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Claudio Werneck 02/03/2017 21:27
    Pico Maior, 2.316m - Via Leste, 700m em 17 Esticões e etc.

    Pico Maior, 2.316m - Via Leste, 700m em 17 Esticões e etc.

    Quando se pensa em vista, temos a impressão de que que o cume será o ápice, mas desta vez fui pego de surpresa...

    Sim, pelas minhas contas já saíamos atrasados. Porém a vontade de escalar era grande, praticamente proporcional à parede. Deixamos o refúgio do Tartari pouco antes das 6:00 e já passavam das 6:30 quando a estradinha começava a ficar precária demais e por precaução decidi deixar o carro um pouco antes do refúgio República dos Três Picos.

    Alguns imprevistos nos fizeram perder um tempo precioso nesta aproximação. Porém a premissa da noite anterior, quando chegamos com o tempo muito fechado e "molhando", tinha se desfeito. Marchando morro acima tínhamos o sol brilhando forte num céu azul sem nuvens e o denso nevoeiro ficando para trás e para baixo.

    Atravessamos o pasto, a trilha íngreme por dentro da mata e depois de pouco mais de uma hora e meia de caminhada demos de cara com o Pico Maior na nossa frente. Com o atraso, a outra cordada que nos esperava na base já tinha dado a escalada da Leste como comprometida. Ao nos encontrarmos as dúvidas ficaram para trás, "toca pra cima!" Agora éramos apenas nós e a montanha.

    Primeira enfiada, uma cordada de dois e outra de três a francesa, pura aderência num IIIº grau passando a IVº. Segunda, seguimos as duas cordadas escalando em simultâneo a francesa. Na aderência, intercalada com algumas agarras, entre o IVº grau e as curvas, o atrito da corda era grande. Para baixo um mar de nuvens, acima a montanha imponente nos olhava em desafio. A grande distância entre os grampos é uma característica das vias na região, o psicológico e o foco têm de estar apurados.

    Seguimos a francesa até a base da primeira chaminé na nona enfiada. A partir daí segurança convencional e atenção redobrada. Na chaminé é de suma importância não cair, pois o grampo está no final dela. Na saída você tem que deixar a parede a sua frente para passar para a que está nas suas costas, sinônimo de adrenalina alta num movimento pouco comum.

    Após esta saída aérea, segue numa passada lateral quase que desescalando por uma aresta horizontal onde uma queda, na melhor das hipóteses, no "mínimo" poderia comprometer a integridade da corda e certamente dar uma boa ralada na carcaça e no psicológico de qualquer um. Esta passada não é difícil, tem boas agarras e locais para por os pés mas ainda assim é delicada e a beirada do precipício deixa os menos experientes cheios de dúvidas.

    Logo depois está a décima parada. Ao sair dela seguimos por um Vº quase vertical para cima. Mais alguns lances em aderência, passando para um IVºsup com agarras em grandes cristais e chegamos à segunda chaminé. Mais estreita e maior, na saída há uma seqüência de 2 lances em A0. No primeiro, sem dúvida, fazer os três grampos em artificial é a melhor opção. O segundo, se passar bem pelo primeiro e chegar inteiro, na adrenalina pode arriscar escalar o VIºsup em três ou quatro lances de micro agarras. Mas antes de encarar as duas sequências é bom fazer as suas contas, pois não vale a pena arriscar uma queda.

    Um pouco mais acima, outra seqüência em artificial em curva quase horizontal e uma cristaleira de grandes pedras. Deixando o IV º para baixo facilmente chegamos ao cume com um IIIºgrau às 14:30 praticamente sem vento e a primeira parte da missão estava cumprida.20 minutos, algumas fotos e retomado o fôlego dos 700 e tantos metros de escalada começamos a buscar o ponto de rapel, a via Cidade dos Ventos.

    A descida pela encosta da montanha em direção ao Vale dos Frades, uma passagem exposta e sem proteção, nos faz lembrar que qualquer falha pode ser fatal. A partir daí todo o cuidado é pouco, em situações como essa, cansado e dolorido facilmente se perde a concentração. O primeiro rapel foi curto 25m, os demais todos em 50m. O último destes o mais tenso, pois éramos 5 praticamente pendurados em dois grampos antigos e num pequeno platô em que não cabiam os pés de todos.

    Ao botar os pés em terra firme outra vez foi um alívio temporário. Ali, depois do rapel, quando se puxa a corda o vento facilmente pode fazê-la se prender em um grande totem à esquerda. Ainda nos faltava um último rapel que deveria ser descoberto entre a vegetação e este nos deu um pouco de trabalho para achar.

    Nos separamos, perdemos uns 15 minutos procurando encosta abaixo e quando cheguei ao ponto a turma já tinha deixado a corda pronta. A descida deste quinto rapel nos levava ao colo entre o Pico Maior e o Capacete e ao visual mais impressionante da empreitada.

    Quando se pensa em vista, temos a impressão de que que o cume será o ápice, mas desta vez fui pego de surpresa. Sem avisar, o vento começa a mostrar sua força, como se quisesse chamar a atenção. Nos últimos dez metros de rapel, paro e me dou conta de um pôr do sol incrível, do alto de um vale, entre duas montanhas.

    Como numa despedida, olho pra cima para encarar a montanha e a vejo laranja, emoldurada num céu azul escuro com a lua crescente. Neste momento cai a ficha: tínhamos vencido o desafio e fechado com chave de ouro a aventura. A caminhada noturna montanha abaixo seria apenas um detalhe.

    Claudio Werneck
    Claudio Werneck

    Publicado em 02/03/2017 21:27

    Realizada em 24/09/2016

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    1 Comentários
    Divanei Goes de Paula 01/09/2021 11:21

    Belo Relato, estou escrevendo um , mas sobre a ótica de quem nem se considera escalador de coisa nenhuma, ainda mais porque nós Paulista, sempre nos enroscamos nessa escaladas gigantes do Rio , muito porque, aqui em São Paulo nossas maiores vias pouco passam dos 200 metros. Só um coisa, a altitude do Pico Maior mudou faz tempo com as novas medidas, hoje ele tem oficialmente 2.366 metros, o ponto mais alto da Serra do Mar no Brasil, maior que o Sino e apenas 5 metros maior que o pico médio. Abraços.

    Claudio Werneck

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