Carreteira Austral – um sonho realizado!
Meu primeiro contato com a Patagônia foi em 2010 numa cicloviagem pelo Norte, claro que nesta época já pretendia conhecer Torres Del Paine o que somente aconteceu em 2015.
Entrei de última hora na viagem já programada de amigos, foram dezoito dias incríveis e nesta viagem minha paixão pela Patagônia só aumentou. Ouvi falar da Carreteira Austral, procurei por informações e fiquei com muita vontade de percorrê-la de Bike, isto demorou um pouco, precisava de muitos dias de férias no verão, o que não era possível na época, mas quando realmente se quer tudo tem sua hora de acontecer!
Parando de trabalhar formalmente em 2021, ainda na Pandemia, comecei a planejar e me preparar fisicamente, mas em 2022 é que realmente comecei de fato a preparação e planejamento. Convidei muitos amigos, mas como era uma viagem um pouco longa, a maioria não conseguiria.
Fomos eu e Roberto Bianchini, foram sete meses de preparação e planejamento, usei como maior fonte de consulta o Livro do Guilherme Cavallari “Carreteira Austral”, Google Earth, vídeos no You Tube e relatos na internet, em paralelo começamos compra de equipamentos adequados ao clima, duração da viagem e infraestrutura, intensificamos e procuramos uma preparação física mais específica, programamos para o decorrer do ano, algumas mini cicloviagens, mas só conseguimos fazer uma.
Janeiro chegou rápido e confesso que apesar de sonhar tanto com esta viagem, estava com um pouco de medo, faço cicloviagens desde 2003, mas esta seria a maior, mais peso e por lugares mais desertos. É possível fazer quase toda Carreteira pernoitando em Hostels, mas os últimos 240 km não há opções de hospedagens, apenas campings sem estrutura, também neste trecho tem que estar com toda a comida necessária para os três ou quatro dias.
A Carreteira Austral em toda sua extensão, de Puerto Mont a Villa O’Higgins tem 1200 km, muitas atrações e algumas travessias de balsas, ela corta muitos dos principais parques nacionais do Chile, difícil escolher quais visitar.
Durante o planejamento decidimos fazer um pouco mais que a Carreteira, começamos a viagem em Bariloche, fomos a Vila Angustura e entramos no Chile pelo Paso Internacional Cardenal Antonio Samore, até Entre Lagos a primeira cidade do Chile, daí começamos a fazer o circuito “Lago Llanquihue” saindo de Entre Lagos, Passando pela linda cidadezinha de Puerto Octay, Frutillar, Puerto Varas até Ensenada. Esta parte era mais urbana, em Puerto Varas paramos dois dias para compras de gás, alguma comida e outros consumos, aproveitei para comprar um selim, porque o que levei do Brasil sem muito usar estava me machucando, o lado ruim é que carreguei um selim aumentando o peso da bagagem. Todas as cidades do entorno deste lago são de colonização alemã, mas Puerto Octay é a que mais preserva a história e a cultura.
De Ensenada entramos para Cochamó, e no segundo dia entramos na Carreteira Austral em Galeta Puelche, pulamos o trecho inicial de Puerto Mont até a travessia de Balsa a Galeta Puelche, Imaginei que ao entrar na Carreteira iria comemorar muito, mas estava tensa, o meu bagageiro não resistiu ao rípio (uma espécie de cascalho) de Cochamó, então eu estava com alforje apenas de um lado e Roberto carregando um alforje meu, pedalamos mais um dia assim e na cidadezinha de Hornopirén conseguimos consertar.
Desta cidade saímos de Balsa, são duas balsas e um trecho de ônibus até chegarmos a Galeta Gonzalo, início do Parque Pumalín parte sul, este trecho atravessa o parque até chegar a Chaitén, onde muitos ciclistas iniciam a viagem, mas o trecho que atravessa o Parque é imperdível, estrada lindíssima por entre lagos e vulcões.
A partir da cidade de Chaitén seguimos a carreteira, passando pelas cidades:
- Villa Sta. Lucia, uma pequenina Villa com duas ruas a beira da Carreteira, está sendo reconstruída, pois uma forte chuva a destruiu rolaram muitas pedras das montanhas, mesmo pequena encontramos hospedagem, lugar para comer e um minimercado bem abastecido;
- La Junta, cidadezinha linda, maior que a anterior com tudo que precisávamos hospedagem, comida e mercadinhos, muito bem cuidados;
- Puyuhuapi, Bem mais sofisticado que as anteriores, importante polo turístico, pequena também, mas com forte estrutura turística, inclusive termas;
- Parque Nacional Queulat, muito próximo a Puyuhuapi, onde visitamos o “Ventisqueiro Colgante” e passamos a noite no camping “Experiência Austral!”, parque lindíssimo, com ótima estrutura de camping, a melhor que já vivi até hoje, com muitas opções dos mais variados níveis de trilha, porém como tínhamos que continuar nossa viagem optamos apenas pelo “Mirador do Ventisqueiro” o que já foi lindo;
-Villa Amengual, Linda vilazinha rodeada de Torres (montanhas pontudas assim chamadas por lá), onde se perde o fôlego pela beleza e pelas duas grandes serras atravessadas neste dia;
- Villa Manihuales, dia fácil e lindo, sem grandes subidas e muita variação na paisagem, início lindo, Torres ainda com neve no topo, no final planícies verdes de perder de vista, lembrou um pouco um trecho da “Via Claudia Augusta na Alemanha”, também pequena, mas bem estruturada;
- Coyhaique, maior cidade da Carreteira e situa-se quase que no meio dela, possui a “Reserva Nacional Coyhaique”, possui 50.000 habitantes, dela pode-se sair para vários passeios, Parque nacional Cerro Castilho, Capilas de Marmol, entre outros, situa-se relativamente próxima a Balmaceda cidade com aeroporto, paramos um dia para descanso, nos abastecemos de comida e seguimos viagem, pois como estávamos seguindo a Carreteira iríamos passar por estas atrações;
- Villa Cerro Castillo, última cidade que se chega por asfalto, a partir daí somente rípio até o final, ao longo dos 98km de Coyhaique até aqui, passamos pelo Povoado de Rio Blanco e a bifurcação para Balmaceda, mas neste dia o caminho era largo, como dizem os chilenos, seguimos e a partir dessa bifurcação a paisagem se tornou mais deserta, uma fazenda ou outra bem distante, neste dia também tivemos a maior subida da Carreteira, quer dizer a mais longa, mas se não fosse pelo vento, alguns trechos nem dava para perceber que era subida, passamos também pela sede e acesso principal a Reserva Cerro Castillo, já próximo à cidade há a famosa descida em S longa e sinuosa, esta cidade ou vila, é o paraíso dos montanhistas, lotada deles por toda parte e de todas as partes do mundo, atração principal o Cerro Castillo.
- Puerto Rio Tranquilo, Distante mais ou menos 120km de Villa Cerro Castillo, estrada com muitas pedras, os primeiros 17km são muito cansativos, não há hospedagem, apenas campings sendo um no km 30 e outro no km 82, ou em Baia Murta no km 100, ficaríamos no camping há 82km, porém encontramos uma opção de hospedagem no km 78 à ideia era fazer em dois dias.
Esta cidade é também um importante polo turístico, as margens do maior lago do Chile “General Carrera” e base para a visita às famosas Capillas de
Marmol, uma das atrações mais importantes da minha lista, reservamos um dia para descanso e este passeio, mas não foi possível o tempo virou e a Guarderia fechou o lago, não adiantaria mais um dia porque a previsão só piorava.
- Puerto Bertrand, Distante 70 km de Rio Tranquilo, iniciamos o dia com um arco Iris, porém logo começou a chover e só parou no dia seguinte, também importante polo turístico, base de saída para muita canoagem e raftings, pequena, com poucos restaurantes, porém caros, poucas opções de hospedagens e algumas muito cara
s, cortada pelo LINDÍSSIMO azul Rio Baker. No caminho entre Rio tranquilo e Bertrand passamos pela bifurcação para Chile Chico.
- Cochrane – Distante 50km de Bertrand, neste dia passamos pelo lido encontro dos Rios Baker e Neff, depois tivemos uma linda e grande subida, uma das mais bonitas da viagem, passando pela entrada do lindo Parque Nacional Patagônia, o qual não visitamos a sede, fica para uma próxima viagem. Cochrane é uma importante cidade, a última da carreteira antes de Villa O´higgins, a partir daí entra-se nos últimos 240km mais desertos da Carreteira, sem opções de hospedagem. Paramos dois dias por conta da chuva e para nos prepararmos melhor para o último trecho que poderia ser percorrido em 3, 4 ou cinco dias.
Cochrane é uma base para muitas caminhadas, cercada de Nevados, o que vimos bastante, pois com as fortes chuvas de dois dias o tempo esfriou muito e as montanhas que nesta época quase não tem mais neve, amanheceram cobertas, todas branquinhas, estava lindo!
- Puerto Yungai, a partir do Camping entramos na parte onde não podíamos programar onde exatamente dormir, apenas programar a quilometragem e horário, mas estudamos muito este trecho com as informações disponíveis, a próxima cidadezinha seria o ponto final, Vila O´Hoggins, teríamos 150 km e 2.22mts de altimetria, que poderiam ser feitos em 2 ou 3 dias, primeira etapa até Puerto Yungai, dia lindo , após a bifurcação para Galeta Tortel, inicia-se um serra simplesmente linda, mas subidas difíceis, precisávamos que controlar o horário devido a travessia da balsa, neste dia conhecemos um casal de ciclistas e seguimos quase que juntos, ela Romena e ele Italiano, conversa fluiu bem. Chegamos no porto e tivemos que esperar 1:30 pela última balsa, que seria às 18:00h. Neste porto há um abrigo (apenas para montar barracas) para ciclistas e mochileiros, já do outro lado fomos informados que o abrigo estava fechado para obras, mesmo assim optamos por atravessar porque no dia seguinte a primeira balsa era às 09:00h chegaríamos do outro lado muito tarde. Atravessamos, chegamos do outro lado e continuamos a pedalar, mas em 1 km encontramos um casebre com um deck meio destruído e com duas paredes, mas foi perfeito para a barraca ficar protegida do vento, estaríamos tranquilos, não passaria mais ninguém, pois Balsa somente no dia seguinte.
-Puerto Rio Bravo, decidimos que tentaríamos fazer este trecho final de 100km em um dia, não queria mais ficar sem banho, começamos a pedalar por volta das 09:00h tínhamos muita quilometragem, muitas subidas e lindas paisagens pela frente, sabíamos que 30km antes de O´Higgins tinha um abrigo para ciclistas. O pedal estava tranquilo, sem carros e podíamos desfrutar da paisagem sem muita preocupação, neste dia sabíamos mais ou menos os horários que passariam carros de acordo com o horário das balsas, são três por dia. Marcamos uma um horário para a decisão de continuar ou pernoitar no caminho. Para nossa surpresa havia ao longo deste trecho alguns abrigos novíssimos, apenas um tablado e telhado, mas que protegiam um pouco do vento. Passamos pela casinha dos ciclistas por volta das 17:00h e decidimos continuar, já bem cansada, mas as lindas paisagens nos davam mais fôlego e vontade de continuar. Chegamos em Villa O´Higgins às 20:00h, paramos no monumento de términos da Carreteira e não consegui conter as lágrimas, eu tinha conseguido! Fizemos algumas fotos e seguimos para um delicioso Hostel com uma cama maravilhosa, depois de muito cansaço.
Villa O´Higgins – um vilarejo lindo no meio de montanhas e vulcões, não há saída para veículos, aqueles que optam por percorrer a carreteira de carro, deste ponto precisam voltar até Crochane para ter saídas, ciclistas e caminhantes continuam e atravessam para a Argentina de barco.
Esta travessia daria para escrever outro artigo, conseguimos fazer em dois dias, este trecho compõe, um barco com 1:30 no lago O’Higgins/Lago San Martin, 12 km de estrada, 6 de trilha, chega-se a Laguna Del Desierto para a última travessia de balsa, esta dura em torno de 20 minutos e daí são mais 40km até El Chaltén.
Somos pessoas comuns, não fizemos nenhum treinamento com acompanhamento profissional, apesar de que isso seria bom, focamos em pedalar e fazer musculação, o que já fazemos sempre, apenas tivemos foco em ser mais frequente e regular.
Conseguimos, foram 1.670km pedalados 22.900 mts de altimetria, fizemos no nosso ritmo, houve dias difíceis e dias muito fáceis, mas todos lindos e enriquecedores.
Bela história! Bateu uma saudade lendo... A Carretera é realmente um lugar cativante. Dureza por um lado, mas por outro, tanta beleza natural compensa qualquer dificuldade. Parabéns pelo feito.