Por: Sandro Gavião
Antes de qualquer coisa, tente fazer a inscrição. Se conseguir ser um dos 100 inscritos, torça para ser um dos 40 selecionados. Se conseguir passar por essas duas fases receberá um e-mail do diretor da prova confirmando, ou melhor, dando os pêsames por ter sido selecionado a participar de uma das ultramaratonas de trailrun mais difíceis do mundo.
Mesmo com todas essas dificuldades anualmente atletas de várias partes do mundo conseguem ir até o Frozen Head State Park, no estado do Tennessee, EUA e participar da Barkley Marathon.

A Barkley Marathon acontece desde 1986 e em todos esses anos apenas 15 atletas conseguiram completar os 160 quilômetros da prova.
Essa é uma competição totalmente “underground”, por tanto, esqueça a música eletrônica no pórtico de largada, o logotipo de grandes marcas esportivas estampadas em brindes promocionais, apoio com hidratação e alimentos nos postos de controle (os Pc’s são um caso a parte, mas vou falar sobre eles mais a frente) e principalmente aquelas imagens de pessoas felizes com os braços para cima atravessando a linha de chegada.
A expressão do atleta que consegue completar uma das cinco voltas do circuito da Barkley Marathon é de total desolação com tamanho sofrimento.

18.000 metros de desnível - foto: The Barkley Marathons: The Race That Eats Its Young
Como tudo começou
Nos anos 80 o assassino de Martin Luther King Jr, James Earl Ray, fugiu da prisão Brushy Mountain State que fica dentro do parque onde a prova é realizada, um local extremo, cercado por montanhas, tornando uma fuga praticamente impossível.
Ray foi encontrado a 8 quilômetros da prisão e a sua busca durou 55 horas, causando grande comoção da mídia.
Gary Cantrell, co-fundador da prova e ex-maratonista arrogante, na ocasião ironizou: Eu teria corrido 160 quilômetros em 55 horas! E assim foi lançado o desafio, não para Gary que nunca competiu na prova, mas para os atletas que nos anos seguintes seriam castigados sadicamente pela equipe que organiza a maratona ano após ano, desde 1986.
A Prova
Como se inscrever:
Não existe site oficial. Quem quiser se inscrever deve enviar um e-mail para a direção da prova em um determinado dia do ano. Qual o endereço? Não é divulgado. Você tem que conhecer quem já correu a prova e pedir o endereço.
Mas isso não lhe garante a inscrição, a direção da prova irá avaliar se você tem condições de completar a prova, o problema é que segundo a própria direção ninguém tem condições de completar a prova.
Em média anualmente 100 pessoas conseguem fazer a inscrição e 50 são selecionadas e recebem a carta de condolências.
A organização leva em consideração que dessas 50 pessoas 10 irão desistir, então, apenas 40 conseguem competir.
No dia e local da prova, que só é revelado aos selecionados você deve pagar a taxa de inscrição de $ 1,60. Isso mesmo! Apenas $1,60.
Se for sua primeira participação também deve levar uma placa de carro do seu estado. Desistentes de anos anteriores precisam levar um presente que a organização irá determinar, pode ser uma camisa ou um par de meias. Por último escrever uma redação explicando porque deverá ser você o escolhido.

Finalmente conseguiu se inscrever? Agora é montar seu acampamento no Frozen Head State Park, preparar seu equipamento, hidratação e... Esperar por até 24 horas o momento da largada.
Pode ser a qualquer hora. A organização avisa o momento da largada apenas uma hora antes, quando eles tocam uma concha. Então aquela noite de sono antes da prova já era, pois a corrida pode começar durante a madrugada.
Na largada não há tiro ou buzina, os atletas devem ficar atentos, pois o sinal de largada é quando Gary Cantrell acender seu cigarro.
A prova é realizada em um circuito de 32 quilômetros. Esse circuito é alterado a cada edição, mas a quilometragem é sempre a mesma. Cada volta é chamada de loop. Os competidores devem dar 5 loops para completar os 160 quilômetros da prova em um tempo máximo de 60 horas.
Dois desses loops devem ser invertidos, ou seja, percorrer a trilha no sentido oposto. E um loop o competidor escolhe o sentido que vai correr.
São 18.000 metros de desnível em meio às montanhas do parque em um clima traiçoeiro, os participantes podem esperar por muito calor, frio, sol e chuva às vezes em um único loop. A trilha não tem demarcação e é proibido utilizar GPS, para a orientação apenas a sua bússola e o mapa que é fornecido no dia da prova.
Ah sim, os postos de controle! É claro que os pc’s também são um itens complicados. Não há ninguém esperando você passar na trilha com um leitor de chip.Há apenas dois pontos de água no circuito e 11 postos de controle.
Para certificar que o atleta percorreu o circuito inteiro o competidor deve encontrar livros que estão escondidos no percurso e sinalizados no mapa e arrancar a página que corresponde ao numero fixado em seu peitoral. Assim, ao final de cada loop o atleta deve entregar 11 páginas à organização e começar um novo loop com um novo número no peitoral para voltar com 11 novas páginas.
Apesar de Gary Cantrell sempre insistir para que o atleta continue e não desista, a Barkley Marathon é pensada em seus mínimos detalhes para que ele falhe. Se o atleta desistir será anunciado sua derrota com a marcha fúnebre mal tocada em uma corneta.
Para se ter uma ideia de como a Barkley Marathon é extrema em 2015 nenhum participante iniciou o 4° loop. A hostilidade do clima e do terreno exigem um esforço físico sobre humano, as bolhas nos pés e feridas pelo corpo são inevitáveis. Além do pouco tempo de sono que muitas vezes fazem com que os atletas se percam na navegação.
Mas sem dúvidas essa é uma ultramaratona que testa a mente, essa sim deve ser a parte mais forte e bem preparada. Com apenas 40 atletas em um percurso de 32 quilômetros é bem provável que se encontrem sozinhos por horas em meio às montanhas.
Em 2016 o ultramaratonista Jared Campbell de 36 anos foi o único quem não ouviu a marcha fúnebre ao completar os 5 loops em 59 horas 39 minutos. Essa foi a segunda vez que Campbell vence a prova. Em 2014 ele completou a prova em 57 horas e 53 minutos.

E tem brasileiro selecionado para a prova
Depois de um longo trabalho de detetive na internet, o ultramaratonista e atleta de corridas de aventura Enrico Frigeri recebeu a carta de condolências por ter sido escolhido para participar da próxima edição da Barkeley Marathon. Se tornando o primeiro brasileiro a participar da prova.
Sem site oficial, Enrico tentou encontrar informações com ex participantes porem sem retorno de ninguém. Após um mês colhendo informações ele conseguiu um contato para inscrição.
Mas a saga não termina aí. É necessário enviar a inscrição na data certa e é claro que não há informações precisas de qual é essa data.
Mas parece que Enrico fez tudo certinho, ou simplesmente Gary Cantrell deve ter ido com a cara dele, quem sabe?
Mas como era de se esperar a edição 2020 da Barkley Marathon foi cancelada por conta do COVID-19. A prova seria no final de março.
Mesmo antes do cancelamento oficial vários atletas já estavam sinalizando a impossibilidade de comparecer a prova devido as restrições de viagens internacionais em seus países.
Você deve estar se perguntando qual a premiação para o vencedor de uma maratona tão sádica. O prêmio é a satisfação de terminar a Barkley Marathon e poder contar a todos. Ou melhor, poder contar para meia dúzia de pessoas.
Para saber um pouco mais sobre a Barkley Marathon há um pequeno documentário.
Você pode assisti-lo aqui:
Também há um excelente documentário chamado: “The Barkley Marathons: The Race That Eats Its Young”, disponível aqui para assitir através de locação.
Trailer do documentário “The Barkley Marathons: The Race That Eats Its Young”
