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TRILHA DO BARÃO
Trilha histórica, em calçamento de pedra, na região de Grão Mogol, Norte de Minas Gerais.
Hiking MontanhismoTrecho calçado da Trilha do Barão, no Parque Estadual de Grão Mogol.
Grão Mogol está situada a 560 quilômetros da capital mineira, encravada em um platô na Cadeia do Espinhaço (830m), junto ao Parque Estadual homônimo, criado em 1998. O acesso é feito a partir de Montes Claros, distante cerca de 150km, por estradas asfaltadas e bem sinalizadas, porém, com intenso tráfego de caminhões. Embora ainda não tenha sido descoberta pelo turismo, guarda riquezas históricas e naturais de grande relevância. A cidade ainda mantém uma atmosfera pitoresca, além do patrimônio histórico bem preservado, com destaque para a bela Igreja de Santo Antônio, construída toda em pedra, o casario colonial e um presépio ao ar livre, além de muitos atrativos naturais, especialmente trilhas que cortam a serra, dentre elas a do Barão, uma das mais famosas. Mais detalhes sobre a história local podem ser obtidos no artigo escrito por Alberto Ortenblad no site Alta Montanha[1].
Eu e Giselle viajamos até o Norte de Minas para ministrar uma oficina de sinalização da trilha de longo curso Transespinhaço, realizada sábado na cidade de Cristália e promovida pela Secretaria de Turismo de Grão Mogol. No final da tarde ainda tivemos a oportunidade de subir ao cume do Morro do Chapéu, que se destaca na paisagem da região, com 1.300m.
Nos hospedamos em Grão Mogol, no hotel Paraíso das Águas, um empreendimento um tanto delirante, de proporções exageradas e que acabou não rendendo o retorno esperado. Ainda assim, a estrutura nos atendeu muito bem em termos de conforto e localização, apesar da impressão de sermos os únicos hóspedes naquele final de semana. À noite, fizemos um agradável tour pelas ruas com casario histórico, passando pela imponente e bela Igreja de Santo Antônio, além de outros pontos de relevância histórica. Em seguida nos encontramos com o colega Ítalo Oliveira Mendes, secretário de turismo de Grão Mogol, para comer e beber algo.
No domingo de manhã nos encontramos novamente com o Ítalo e com o Paulinho, historiador autodidata e guia local, para uma caminhada pela Trilha do Barão. Um funcionário do Parque Estadual nos levou de caminhonete até o ponto inicial da trilha, na localidade conhecida como Gêra de Nondas, a partir de onde seguimos rumo à cidade de Grão Mogol, evitando assim a necessidade de um resgate, caso tivéssemos optado pelo sentido inverso.
A Trilha do Barão, ou Estrada do Barão, como era conhecida no passado, foi construída por volta de 1875 para ligar a cidade de Grão Mogol à fazenda Cafezal, de propriedade de Gualter Martins Pereira (1825-1890), o Barão de Grão Mogol. Trata-se de uma obra de engenharia esmerada, construída grande parte em cantarias e muros de arrimo, que cruza uma porção da Cadeia do Espinhaço conhecida no passado como Serra de Itacambiruçu e em tempos atuais como Serra da Bocaina ou Serra Geral. A história de vida do Barão é um capítulo à parte que contribui para enriquecer ainda mais a experiência da caminhada.
Percorremos inicialmente um trecho de 1.000m em meio à vegetação típica do Cerrado, cercados por pequizeiros floridos, cagaiteiras e jatobás carregados de frutos, até a base da serra, onde tem início o calçamento de pedra. A visão inicial daquela mini trilha inca que sobe pela encosta é surpreendente! A maior parte da estrutura ainda apresenta boas condições de conservação, com uma arquitetura de cantaria que se diferencia das muitas calçadas de pedra existentes, também conhecidas popularmente como “caminhos dos escravos”. Os blocos de quartzito branco muito bem posicionados, amparados por muros de arrimo em perfeito alinhamento, são complementados pela bela vegetação e pelas paisagens do entorno. A cada 10 metros uma parada para contemplação e muitas fotos. Realmente um espetáculo único, da base até o alto da serra.
Um curioso bloco de rocha com aparência de uma cabeça de dinossauro com a boca aberta marca o ponto culminante da trilha (1.200m), quando passamos a caminhar pela vertente Leste da serra. Um pouco mais à frente. Uma discreta trilha à direita dá acesso à Gruta do Quebra Coco, antigo refúgio de escravos fugidos, conforme conta a história local.
O Paulinho, que nos acompanhou voluntariamente, também foi outra boa surpresa. Uma verdadeira enciclopédia ambulante com precisão acadêmica e uma memória primorosa para nomes, datas e números. Enriqueceu demais o nosso passeio, tanto pelas informações passadas, quanto pela simpatia.
A partir daí a trilha cruza um extenso campo rupestre, em meio a um relevo predominantemente plano, onde o calçamento reaparece em pontos isolados e curtos. O destaque fica por conta da vegetação, rica em espécies endêmicas, muitas delas ameaçadas de extinção. Para quem se interessa pela flora, a experiência é repleta de novas descobertas, mesmo em épocas de pouca floração, como foi o caso. Muitas espécies só ocorrem naquela região e, mesmo em uma rápida passada, já daria para publicar um guia da flora local.
Em alguns trechos ainda é possível encontrar as marcas do intenso garimpo que tomou conta da região no passado remoto e em tempos mais recentes, antes da criação do Parque. Modificações sutis na paisagem rupestre também podem ser notadas na medida em que avançamos na trilha, ora no aspecto da vegetação, ora na morfologia dos afloramentos rochosos, o que torna o visual do passeio bastante dinâmico e nada monótono.
No trecho final, quando já é possível avistar a cidade graciosamente posicionada em meio ao relevo montanhoso, com o Morro do Chapéu bem ao fundo, a trilha passa próximo à Pedra Rica, segundo consta, o primeiro local no mundo onde diamantes foram encontrados e lavrados pelo desmonte de uma rocha[2]. A trilha termina em um bairro popular de Grão Mogol, onde parte do calçamento foi encoberto pelas casas construídas na rua Franklin Barbosa. Basta continuar caminhando por mais uma centena de metros até a região central, aproveitando para contemplar o belo casario colonial, construído com arquitetura típica em blocos de quartzito.
A extensão da trilha percorrida foi de aproximadamente 12 km, sendo os primeiros 4,5km mais íngremes ao longo do trecho calçado, para quem a realiza no sentido Gêra de Nondas até Grão Mogol. O tempo de caminhada é variável, de acordo com o interesse e o ritmo de cada um. Gastamos mais de três horas, em uma caminhada lenta e com diversas paradas nos muitos pontos de interesse que encontramos pelo caminho. Mas há quem a realize em cerca de duas horas. Por se tratar de uma trilha contemplativa, não há motivo para pressa.
Decidimos realizar a caminhada de última hora, uma vez que o propósito da viagem foi a participação em uma oficina de sinalização para a Transespinhaço, o que acabou sendo uma agradável surpresa, que compensou a longa viagem de carro a partir de Belo Horizonte, realizada no final de semana (560km em 7h e 30min). Serviu também para estimular o desejo de explorar melhor a região e percorrer outras trilhas, como a da Tropa e a do Curral de Pedra, igualmente belas. Portanto, a partir de março do próximo ano, ao final da estação das chuvas, certamente voltaremos lá!
Para quem se interessou:
Contato do guia/historiador Paulinho (Paulo Henrique da Silva): (38) 9 9934-4350
Contato do Secretário de Turismo Ítalo Oliveira Mendes: (38) 9 9948-6070
[1] https://altamontanha.com/o-espinhaco-grao-mogol/)
[2] http://sigep.cprm.gov.br/propostas/PedraRica_Grao_Mogol_MG.pdf
Cume do Morro do Chapéu (1.300m), um dos pontos mais altos na região.
A bela igreja de Santo Antônio, toda construída em pedra.
Casario colonial em uma rua na região central de Grão Mogol.
Início da caminhada pela Trilha do Barão. Tivemos que caminhar cerca de 1.000m até o início do calçamento na base da serra.
Início do trecho calçado da Trilha do Barão.
Cantaria e muros de arrimo ainda bem preservados.
Construída com esmero na segunda metade do século XIX, boa parte da estrutura ainda resiste ao tempo.
A impressão inicial é de uma mini trilha Inca encravada no Espinhaço Mineiro.
Muros de arrimo e outras artes de engenharia adotados nos trechos mais íngremes, para evitar o desencadeamento de processos erosivos.
Os afloramentos rochosos, a vegetação e a bela vista completam a paisagem de grande beleza cênica.
Um curioso bloco de rocha no formato de uma cabeça de dinossauro marca o ponto mais alto da trilha, na passagem para a vertente Leste da serra.
A Gruta do Quebra Coco, local onde escravos fugidos se refugiaram, fica escondida em um ponto da trilha. Na foto a Giselle e o Ítalo, Secretário de Turismo de Grão Mogol.
Na vertente Leste da serra, os trechos calçados são curtos e espalhados em alguns pontos da trilha.
Exemplares da flora endêmica da porção Norte do Espinhaço estão espalhadas ao longo da trilha, como esta espécie de canela-de-ema (Vellozia maxillarioides), ameaçada de extinção.
Mais um trecho isolado do calçamento na proximidade da cidade de Grão Mogol.
Quase no final da trilha, com a cidade de Grão Mogol ao fundo.
Placa de pedra que marca o início da Trilha do Barão .em Grão Mogol.
