descia para o rio. Infelizmente não havia descida (ou não encontramos) confirmando a suspeita que a trilha era caminho de boi procurando pasto.

    Num ponto, quase no final do platô, resolvemos explorar as descidas. Quebramos a cara duas vezes ao descobrir encostas impossíveis ou muito trabalhosas. Speedy comentou “Que falta faz um drone!”

    Finalmente achamos uma encosta com declive menor e mais promissor. Avistei dois macacos-prego numa matinha que cruzamos. A descida foi trabalhosa, era vara mato.

    Chegamos finalmente no rio Água Suja e… surpresa! Uma bela cachoeira a direita e um bonito ponto de acampamento! Eram 15:30 e decidimos acampar ali mesmo, desistindo da ideia de ir para o Poço do Melado (uma ou duas horas mais ao Sul).

    Linda cachoeira, bom banho.

    Foto Cris.

    Cachoeira revigorante. O rio também formava uma jacuzzi. A única coisa que fazia lembrar que não estávamos no paraíso era a quantidade de mutucas, que pareciam ter uma predileção especial pelo Roncador. Depois, consultando o mapa, descobrimos que o local era conhecido como Mutuca!

    Bebemorando depois de um dia cansativo.

    Foto Cris.

    Com a noite as mutucas desapareceram e após o jantar uma conversa agradável ao pé da fogueira. O terreno plano e arenoso onde montamos as barracas ajudaram no sono. Na tarp, ao abrir o olho, olhava os arredores iluminados pela lua.

    Fogareiro pirolítico do Speedy.

    Foto Rodrigo.

    29/12 – Vale encantado

    O pessoal, para minha tristeza, acordava em torno de cinco ou cinco e meia. Especialmente os fotógrafos, Cheetara e Roncador, procurando tirar fotos na hora dourada. E eu querendo dormir até mais tarde.

    Nosso primeiro objetivo no dia era uma casa de fazenda que era possível ver na foto de satélite e que avistamos ontem na descida. Estava pouco abaixo, no outro lado do rio. Como o rio era empedrado subimos a margem mas caímos num matagal precisando usar o facão por alguns minutos. Após uma descida saímos num brejo de onde alcançamos a casa. Estava abandonada e semi arruinada. Tinha uma casa de farinha movida a roda d’água (possivelmente também havia um gerador movido pela água) e uma moenda de cana.

    Tiramos fotos, colhi mangas e buscamos a trilha que liga o sítio até uma estrada de terra.

    Flores selvagens na casa abandonada. No dia anterior havíamos descido a montanha ao fundo.

    Da trilha chegamos numa estrada 4x4 que estava algum tempo sem uso por veículos. Ao cruzar um rio dobramos a direita para um pasto encontrando uma trilha bem batida que entrava no vale do rio Mocotó, tributário do Água Suja. A trilha subia o vale pelas encostas, no lado da margem direita verdadeira. Lá embaixo víamos uma sucessão de cachoeiras encantadoras.

    Encontramos três pescadores logo no começo do vale. Mas desconheciam a trilha adiante.

    Consegui finalmente acessar o Wikiloc e percebi que quem marcou a trilha que salvei no celular na verdade seguiu pelo leito do Mocotó. Como estávamos pesados e com tempo corrido optamos prosseguir pela trilha acima do rio, nas encostas do vale, com avanço bem mais rápido. As vistas a nossa direita eram espetaculares.

    Mais adiante avistamos duas belas cachoeiras em sucessão. Posteriormente soubemos que se chamavam Duas Irmãs. Antes de as alcançarmos passamos por uma área que pensei ser um desmoronamento da encosta. Na verdade era um garimpo ilegal (possivelmente de ouro).

    Numa bifurcação da trilha descemos para as Duas Irmãs onde Xamã e Docinho tomaram um banho e todos lanchamos, apesar de ser cedo, por volta das 11 horas. Lugar aprazível para acampar. As Duas Irmâs são lindas.

    Vista de cima, ainda distantes das Irmãs.

    Foto Rodrigo.

    Uma das quedas.

    Foto Rodrigo.

    Não encontramos a continuação da trilha a beira do rio. Resolvemos seguir o leito até a cachoeira Lavra Velha, mais rio acima, nosso objetivo no dia.

    Enfrentamos vara mato nas margens e pula pedra no leito, com avanço lento. Chegamos num ponto difícil onde, em rápida confabulação, sugeri voltar e subir para a trilha original, que ia para um vale lateral. Minha intuição dizia que aquela trilha seguiria pra Bitencourt, perto de Mato Grosso (o vilarejo mais alto da Bahia). O pessoal concordou e voltamos (outra marcha a ré).

    Subimos então o vale lateral do rio da Rama (tributário do Mocotó) que também tinha cachoeiras. Alcançamos o topo e a trilha ficou plana, com bonitos trechos para acampar nas margens do rio da Rama. Em determinado ponto a trilha dobrou para a direita e se afastou do rio, em direção a Bitencourt e da Lavra Velha, confirmando a minha suposição. Chegamos numa bifurcação, lá consultei o Wikiloc e constatei que chegamos na trilha Bitencourt-cachoeira Lavra Velha. Seguimos para a direita e após 40 minutos avistamos no vale lá embaixo a queda d’água. Demos o maior balão para chegar nela mas me pareceu a decisão acertada. Leito de rio e vara mato são mais cansativos e arriscados. Além disto conhecemos outro belo trecho da região.

    Chegando na Lavra Velha.

    Foto Rodrigo.

    Atravessamos o rio e tomamos um bom banho no largo poção da cachoeira. Decidimos voltar para a margem direita verdadeira, sugestão acertada do Roncador, porque na margem esquerda os pontos de acampada estavam a beira d’água e ficaríamos ilhados no caso de chuvas e aumento do caudal do rio.

    Xamã nadando no poço da cachoeira.

    Encontramos bons lugares para acampar na encosta. Eu achei um terraço formado por uma laje de pedra com vista excelente para o rio onde armei minha tarp.

    Noite agradável com lua quase cheia. Contamos causos. Maravilhoso o entrosamento do grupo. O vale do Mocotó que subimos hoje é lindo, encantador. E pouca gente conhece. Não avistamos pessoas na trilha, exceto alguns pescadores logo no início do dia.

    30/12/2020 - Itobira

    Acordei com o trinado de um sanhaço. Olhei para a cachoeira, Cheetara já estava lá tirando fotos.

    Vista cinco estrelas da minha tarp ao amanhecer.

    Nosso objetivo do dia era o pico do Itobira, possivelmente a montanha mais emblemática da região, pela sua elegante forma que se destaca no horizonte. Alguns nativos a chamam de Itoibira ou Tobira.

    Embora pelo mapa fosse possível subir o rio da cachoeira Lavra Velha rumo 315º verdadeiro para um atalho vara mato, via mais direta para o pico, decidimos voltar pela mesma trilha até a bifurcação e dali ir para Bitencourt, zona rural, onde sabia que havia caminho para a montanha (vários anos atrás fiz esta trilha com Miguel Moraes, de Mucugê). Caldo de galinha e prudência não fazem mal para ninguém. Noutra ocasião, mais leves e já conhecendo um pouco mais do terreno poderíamos pegar estes atalhos sem trilha.

    Dias ensolarados até agora. Os mantras recitados pelo nosso Xamã estavam agradando os céus. Por sinal, sem saco de dormir, ele pegou uma coberta de microfibra e cortou um buraco no meio transformando num poncho/coberta de desenho psicodélico, sensação no acampamento.

    Partimos por volta de 8 horas e saímos do vale do Mocotó, rumo a Bitencourt. Com cerca de uma hora chegamos nesta zona rural com sítios espaçados e diversas plantações. Avistei um rapaz e fui perguntar pelo caminho para o Itobira (meu celular estava com pouca carga e não queria abrir o Wikiloc naquele momento para poupar bateria). O rapaz todo coberto de tecido (trabalhador na agricultura) na verdade era uma bonita e simpática moça que me deu orientações. Perguntei se podia pegar uns tomates maduros na plantação e ela autorizou. Voltei para o grupo com tomates pequenos e suculentos, devorados num piscar de olhos.

    Logo depois encontramos um guia com uma família que se dirigia para a cachoeira Lavra Velha. Ele também deu dicas. Quando dissemos que viemos do Guarda Mor/Catolés notou que não lidava com meninos. Mas a família olhava a gente com cara de curiosidade, provavelmente concluindo que estávamos pagando promessa por andar tanto com mochilas pesadas nas costas.

    Ainda encontramos um alemão com a esposa baiana cuidando do sítio deles, que deram mais orientações. Roncador e Docinho pegaram informações sobre sítios a venda na região. Estão comprando terras de meia Bahia!

    Seguimos a orientação e após breve trecho de estrada iniciamos a trilha com o Itobira visível no horizonte, ao Norte.

    O sol bateu forte, o bom que não faltava riachos com água. Aproveitava para molhar meu chapéu e meu shemagh. Ao enrolá-lo no pescoço a água escorria pelo corpo, refrescando-o. Hábito meu, já calejado de trilhas. Perto da montanha passamos por um belo trecho do caminho nivelado numa encosta, trabalhado com pedras, para permitir passagem de animais de carga, usado pelos tropeiros na época do garimpo do ouro.

    Perto da base do Itobira.

    Foto Cris.

    Magnífica montanha. A intrépida trupe iria dormir no cume.

    Foto Cris.

    Num córrego na mata aos pés do Itobira pegamos 3 litros de água cada um. Xamã sentou ao lado de uma pequena e elegante caranguejeira ao encher suas garrafas. Depois do susto a admiração pelas cores dela.

    Iniciamos a subida. Não tão difícil se comparada com o Rolling Stones, no primeiro dia.

    O Itobira é a 7ª montanha mais alta do Nordeste (todas na Bahia) com 1.930 m.

    No topo os dois casais e Xamã armaram barracas (três no total) e eu bivaquei numa toca, que também foi nossa cozinha.

    Pôr do sol e nascer de uma lua laranja enorme (lua cheia) fantásticos. Outra noite linda. Me lembrei da tempestade que peguei no mesmo lugar dois meses e meio atrás com Fernanda e Thaís. Agora um tempo maravilhoso.

    Bem a Oeste, destacado, o pico das Almas, outro dos picos famosos da região.

    No jantar, comida liofilizada, única coisa que tirava meu humor nesta trilha. Sorte que Speedy Gonzalez me arranjou chimichuri para melhorar o gosto.

    No horizonte, dezenas de quilômetros a oeste, avistávamos luzes vermelhas piscando no topo das torres eólicas. Triste poluição visual.

    Foi a noite mais fria, especialmente devido ao vento. No bivaque usei todos os meus recursos para não passar frio.

    31/12/2020 – Fechando o Circuito, volta ao Guarda Mor.

    Pela manhã acordamos para um espetáculo. Um mar de nuvens cobria as montanhas a Leste, deixando somente o pico do Itobira e outras montanhas mais altas acima das nuvens. Em direção ao Sul observamos uma cascata de nuvens caindo em direção ao planalto a Oeste, onde esvaneciam e sumiam. Roncador e Cheetara sacaram fotos e filmaram.

    Foto Cris.

    As 3 fotos abaixo são do Rodrigo.

    Nosso xamã, de manto, rumo ao sol, seus discípulos seguindo-o. Parece um ritual antigo de uma seita pagã!

    Mar de nuvens.

    Cascata do mar de nuvens caindo para Oeste.

    Depois do café, uma preocupação: qual caminho a seguir para voltar ao Guarda Mor? O mapa do Sapucaia, defasado, não mostrava numa escala decente. Meu Smartphone, sem carga, não carregava devido a um bug comum nos telefones da Samsung (acusava umidade na porta de carregamento e impedia a carga). E no Wikiloc deste celular estava a trilha Itobira – Guarda Mor salva para uso offline. Roncador pensou que tinha a trilha no seu GPS mas não a encontrou. Ao estudar tracklogs previamente a viagem viu que a saída era por um vale a esquerda, rumo 30º aproximadamente. Do alto da montanha eu e ele observamos o provável caminho tentando descobrir onde estava a trilha. Ele avistou uma risca na vegetação. O sol baixo permitiu criar uma sombra que denunciou a trilha! Na tarde anterior não a avistamos.

    Eu e Speedy Gonzalez descemos primeiro para procurar o começo da trilha nas encostas do Itobira. Pela lógica sabia que deveria estar num trecho menos empedrado e com vegetação menor. Desci no local onde supus que ela estaria e bingo: um tênue amassado da vegetação indicava que pessoas pisaram no local. Esperamos os demais chegarem e prosseguimos.

    A trilha Guarda Mor – Itobira é muito menos batida que a trilha Caiambola – Itobira (usada por quem vem de Rio de Contas). Vindo do Guarda Mor a distância é bem maior e o caminho bem mais acidentado. Por isso quem quer visitar o Itobira prefere vir via Caiambola.

    No caminho Roncador achou um isolante caído na trilha. Provavelmente fazia dias que não passava gente por ali.

    Ao Sul avistamos o belo vale do Água Suja. Relembrei alguns detalhes da trilha, de quando passei ali cerca de 13 anos atrás com Miguel Moraes e sua esposa Geovanka.

    Passamos ao lado da Toca da Mutuca, a entrada de uma pequena caverna. Com mais um pouco chegamos ao Vale dos Cristais, no mesmo ponto ao lado do córrego Água Suja onde paramos no dia de nossa partida, fechando o circuito. Lanchamos e tomamos um banho porque o calor era opressivo.

    Etapa final, subimos até o colo entre o Guarda Mor e o Frios Leste, de onde descemos o Rolling Stones. Roncador e Docinho, com problemas nos joelhos, desceram mais devagar. A bota de Speedy Gonzalez deu os últimos suspiros nesta descida. A velha bota do Xamã também estava toda remendada. As trilhas da Chapada não perdoam botas ruins.

    Dei um grito de alegria ao chegar lá embaixo. Circuito perfeito, sem incidentes ou acidentes, apesar de difícil, trilha raiz, com cenários maravilhosos, companhias idem, provavelmente um roteiro circular inédito na Chapada. Estava também aliviado, porque me sentiria responsável se algo desse errado já que propus e esboçei o roteiro.

    Intrépida trupe! Final de jornada.

    Foto Rodrigo.

    Nosso jantar de Ano Novo na casa do Seu Jura e Dona Raimunda, as 19 horas, teve o sabor da comida simples e boa da roça e o acolhimento da gente do sertão.

    Voltamos para o acampamento onde deixamos garrafas de vinho mergulhadas no riacho para esfriar. A noite foi em torno da fogueira. Xamã nos presenteou com um espetáculo de malabares de fogo, excepcional. Brindamos a meia-noite. Foi uma festa bonita. Comemoramos o fim de um ano difícil!

    Cenário do nosso reveillon. A descida ao fundo é o Rolling Stones. Fotos abaixo, Rodrigo.

    Brindando a passagem do ano (ufa!).

    Este grupo foi um dos mais fortes e divertidos com quem tive o prazer de trilhar na Chapada, talvez o mais forte (sem elos fracos). Todos tinham preparo físico, técnica, estâmina e espírito de equipe. E muito bom humor.

    Saímos desta trilha de alma lavada, alma limpa, depois de um ano difícil!

    No dia seguinte iríamos para a cachoeira dos Frios curar a ressaca. Mas aí deixo para outro relato.

    RECOMENDAÇÕES

    Este circuito é para quem tem experiência e preparo. Exige navegação off trail. O grupo deve ser auto-suficiente. Eventual apoio só no Guarda Mor ou em Bitencourt. Rotas de fuga possíveis: Arapiranga, Mato Grosso e Caiambola.

    A melhor época é no inverno, chove menos. Tivemos muita sorte porque não choveu, algo excepcional neste período do ano.

    Vários trechos são bem selvagens. Pela primeira vez vi macacos prego na Chapada. Muito rastro de animais silvestres. Depois da partida só encontramos pessoas no terceiro dia (os pescadores) e na passagem por Bitencourt. Acampamos sempre sozinhos.

    O processo de tomada de decisões é importante ao percorrer área selvagem e desconhecida. Decisões corretas evitam perrengues e problemas. Devem ser tomadas pelo grupo. A chance de errar é menor.

    O planejamento e o estudo com participação de todos são fundamentais. Um exemplo: o estudo prévio da rota pelo Rodrigo ajudou a descobrir o caminho de volta para o Guarda Mor, apesar de estarmos sem o Wikiloc e a trilha no GPS. O estudo também embasou nossa navegação durante a trilha em diversos trechos nos quais não tinhamos tracklog.

    Levamos 3 rádios transmissores. Sempre úteis nos momentos em que nos separávamos (procurando pela continuação da trilha ou buscando água).

    O roteiro é muito fotogênico. Vale a pena trazer máquina fotográfica, a exemplo de Cris e Rodrigo, perdão, de Cheetara e Roncador.

    São necessários calçados bons. Botas fuleiras não resistem ao terreno acidentado da Chapada. O terreno neste roteiro é bem diversificado: gerais, leito de rio, encostas pedregosas e charco.

    Não deixe o lixo em Catolés, que não tem tratamento adequado. Deixamos em Abaíra.

    O circuito nos surpreendeu pela variedade de cenários e pela beleza das paisagens, especialmente no vale do Mocotó. Pouco divulgado, pouco conhecido.

    Relato dedicado ao nosso grande Xamã. Reza forte! Foto da Cris.

    Especial agradecimento a Cristina Macedo e Rodrigo F. De Oliveira pelas belíssimas fotos. As fotos sem credito são as minhas.

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 11/01/2021 15:32

    Realizada de 26/12/2020 até 31/12/2020

    Visualizações

    779

    14 Comentários
    Fabio Fliess 11/01/2021 19:57

    Em breve meu amigo.

    Alberto 12/01/2021 15:44

    Excelente trilha e relato Peter. A Chapada ainda nos surpreende. Parabens a todos!

    Peter Tofte 12/01/2021 16:17

    Vamos revisitá-la Beto!

    Rodrigo Oliveira 12/01/2021 16:59

    sem dúvida, e explorar suas outras opções...

    Fael Fepi 14/01/2021 13:57

    Show de bola Peter, Parabéns por compartilhar esse roteiro inédito.

    Peter Tofte 26/02/2021 15:15

    Valeu Fael!

    Danilo Fonseca 28/06/2021 18:25

    Parabéns Peter, pela conquista e pela riqueza dos detalhes compartilhados!! Forte abraço

    Peter Tofte 29/06/2021 11:22

    Valeu Danilo!

    Peter Tofte

    Peter Tofte

    Salvador, Bahia

    Rox
    3896

    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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    Mínimo Impacto
    Manifesto
    Rox

    Fabio Fliess, Dri @Drilify e mais 442 pessoas apoiam o manifesto.