Diante da fogueira que revigora os ossos moídos depois de oito mil metros caminhados sobre cascalhos e trilhos enquanto o friozinho pós crepúsculo chega soprando de leve o aviso que a noite não poupará ninguém, vejo-me diante da minha companheira e do meu querido novo amigo, todos estão cansados, mas é consenso: ali está a alegria. Comentamos sobre a nossa existência na cidade e os barulhos inadequados aos raciocínios de quem sempre pensou na estrada e no mato como uma forma vida; aqui só a melodia dos insetos cancioneiros e lenha estalando dão o compasso sob o mais bonito holofote da vida: a lua cheia. Quem dera todos nossos problemas se resumissem a picadas de mosquitos sedentos e o peso da mochila nas costas ou até mesmo um corpo doído por deitar entre pedras, palha e saco de dormir. O que reservará o dia de amanhã? Não sabemos, agora temos fome, não a de vida porque vivendo estamos, sim a de estômago, e nos damos conta - mesmo sem dizer uma palavra - o quanto somos privilegiados, embora não detenhamos muito dinheiro e muitos bens, ainda sim podemos escolher qual será a janta: "macarrão ou lentilha?'"Temos uns aos outros e a solidão de nós mesmos, o que precisamos mais? Ahhh, quem dera todos pudessem comer o que desejassem nesse mundo descompassado e descarrilado dos trilhos da bondade extrema já tão minguada de anemia e miséria... O pensamento vai longe...

As barracas estão montadas, o céu está estralado, "aquele é o cruzeiro do sul?", o trem uiva e chega aos solavancos diante da nossa base, rasgando o tempo entre o agora e a percepção de que amanhã acordaremos cedo e caminharemos na linha férrea - outros viajantes relatam pontes e túneis imensuráveis ao longo do caminho -é necessário ir ver, porém, agora precisamos dormir, é tarde, mas bem cedo pra continuar vivendo e caminhar dentro e fora dos trilhos rumo sei lá onde.

Edu Bah - Diários de Carona