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TRAVESSIA BH - NOVA LIMA
Caminhada tradicional na capital mineira, que corre o risco de desaparecer devido a empreendimentos minerários.
HikingTrecho da Serra do Curral que emoldura a cidade de Belo Horizonte, MG.
A Serra do Curral é um patrimônio histórico, cultural e natural da cidade de Belo Horizonte. Motivo de orgulho dos moradores, integra o brasão da cidade, possuindo um expressivo significado simbólico. Situada no Quadrilátero Ferrífero, é formada, em sua maior parte, por rochas ricas em ferro, o que serviu de motivação para a exploração desordenada de suas jazidas, tanto no passado, como no presente. Embora uma pequena parte tenha sido tombada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), trechos significativos já foram explorados e descaracterizados, de forma irreversível, pela mineração e pela expansão da malha urbana.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tombá-la integralmente tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi protocolada depois que o governo estadual colocou entraves ao processo normal de tombamento, protelando a votação e destituindo a presidente do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (CONEP). Enquanto isso, projetos de exploração de minério de ferro, em operação ou em fase de licenciamento, colocam ainda mais em risco a proteção do marco geográfico mais representativo da capital mineira.
Além de marcar a transição dos domínios fitogeográficos da Mata Atlântica e do Cerrado, a Serra do Curral abriga campos rupestres ferruginosos, também conhecidos como cangas. São ecossistemas singulares que abrigam uma rica diversidade florística, incluindo um número significativo de espécies endêmicas e ameaçadas.
A delicada Sinningia rupicola, espécie ameaçada de extinção e endêmica do Quadrilátero Ferrífero, registrada na crista da Serra do Curral.
Não bastassem as ameaças ao rico patrimônio natural da Serra do Curral, uma trilha bastante conhecida pelos montanhistas e excursionistas da Região Metropolitana de Belo Horizonte também corre o risco de desaparecer, caso novos empreendimentos minerários venham a ser autorizados na região.
A travessia BH até Nova Lima é uma das caminhadas mais tradicionais da capital mineira. Tem sido realizada anualmente, desde 1969, pelo professor e biólogo Antônio Liparini, seus alunos e seguidores, em eventos que reúnem mais de uma centena de participantes. O Grupo Ecocultural Pé no Chão também realiza essa travessia há 30 anos, quase sempre no dia primeiro de maio, em comemoração à sua fundação, evento que conta com dezenas de participantes.
Diversos outros grupos, organizações e excursionistas realizam essa caminhada periodicamente, conforme pode ser constatado por meio de uma busca simples na Internet, o que comprova que se trata de um roteiro tradicional e consolidado, há anos, em Belo Horizonte. O trajeto de aproximadamente 15 km é repleto de belas paisagens, trechos de Mata Atlântica, cerrado, campos rupestres quartzíticos e ferruginosos, além de áreas mineradas abandonadas ou em recuperação, alternando trilhas estreitas e antigas estradas fora de uso.
A rota tradicional tem início no Hospital da Baleia (Fundação Benjamin Guimarães), local bem arborizado, com muitas praças e jardins. A partir da sede do 23 Grupo de Escoteiros deve-se subir a rua asfaltada que cruza um trecho de mata (Mata da Baleia), até o prédio do setor de oncologia, onde começa a trilha propriamente dita.
Este primeiro trecho sobe por uma encosta de morro, passando por uma área com vegetação típica de cerrado, um tanto degradada por sucessivos incêndios. A trilha é bem batida e larga, com alguns processos erosivos mais pronunciados. A primeira referência é a caixa d’água da COPASA. Um pouco mais à frente há uma bifurcação, já dentro dos limites do Parque Estadual Florestal da Baleia. O caminho da esquerda, com alguns pequenos trechos de escalaminhada, leva até um ponto mais elevado, de onde se tem uma bela vista da Serra do Curral e de alguns bairros de Belo Horizonte. A trilha a ser seguida é a da direita, que cruza o vale e sobe em direção a uma antiga estradinha de terra próximo a uma guarita, na divisa com o Parque Municipal das Mangabeiras. Seguindo à esquerda, há uma estrada calçada que sobe em direção às antenas no topo do morro, junto ao Pico Belo Horizonte, ponto culminante da cidade (1.390m).
No caminho, é possível observar a devastação causada pela Mina Corumi, da EMPABRA, paralisada por ordem judicial. A empresa é acusada pelo Ministério Público e por ambientalistas de utilizar um acordo de recuperação ambiental como fachada para retomar a mineração na Serra do Curral. O que ficou foi uma paisagem desolada, quase “marciana”, que dificilmente será recuperada.
A subida até o cume do Pico Belo Horizonte é feita pela estradinha calçada, cujo traçado sinuoso ainda guarda alguns trechos recobertos pela flora típica dos campos rupestres. Há um caminho alternativo que sobe direto para o pico, bastante íngreme, que não deveria mais ser utilizado, devido ao estrago ocasionado na encosta pelos processos erosivos desencadeados. Ao chegar na base da polícia militar junto às edificações onde foram instaladas as torres e antenas, é necessário contornar o complexo por uma pequena trilha que o circunda pela direita, antes do último ataque ao cume.
O acesso ao cume é feito por uma trilha estreita e exposta que o contorna pela esquerda. Do alto se tem uma bela vista das cidades de Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima, além da lagoa de águas azuladas remanescente da Mina Águas Claras (Vale S.A.) e das serras no entorno (Curral, Piedade, Gandarela e Caraça). O aspecto negativo é constatar, mais uma vez, o estrago causado pelas motocicletas que circulam pela região. O que já foi uma trilha estreita em meio ao campo rupestre ferruginoso, se tornou uma via larga, esburacada e erodida. Uma triste cicatriz em uma região tão bela, causada por pessoas inconsequentes e sem maior preocupação com o meio ambiente.
Início da caminhada a partir do Hospital da Baleia, pela rua que cruza a Mata da Baleia.
Relevo acidentado no primeiro trecho, com subidas e descidas íngremes dentro dos limites do Parque Estadual Florestal da Baleia.
Devastação causada pela Mina Corumi nas encostas da Serra do Curral. Ao fundo o Pico Belo Horizonte.
Pelo caminho, a Mina Corumi, paralisada por ordem judicial.
Acesso calçado e sinuoso na subida ao Pico belo Horizonte.
O ataque ao cume do Pico BH é feito por uma trilha estreita e exposta que o contorna.
Do alto do Pico BH tem-se uma vista privilegiada das cidades e serras ao redor.
Lagoa formada na antiga cava da Mina de Águas Claras, atualmente desativada.
A praga das motos no acesso ao Pico BH. O que no passado era uma picada no mato, agora se tornou um caminho largo e esburacado.
Do Pico Belo Horizonte, a trilha desce larga e esburacada em meio à canga (campo rupestre ferruginoso) até uma bifurcação à direita, que deve ser tomada até o ponto onde ela adentra um pequeno trecho de mata, junto a uma cavidade no solo ferruginoso, provavelmente resultante de antigas sondagens realizadas no local. A partir daí tem início uma descida íngreme e escorregadia, conhecida como “Rala Bunda”, que nos leva até uma estrada de serviço utilizada pelas mineradoras. Ao longo de toda a descida já é possível avistar a cidade de Nova Lima e a Mata do Jambreiro, um grande remanescente florestal transformado em RPPN pela Vale S.A.
Seguindo à direita por uma curta extensão da estrada, a trilha é retomada à esquerda, tendo como referência as torres de uma linha de transmissão que cruza a região. O caminho passa ao largo da Mata do Jambreiro, por áreas vegetadas ainda em recuperação, até descer novamente para o vale formado por uma das cabeceiras do córrego do Jambreiro, adentrando uma agradável mata onde um antigo barramento forma uma pequena cascata, local propício para uma parada para um lanche. Por se tratar de uma região muito minerada no passado, o consumo da água do córrego não é recomendado, apesar de aparentemente potável.
A trilha segue agora por uma subida estreita e escorregadia, saindo do vale em direção à crista do morro, onde uma antiga estradinha fora de uso vem sendo tomada pela vegetação. Uma antiga construção de tijolos no alto do morro serve como referência. Daí em diante, basta seguir reto por um trecho com relevo levemente acidentado, cruzar mais uma estrada de serviço e continuar pela trilha que desce novamente o vale, até o córrego do Jambreiro. No trecho final da descida, grandes sulcos erodidos dificultam o caminhar, em mais um legado deixado pela circulação das motos na região.
O ponto de confluência do córrego do Jambreiro com um outro, sem nome e poluído, marca o trecho final da trilha. Seguindo pela margem oposta, ela logo nos leva até uma bucólica estradinha no meio da mata, ladeada por uma pequena canaleta de água, que nos conduz até o bairro Boa Vista, já na área urbana de Nova Lima. De lá, basta seguir em direção ao centro, tendo como referência a Praça do Mineiro, ponto final da caminhada, de onde é possível tomar um ônibus, taxi ou Uber de volta para BH.
Conforme constatado pelos colegas que realizam há tempos essa travessia, a trilha está cada vez mais degradada, especialmente devido à passagem das motocicletas, que insistem em percorrer áreas incompatíveis com esse tipo de atividade, deixando enormes cicatrizes na paisagem, na forma de trilhas esburacadas e valas que se aprofundam cada vez mais, na medida que a água da chuva é canalizada por elas. Um estrago difícil de ser recuperado.
Ainda assim, além de representar uma travessia clássica em plena região metropolitana de BH, o caminho guarda as belas paisagens que podem ser apreciadas do alto da Serra do Curral, em um percurso ideal para quem está iniciando na prática do montanhismo ou mesmo para aqueles que apreciam o contato com a natureza, simplesmente para espairecer e “recarregar as baterias”.
Como já foi dito, a travessia corre o risco de desaparecer caso um empreendimento de mineração em processo de licenciamento ambiental venha a ser aprovado. Ambientalistas e montanhistas vêm tentando pressionar as autoridades para que o tombamento de uma porção maior da Serra do Curral seja viabilizado no âmbito Estadual, o que ajudaria a frear o processo de degradação que ameaça um dos principais cartões postais da cidade.
Um abaixo assinado está disponível na Internet: https://tombeaserradocurral.com.br/
Caminhada pelo campo rupestre ferruginoso, também conhecido como "canga", que abriga diversas espécies da flora endêmica e ameaçada de extinção.
Trecho conhecido como "Rala Bunda", com a Mata do Jambreiro e a cidade de Nova Lima ao fundo.
Parte da trilha tomada por sulcos erodidos, resultantes da passagem das motos.
Trecho final da caminhada, no bairro Boa Vista, em Nova Lima, MG.
Montanhistas e excursionistas na travessia BH – Nova Lima, realizada no mês de dezembro, unidos em prol do tombamento da Serra do Curral.
As imagens do relato são de caminhadas realizadas em dezembro de 2020, junho de 2021 e dezembro de 2021.
