Texto original escrito pela idealizadora da expedição, uma mulher forte e que segue me inspirando e inspirando muitos: Claudia Bento.
Expedição de passagem e despedida "Viva Vandinho" no Cerro Mercedario
Depois de uma morte tão trágica sem oportunidades de despedida, considerando que o Vanderson era de Guarapari e foi levado para lá com a família, senti que precisávamos fazer uma despedida nossa, algo que não nos foi permitido. Tudo começou com Fe e Amanda abrindo uma via de escalada em homenagem a Vandinho no setor pedra da divisa, e foram eles que negociaram tudo também, como mulas, transfer, foram profissionais.
O último desejo do Vanderson era escalar o Mercedario com Carlos, eles desenharam tudo antes da morte do Vanderson. Senti um desejo enorme de concluir essa expedição e reunir os melhores amigos dele, como Carlos, Bia, Amanda, Felipe, Henrique, Helena, além daqueles que não puderam ir, mas fizeram parte e estavam com a gente de coração, Nati, Estevão, Milena e Nelise, Letícia, e também equipe técnica também que acompanhou a previsão do tempo , quando conseguíamos mensagens Thiago e Violeta.
O resultado foi fantástico.
Foi uma expedição autônoma, na qual contamos com mulas e carregadores, mas que infelizmente os que foram para o cume tiveram de abrir mão. O tempo não era favorável, com ventos entre 70 e 80 km, para os carregadores era inviável. Para nós, era uma homenagem, mas para eles era um trabalho sem sentido, e aceitamos a decisão deles que era lógica.
No entanto, foi algo além das minhas expectativas. Passamos por muitas dificuldades, inclusive perdemos parte das barracas e algumas não recuperamos . Mas encontramos soluções, improvisando paredes de pedra para substituí-las e mantê-las de pé.
Depois da última tentativa de subir, parte do grupo desistiu do cume. Mesmo assim, formamos uma equipe de apoio para cuidar um dos outros, caso algo desse errado. Foi uma união de pessoas com o mesmo objetivo e marcou minha vida. A amizade e afinidade que criamos foram algo para sempre, que ultrapassa o físico. A destruição das barracas foi um momento de união, algo lindo. É claro que cada pessoa é única, com ideias diferentes. Mesmo com o mundo desabando, algumas pessoas pensaram em água, o que para mim é difícil de entender. Em um glaciar, não há nada alem de agua sólida, o que mais existe lá? Para mim derreter gelo parecia algo tão simples. Mas mesmo assim, é bonito ver as diferenças entre as pessoas.
Em La Hoyda, houve uma separação física. Amanda e Fe desceram, seguidos por Helena no dia seguinte (uma das minhas amigas que mais amo), mas ela estava mal e precisava descer. Guto e Bia foram os anjos que cuidaram de nós ate o último momento que o transfer deles estava acertado , nos ajudando em todas as decisões de qual seria a melhor forma de tentar o cume . Após muita reflexão, chegamos à conclusão de que a melhor opção era esperar por uma previsão de tempo melhor, mesmo que nada animadora: 50, 70 e 65. Decidimos atacar diretamente de Pirka, evitando uma nova etapa de transporte. Dri, Henrique e eu partimos às 2h30, estava muito frio. Dri desistiu em Hoyada , acredito que ela aguentaria o cume. Ela não quis correr o risco, pensando que talvez não houvesse cume e queríamos muito levar a bandeira de Vanderson e areia da praia para homenageá-lo. Foi uma renúncia de amor .
Ela desceu sozinha. Henrique e eu continuamos.
Fizemos o cume com muito esforço. Um detalhe: o vento parou no momento que chegamos, contrariando a previsão. Sem vento, eu e a montanha éramos uma coisa só. Minha forma de entender Deus é através da natureza e senti uma profunda união com o divino naquele momento. Vou chamá-lo de "o dia em que o tempo e o espaço pararam", pois entrei em um estado profundo de meditação. Não tenho explicações para o que aconteceu. Eparrei Iansã, os ventos cessaram como mágica
Conseguimos concluir nossa missão como grupo, todos alcançaram o cume e cada um teve um papel fundamental. Na descida, tivemos a melhor cuidadora de barraca na descida do cume," Dri. Ela tirou nossas roupas, nos fez chá, comida e nos passou creme.
Se eu pudesse escolher, essa seria a minha família de almas, eu experimentei uma união tão particular que só tenho com minha mãe, filho e sobrinhos
Finalizamos jogando a areia do mar de Guarapari em um lago azul e calmo, enquanto Fe fazia uma linda oração.
Sou grata a todos vocês, amo vocês de verdade e para sempre.
Inclusive agradeço muito Miguel e Eduardo nossos irmaos argentinos.
A vida é algo inexplicável, além de tudo isto sou PCD, pela medicina jamais poderia ter feito o que fiz, gratidão ao Vanderson que me fez subir de novo a coisa que mais amo e ter independência de voltar a carregar meus equipamentos. No final tudo tem um objetivo maior.
E que agora Vanderson descanse em paz e quem sabe nos encontramos em um lugar além daqui, próximo às estrelas.
Refletindo sobre a expedição ao Mercedario, foi algo muito especial reunir oito amigos do Vanderson que se propuseram a subir uma montanha em homenagem a ele. Isso redefiniu a forma como eu via sua morte. Para mim, a natureza representa uma forma tangível de sentir Deus e toda a sua grandiosidade. Estar lá é a minha forma de rezar. O Mercedario era o último desejo do Vanderson. Foi a maneira mais bonita que encontrei de me despedir dele e rezar por ele, pedindo que sua passagem fosse tranquila.
E ter os amigos que fizeram parte da nossa vida foi maravilhoso, foi uma despedida maravilhosa, onde cada um deu o seu melhor.
Acredito que a vida seja como um fluxo de um rio, que nunca para. A natureza é instável, o mundo é inconstante e instável e tudo está sempre em transformação. Eu perdi uma pessoa muito especial para mim, mas o fato de eu querer tanto chegar ao cume trouxe minha autonomia de volta. Após a prótese, eu não deveria mais carregar peso, mas devido aos fortes ventos e aos carregadores terem desistido do porteio, acabei tendo que descer todas as minhas coisas pós-cume. Considero isso um presente de Oxala, algo que achava que não seria mais capaz de fazer, sem contar que a previsão de 70 km de vento do Forecast não se confirmou. Tivemos um cume sem ventos, outro presente que recebi da minha mãe, Iansa.
Não acredito em conquistar uma montanha, acredito que a montanha te dá permissão para subir, e meu sonho de me despedir do Vanderson ali aconteceu. Naquele momento, eu e a montanha nos tornamos uma coisa só. Foi um momento de profunda paz, plenitude e união que vivi ali. Foi um total alinhamento com a natureza .
Agradeço muito a Amanda, Bia, Carlos, Dri, Fê, Helena e Henrique. Que nossa irmandade seja para sempre.