Faltavam pouco mais de 5 km para chegarmos ao PC dos 50 km, eram quase 11 horas da noite, estávamos em 3 atletas, todos ainda muito bem fisicamente, num ritmo excelente e bem ligados na prova.

Mas repentinamente, como que por um passe de mágica, uma vontade de abandonar tudo e todos caiu sobre mim, insustentável, muito mais forte do que qualquer uma que já tive.

O escuro da noite na montanha, a dureza das escaladas e o frio devem ter colaborado para minha decisão, mas todos estes elementos já eram esperados nesta prova e já deveriam estar devidamente assimilados por mim.

Imaginar que ainda teria mais 30 km pela frente naquelas montanhas virou um fardo gigante que não tive coragem de carregar, nem sequer de tentar.

Entreguei simbolicamente meu número de peito no PC com quase 12 horas de prova e de lá só tive forças para ir diretamente para minha cama na pousada.

Lugar quente e seguro, perfeito pros derrotados e medrosos.

Pois é assim que estou me sentindo até agora: um derrotado, um fracassado, nunca fiquei tão pra baixo depois de uma corrida mal sucedida, nunca!

Há meses treinando e sonhando com esta prova, sonhando em virar um Missioneiro, e deixei escapar esta glória das minhas mãos por conta de uma fraqueza momentânea, um mimimi daqueles brabos.

Procuro desculpas e motivos para justificar minha desistência e não acho. Provavelmente porque elas não existem.

Bastavam 20 ou 30 minutos de alimentação e descanso esperando a cabeça esfriar e minha decisão mudaria, tenho certeza disso!

Mas não, o idiota aqui se deixou levar pelo momento, ignorando meus cabelos brancos e jogando minha experiência em ultramaratonas no lixo.

Vocês podem estar achando um exagero, então troquem de posição comigo e depois conversamos!

Sei que isso vai passar, cedo ou tarde, e que servirá de aprendizado (lá vem os cabelos brancos de novo) mas ainda está muito fresco na minha memória, pulando na minha cabeça que nem piolho.

No dia seguinte acordei decidido a nunca mais voltar a Passa Quatro.

Pura injustiça minha, coitada da cidade, linda e acolhedora, de gente boníssima e hospitaleira, não merece pagar esta conta!

Então resolvi, logo logo volto lá e completo estes 80 km nem que me arraste até a linha de chegada.

Não vou entrar nos detalhes da prova, aquela coisa de dizer que foi a mais dura que já fiz, praticamente uma corrida de escalada e blá blá blá, porque muitos dos que terminaram são meus amigos, alguns mais capazes que eu e outros parecidos comigo, então todos provaram que era possível e pronto.

Por favor, não fiquem com pena ou com dó deste amigo que vos escreve, só passei por toda esta desgraça psicológica porque estava lá, no meio de uma sensacional ultramaratona de 80 km na linda e temida Serra Fina, só por isso já devo merecer um certo desconto.

Já dizia o sábio: “só perde o pênalti quem se apresenta pra bater”.

Viram, só de escrever estas poucas linhas já me sinto melhor.