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Peter Tofte 01/12/2021 18:54
    Pássaros, montanhas e florestas encantadas.

    Pássaros, montanhas e florestas encantadas.

    Trekking solo da parte baixa de itatiaia até o Rebouças via Rui Braga, seguida da travessia Serra Negra até Maromba num total de 4 dias.

    Foto portada: amanhecer com Agulhas Negras ao fundo. Avatar: filhote de Surucuá.

    Férias. Iria para o Rio visitar meus tios já idosos e buscar uns pertences de minha mãe que passou a morar na Bahia. Mas meu irmão se antecipou e me fez este favor de trazer as coisas.

    Deste modo sobrou tempo para uma trilha, repetindo a dose de julho de 2018 (ver o relato “Duas em uma: Rui Braga + Rancho Caído”). O Parque Nacional Itatiaia (PNI) é muito legal e queria também conhecer a Serra Negra, que amigos recomendaram.

    Por que duas trilhas de uma vez (Rui Braga e Serra Negra)? 1) Não vale a pena viajar para o Rio para fazer apenas uma; 2) É mais exigente e esportivo, subir de Itatiaia (parte baixa) até o Maromba/Mauá; 3) Passa por 3 biomas, mata atlântica, mata nebular e campos de altitude e; 4) mais econômico, não paga o transporte caríssimo até a parte alta (Registro/Posto Marcão).

    Azar: meu amigo pegou um trampo e não pode ir de última hora (não se pode recusar trabalho nestes tempos difíceis) assim tive que ir solo. Sorte: peguei uma janela maravilhosa de tempo, coisa rara neste novembro.

    Cheguei na cidadezinha de Itatiaia por volta de 17 horas do dia 22/11 e fiquei num hotel excelente a precinho bem melhor que pousada meia boca de Mauá. A visão da Mantiqueira, envolta em nuvens, chega a dar um frio na espinha. Ela se ergue 2.000 metros acima da planície do rio Paraíba, onde estava.

    A Mantiqueira entre Passa Quatro e Itatiaia é o que sobrou de um antigo vulcão de 3 a 4 mil metros de altura. Após a erosão restou a câmera magmática, do qual o Pico das Agulhas Negras faz parte.

    Dia seguinte, cedo, após um bom café que o hotel antecipou para que eu conseguisse pegar o ônibus de 7 horas para o PNI, fui para a esquina apenas 200 metros adiante, onde ficava o ponto do busão.

    Passou pontual, recolhendo funcionários do parque e dos hotéis e apenas mais um turista além de mim.

    Na portaria do parque, uma surpresa, a funcionária da concessionária que trabalhava na recepção não havia ainda chegado. O vigilante determinou que o ônibus seguisse e não esperasse por nos. O normal é ele esperar os trâmites dos turistas na portaria. Desta forma teríamos de andar 4 km ladeira acima até o Centro de Visitantes. O vigilante falou que chamaria um carro da concessionária para nos levar ao centro. Este carro nunca chegou. Porém ele parou um taxi e perguntou se podia dar carona. O taxista olhou para a passageira, que assentiu. Eu e Walace (o outro turista) entramos alegres no táxi. A passageira era a simpática Sra. Maria Agostinha, coordenadora do ICMBio no parque. Conversamos com ela. Pediu-me para mandar depois este relato para o site do PNI e reportasse acaso encontrasse armadilhas e palmiteiros na trilha.

    Ao chegarmos no Centro de Visitantes onde a Sra. Agostinha saltou, Walace teve a ideia de perguntar ao taxista quanto cobraria para nos levar até o complexo do Maromba/Véu de Noiva, 5 km mais acima. Pediu 10 reais de cada um que pagamos com prazerc, pois na paleta significava uma caminhada de uma hora de relógio ladeira acima.

    Ao chegarmos no Maromba visitei rapidamente a bela Cachoeira Véu de Noiva.

    O Walace decidiu subir comigo um trecho da Rui Braga (só tinha ingresso para um dia e não para a travessia). Legal a companhia dele. Estava com uma câmera com zoom que deveria pesar 3 kg só o equipamento. Gostava de birdwatching e iria fotografar pássaros.

    Partimos. Ao chegarmos no chalé alpino, onde a trilha verdadeiramente começa, estranhei. A trilha era uma estrada aberta onde tranquilamente um 4 por 4 subia. Não era aquela trilha mau conservada de 3 anos atrás. Com um pouco decidi consultar a trilha gravada no Wikiloc. Não podia ser a mesma trilha! Mas o App confirmou ser ela mesma, que diferença!

    Adiante encontramos um funcionário do ICMBio descendo numa pickup. Ele parou e confirmou que estavam trabalhando na trilha e que agora o carro subia até perto do antigo abrigo Lamego a 1.522 metros de altitude. A ideia era que a partir daquele ponto quadriciclos subissem até os abrigos para dar manutenção e levar suprimentos. Outra novidade boa era a restauração de 4 abrigos no PNI (imagino que o Lamego, Água Branca, Macieira e o Massena).

    Continuamos a lenta subida. Volta e meia o Walace parava para fotografar pássaros. Até que em determinado momento decidiu voltar pois a água mais próxima ainda estava uma hora montanha acima.

    Foto e despedida.

    Passei pelo pessoal que fazia a manutenção da estrada. Cerca de 4 operários que, posteriormente soube, eram brigadistas do parque. Depois do Lamego encontrei água e fiz um lanche.

    Pouco adiante encontrei um filhote de pássaro no chão da trilha. Peguei-o para tirar do caminho (poderia ter pisado nele se não o visse) e examinar se estava ferido (muitos filhotes caem do ninho antes de saberem voar). Não encontrei nenhuma ferida aparente. Tirei fotos do simpático barbudinho.

    Fiquei na dúvida se o levava para o Posto Marcão para cuidarem dele ou deixava-o onde encontrei. Decidi deixar pois estaria no Posto Marcão só no dia seguinte e não saberia como alimentá-lo. E os pais poderiam estar por perto o alimentando (embora não os tenha observado). Coloquei-o num lugar seguro fora da trilha.

    Continuei com certo remorso. Ele poderia ser presa fácil para uma cobra ou raposa. As leis da natureza são implacáveis.

    Adiante a bifurcação para o abrigo Água Branca. Segui direto porque já o tinha visitado em 2018. E achei ele a coisa mais sem graça, não valeu a pernada.

    Vinte minutos depois, avistei o velho abrigo Macieira, todo de madeira.

    Pouco mais acima do abrigo abandonado a vegetação muda para uma característica mata nebular e, logo depois, começam os campos de altitude e as últimas vistas para o Vale do Paraíba lá embaixo.

    Cheguei no Massena 15:40 e, para minha surpresa, encontrei pessoas com redes de captura de pássaros. Era um grupo de doutorandos e bolsistas acompanhados do orientador, que faziam uma pesquisa de campo sobre parasitas em pássaros no Itatiaia.,

    Da esquerda p/ direita. Eu, Bruno Pereira Berton, orientador (Laboratório de Biologia de Coccídios - LABICOC - Depto. de Biologia Animal - ICBS/UFRRJ), Carla Maronezi (com um Pula-Pula Assobiador nas mãos), Lucas de Assis Silva Andrade, Jennifer Oliveira Melo e Carlos Nei Ortúzar Ferreira.

    Capturavam as aves e os colocavam em caixinhas de papelão. Amostras das fezes eram introduzidas em frascos com conservante para envio a um laboratório. Examinavam a penugem para ver se tinham ácaros e carrapatos (eles também têm!) e, após tomar medidas do pássaro, identificá-lo, registrá-lo na planilha num tablet e colocar uma anilha nas pernas, eram todos devolvidos a natureza.

    Comentei que para aqueles pássaros capturados era uma experiência equivalente a nos sermos abduzidos por ETs. Coincidentemente tinham a mesma comparação na cabeça!

    Cheguei a soltar um pássaro capturado. Me ensinaram a técnica para pegá-lo sem machucar.

    As excelentes redes de captura eram japonesas, hastes telescópicas de alumínio sustentavam finas redes pretas que os pássaros em voo não enxergam. A cada 15 minutos o pessoal saia das ruínas do Massena para ver se havia alguma captura. Um pássaro muito tempo na rede fica estressado e pode morrer, além do que um gavião afoito pode mergulhar em sua direção e ambos ficarem feridos. Também não é fácil tirar um gavião da malha.

    O grupo era muito competente e simpático e respondiam as inúmeras perguntas que este curioso fazia. Inclusive mostrei a foto do pássaro que encontrei na trilha e eles o identificaram como um Surucuá. E disseram que fiz o certo em tê-lo deixado lá pois ele não caiu de um ninho. O ninho desta espécie é no chão mesmo! Provavelmente estava dando uma volta por perto do ninho. Minha consciência pesada desanuviou.

    Tomei um banho de panela num pequeno córrego a 3 minutos do Massena. Me doía a cabeça ao derramar água gelada nela.

    Cerca de 17 horas desarmaram as redes (caso contrário elas passariam a capturar morcegos) e arrumaram as coisas seguindo para o refúgio Rebouças, uma hora e meia adiante, onde iriam pernoitar. O Rebouças no momento só pode ser usado por grupos de pesquisadores.

    Organizando as coisas no Massena antes de voltar para o refúgio Rebouças, onde passariam a noite.

    Posterguei a montagem da minha tenda vermelha para não espantar os pássaros. Armei no final da tarde. Fiquei orgulhoso da minha tenda tipo pirâmide que comprei usada na mão do Graxaim Congelado, referência em equipamentos ultraleves (os mais imparciais reviews e artigos técnicos brasileiros de trekking são dele). Esta tenda é muito leve (550 gr.), usa o bastão de caminhada como suporte e protege bem mais da intempérie que uma tarp. E a piramidal é a tenda mais resistente aos ventos. Meu poncho forra o chão dentro da tenda.

    Outra coisa bem leve que usei foi o fogareiro de combustível sólido (Esbit). Mas ele se presta basicamente para ferver água para comida liofilizada, sopas instantâneas e bebidas quentes. A chama não dura muito. Mas é o combustível campeão de leveza.

    O Massena é um refúgio grande que teve vida curta, especialmente pela falta de água nas proximidades. Parece atualmente uma casa mal-assombrada. Ótimo pernoite para quem curte filmes de terror.

    Entretanto tive uma noite de sono tranquila e aquecida.

    Dia seguinte fiz o meu mingau e capuccino. Pouco depois o nº 2 usando o shit tube (item agora obrigatório para quem quiser fazer travessias no PNI). Um amigo me emprestou o shit tube zerado feito por ele. Tive a honra de estreá-lo. Mas será que ele vai querer de volta? :-))

    Posso garantir que, seguindo as orientações (agachar, acertar o kibe num jornal com cal virgem e depois polvilhar ele e o papel higiênico com mais cal, enrolar o jornal, botar num saco plástico, enfiando tudo no shit tube) não é difícil, embora eu tenha sido desajeitado na primeira vez que usei o sistema. Mas não exala nenhum odor, felizmente!

    Inclusive o pessoal da pesquisa me disse que provavelmente o fator decisivo para a imposição da obrigatoriedade do shit tube no PNI foi o fato de um grupo de pesquisadores ter descoberto que animais silvestres do Itatiaia estavam contaminados por parasitas humanos.

    Estava sem pressa para partir. Apenas teria uma andada de hora e meia até o Rebouças. Reencontrei o grupo de pesquisadores que voltaram para armar o circo de redes. Observei mais capturas de pássaros enquanto arrumava a mochila. Combinei encontrá-los ao final da tarde no Rebouças. Hoje seria o terceiro e último dia da campanha deles. Deixariam o parque à tardinha.

    Caminhada tranquila passando ao lado das Prateleiras, Como era cedo desci para a Cachoeira das Flores, banho gelado e revitalizante. Resolvi comer o almolanche nas pedras do rio.

    Cheguei no Rebouças antes da 14 horas. Armei a única tenda na vazia área de camping. Bem mais tarde apareceu um casal, ele alemão, ela brasileira. Fiquei impressionado com as inúmeras viagens entre o carro e a enorme tenda deles. Puxaram até eletricidade para a barraca com o uso de uma extensão de 50 metros, ligando a tomada da cozinha do camping até a “casa” deles. Conversei um pouco com o simpático casal. Eles estavam anos luz afastados do meu conceito de trilha ultraleve. Na verdade faziam car camping. Mais confortável porém o acampamento não pode distar do carro.

    Tomei um banho na represinha perto do refúgio. Água gelada, límpida e com bonitas algas no fundo.

    Minha barraca solitária. Fora da alta estação e no meio da semana.

    Me despedi do pessoal da pesquisa quando estavam embarcando no carro da UFRRJ (Universidade Federal Rural do RJ) no final da tarde, para sair do parque. No total capturaram e soltaram 49 pássaros.

    Noite agradável sem o frio de -1ºC que peguei em 2018. Deve ter feito na noite algo em torno de 10º C. O único inconveniente da minha tenda tipo pirâmide é que o saco de dormir toca nas paredes nos extremos, absorvendo condensação no tecido e nas plumas. Mas nada que incomode.

    Acordei 5 da manhã, esquentei o café, arrumei as coisas. Conversei um pouco com o casal. Eles iriam para a cachoeira do Aiurouca, parte do meu caminho, mas sairiam do Rebouças mais tarde.

    Usei o banheiro do camping para fazer o nº 2. Tenho a sorte de ter o hábito de só fazer este serviço uma vez ao dia pela manhã, após o café. Nada de aumentar o peso no shit tube neste dia!

    Parti as 7:30 da manhã.

    Uma Amarilis no caminho para as Agulhas Negras.

    Cerca de 9 horas da manhã estava no topo da Pedra do Altar, um excelente mirante, e visualizei parte do caminho que seguiria. Vi a imponente Serra Negra.

    Desci e retomei a trilha para o Aiurouca. No caminho avistei a curiosa formação dos ovos de galinha ao Norte. As 10 horas, aproximadamente, estava na queda dágua. Desta vez fiz apenas uma rápida parada para o lanche num ponto que avistava o topo da cachoeira.

    A trilha segue o serpenteado do rio fazendo uma curva rumo ao Norte para depois voltar para o Sul, contornando um morro. Bonito andar na crista deste. Ao voltar para o Sul a trilha começa a descer para o rio Aiuruoca com o objetivo de cruzá-lo, aos pés da Serra Negra, desta vez contornando esta serra. Provavelmente uma antiga trilha de tropeiros.

    Vista da cachoeira do rio Aiuruoca, caindo do planalto do itatiaia, atrás do Agulhas Negras.

    Me chamou a atenção a falta de sinalização. Não é difícil seguir a trilha da Serra Negra. A marcação teria mais um efeito psicológico. Cadê a Rede Brasileira de Trilhas para fazer a sinalização de um caminho tão representativo?? Creio que há um lobby de guias contra isto ou o próprio ICMBio não quer facilitar a vida de novatos incautos que não querem ou não podem contratar um guia. Há também outra questão: o lugar realmente é bonito e quase intocado, com trechos de mata atlântica lindíssimos. Talvez com isto queiram impedir o trânsito de muitos trekkers pela região.

    Esta descida entra numa bela mata, um colírio sombreado para os olhos. Lá embaixo, chega numa pequena área plana gramada. Parecendo um pequeno pasto. Um córrego convida a sentar, descansar e lanchar. São 11:37, ótima pedida.

    Após comer sigo e confirmo que aquela área é de fato um pasto sujo. Olhei para trás e vi uma bonita cachoeira descendo cerca de 60 – 70 metros por um lajeado de pedra com inclinação de 45º ou superior. Um escorrega suicida no rio Aiuruoca.

    Pouco adiante um casebre de folhas de zinco com uma vaca de chifres grandes e pelo rubro, deitada. Contorno a vaca por trás. Sempre lembro que na fazendinha do meu pai a cabeça de gado mais braba era uma vaca chifruda chamada Argentina. Todos a tratavam com o devido respeito e receio.

    Atenção: este é o único ponto que a trilha apresenta dificuldade. O gramado não deixa a trilha clara. Ela desaparece. Subi em direção ao casebre e não vi a continuação. Fui para trás dele e comecei a subir um morrete mas percebi que deveria ser trilha de gado. Consultei o Wikiloc e notei pelo zig-zag que quem registrou a trilha no App também teve dificuldade neste ponto.

    Com ajuda do Wiki descobri que devemos nos manter na frente da casa indo para a direita desta rumo ao mato onde há uma pequena ribanceira com um córrego no fundo. Deve-se descer e cruzar o córrego. A trilha está bem visível na outra margem. Pouco óbvio, daí a dificuldade para encontrar a continuação.

    O caminho sobe um pouco mantendo certa altura em relação ao chão do vale, provavelmente para evitar áreas de brejo.

    Numa mata a direita, ouvi o grasnar de uma jacutinga. Aves grandes, de voo pesado, vivem em bandos. Andam normalmente se alimentando pelo chão. Mas uma sempre fica de sentinela empoleirada numa árvore. Ela deu o alarme com a minha aproximação. Sinal de fauna bem preservada.

    Finalmente cheguei na margem do Aiuruoca de águas cristalinas, aproximadamente as 13 horas. Pedras facilitavam o cruze do rio. Lindo local. Mas provavelmente com muita chuva a travessia deve ser difícil, além do risco de cabeça d’água.

    Após cruzar o Aiuruoca a trilha sobe um pouco agora se mantendo na margem direita verdadeira do rio. Percebemos o Aiuruoca descendo acentuadamente o vale numa sucessão de quedas d’água. A trilha fica estreita e um pouco suja neste ponto.

    Mais aí começa o encantamento. Se na Rui Braga o que chamou a atenção foram os pássaros, aqui foi a beleza do lugar, que encanta. Um vale bonito de matas muito bem preservadas, não se via pasto ou habitação. É na minha opinião o trecho mais belo da travessia da Serra Negra, uma imersão numa linda mata primária com um belo rio te acompanhando. Recomendo então muita atenção ao trecho entre o cruze do Aiuruoca e as Cabanas da Cabeceira do Aiuruoca mais a frente. É a área mais preservada da travessia.

    Esta cabana de madeira (na verdade não são cabanas) fica num lugar lindo, meia hora após o cruze. pertinho da margem do rio. Pela beleza vale acampar ali. Mas tornaria o meu dia de caminhada curto, obrigando a fazer a travessia em 3 dias.

    Desci até o rio ladeando a cerca e cheguei num ponto com banco e mesa de madeira contemplando um poção onde caía uma pequena cachoeira. Que lugar para beber um vinho bem acompanhado!

    Fica para outra vez um acampamento ali.

    Depois da cabana a paisagem muda um pouco e não é tão bonita. A trilha fica larga parecendo que no passado chegavam 4 X 4 ali. Atualmente creio que apenas cavalos e motos (motocross). Há diversos eucaliptos, um deles o maior que já vi. O tronco parecia a coluna de uma torre eólica. A mata já não é tão exuberante e bela.

    Começa dali uma sucessão bem cansativa de subidas e descidas de morros. Pastos começam a aparecer e se observam casas vale abaixo.

    Apenas quando a trilha faz uma curva contornando uma ravina onde desce água a vegetação fica luxuriante outra vez.

    Volta e meia checava no Wikiloc embora fosse trilha batida. Em determinado momento fiz besteira e apaguei a trilha gravada. Ou seja, não tinha mais como consultá-la off line. O Wikiloc tem este problema. Possivelmente porque não uso a opção "navegar". Apenas consulto no mapa se estou em cima da linha da trilha. Não gosto de navegar porque gasta uma boa bateria e prefiro olhar os arredores e não a tela de um celular.

    Mas não tinha muito erro. Trilha batida e na direção certa.

    Num ponto, enfiada de cabeça para baixo num mourão de cerca, uma grande lata vazia de doce de leite. Ali tive certeza que estava em Minas Gerais.

    Por volta de 15:30 finalmente avistei a Pousada Pico da Serra Negra, um agradável conjunto de casinhas e chalés no meio de um gramado.

    Descida íngreme e após cruzar uma pontezinha e subir o morro final adentro no gramado da pousada onde me veem e me recebem junto a sede.

    Última cruze de riacho antes da pousada.

    Falei que não pude fazer a reserva porque o telefone indicado num site só dava fora de área. Mas como pretendia acampar não teria problema quanto a lotação.

    Encomendei uma truta para o jantar e sentei logo no refeitório para beber uma cerveja. D. Sonia é muito simpática e atenciosa. Ela dizia "uai" e eu respondia "oxente".

    Me mostrou um quarto cuja diária era R$ 150. Achei caro. Preferi acampar no jardim em frente.

    Tirei uma foto do trecho do vale do Aiurouca em frente da pousada ao por-do-sol.

    O pacote jantar de truta + camping (e banheiro com chuveiro quente) + café da manhã custa 100 reais. Super vale a pena! O refeitório tem wifi. Aproveitei para postar fotos da travessia pois afinal a mídia social serve para causar inveja.

    No jantar devorei a deliciosa truta recém pescada (eles tem criação).

    Senti até calor dentro da tenda, deixando o saco de dormir entreaberto durante a noite. A altitude ali (cerca de 1.500 m) é bem menor que no planalto do Itatiaia.

    De manhã o café estava pontualmente em cima da mesa as 7 horas, horário combinado. Após o café começou a chuviscar.

    Saí da pousada 07:45. Conforme previsto no Mountain Weather Forecast (acerta muito) hoje o tempo iria mudar. Até ontem dias maravilhosos. Antes das 8 horas parti, descendo um pouco a estrada até que uma placa a direita indicava "Maromba" e uma seta com a pegada da Rede brasileira de Trilhas (uma das únicas duas que vi em toda a trilha).

    Começou um longo caminho morro acima. Tempo nublado. Volta e meia chuviscava.

    Na bifurcação para o pico da Serra Negra (um side trip que dizem valer a pena) decidi não subir lá. O cume estava totalmente encoberto pelas nuvens. Não teria vista alguma. Com a chuva prevista entre meio-dia e 13 horas, ela me pegaria na descida. E as vezes há tempestade de raios. O pico ficará para a próxima vez. Decisões corretas evitam riscos desnecessários e acidentes.

    Serra Negra com nuvens envolvendo o cume.

    Na encosta de um morro antes da Serra Negra vi uma grande floresta de araucárias, a maior concentração que até aquele momento havia avistado na Mantiqueira.

    Continuei a ascenção na trilha para o Maromba. Foram praticamente duas horas contínuas só de subida.

    Ao chegar no ponto mais alto da trilha decidi subir um pouco mais para o cume, para tirar uma última foto do vale do Aiuruoca e da Serra Negra. Deixei a mochila na trilha e subi. Um vento forte e frio me deixou enregelado. Me arrependi por não ter vestido meu corta vento.

    Tirei as fotos e fui pela crista do cume até o lado norte onde tirei fotos também da Pedra Selada de Mauá.

    Desci e peguei a mochila rumando agora em direção a Maromba, ainda 3 horas distante. Tratei de botar o corta vento. Após uma matinha, um poste alto com três placas apontavam para uma bifurcação. Era o caminho para a Fragaria, onde há uma igreja, no vale do Aiuruoca. Indicava haver também água potável dentro da mata. Desci para a mata (outra florestinha maravilhosa) e parei na bica para encher meus cantis e comer algo. Na mata não havia vento, em grande contraste com o cume.

    Voltei para o platô da crista rumo Nordeste. O vento forte e frio vinha pelas costas ou pelo lado esquerdo me empurrando, trazendo névoa e gotas pesadas de chuva. Uma delícia caminhar num campo de altitude sentindo a força da natureza.

    Saí do platô e comecei a descida. Uma trilha com sulcos fundos bem erodida por rodas de motos de praticantes de motocross. As vezes ficava tão erodida que os caras tinham que abrir nova trilha porque a erosão não permitia mais a moto subir. Motocross não deveria ser permitido em áreas naturais protegidas. Esporte besta. Contato com a natureza para perturbar a vida selvagem, causar erosão e não envolve esforço físico.

    Não botei logo o poncho porque as gotas ainda eram espaçadas. Costumo colocar o abrigo de chuva apenas quando ela fica mais intensa. Andando rápido o calor rapidamente seca a roupa.

    Mais abaixo ao sair de outra mata o cacau caiu e aí botei o poncho. Gosto muito de usá-lo porque é mais ventilado do que uma capa de chuva normal, mesmo aqueles feitos de tecido respirável/impermeável. Além disto serve como chão para minha tenda e, eventualmente, como tarp numa emergência.

    Já conseguia enxergar ao longe casas no Maromba.

    Peguei a bela crista na serra entre o vale do Maromba e o vale da Santa Clara. Chuva e um vento fortíssimo que inclinava os galhos e troncos de árvores nas rajadas. Espiava se estavam firmes antes de passar ao lado ou embaixo deles.

    Finalmente a descida para o Maromba. Outra pequena floresta graciosa.

    Cheguei as 13:20. Tive alguma dificuldade para saber em qual sentido da estrada haveria uma ponte para cruzar o rio Preto para sair de Minas e voltar ao estado do Rio.

    Achei uma pousada bem barata e precária no centro de Maromba. Também só iria dormir uma noite para pegar no dia seguinte 9 horas o ônibus para Resende e de lá para o Rio. Prefiria gastar o dinheiro em trutas. Pela tarde e noite uma chuva constante caiu sobre a região.

    Na manhã seguinte, na partida, um sol maravilhoso. Foi uma frente fria passageira. No meio da tarde estava no Rio de Janeiro.

    Relato dedicado a este grupo competente de pesquisadores que tive a sorte de encontrar no Massena, PN Itatiaia. O trabalho de pesquisa deles é interessante e importante pois ajuda a proteger as aves nativas.

    RECOMENDAÇÕES

    As trilhas estão absolutamente sem lixo, bem conservadas na maioria do trajeto. A ressalva é a erosão provocada pelo motocross na descida para Maromba/Maringá. Não vi palmiteiros e armadilhas nos trechos de mata. Porém normalmente não ficam na trilha principal mas escondidos dentro da mata.

    A concessionária deveria abrir um camping na parte baixa do Itatiaia, mudar o Posto Marcão para Registro - início da Rodovia das Flores (onde de fato começa o PNI) e oferecer um micro ônibus para a parte alta (seria até bom para ela, ganharia mais ingressos). E não só ficar preocupada com a cobrança de ingressos.

    As travessias Rui Braga + Serra Negra não são difíceis mas cansativas. Por isso acho interessante fazer em 2 + 2 dias com o 2º dia mais relaxado no camping Rebouças, entre elas. Bom preparo físico é requerido.

    O pessoal da concessionária deveria criar uma opção que permitisse numa única compra pagar esta travessia completa (Rui Braga + Pernoite Rebouças + Serra Negra). Tive que entrar 3 vezes nas compras do site (3 compras) para reservar a Rui Braga + pernoite no camping Rebouças + Serra Negra.

    A opção mais barata para ir à parte baixa é pegar o ônibus em Itatiaia as 7 horas (R$ 7,00). Se for de táxi, tem o simpático França (24 99999-3422 e 24 99998-7043).

    O Hotel La Ponsa, o melhor de Itatiaia, estava com uma excelente promoção no Booking (R$ 110,00 a diária).

    Fui sozinho por força das circunstâncias mas levei um rastreador SPOT X. Isto dá uma segurança enorme. Mandei msgs via satélite para amigos, que ficaram como companheiros virtuais de trilha, avisando estar tudo bem (obrigado Duda e Rodrigo).

    Registro da trilha na minha conta do Spot acessada no meu celular.

    Como tem uma boa altimetria acumulada é bom subir leve, com mochila dentro do conceito light ou ultralight.

    Lembrar que o shit tube é obrigatório. Mas não é nenhum parto carregar ele, mesmo porque vou leve e este peso extra pouco incomoda. Ressalto porém que tenho hábito de ir cedo para o banheiro e só o utilizei uma vêz (no Massena). Usei os banheiros públicos da Maromba/ Véu de Noiva (início da caminhada), do camping Rebouças e da Pousada Pico da Serra Negra. É uma boa prática para ir treinando se querem ir para o Monte Roraima e para o Aconcágua onde também são obrigatórios. ;-))

    Em novembro há água abundante com pontos frequentes ao longo da trilha. No máximo carregava 1 litro. Mas este novembro foi bem chuvoso em Itatiaia.

    Todos eles no centrinho (praça da Igreja) de Maromba:

    - O café La Belle, caprichado e tem ótima truta e sobremesas.

    - Cantinho da Pizza, boa pizza com atendimento bem familiar.

    - Pousada do Moisés, muito simples mas baratim, baratim: R$ 80,00 (24 3387-1720 e 24 99253-5357). Dizem ter ótima truta grelhada.

    Hospedagem é cara na região.

    Considero esta proposta de trekking (2 travessias de uma só vez) uma das trilhas TOP 10 do Brasil. Vale muito a pena.

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 01/12/2021 18:54

    Realizada de 23/11/2021 até 26/11/2021

    Visualizações

    700

    12 Comentários
    Camila Moura 01/12/2021 21:01

    Relato show!

    1
    Peter Tofte 01/12/2021 21:32

    Obrigado Camila, mas show é o lugar!

    1
    Fabio Fliess 01/12/2021 22:42

    Excelente relato Peter. Relembrou meus melhores perrengues nesse parque. Abraços.

    1
    Jose Antonio Seng 02/12/2021 23:58

    Peter Tofte grade relato ! Vc ja fez alguma vez a travessia serra negra + pedra do sino de itatiaia ? acha de dá para encaixar no primeiro dia ?

    1
    Peter Tofte 03/12/2021 09:24

    Não Seng. Precisaria examinar fotos de satélite. Provavelmente com 3 dias dá.

    1
    Jose Antonio Seng 03/12/2021 17:24

    Entendi. É que eu tirei pelo tempo que sobrou quando fiz o primeiro dia da Rancho Caido. Dava pra ter feito mais coisa.

    Peter Tofte 03/12/2021 21:06

    Rancho Caído é mais curto e menos cansativo

    1
    Rodrigo Oliveira 03/12/2021 22:28

    Sempre uma leitura deliciosa! Me deu muita inveja de não ter ido. Mas ja esta na mira! Ah, sim! Pode acreditar que vou querer o shit tube de volta, afinal vc só usou uma vezinha de nada e lavou, ta novo! Né?

    1
    Peter Tofte 03/12/2021 22:36

    Valeu Rodrigo! Lavou tá novo! Bem legal, bem feito o "equipamento".

    2
    Paula @mochilaosabatico 13/12/2021 14:50

    Excelente relato! Nos dias sem chuva, estava muito calor para caminhar?

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    Peter Tofte 13/12/2021 15:02

    Obrigado Paulinha. Não. Estava agradável. Dei sorte com o tempo porque novembro estava chuvoso. Peguei uma janela de tempo bom e agradável, exceto no último dia.

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    Muito legal! Relato muito gostoso de ler 😁

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    Peter Tofte

    Peter Tofte

    Salvador, Bahia

    Rox
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    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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