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Felipe Romano 20/06/2024 11:00
    Experiência em alta montanha - Bolívia

    Experiência em alta montanha - Bolívia

    9 dias na região de La Paz - Vale do Condoriri e Huayna Potosi

    Montanhismo Trekking

    “3h da manhã, estou deitado na cama, ainda com dores, depois de 24h de tortura: muita diarreia, vômito, dor de cabeça, febre...Faltam 4 horas para a van da agência sair para nos levar ao Vale do Condoriri, onde iríamos subir o Pico Áustria, uma caminhada com 850m de desnível, culminando em 5.350m, altitude considerável, e que faria parte da nossa aclimatação. Não tinha muita esperança de conseguir chegar à van, que sairia 3 quadras acima de nosso hotel, os pensamentos eram os piores possíveis, mas havia uma ponta de esperança.”

    Em algum momento em 2023, em um churrasco na casa de um amigo, o Thiago comentou sobre o Huayna Potosi, uma montanha na Bolívia, considerado um dos picos acima de 6 mil metros mais acessíveis da América do Sul. Na hora respondi que vontade não faltava, mas uma viagem dessas exigiria no mínimo 10 dias, por conta da necessária aclimatação nesta altitude.

    Contra todas as expectativas, e após negociação intensa, obtive a autorização para fazer esta viagem em junho do ano seguinte (2024), aproveitando do feriado municipal (13 de junho), e ficando assim somente 4 dias úteis fora de casa (obrigado amor!:*).

    No fim de 2023 compramos as passagens e definimos o roteiro: seriam 9 dias para se aclimatar e tentar o cume do Huayna Potosi, o mínimo possível para se ter uma chance decente de conquistar essa popular montanha.

    Ao longo de 2024 levei o Thiago, que não tinha tanta experiência em montanhismo, para algumas ascensões: em fevereiro fomos para Andradas subir uma via de escalada de baixa dificuldade na Pedra do Elefante. Em março subimos a Pedra Grande em Atibaia, e em maio, duas semanas antes de partir para a Bolívia, subimos o Pico do Marins, montanha clássica que constava há muito tempo na lista de picos obrigatórios. Além disso mantivemos os treinos específicos, inclusive o Thiago, nesse tempo, perdeu mais de 10 kilos. Estávamos em boa forma, nada a reclamar.

    Faltando dois dias para a partida passamos por um pequeno apuro: ao revisar os documentos necessários para a viagem vi que devíamos levar o atestado da vacina da febre amarela. Pior: que para ser válido era preciso tomar a vacina mais de dez dias antes da viagem. Na hora corri para o postinho, uma vez que não conseguia acessar o aplicativo do SUS para ver se constava o atestado da vacina que eu tinha tomado alguns anos antes. E ainda, não sabia que era uma vacina de dose única. Resumindo, entrei no postinho no final do expediente, enquanto tentava acessar o aplicativo pelo celular. Quando já estava quase sentado na cadeira, e o enfermeiro pronto pra me espetar a agulha, consegui entrar no aplicativo e ver que tinha o atestado. Saí de lá correndo e tranquilo.

    Dia 1 – La Paz

    Na quinta-feira, dia 6/6/24, pegamos o avião em Guarulhos, fizemos escala em Lima, e chegamos no fim da madrugada da sexta-feira em El Alto, o aeroporto de La Paz que fica acima de 4.000m!

    Chegamos ao hotel/hostel, onde solidariamente nos deixaram entrar nos quartos antes das 7h da manhã. Tentamos descansar e, após algumas horas, saímos para conhecer o bairro turístico onde estávamos, ruas cheias de agências de turismo e vendedoras de souvenirs, artesanatos e produtos locais. Após o almoço fomos passear nos teleféricos, que saem dos 3.600m do centro e passam dos 4.000m de El Alto e região.

    Após algumas horas vimos que não havia muito onde passear na cidade de La Paz, que é praticamente um caldeirão de caos viário: vans lotadas disputam cada centímetro em suas ruas estreitas, e a maioria das construções fora do centro não possuem reboco ou pintura. O plano inicial era passar o dia seguinte na cidade, mas pra evitar um dia entediante resolvemos visitar Tiwanaco, um sítio arqueológico do antigo povo Aymara, próximo de La Paz.

    Dia 2 – Tiwanaco

    Assim, às 8h30, a van da agência nos pegou no hotel e fizemos o tour que durou quase o dia todo, e foi interessante para conhecer um pouco mais da história e cultura local. Este povo foi absorvido pelos Incas no século XV, e as ruínas do templo de Tiwanaco foram alvos de estudos somente a partir do século XIX.

    Chegamos no fim da tarde no hotel, e jantamos num restaurante próximo, um combo de tacos variados e um copo grande de café que, talvez, possam ter sido os catalisadores do que ocorreu nas próximas 24h. Fui dormir tranquilo e feliz. No dia seguinte iríamos para Chacaltaya, um pico de 5.400m, onde funcionava a mais alta estação de ski do mundo até 2009, quando a neve escasseou. Seria um dia de aclimatação nessa altitude.

    Dia 3 – Cama, dor e perda severa de nutrientes

    Aproximadamente 3h da manhã acordei com dores, fui ao banheiro, e começou a saga. Diarréia e vômitos incessantes seguiram nas próximas horas. A tortura seguiu até às 7h, horário padrão do café da manhã. Me arrastei até a mesa do café, poucos metros abaixo do meu quarto. Comi quase nada, duas fatias de melancia e um chá. Poucos minutos depois estava ejetando as melancias na privada, e falei para o Thiago fazer o passeio do dia sozinho, pois eu não tinha a mínima condição.

    A única foto tirada neste dia: soro caseiro, carvão vegetal, enterogermina

    Passei este dia na cama, consultando o Dr. Google, zapeando a TV (descobri que Ben Stiller é a maior estrela da programação boliviana) e gemendo de dor. Chamei a recepção, que gentilmente trouxe açúcar e sal, assim fiz uma garrafa de soro caseiro, a qual fui bebericando durante todo o dia. No almoço tomei um chá de camomila (o primeiro de muitos), e uma canja de galinha com cenoura, cebola, batata e arroz, refeição bem embasada pelo Dr. Google. Obviamente que não comi nem um quarto da canja, mas já era alguma coisa. À tarde tive pensamentos miseráveis, de que a viagem fora uma completa furada e que, se ainda estivesse nesse estado no dia seguinte, iria tentar antecipar o vôo, pois uma semana na cama de um hostel seria impossível.

    À noite repeti a dose do chá + canja, e tentei dormir bem, pois no dia seguinte estava planejado a subida ao Pico Áustria, uma montanha com cume à 5.350m, e uma subida com 850m de desnível. Respeitável.

    Dia 4 – À espera de um milagre

    Voltamos à introdução do relato. Comecei a dormir por volta das 22h, e creio que consegui mesmo até umas 3h, onde as dores voltaram, mas desta vez sem sinal de diarreia ou vômito (não tinha muito mais o que expelir a esta altura também). Passei as 4 horas seguintes negociando meu estado físico, bebericando soro, tomando carvão vegetal, enterogermina e pensando positivamente. Quando aproximava das 7h tinha esperanças. Desci para o café, comi dois pães de forma brancos e secos, chá de camomila e meia banana. E soro caseiro. Me arrumei e o próximo objetivo era chegar até a van da agência, três quadras pra cima. Consegui chegar na agência. Agora ia utilizar as 2h de trajeto até o Vale do Condoriri para me concentrar e recuperar o mínimo do estado físico. Fui ouvindo um podcast pra animar.

    Chegando no campo base da caminhada me sentia decente, iria tentar a subida até onde desse. A paisagem e o ar mais puro (apesar de 1.000m acima de La Paz) me inspiravam. Caminhamos, me sentia bem, e consegui chegar ao cume sem problemas. Provavelmente o cume mais emocionante que já alcancei, uma vez que pouquíssimas horas antes estava em estado miserável. Superação. A partir dali tudo seria lucro. O guia ainda disse que a subida deste Pico tinha uma dificuldade semelhante do Huayna Potosi. Não acreditei muito, mas isso que descobriríamos dias depois.

    Dia 5 – Descanso

    Após a felicidade de subir o Pico Áustria o próximo dia seria de puro descanso, antes de iniciar a pequena expedição final. Andamos de teleférico novamente, e fomos ao aeroporto comprar um presente para meu filho mais velho. Também fomos na agência para experimentar as roupas para os dias seguintes. Fora isso, nada muito a relatar. Só estávamos muito mais precavidos nas refeições.

    Dia 6 – Huayna Potosi parte 1

    Às 8h30 subimos para a agência Jiwaki, para pegar a van que nos levaria até o campo base, à 4.700 msnm. Ali conhecemos alguns brasileiros, um dos quais estava mal, no estado parecido que me encontrava 2 dias antes. A altitude e alimentação continuava a fazer vítimas. Enfim, sairia da agência uma grande turma, 3 vans no total, totalizando 18 participantes: 7 brasileiros (um dos quais só iria subir para se aclimatar, não ia tentar o cume), 2 australianos, 2 franceses, 3 ingleses, 1 alemão, 1 austríaca, 1 belga, 1 holandês. Todos muito gente boas, com exceção de dois cidadãos.

    Nos surpreendemos com a quantidade de europeus em La Paz. Mas, considerando que para nós é tudo muito barato, não deveria ser surpresa encontrá-los ao monte, uma vez que para eles é praticamente tudo de graça. Outro fato interessante é que muitos deles passam meses no continente, destrinchando cada canto da América do Sul.

    Enfim, saímos depois das 9h, e fizemos algumas paradas: farmácia, snacks e um depósito de equipamentos da Jiwaki, onde experimentamos as botas e crampons. Ainda paramos num mirador para tirar fotos do Huayna de longe. Chegamos no refúgio da base “Happy Day” por volta das 11h, colocamos nossos equipamentos nas camas e almoçamos.

    Pouco depois seguimos para a atividade do dia: uma breve aula sobre caminhada com crampons e uma curta escalada em gelo, algo que nunca tinha feito e achei mais legal do que seria. Os guias do Jiwaki abriram 3 vias, subi só em uma, visando economizar energia, já que o desafio final iria nos exigir muito. Voltamos ao abrigo e descobrimos que um dos ingleses (um dos cidadãos) tinha abandonado o barco por supostamente sua bota estar grande demais. Melhor assim. Jantamos, conhecemos mais os companheiros de enrascada e fomos “dormir”.

    Dia 7 – Subida ao campo alto

    Eu praticamente não dormi nada, infelizmente, pois um bom descanso seria essencial para o sucesso da missão. De todo modo estava bem, de manhã arrumamos a mochila (o guia Juan refez a minha e de várias pessoas, mostrando a todos que vários objetos podem ocupar o mesmo espaço) e almoçamos. Até o momento eu estava adorando as condições espartanas do abrigo e da rotina, sem banho, água quente ou qualquer luxo, quanto pior melhor. Isso não era problema algum para mim.

    A subida até o campo alto foi relativamente tranquila, indo de 4.700m a 5.200m, 500m de desnível com uma mochila pesada (a qual incluía botas duplas, crampons, roupas extras, água, snacks, etc.). Alguns membros do grupo ainda utilizaram o serviço de sherpa dos guias locais, mas estava em boa condição para levar meu fardo. Chegamos por volta das 14h. Até as 18h tomamos mais chá, jantamos o que dava, conversamos bastante e preparamos a mochila para o ataque ao cume. Após o jantar o nosso guia principal, Juan, designou um guia para cada dupla. Eu e o Thiago ficamos com o Abraham, aparentemente o mais jovem entre os guias, devia ter vinte e poucos anos, se tanto. Entre 18h e meia noite tentamos dormir (eu que não consegui dormir à 4.700m nem tive esperança de cair no sono à 5.200m).

    Abrigo do campo alto

    14/06/24 - Dia 8 – Tentativa de ataque ao cume – condições inesperadas

    Durante a “noite” o vento batia forte no refúgio, fazendo um barulho constante e amedrontador, porém, ao sair para fora do abrigo o clima estava ameno, nenhum sinal de vento considerável. Estranho, mas animador.

    Antes da meia-noite os guias acenderam as luzes do abrigo e vagarosamente levantamos. A dor de cabeça que já acompanhava a maioria era constante, mas nada fora do normal. Ainda masquei umas folhas de coca e parece que amenizou. Estava pronto pra subir. Antes de sair do abrigo ainda tive um pequeno contratempo: fui retirar o capacete por algum motivo e minha headlamp caiu no chão. A queda provocou alguma falha, não acendia mais. Um dos guias abriu ela, deu uma limpada com uma ferramenta que tinha na cozinha e aparentemente voltou a funcionar.

    Quase 1h da manhã, saímos do abrigo nos encordamos ao jovem guia e saímos para a conquista. Descemos um pequeno trecho pedregoso e logo entramos numa escalaminhada íngreme. Já durante este trecho percebi que meu headlamp continuava com problema, a luminosidade variava e alguns momentos até apagava por completo. Logo chegamos na base onde se deve instalar os crampons à bota dupla. Ali comentei com o guia sobre o headlamp. Infelizmente ele não tinha um reserva, mas conseguiu dar um jeito, porém a potência estava no mínimo, diminuindo minha visibilidade. Ok, era o suficiente para enxergar o caminho.

    Assim que colocamos os crampons iniciamos a subida pelo caminho de neve e gelo, e a imagem que víamos era surreal: uma vastidão pintada por inúmeros pontos de luzes (dezenas de escaladores que tentariam o cume) abaixo de um céu escuro e estrelado. Impossível descrever para quem não vivenciou este cenário.

    Foto tirada pelo holandês Rick

    A medida que íamos subindo parecia haver mais pessoas tentando o cume, e nosso jovem guia não parecia estar com paciência. Apesar de falarmos para andar “despacio” (devagar) para não queimarmos a largada, o Abraham não quis nem saber e foi ultrapassando outras equipes, enquanto eu e o Thiago tínhamos que manter o passo, uma vez que estávamos todos amarrados à mesma corda.

    O ritmo, mais rápido que a maioria que ali estava, cobrou seu preço, e o Thiago pediu para descer aos 5.420m de altitude. Episódio até engraçado, pois ele disse literalmente para o guia, que não falava nada de português (além de “po***, ca****”): “O Pilo não vai descer, vai continuar”. E o guia, obviamente, não tinha idéia do meu apelido. Enfim, subimos mais um pouco até chegar numa outra equipe da agência que eu pudesse continuar: o guia Edwin com o casal de ingleses, Joseph e Hanna, um casal muito gente fina. Me encordei ao Edwin, enquanto Abraham e Thiago desciam de volta ao campo alto. Poucos minutos passou o Gabriel descendo, outro brasileiro de nosso grupo, que já não estava com uma feição boa no dia anterior.

    Até então estava tranquilo e confiante que fosse chegar ao cume. Apesar de minha headlamp ameaçar apagar, apesar de duas noites sem dormir, de ter passado 24 horas miseráveis em que mal tinha forças para levantar da cama 4 dias antes, da dor de cabeça constante e do pouco tempo de aclimatação, nada disso era motivo para desculpas. Focava em cada passo e estava satisfeito, aceitando a realidade, e acreditando que ia subir e descer com segurança. Minha força mental estava intacta. Estava até arquitetando as piadas bairristas que contaria aos amigos, já que o Thiago é da cidade vizinha/rival.

    Então, tudo mudou. Estávamos bem numa canaleta íngreme, estreita, com uns 50cm de largura. Do lado direito uma encosta onde não dava para enxergar sua base. O temido vento começou a soprar forte, muito forte. Em alguns momentos tínhamos que agachar ou nos jogar para a esquerda para não cairmos na encosta, o que nos drenava a energia absurdamente. Pior que isso, cristais de gelo acompanhavam o vento e começavam a machucar os olhos. Não sei quanto tempo durou essa ventania, após a canaleta viramos para a esquerda, subindo outro trecho íngreme onde pisávamos lateralmente em pequenos platôs para ganhar altura. Em seguida, ao menos, seguimos um trecho onde não havia risco de queda em encosta, mas o vento continuava, e a essa altura meu olho direito estava bem avariado. Cerrei os olhos o máximo que pude, para não perder a visibilidade do caminho.

    O tempo e espaço eram ilusões. Estava evitando qualquer movimento que não fosse de continuar, não peguei o celular nenhuma vez pra tirar foto, e nem sequer puxava minha jaqueta para ver o horário. A única coisa que importava era o próximo passo. Creio que era entre 4h e 5h da manhã quando chegamos em um platô onde tinham várias equipes descansando, estafadas da luta contra o elemento. Acreditava estar entre 5.800m e 5.900m mas tomei um ducha de água fria quando o guia disse que estávamos a 5.700 e alguma coisa. Pelo menos o vento tinha cessado naquele ponto, mas muitos, que não haviam desistido ainda, começaram a pensar no assunto. A inglesa da minha cordada estava chorando no ombro do marido. A próxima parte da caminhada seria íngreme, e foi então que ouvi um dos guias dizendo para o outro que o vento continuava lá em cima. E em seguida o Edwin disse que outro guia estava descendo com um francês de nosso grupo e, caso eu quisesse abandonar, poderia ir com eles.

    Estava muito cansado, sim, mas até o momento não tinha pensado em desistir, e rapidamente avaliei a situação. Não quis pagar para ver, estava satisfeito de ter passado por tantas experiências que imaginava serem impossíveis depois daquele dia péssimo no hotel. Não tinha confiança total nos guias que acabava de conhecer. Com a descida de vários guias não sabia quando poderia descer, caso continuasse a subida. Se o vento continuasse, como os guias estavam comentando, eu talvez não teria mais forças para subir e descer por conta própria e teria que contar com ajuda de terceiros. Sem arrependimentos tomei a decisão de me preservar e descer. Outro brasileiro da turma, o Leandro, nos acompanhou, estávamos em quatro, eu na dianteira.

    A descida não foi fácil, em certo momento até um dos crampons saiu da minha bota e cai de cara no gelo ao tentar recuperar o piolet que quase deslizou encosta abaixo. O sol começou a aparecer no meio da caminho formando um horizonte alaranjado. O trecho final, de escalaminhada, um sobe e desce em pedras, drenou meu gás final e eu cheguei no refúgio alto esgotado, de maneira que não lembro de ter ficado anteriormente. Era por volta das 7h. Ali já tinham outros participantes que tinham voltado antes do cume, e logo foram aparecendo outros. Na turma de 16 postulantes (todos mais jovens, exceto um ou dois da mesma idade) somente 5 ainda permaneciam na tentativa do cume. Tomei um chá, comi o que deu ali, e me joguei embaixo do saco de dormir. Ainda gravei um vídeo pra não esquecer da condição lastimável que estava, e quem sabe me convencer de não tentar esta loucura novamente, um meio de combater a amnésia do montanhista. Descansei porque em poucas horas teríamos que descer até o campo base com nossas mochilas bem carregadas. Nesse meio tempo chegou a primeira dupla que fez o cume, a belga e o holandês, estavam em forma. Quando descemos para o campo base ainda faltava o trio que devia estar em algum ponto descendo: dois brasileiros e o Joseph.

    Vídeo-selfie relatando o estado miserável após a volta da tentativa de cume

    A descida foi tranquila. Achei que ia estar em péssimas condições, mas as poucas horas de descanso foram suficientes para recuperar o gás. No campo base devolvemos os equipamentos da agência, e tomamos a van rumo à “altitude amena” de La Paz. No dia seguinte ainda passei para conhecer o Valle dela luna, e matamos o tempo conversando com nossos novos amigos de Blumenau e um amigo já conhecido de Campinas, que encontrei na rua sem querer, e estava em excursão de curso de alta montanha com uma agência de lá. Na madrugada de domingo pegamos o avião em El Alto, com parada em Lima, e às 19h deste dia cheguei em casa.

    Aproveito para mencionar e parabenizar aqueles que conseguiram chegar ao cume nestas condições tão adversas: a belga de 25 anos que parecia estar brincando de subir montanha (se quiser parece ter todas condições de virar uma profissional da alta montanha). O holandês gente boa de 23 anos, o mais jovem do grupo. O Alexandre, que já tinha subido o Cerro Plata na Argentina, de quase 6 mil metros. O Filipe, que estava passando mal dois dias antes do cume, e tirou forças sabe-se lá de onde pra chegar ao cume e descer; ambos ex-militares de Blumenau com vários anos de serviço. E o inglês Joseph, cuja esposa descera logo após minha desistência no platô e que o ficou esperando no campo alto.

    No dia anterior de nossa tentativa disseram que 90% de quem tentou o cume alcançou. Em nosso dia só foram uns 20%. O experiente guia brasileiro Pedro Hauck levou uma turma neste dia, e todos abandonaram a tentativa pelas condições. Dias depois tentaram e chegaram ao cume. É, tivemos um pouco de azar. Não era impossível subir, como os que conseguiram mostraram, mas a ventania aumentou bastante a dificuldade.

    Conclusões

    2024 estava, e está sendo, um ano mágico. Meu filho mais velho começou a tocar bateria e temos ensaiado praticamente todos os dias músicas que sempre amei desde garoto. Fizemos um pequeno show no aniversário do meu pai e vamos tocar em seu aniversário de 9 anos em poucos dias. Fomos num enorme festival de Rock onde curtimos muito. Ele ainda finalmente aprendeu a andar de bicicleta sem rodinha e, na mesma semana, fizemos duas trilhas de mountain bike. Acampei com meus filhos, o mais novo entrou em duas cachoeiras geladas comigo e fez trilha. Nos divertimos de muitas maneiras. Enfim, só tenho agradecimentos pelo que tem sido este ano. Quando eu estava passando mal no quarto do hotel pensei nisso e, que em uma hora, a sorte ia faltar. Ainda assim me recuperei a ponto de aproveitar praticamente tudo que estava planejado para esta viagem. A diferença de aproximadamente 388m do cume de 6.088m foi apenas um detalhe. Se queria ter uma experiência em alta montanha, tive. Durante a subida tive certeza de que aquilo não era pra mim, apesar de amar as montanhas e tê-las como playground por quase 10 anos. Subir altas montanhas parece um pouco ingrato, é preciso de vários dias para aclimatação, e ainda contar com um clima favorável, ou então reservar mais dias para outras tentativas, e ainda assim não ter certeza do sucesso, além de riscos consideráveis. Claro que tudo isso faz parte da sua aura e glória para quem alcança seus objetivos, valoriza a conquista.

    Talvez, ao invés de alta montanha vou continuar mesmo só frequentando montanhas altas. Talvez, mais pra frente, volte aos Andes para subir algumas das inúmeras montanhas da faixa dos 5 mil metros, algo mais ameno. Ou quem sabe meus filhos não se interessem por essa atividade e me arrastem novamente? O plano sempre foi de longo prazo, continuar desfrutando das montanhas e atividades outdoor o máximo que puder, e esta experiência na Bolívia foi um grande aprendizado para projetos futuros.

    Felipe Romano
    Felipe Romano

    Publicado em 20/06/2024 11:00

    Realizada de 07/06/2024 até 16/06/2024

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