Ascensão ao Vulcão Puyehue
Mirabile visu
Aproximadamente às 11h do dia 24 de maio de 2018, eu e Marcelo - guia de montanha, pegamos a estrada de Ensenada, uma distância de 124 km até Ruta 215, Río Bueno, Región de los Ríos, levando aproximadamente 2h30 para chegar no Restaurante El Caulle, localizado a cerca de 546m de altitude, onde se inicia o Trekking de dois dias para ascensão ao Vulcão Puyehue (2.200m), cuja última erupção se deu em 2011. Fomos recepcionados por uma cachorrinha preta que era um furacão, e estava doidinha pulando em uma poça de d'água na frente do restaurante, que estava fechado naquela oportunidade.
Deixamos o carro no estacionamento, colocamos nossas mochilas nas costas e iniciamos nosso trekking às 13h30 e seguimos até o refúgio localizado a 1.394m em cerca de 3h30, desnível de 850m, parando umas duas vezes para comer, beber e coletar água das fontes. A parada para beber água era algo rápido a se fazer porque o frio logo começava a se tornar ‘congelante’, e o suor ia esfriando rapidamente por todo o corpo. Suei bastante, a trilha é bem íngreme, com trechos onde se exige muito esforço, especialmente com uma mochila de mais de 10kg nas costas. Não cruzamos com ninguém, e só em uns trechos de lama era possível algum vestígio de pegadas. A floresta era um silêncio só. Chegamos ao refugio pouco antes do entardecer.
O lugar é charmoso por fora, com cara de cenário de filme, simples e eficiente por dentro. Dispõe de sete beliches rústicos, ou seja, espaço para 14 leitos, com mesa, bancos, estufa a lenha em seu interior e algumas janelas, com uma vista excelente do Vulcão Puyehue. Não cruzamos com ninguém em todo percurso, não ouvíamos som algum além do vento batendo na copa dos coigües, uma árvore frondosa que cresce no centro e sul do Chile. No refugio também não havia ninguém, nada além do som dos fortes ventos e do frio que me pareceu algo emocionalmente denso. De cara a primeira coisa a se fazer era acender o fogo da estufa interna do refugio, pois no final da trilha havíamos tomado uns chuviscos, ventava muito e fazia muito frio. Eu estava encharcada de suor que começava a congelar após parar de caminhar. Era a hora de usar lenços umedecidos para retirar o suor antes que esse congelasse.
O Marcelo saiu para pegar uns pedaços de madeira, enquanto eu batia o queixo dentro do refugio. Ele voltou com pedaços de madeira de todo tamanho, e usando a parte interna de papelão de rolo de papel higiênico, acendeu o fogo e a chama não demorou muito a estalar a madeira e aquecer o ambiente congelante. Depois saiu novamente para pegar água num riacho, e passados mais de 20 min comecei a ficar desesperada achando que ele tinha sido engolido por um urso, depois eu descobriria que não tinham ursos ali, apenas pumas e lebres. Chamei por ele algumas vezes, e já começando a surtar e congelar, voltei para dentro do refugio e antes que eu precisasse pensar numa estratégia de sobrevivência para aquela noite, ele apareceu com a garrafa cheia de água. Tomamos chá, e passava das 18h quando começamos a preparar o jantar, pouco mais de 1h, ouvi sons de pessoas se aproximando, era tarde da noite, passava das 19h, lá fora não havia mais nenhum traço de luz solar, e eu praticamente congelei com o braço suspenso levando o garfo de comida até a boca, quando entrou no refúgio quatro homens encharcados. Os primeiros minutos foram de apreensão, até que eles se apresentaram como pesquisadores de alguma unidade de Santiago, e que estavam coletando material vulcânico na costa do Chile. 'Ufa', era a única coisa que pensei. Criei uma nota mental de comprar uma faca e um canivete.
Mas a aventura não acabava por aí. Logo após o jantar, saí para fazer xixi, com a headlamp devidamente alocada em minha cabeça, segui rumo a escuridão, tentando iluminar o maior campo de visão possível ao meu redor, para ver se não havia puma ou qualquer outro predador maior que um rato. Quando vi que o terreno estava seguro, me baixei segurando a calça em uma mão e o papel higiênico em outra, e a headlamp apagou. Os segundos que se passaram foram de desespero em ser devorada ou em molhar as calças após o susto. Tentei malabaristicamente reacender a headlamp com a mão que segurava o papel higiênico, enquanto imaginava algum puma sortudo se aproximando enquanto eu estava ali indefesa, abaixada e com as calças na metade da perna. Mas a headlamp reacendeu, e antes que fosse devorada por qualquer coisa, me enxuguei e levantei a calça rapidamente, e saí correndo para dentro do refugio, ninguém deve ter visto naquela meia luz que eu certamente estava pálida de medo, até porque eu já estava pálida de frio antes disso.
Corri para meu saco de dormir, e tentei dormir enquanto os fortes ventos lá fora uivavam de forma que nunca tinha presenciado e testavam a solidez de cada pedaço de madeira e prego do refúgio. Saber que havia um saco com quase 10kg de pregos no canto da parede não era algo que me acalmasse. Passei a noite com a sensação que o vento arrancaria as paredes e o teto, e que tudo sairia voando, então praticamente não preguei os olhos, e nem tive coragem de acordar o guia para conferir se os ventos apresentavam risco, todos pareciam imóveis e em sono pesado mesmo com todo aquele berreiro do vento.
Nessa época do ano no Chile, o sol demora a nascer, algo em torno de 8h30 da manhã, o que me pareceu uma eternidade naquele dia 25 após uma noite pessimamente dormida. Tomamos café da manhã, pães, queijo, suco de laranja e chá de rosa mosqueta, e em torno das 9h partimos rumo ao cume, ou quase isso.
Logo na primeira hora de caminhada, senti uma dor forte no ouvido, como eu estava sem touca, fiz nova nota mental de que compraria uma touca decente no primeiro sinal de civilização, além de me prometer que procuraria uma camisa polartec de secagem rápida, pois suar em montanha definitivamente é um problema. Meu guia emprestou a touca dele, e logo as dores cessaram, acredito que em razão dos fortes vento e frio. Durante a subida foi possível observar uma lebre correndo pelas pastagens, linda e veloz. No trecho nevado, paramos para colocar os grampões, e aproveitei para fazer uma chamada de vídeo para minha irmã e mãe, do alto da montanha.
Eis que os fortes ventos seriam o ‘vilão’ do dia, fizemos uma ascensão difícil, sofrida em razão das fortes rajadas de ventos de mais de 70km/h acompanhada de pedras, areia, pedaços de gelo e neve. Às 11h30 estávamos a uns 200 m do cume, mas tive dificuldades em seguir em frente, quando então tomei a decisão de desistir de alcançar o cume. Estava com medo, coisa que não costumo sentir, então acabo tendo mais respeito por esse sentimento pouco íntimo. Naquele dia eu perdi a incrível oportunidade de chegar ao cume do vulcão puyehue, que é incrível por sua dimensão coberta de gelo, como um estádio de futebol gelado. Mas tentava não sofrer com esse sentimento. Tudo tinha sido lindo até ali. Sentar um pouco, apreciar a vista para tantos outros vulcões.
A descida até o refugio foi rápida, até porque o vento que dificultava a subida, parecia acelarar a descida, então pouco antes das 14h já estávamos na cabana, arrumando nossas mochilas para descer até a mini van que se encontrava no estacionamento do restaurante El Caulle, descida esta que levamos cerca de 2h40, com apenas uma curta parada para comer algo, beber água, reabastecer a garrafa numa fonte e apreciar aqueles últimos momentos dentro da floresta silenciosa, ouvindo de longe os ventos. Ficou a vontade de subir novamente.










Que fotos maneiras =) Muitoooooooooo Leagal
muito boa essa aventura !
Obrigada @jader e @gesiel :)