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SERRA DA CALÇADA

    Belos campos rupestres quartzíticos e ferruginosos em uma formação serrana do Quadrilátero Ferrífero, nos arredores de Belo Horizonte.

    André Deberdt
    16/04/2022 10:29

    Ruínas do Forte de Brumadinho, um dos muitos atrativos da Serra da Calçada.

    Situada cerca de 20 km de Belo Horizonte, à direita da BR-040 para quem segue sentido Rio de Janeiro, a Serra da Calçada se estende por 8 km entre os municípios de Nova Lima e Brumadinho, limitada pela Serra do Rola Moça ao Norte, pela Serra da Moeda ao Sul e pela Serra do Ouro Fino a Oeste. A denominação “Serra da Calçada” se deve aos antigos calçamentos de pedra, ainda hoje existentes em vários trechos, que facilitavam o acesso aos antigos núcleos de mineração e fazendas da região, cuja ocupação remonta ao final do século XVII e início do século XVIII.

    Diversos resquícios arqueológicos ainda podem ser encontrados na região, dentre eles, pinturas rupestres, calçadas de pedra, galerias, canais, catas e ruínas, estes últimos, testemunhos da exploração minerária no passado. O Forte de Brumadinho destaca-se entre as ruínas de grande importância histórica, em meio às belas paisagens e vegetação típica dos campos rupestres quartzíticos e ferruginosos.

    Localizado junto à encosta oeste da Serra da Calçada, o Forte de Brumadinho é uma edificação do século XVIII, em formato retangular, toda construída com pedras trabalhadas e muito bem assentadas umas sobre as outras. Uma muralha com paredes largas, em alguns trechos com quase cinco metros de altura, cerca todo o local. Há uma única entrada na forma de um belo pórtico e no interior uma construção também feita de pedras trabalhadas, com duas portas e seis janelas. Não se sabe ao certo a finalidade desta construção. Especula-se que possa ter sido uma fundição clandestina de ouro. As ruínas estão relativamente bem conservadas e impressionam pelas dimensões e pela perfeita sobreposição dos blocos de rocha.

    Ao longo de toda a Serra da Calçada existe muita coisa interessante para ser explorada: antigos calçamentos de pedra nas encostas, ruínas, galerias subterrâneas escavadas no auge da mineração de ouro, pinturas rupestres, cavernas ferríferas, pequenas cachoeiras, uma antiga fábrica de explosivos abandonada, diversos mirantes de onde se tem uma belíssima vista das povoações e serras do entorno, entre outros atrativos, que podem ser facilmente acessados a pé ou de bicicleta, motivo pelo qual esta região é bastante frequentada aos finais de semana.

    Mesmo para quem busca caminhadas mais exigentes, é possivel fazer um roteiro circular, partindo do condomínio Retiro das Pedras, principal acesso ao local. A trilha desce a serra rumo às cachoeiras da Ostra e Pedra Furada, passando por belas paisagens e corregos cercados pela mata. Já na região de Casa Branca, bairro de Brumadinho, percorre-se um trecho da Serra de Ouro Fino, até o córrego Catarina, de água bastante cristalina. Cruzando o córrego, tem início uma subida exaustiva até o Forte de Brumadinho, e de lá, novamente até a entrada, no condomínio Retiro das Pedras. São cerca de 19 km com direito a muito Sol, subidas, descidas, mato e travessias de cursos d'água.

    Outra opção é pedalar de bicicleta pelas estradinhas ou pelas trilhas mais acidentadas, em meio aos campos rupestres ferruginosos, também conhecidos como "canga". Os roteiros são muito bem mantidos pelo Projeto Trilhas, iniciativa da associação Mountain Bike BH e outras organizações, que recuperou diversas trilhas, nascentes e drenagens na região, algumas destruídas no passado por praticantes de atividades motorizadas fora de estrada.

    Afloramentos quartzíticos e belas paisagens na encosta oeste da Serra da Calçada.

    A região é bastante procurada por caminhantes e ciclistas aos finais de semana.

    Há a opção de pedalar pelos acessos ou pelas muitas trilhas existentes na região, com variados níveis de dificuldade.

    A região também é bastante procurada para caminhadas (hiking), com uma grande variedade de atrativos históricos, culturais e naturais.

    Caminhadas um pouco mais longas também são realizadas, como a que leva à cachoeira da Ostra, no vale formado pelas serras da Calçada e de Ouro Fino (na imagem, no meio , à direita). Ao fundo, a Serra da Jangada / Três Irmãos.

    Destaque para a flora típica dos campos rupestres, como a canela-de-ema (Vellozia sp)

    As ruínas do Forte de Brumadinho são um dos principais atrativos históricos da região.

    As paredes construídas com grandes blocos de rocha impressionam pela solidez.

    Na serra também são encontradas pinturas rupestres bastante antigas, escondidas em locais de acesso um pouco mais difícil.

    O Centro Excursionista Mineiro - CEM utiliza essa região nas aulas de orientação do Curso Básico de Montanhismo.

    Trilha acidentada em um trecho da Serra da Calçada, percorrida pelos alunos do Curso Básico de Montanhismo do CEM.

    Canga (campo rupestre ferruginoso)

    O Quadrilátero Ferrífero, localizado no centro-sul do estado de Minas Gerais, é responsável por boa parte da produção nacional de minério de ferro. As feridas abertas na paisagem podem ser facilmente visualizadas no Google Earth, junto a municípios como Itabirito, Congonhas, Ouro Preto, Mariana, entre outros, incluindo a região metropolitana de Belo Horizonte. Sim, eu sei, é uma atividade que gera muitos empregos e rende bilhões em divisas ao país. Mas o histórico recente nos mostra que o descaso com o meio ambiente e com vidas humanas ainda é algo a ser resolvido.

    Quem vem de outras regiões ou estados e visita o entorno da capital mineira pela primeira vez, pode se surpreender ao se deparar com uma paisagem diferente, formada por afloramentos de rochas ricas em ferro, recoberta por uma curiosa vegetação herbáceo-arbustiva. São os Campos Rupestres Ferruginosos, também conhecidos como “canga”. O termo deriva de “tapanhoacanga”, corruptela utilizada por mineradores no passado, conforme descrito inicialmente pelo Barão de Eschwege em 1822, entendido como um conglomerado de “pedras de ferro” (Eisensteinkonglomerat) .

    As cangas são afloramentos muito antigos, resultantes do intemperismo de rochas ferríferas subjacentes, cimentadas por limonita e hematita, formando uma couraça de espessura variável e resistente, situadas normalmente nas partes mais altas do relevo, recobrindo jazidas de minério de ferro e constituindo extensos platôs, normalmente entrecortados por vales e escarpas. Funcionam como importantes áreas de recarga hídrica dos aquíferos, com altas taxas de porosidade e permeabilidade.

    A vegetação associada à canga abriga dezenas de espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção, algumas delas novas para a ciência. A principal ameaça é a mineração, que avança vorazmente sobre este tipo de formação. Quem se interessou pelo assunto, poderá encontrar maiores informações no livro Geossistemas Ferruginosos do Brasil, disponibilizado pelo Instituto Prístino (https://institutopristino.org.br/livros/).

    Campo Rupestre Ferruginoso ou canga, no Quadrilátero Ferrífero, coberto pela orquídea Acianthera teres.

    Ao mudar para Belo Horizonte em 2013, descobri a canga, e me encantei por ela em um passeio na Serra da Calçada. Voltei de lá com o tênis impregnado de um persistente pó avermelhado, impressionado e ansioso por maiores informações a respeito daquela curiosa formação.

    Com o passar do tempo passei a visitar outras áreas de canga pela região, algumas protegidas em unidades de conservação e outras na linha de frente da mineração. As espécies da flora em destaque, como a arnica (Lychnophora pinaster), canelas-de-ema (Vellozia spp) e muitas orquídeas, algumas formando verdadeiros tapetes sobre a rocha, como Acianthera teres, popularmente conhecida como bananinha, passaram a fazer parte do meu repertório botânico. Entre elas, um cacto colunar pequeno, pouco expressivo, camuflado no solo rochoso e ainda pouco conhecido pela maioria das pessoas: Arthrocereus glaziovii, endêmico da canga e ameaçado de extinção .

    Essa pequena planta espinhenta é um símbolo de resistência. Não bastassem as limitações impostas pelo próprio ambiente, pois não deve ser fácil sobreviver em uma rocha ferruginosa dura e praticamente estéril, sob o sol e temperaturas inclementes durante o dia e frio durante a noite, boa parte do ano em uma condição de déficit hídrico, ele ainda serve de bandeira aos ambientalistas, na luta para frear o avanço da mineração sobre áreas naturais ainda intactas.

    Durante uma caminhada matutina para definir mais um trecho da trilha de longo curso Transespinhaço, me deparei com a canga pontuada de flores brancas. Para minha surpresa, era a pouco vista floração do cacto Arthrocereus glaziovii, que ocorre durante a madrugada, quando as flores ficam totalmente abertas, para serem polinizadas por mariposas (Esfingofilia).

    Voltei ao local no dia seguinte, antes do amanhecer, para observar a floração do valente cacto em sua plenitude, com as luzes e ruídos da mineradora, operando a pleno vapor, apenas a algumas centenas de metros de distância. Torcendo para não ter sido a última oportunidade de observar esse belo fenômeno nesta região.

    Detalhe da flor do cacto Arthrocereus glaziovii, endêmico da canga e ameaçado de extinção.

    Floração do cacto Arthrocereus glaziovii, fotografada ao amanhecer.

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    André Deberdt

    André Deberdt

    Belo Horizonte - MG

    Rox
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    Biólogo e montanhista filiado ao Centro Excursionista Mineiro.

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