Sinalização da TESP no Parque Nacional da Serra do Cipó.
Trilhas de longo curso no Brasil
No Brasil, trilhas de longo curso começaram a ganhar forma a partir de 2016, inicialmente com a Trilha Transcarioca, que cruza o Rio de Janeiro por um percurso de aproximadamente 180 km, saindo da Barra de Guaratiba até o Morro da Urca, aos pés do Pão de Açúcar. Sua implementação envolveu uma grande mobilização de voluntários e profissionais de unidades de conservação.
Aos poucos outras iniciativas foram surgindo por todo o país, como parte de um movimento orgânico, articulado por diversos atores da sociedade civil, incluindo montanhistas, guias e lideranças locais, bem como representantes da esfera governamental, dentre eles gestores e funcionários de unidades de conservação, além de uma legião de voluntários em prol da conservação de áreas naturais, aliado ao ordenamento do uso público responsável.
A trilha de longo curso Transespinhaço
A Transespinhaço (TESP) é uma iniciativa voluntária, que conta com a participação de representantes do setor público e da sociedade civil, em especial praticantes do montanhismo, que têm como propósito implantar uma trilha de longo curso ao longo do Espinhaço Mineiro, interligando 48 áreas protegidas, em um trajeto com mais de 1.200 km de extensão. Integra a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso, movimento organizado que agrega diversas outras trilhas de longo curso em implantação pelo Brasil, que também adotam a pegada preta e amarela como símbolo.
Alguns meses antes da criação do Movimento Trilha Transmantiqueira, o montanhista mineiro e ex-chefe do PARNA do Itatiaia, Luiz Aragão, realizou, no mês de agosto de 2017, uma caminhada de 170 km na Cadeia do Espinhaço, do vilarejo de Cemitério do Peixe, no município de Conceição do Mato Dentro, até Serra dos Alves, município de Itabira, aonde chegou depois de 10 dias.
Encantado com as belezas do Espinhaço, enviou uma mensagem eletrônica para diversos montanhistas, chefes de unidades de conservação, guias, clubes e associações de montanhismo, entre outros, para discutir as possibilidades de criação de uma trilha Transespinhaço. Conseguiu a adesão de Giselle Melo, então presidente do Centro Excursionista Mineiro (CEM) e da Federação de Montanhismo e Escalada do Estado de Minas Gerais (FEMEMG), que, junto com ele, assumiu as rédeas na organização do recém-criado Movimento Trilha Transespinhaço.
A TESP foi oficialmente criada em 16/06/18, durante o evento denominado “1º Seminário da Trilha de Longo Curso Mineira Trilha Transespinhaço”, realizado no Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (IGC/UFMG). Desde então, diversas pessoas entraram e saíram da iniciativa, enquanto outras permaneceram firmes com os propósitos almejados.
Para a organização dos trabalhos de definição do traçado e implantação da TESP, foram criados cinco grupos de trabalho (GT1, GT2, GT3, GT4 e GT5). A diretriz de traçado da TESP foi dividida em Setores, de acordo com afinidades regionais, distribuídos dentro dos respectivos GTs. Cada Setor, por sua vez, é subdividido em Trechos, normalmente caracterizados por trilhas já em uso, que podem ser criados ou suprimidos de acordo com as necessidades de adequação do traçado geral. A implantação e manutenção de um trecho deve ficar a cargo de um “Adotante”, que pode ser um grupo de pessoas ou uma instituição local, que passa a se responsabilizar por ele.
A escolha da logomarca
De acordo com o Manual de Sinalização de Trilhas do ICMBio, a logomarca e outros símbolos utilizados na sinalização servem para dar identidade à trilha e facilitam sua identificação pelos usuários, dando a estes a segurança de que estão no caminho que escolheram. Os sistemas de sinalização de trilhas mais modernos incorporam logomarcas e símbolos que permitem também passar informação aos usuários sobre o sentido preferencial e mudanças de direção ao longo do percurso da trilha.
Para a TESP, foi adotado o uso de logomarcas com pegadas das cores amarelo e preto, a exemplo do que já ocorre em diversas iniciativas de sinalização no Brasil. Os modelos foram desenvolvidos por Hugo de Castro, do Movimento Transmantiqueira e atual presidente da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso e aperfeiçoados pela Giselle Melo, do Centro Excursionista Mineiro.
A primeira ideia de logomarca para a TESP foi apresentada durante o 1º Seminário e, acatando sugestões do público, foram realizadas alterações, colocadas em votação no período de 24 a 26/07/18, por meio da página da Trilha Transespinhaço no Facebook, para a escolha da pegada que representaria o projeto.
Nas figuras a seguir são apresentadas as seis opções de pegadas que concorreram na votação, a evolução do primeiro layout de pegada até o modelo oficial, e a versão final da logo inserida nas setas com fundo preto (sentido Sul-Norte) e amarelo (sentido Norte-Sul).
Layout das seis pegadas que concorreram na votação realizada em julho de 2018.
Evolução do primeiro layout de pegada até o modelo final definido em votação.
Versão final da logomarca, inserida dentro das setas com fundo preto ou amarelo.
A sinalização da trilha
O desejo da maioria dos montanhistas é caminhar por regiões quase intocadas ou onde a interferência humana nas trilhas seja mínima. Entretanto, na medida em que o roteiro passa a ser conhecido e frequentado por um maior número de pessoas, a sinalização torna-se necessária, não apenas para indicar o caminho correto, como também uma forma de mitigar impactos negativos, decorrentes da abertura de atalhos e trilhas secundárias, especialmente em áreas mais suscetíveis a processos erosivos ou por locais de maior sensibilidade ambiental.
Na maioria dos casos, quando uma sinalização adequada não é adotada, o próprio usuário se encarrega de sinalizar a trilha, quase sempre de maneira precária e imprecisa, que, inevitavelmente acaba resultando em uma profusão de totens de pedra, fitas plásticas e até pichações.
Porém, o excesso de sinalização também deve ser visto como algo negativo, ao poluir visualmente o local. Em trilhas cênicas como a Transespinhaço, onde predominam paisagens deslumbrantes, repletas de cachoeiras, cânions, paredões, vales, altiplanos e serras, a sinalização deve ser adotada com parcimônia, de forma a servir ao caminhante e não apenas como um destaque disruptivo na paisagem.
Assim, é fundamental levar em consideração a interferência da sinalização na paisagem e avaliar corretamente onde ela realmente se faz necessária. Para isso, um mínimo de planejamento é necessário.
O traçado da TESP
A construção da TESP é um processo lento e dinâmico. Partindo de uma diretriz de traçado previamente definida, cada trecho é planejado como uma peça de um grande quebra-cabeça, aproveitando, sempre que possível, trilhas e travessias pré-existentes.
O primeiro trecho a ser implantado, em agosto de 2018, aproveitou o traçado da travessia Alto Palácio – Serra dos Alves, no Parque Nacional da Serra do Cipó, com 40 km. Depois foi a vez do Parque Estadual do Pico do Itambé, com uma trilha de 36 km, seguido de mais um trecho de 13 km, ligando o distrito de Milho Verde ao de Capivari, todos eles devidamente sinalizados e em operação.
Alguns trechos também já foram mapeados e validados em campo, dentre eles o que vai de Ouro Branco, no sul do Quadrilátero Ferrífero, até São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto; a travessia Extrema - Fechados – Cemitério do Peixe; a travessia entre os parques estaduais do Itambé e do Rio Preto, além de outros, que aguardam a definição de um adotante para sua implantação e sinalização efetiva.
Diretriz de traçado da TESP. Em laranja, os trechos implantados, sinalizados e em operação.
Trechos que compõem a diretriz de traçado da TESP e as respectivas distâncias.
A essência da TESP
A Transespinhaço é uma proposta ousada de trilha de longo curso, que nasceu como um movimento coeso, a partir da motivação e do entusiasmo de um grande grupo de pessoas, em especial voluntários da sociedade civil e representantes das unidades de conservação que serão interligadas ao longo de uma das mais belas paisagens do país.
Trata-se de um projeto coletivo, com governança na forma de uma rede horizontal de cooperação, conduzido por pessoas motivadas pelos mesmos ideais e objetivos. A força e a beleza do movimento podem ser facilmente percebidas nos seminários de planejamento e nos mutirões de sinalização, onde montanhistas, condutores, chefes e funcionários de unidades de conservação, membros de ongs e demais representantes dos mais diversos setores da sociedade atuam, de igual para igual, indistintamente, em prol de um interesse comum.
É uma ideia que não precisa ser “vendida”, uma vez que encanta e conquista a todos de imediato, não apenas por sua grandiosidade, mas, principalmente, pela facilidade com que é compreendida, em especial quanto aos benefícios para o meio ambiente, para a sociedade e para a economia regional.
Ao invés de uma série de iniciativas pontuais que poderiam ter adotado um logotipo da pegada próprio para a representação de trilhas locais, algumas até distintas do conceito de trilha de longo curso, a TESP conseguiu unificar interesses e iniciativas em gestação, ao longo de uma extensão de mais de 1.200 km, que, a partir de uma identidade comum, podem agora se concretizar em um único e ambicioso projeto.
Em 2018 a TESP deixou de ser apenas uma ideia e tornou-se uma realidade. Boa parte dos trechos que serão interligados “fervilham” em nossas mentes e estão prestes a sair do papel para se tornar realidade em campo. A partir dos respectivos GTs, grupos menores se articulam na definição do melhor traçado, inicialmente a partir das unidades de conservação que integram o movimento, onde os entraves encontram resolução mais fácil. O maior trabalho está na interligação dessas áreas protegidas, diante das variadas formas de uso e ocupação do solo e dos diferentes interesses dos proprietários de terras.
Tão grande quanto o nosso entusiasmo, são os desafios que temos pela frente. Mas como somos muitos, com um pouco de organização e planejamento não será difícil alcançar nosso objetivo comum. Por isso torna-se tão importante demonstrar a maturidade e a seriedade do movimento. Deixar claro que não se trata de uma iniciativa efêmera que a qualquer momento pode vir a se pulverizar em ações isoladas e inconsistentes. A coesão mencionada no início do texto é nossa grande força. Trabalhando juntos, a jornada não será apenas mais fácil, como também, muito mais recompensadora.
A TESP é bem mais que uma trilha de 1.200 km interligando unidades de conservação. É um pedaço de cada um de nós representado em uma pegada pintada em um ponto específico de uma das mais belas e únicas formações de relevo do mundo: a Cordilheira do Espinhaço.
Trecho da TESP no Parque Nacional da Serra do Cipó .
Vida longa à TransEspinhaço!
Isso mesmo Getulio! Um sonho que se sonha junto!