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Roger Pixixo 26/07/2018 10:31
    Travessia Lapinha x Cemitério do Peixe

    Travessia Lapinha x Cemitério do Peixe

    Começo meus textos no AventureBox com uma Aventura antiga mas que ainda vive forte em minhas lembranças e que aconteceu em Junho de 2015.

    Entre os dias 15 e 17 de junho de 2015 tive o privilégio de realizar uma travessia mágica pelo Espinhaço que teve ao todo 65 km entre Lapinha da Serra e o Vilarejo perdido e quase fantasma de Cemitério do Peixe, pertencente ao município de Conceição do Mato Dentro.

    A história desta aventura começou quando o amigo Rodrigo de Jesus me procurou falando sobre a travessia e se eu estaria disponível para acompanhar um amigo seu, João Bosco na empreitada. Eu já havia me deslumbrado com as fotos da rota realizada por ele meses atrás. Eu não pensei duas vezes em aceitar o convite, estava de férias do trabalho e tudo então se encaixava da melhor forma possível. Rodrigo nos colocou em contato e rapidamente eu e João Bosco fomos combinando tudo. Seriam apenas nós dois, uma terceira pessoa inicialmente também participaria mas não pode confirmar no fim das contas. Um tanto quanto temerário apenas duas pessoas em uma rota tão inóspita pelo Espinhaço, ou seja, resumindo, nenhum dos dois podia se machucar ou qualquer imprevisto mais sério acontecer. Iríamos fazer a travessia utilizando GPS e seguindo o track log pré-estabelecido e copiado do Rodrigo.

    Esta travessia até então havia sido feita por poucos e nos sentimos orgulhosos de poder fazer parte do seleto grupo. Foi difícil montar a cargueira para pré estabelecidos quatro dias de caminhada o que acabamos fazendo em três. Estava bastante pesada. Encontrei o João na Rodoviária de Belo Horizonte e tomamos um ônibus para Santana do Riacho o que demorou incríveis quatro horas. Chegamos pouco antes das 12h00 e conseguimos contratar um transporte que topou nos levar até Lapinha. Foram 11 km de estrada de terra e outros 4 km até o inicio da trilha, após a entrada para Lapinha da Serra, no mesmo ponto onde se toma a trilha para a Cachoeira do Bicame. Já passava das 12h00 e o sol estava muito quente. Sem perder tempo ignoramos a porteira que dá caminho para Bicame e entramos à esquerda em direção ao Soberbo. Avançamos na trilha que é mais uma estradinha com muitas pedras e cascalho à caminho do vale e poço do Soberbo e o complexo de inúmeras cachoeiras nos arredores. As descrições do local e fotos que já havia visto inundavam minha cabeça de perspectivas positivas sobre o lugar. A serra do Breu fazia companhia do nosso lado direito e dava para ver nítido a estradinha e trilha que levavam até Bicame e o lado esquerdo a imensidão do Espinhaço a perder de vista no horizonte e à frente o Vale do Soberbo majestoso. Chegamos à uma casa em construção com um riacho abaixo onde nos refrescamos e nos abastecemos de água. Continuamos nossa caminhada até que chegamos a bifurcação da trilha que nos levou até o Poço do Soberbo. O Poço do Soberbo é um dos maiores de toda a Serra do Cipó, possui uma profundidade média de até dezoito metros e é um dos lugares mais lindos de toda a região. O nome faz jus ao lugar. Fiquei encantado quando o vi assim que chegamos. Além do poço, o rio forma a cerca de cinqüenta metros o Canyon do Rio das Pedras. O lugar é cheio de histórias, em 1960, a busca por riquezas minerais trouxe para o Poço do Soberbo os Norte Americanos, que começaram lá a exploração de diamantes. O trabalho foi árduo, tentavam desviar o curso da água para secar o poço, já que o diamante por ser mais pesado que as demais pedras, escolhe sabidamente os lugares mais fundos. Em 1963, depois de muito trabalho, uma grande cheia acabou com tudo levando o dique de desvio e encerrando a exploração. Outros motivos são contados pelos moradores da região, um é que um garimpeiro havia achado uma grande pepita à beira do poço e entusiasmado disse: “agora nem Deus pode comigo”, e no mesmo instante a pedra escorreu de suas mãos caindo dentro do poço, logo ele pulou em sua busca e nunca mais foi visto. Outro motivo seria a expulsão dos garimpeiros pelas luzes que apareciam freqüentemente nas noites. Seja lá por qual motivo for, os exploradores saíram com pressa e deixaram para trás lembranças dessa história, existem no local restos de motores, peças, máquinas e parte das paredes de pedras das instalações feitas para acomodação e pernoite dos trabalhadores. A área é constante uso de camping por vários Trekkers que buscam a tranqüilidade e beleza do local.

    Como nosso horário estava avançado tomamos rapidamente nosso curso em rumo ao Vale do Soberbo depois de um lanche pois tínhamos que arrumar um local de camping antes do anoitecer. Depois do Soberbo chegamos até as cachoeiras dos arredores. Segundo o track log do Rodrigo, ele havia passado e subido por elas até alcançar o topo da serra e por lá continuou a caminhada. A gente desviou o caminho e seguiu por baixo da serra mesmo. Descemos e alcançamos o vale. O entardecer fez com que a vegetação ficasse toda dourada em toda a sua extensão numa visão linda. O caminho era praticamente um charco em todo o trajeto, já perto de anoitecer encontramos um local não perfeito mas adequado para acamparmos depois de um primeiro dia de 18 km percorridos num espaço de apenas 5 horas. Havia um riacho próximo e por ali mesmo pernoitamos. Fizemos nossa janta e conversamos sob um céu coberto de estrelas. Melhor lugar não havia para se estar. Minha paixão pelo Espinhaço estava se desenhando nesta travessia. Acordamos bem cedo porque a caminhada do segundo dia seria longa. Estudando o track log decidimos caminhar até a Fazenda Córrego do Bicho e pernoitar por lá. Procuraríamos pelo Adão, funcionário da fazenda, que nos daria guarita por lá. Mas chegar significaria caminhar por aproximadamente 27 km pela crista da Serra. Mochila nas costas e pé na trilha, ou melhor dizendo, charco em um trecho de pouco mais de 1 km até alcançar a trilha para subir um dos paredões da serra. Cansados de procurar caminhos secos desistimos e fomos enfiando a bota e canela no charco assim mesmo. Terminado o trecho, era hora de subir. Subida forte, calor e mochila pesada. Essa mistura não me fez bem e parei várias vezes para tomar fôlego. João vendo minha dificuldade pegou alguns itens na minha mochila para minimizar o peso. Foi de grande ajuda porque aliviou bastante. Chegamos no alto da serra e encontramos a trilha do track log e verificamos no GPS que por ali o Rodrigo havia passado vindo do complexo das cachoeiras do Soberbo. Este ponto até então era o de mais rara beleza da qual havia visto de minhas poucas experiências e visitas ao Espinhaço. Para todas as direções nenhum rasto de civilização nem estradas, apenas a cordilheira única e maravilhosa do Espinhaço bem ao nosso alcance. Um misto de paz, tranqüilidade e também receio por estar em um local tão inóspito e isolado mas me sentido realizado.

    Este cenário raro foi nos acompanhando sempre e passando por diversos riachos e cursos d’água, pequenas cachoeiras, gado selvagem e as mais belas plantas e flores únicas do Espinhaço. Chegamos à fazenda Pinhões da Serra e conversamos brevemente com o proprietário do local pedindo autorização para passar por sua propriedade. Após a breve conversa prosseguimos passando por mais locais de rara beleza indescritíveis e Cachoeiras esquecidas e isoladas de tudo e de todos na qual nos refrescávamos à cada parada. Que rota maravilhosa, agradecia à Deus a todo instante por estar ali. Mas a caminhada estava penosa e a cada quilômetro percorrido a idéia era que a Fazenda Córrego do Bicho não chegaria nunca quando depois de vencer mais um extenuante caminho por um vale e alcançar o topo da sua serra avistamos a propriedade bem ao fundo do Vale Córrego do Bicho em um raio de aproximadamente 4 km. Ali o cansaço deu lugar à reserva de forças que temos guardadas e marchamos em passos largos até lá. Um detalhe a contar aqui é que tive que me desdobrar para acompanhar meu amigo João Bosco. O cara anda muito e acompanhá-lo não é uma tarefa das mais fáceis. Descendo pelo vale chegamos em outro charco enorme e segundo o track log, o caminho era aquele mesmo. Perto da cerca da propriedade vários cachorros vieram correndo em nossa direção. Pulamos a cerca e entramos na fazenda, os cachorros se acalmaram e da porteira gritamos pelo Adão que nos recebeu com um bom café em sua cozinha. Armamos nossas barracas perto dos currais em um gramado bem nivelado. Acordamos cedo e pudemos ver a produção de queijo, a principal atividade da fazenda. Apesar de não comer queijo devido a minha alergia à lactose e derivados do leite, foi bem legal ver como se produzia queijo. Depois de um café da manhã reforçado, arrumamos nossas coisas, nos despedimos e partimos para nosso último dia de caminhada, que seriam 20 km até Cemitério do Peixe. Deste ponto em diante à partir da Fazenda Córrego do Bicho algumas propriedades e fazendas estiveram em nosso caminho, mas sem que tivéssemos encontrado com mais ninguém. Chegando em rio onde tivemos que tirar nossas botas para atravessar nos deparamos com um paredão e o track log indicava o caminho á tomar à esquerda entrando em uma mata de samambaias muito densa, alta e fechada. Ficamos um bom tempo analisando se era esse mesmo o caminho certo, até que resignados, concordarmos que o maluco do Rodrigo de fato havia passado por ali mesmo. O João calçou suas perneiras com receio de cobras e fomos cortando caminho pelas samambaias. Trecho infernal onde me cortei todo e parecia não acabar nunca à medida que íamos avançando até que enfim o trecho teve fim e respiramos aliviados. Dali em diante trecho de trilha antigas de gado e ambiente aberto. Bem adiante no caminho escutamos o barulho de uma cachoeira e fomos explorar e descobrimos uma jóia em meio ao Espinhaço. Pelas informações que tínhamos se tratava da Cachoeira do Brejo. Uma linda cachoeira com três quedas seqüenciais que formavam um rio que corria abaixo pelo vale. Já estávamos próximos de Cemitério do Peixe e continuamos nossa caminhada. Chegamos em outro trecho complicado do qual mais uma vez constatamos que o Rodrigo de fato tinha passado por lá. Tivemos que descer com muito cuidado por uma pirambeira bem íngreme com muito cascalho e um matagal bem abaixo dela até conseguir achar a trilha novamente. A trilha virou uma estradinha depois de certo ponto e logo começamos a ver o pequeno lugarejo de Cemitério do Peixe.

    Pertencente ao município de Conceição do Mato Dentro, Cemitério do Peixe constitui-se de uma única igreja, um cemitério, que por sinal, dá nome ao lugar e um aglomerado de casas, todas caiadas de enorme brancura, de simplicidade e de mistério. É banhado pelo Rio Paraúna, e está fixada bem em meio a uma colina. A cidade com estrutura mais próxima é Gouveia, distante 30 quilômetros em estrada de terra. Dos mitos de sua criação há inúmeras versões, dentre elas, a riqueza da região, que atraiu o olhar da metrópole portuguesa a existência de pedras preciosas e ouro naquele lugar. Há a versão de que um fazendeiro, criador de gado, dono de alguns garimpos e proprietário dessas terras, um certo Canequinha, nascido em 1860, teria doado parte de suas terras à Igreja, a fim de que se construísse nas mesmas uma capela e um cemitério. E que mais tarde, ainda construiu algumas casinhas para abrigar padres e fiéis. São muitos os mitos que giram em torno da origem do lugarejo, porém, fato concreto, é que o primeiro túmulo, bem à entrada do Cemitério, data de 1941, e tem nele enterrado o tal Canequinha, e inscrito junto a seu nome: “Fundador”, o que nos leva a crer que seja essa uma das possíveis versões. Mas, com relação ao nome “peixe”, há histórias de que um tal escravo de apelido peixe, muito estimado por seu senhor, que ao ser encontrado morto pelo mesmo, que esse teria lhe prestado uma homenagem em seu enterramento, chamando o cemitério de “Peixe”. Com relação à igreja, essa é na verdade a pequenina Capela votada a São Miguel Arcanjo, fica de fronte ao cemitério, que é epigrafado pela seguinte placa: “Ó tu que vens a este cemitério, medita um pouco nesta campa fria: eu fui na vida o que tu és agora, eu sou agora o que serás um dia”. Por essa epígrafe e pelo fato de o lugarejo se manter vazio por quase todos os dias do ano, é que o lugar guarda força quase mística de celebração e milagres. E é, por muitos, conhecido como cidade fantasma. Foi com essa lenda que adentramos à cidade. Nosso contato de apoio era a Dona Lotinha, por muitos e por lendas e histórias, ser a única moradora do lugar. Mas a lenda caiu por terra assim que na primeira casa um morador nos chamou à visita, Sr. Pedro e tomado de milagres conhecidos do lugar, nos recebeu com Cervejas geladas. Era um verdadeiro milagre ou não? Nos tomou de um bom papo por quase duas horas. Na verdade ele não era morador de lá. Tinha a propriedade onde criava peixes e também a usava para descanso aos fins de semana, sua residência fixa era em Curvelo. Depois da bela hospitalidade nos indicou como achar a Dona Lotinha e rapidamente chegamos a sua casa. Simpatia em pessoa nos recebeu com café, broa e biscoitos e já desmentindo a história toda sobre ser a única moradora de Cemitério do Peixe. Dizia ela, que uma reportagem da TV Globo fez uma matéria sobre o lugarejo, e inventou a história e esta se espalhou. Nos deu a missão de corrigir essa lenda junto aos nossos conhecidos. Já era noite, ela ofereceu lugar para ficarmos mas decidimos partir logo para Gouveia. Combinamos um frete com seu filho e este nos levou pelos 30 quilômetros de terra até Gouveia onde pudemos pegar um ônibus vindo de Diamantina e que nos deixou em Belo Horizonte na manhã seguinte. Uma aventura inesquecível e gratidão eterna ao Rodrigo de Jesus por nos dar o apoio técnico necessário e informações precisas sobre a travessia. As imagens do Espinhaço me deslumbraram e me apaixonei eternamente de tão belo foi o cenário desta Travessia. Foram três dias difíceis, mas todo o sacrifício e garra valeu a pena e desde então em todos os meus dias sinto saudades do Espinhaço, por isso o visito sempre. E como não agradecer também ao amigo João Bosco pelo companheirismo, força e ajuda mútua nesta aventura e, sobretudo a Deus por proporcionar esta oportunidade única e incrível.

    Roger Pixixo
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    Publicado em 26/07/2018 10:31

    Realizada em 26/07/2018

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    Roger Pixixo

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    Belo Horizonte

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    Montanhista, Fundador e Guia Líder na EcoPix Trekking & Hiking. Amante da Natureza e Aventuras. Músico e Escritor Aspirante em Horas Vagas.

    www.instagram.com/ecopix_trekking/


    Mínimo Impacto
    Manifesto
    Rox

    Bruno Negreiros, Fabio Fliess e mais 442 pessoas apoiam o manifesto.