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Felipe Romano 18/07/2023 11:46
    Link do Baú e Elektra

    Link do Baú e Elektra

    Relato de escaladas na Pedra do Baú e Ana Chata

    Escalada Montanhismo

    “Deixa a vida me levar...”. Normalmente sou bem metódico com relação a escalada de vias mais longas, planejo tudo com semanas, ou meses de antecedência, fazendo treinos específicos, estudando a rota, logística e outros detalhes. Mas dessa vez, novamente nessa temporada, acabei deixando tudo para última hora. Só sabia que estaria na região de São Bento do Sapucaí entre 7/6 e 13/6, e iria pra rocha dois dias nesse tempo.

    Pouco mais de uma semana antes já tinha comentado com meu amigo David de escalar uma via longa na quinta-feira, 8/6. Além disso, uns dias antes da viagem, estava mais ou menos combinado com o amigo Fernando que, provavelmente, iríamos fazer algo no domingo, talvez a clássica Elektra na Ana Chata.

    Link do Baú

    Por via das dúvidas levei praticamente todo meu equipamento, corda de 70m, corda tagline, todas proteções móveis, etc. Alguns dias antes combinei com o David de fazer o Link do Baú, a qual já tínhamos comentado a respeito durante nossa última escalada, em abril/23. Não sabia na enrascada que me meteria. O Link do Baú consiste na escalada completa da Face Norte da Pedra do Baú e parte do col, passando pelas vias: Nóia de cão 6sup E3, Gregos e Troianos 5 VI E2 (duas enfiadas), Learning to fly 6sup E3, Anormal 4sup E2 e Pássaros 6sup E2, uma escalada bem consistente, de aproximadamente 250m, com poucos metros de facilidade e muita fritação.

    No dia estava tranquilo, imaginei que a via fosse ter uma dificuldade parecida com a Transbaú, então não cheguei preocupado. Às 8h nos encontramos no estacionamento do Bauzinho, um frio razoável. Quase 1h de trilha passando por baixo do Bauzinho, seguindo o Col, e chegando na base da Noia de Cão, ao lado de uma imensa laca/caverna, que daria um bom ponto de bivaque.

    Iniciamos a escalada umas 9h15, o David guiando, e de cara um dos crux de todo o Link: as duas primeiras chapas, a uns 7 metros do chão, protegem uma passagem bem exigente, a qual achei mais condizente com um sétimo grau. Inclusive tive que dar uma roubada para passar, o que deve ser comum, pois a segunda chapeleta estava bem “solta”, o que indica que ela é bem pisada, ou puxada. O restante da via tem pequenas lacas, que parecem que vão se soltar, e no fim um teto bacana, protegido por móveis. Via difícil, interessante, mas que sinceramente acho que não entraria para repetir.

    Em seguida rumamos para a base da Gregos e Troianos. Ali deve se fazer uma pequena enfiada de nível fácil, mas pouco protegida, para chegar ao grande platô de onde saem a Gregos, a Pimenta honesta e outras. Outro ponto interessante para bivaque.

    A primeira enfiada da Gregos já está numa graduação mais tranquila, apesar de ser toda em móvel, então fui guiando. Não sei se há consenso sobre onde ela se inicia, já vi vídeo de escalador começando bem para a direita, mas considerando que há uma grande fenda por onde passa a via, mirei a linha reta dela, e acabei usando uma cantoneira antiga (que dizem estar fora da linha) com uma costura longa, só para proteger este início. De todo modo ela segue fácil até a fenda, e depois entra num belo diedro. Pura diversão com proteções móveis, sem problemas.

    Já a segunda enfiada, mais exigente, não foi um passeio. Estava em dúvida se iria guiar mas, contudo, todavia, eu já estava ali, o dia estava bonito, resolvi encarar. Ela se inicia com uma curta travessia para a esquerda, curto trecho vertical e já está num teto. Ali dá para colocar uma boa proteção móvel, e trabalhar mãos e pés para ganhar altura e proteger uma chapeleta (a primeira de uma sequência de três, que protege este trecho mais difícil). Chegar na segunda chapeleta foi trabalhoso. Após ganhar o teto sobram apenas regletes, nada muito óbvio, além de uma aderência no pé que me enganou por não ser tão aderente e me fez tomar uma queda inesperada aonde cheguei praticamente do lado do parceiro. Sem pensar muito resolvi continuar guiando a via. Protegi do jeito que deu a segunda chapeleta (praticamente fazendo uma corrente de costuras!), arrumei a bagunça, continuei no limite da habilidade até a terceira chapa e dali uma travessia mais longa pra direita, onde inicia uma bela e estreita fenda até quase o fim da via.

    Protegi esta fenda com um friend micro, e passei um tempo tentando desvendar o lance. Após algumas tentativas frustradas de subir verticalmente, reparei que o certo seria voltar um pouco para a esquerda, assim foi possível continuar a via. Mais uma sequência de regletes, e proteções pequenas na longa fenda, e cheguei na parada, feliz de ter conquistado este trecho mais exigente.

    David logo chegou, agora com o psicológico mais descansando para voltar a guiar. A via da vez era a Learning to fly. Via toda em móvel, que normalmente é feita em duas enfiadas, vinda do Col do Baú. Porém, como estávamos na parada da Gregos e troianos, era possível fazer em uma enfiada só, de uns 45 metros. Deste ponto ela sobe até uma fenda/teto horizontal, até chegar no grande diedro. Dali há um belo lance em agarrões, e mais fenda, até chegar numa fenda mais vertical, onde se deve fazer movimentos de diedro mesmo, em tesoura, com pernas bem abertas. Felizmente tenho treinado flexibilidade de quadris, e os lances saíram com naturalidade. Ela continua bem vertical, o pé esquerdo especialmente vai bem chapado, e então o crux: uma virada para a face direita bem delicada. A via continua com uma movimentação difícil até o fim. Consegui subir sem quedas ou descanso, e àquela altura os dedões do pé já começavam a latejar. Pelo menos agora teria um refresco.

    A via Anormal, como se imagina pelo nome, fica próxima da super clássica Normal do Baú. Ela está a uns 10 metros pra direita, sob a sombra do grande teto. Da parada da Learning to fly saí guiando, fazendo uma travessia/escalaminhada, encaixando um friend perto da base da Normal, até a primeira chapeleta. Dali são mais umas 3 chapas, bem antigas e talvez não muito confiáveis, em lances verticais com bons pés e agarras. Rapidamente estávamos ambos na sua parada, já bem próximo do teto do Baú, e do início da Pássaros.

    Se aproximava das 15h, o sol já ia baixando, e embaixo do teto do Baú, na sombra, o frio chegava. Penduramos alguns equipamentos que não íamos mais precisar, para subir mais leve este último trecho, tirei umas fotos desse canto fotogênico, e o David iniciou a guiada. Dali da base notei que tinham alguns lances bem atléticos, nada triviais. É uma via de 6sup, aumentada pelo acúmulo do cansaço do dia e o frio da face sul, mas rapidamente ele conseguiu chegar ao cume do Baú.

    Àquela altura os dedões do pé já estavam quase anestesiados do esforço do dia, e o frio surgiu como um fator bem limitante. Assim que cheguei na primeira proteção, uma chapa, já comecei a baforar meus dedos. Estava congelante! Dali se faz um movimento bem dinâmico e atlético, praticamente sem pé, para ganhar um platô. Consegui fazer tão rápido que mal percebi como fiz. Dali a via continua difícil, e gelada. Então, após a terceira chapa, tem uma bela virada de teto. Consegui mandar bem o lance e fiquei feliz achando que o mais difícil tinha passado, mas logo acima veio uma sequência de regletes, que estavam cortantes pelo frio que fazia. À certa altura tive que pedir arrego e descansar um pouco na corda. Ainda tinha gás para chegar no cume, mas não de uma só vez. A via continuou sofrida até o final, mas um breve descanso foi suficiente. 16h15 estávamos no cume, aliviados. Tempo para tirar as sapatilhas, tomar uma água, comer algo mais substancial, dar uma respirada e preparar a descida.

    Do cume o meio mais rápido para descer (e não é a via ferrata que costuma congestionar) é pegar uma trilha bem inclinada na face sul e fazer um rapel curto em duas árvores. Dali se acessa a parada final da via Normal do Baú e, com duas cordas, ou uma corda de 80m, no nosso caso, fazer um rapel BEM aéreo na parte inclinada da face sul por onde passa uma via de nono grau. Chega-se no início da via Normal original, e então a travessia exposta para o col. Chegamos no estacionamento do Bauzinho já com o sol indo embora de vez, por volta das 18h. Missão cumprida! Agradeço ao meu parceiro pelas guiadas nos trechos mais difíceis. E para registro, após mais de uma semana depois deste dia os dedões do pé continuaram adormecidos!

    Elektra

    Domingo, 11/6, dessa vez com o Fernando “Pimpa”, de Americana. Nossa intenção era chegar mais tarde porque achamos que ia ter bastante gente que iria escalar cedo para voltar para sua cidade nesse fim de feriado (não era nosso caso porque emendamos o feriado da cidade). Então tomamos o café tranquilamente e chegamos no estacionamento do Chico Bento depois das 10h. Pela nossa surpresa, estava tranquilo, e o vigia disse que não tinha subido ninguém para escalar a Ana Chata! Melhor assim.

    Em apenas 35 minutos chegamos na base da Elektra, nenhuma alma à vista. Sem pressa arrumamos os equipamentos, e sai para guiar umas 11h20. Da outra vez que escalei a Elektra, em dezembro de 2017, começamos em cima do bloco, já na primeira parada, então dessa vez quis escalá-la 100%, desde o chão. Esta primeira enfiada não é difícil, mas tem uns esticões logo no começo para deixar o guia atento, qualquer queda pode ser feia.

    As duas primeiras cordadas são longas, quase 100m somando, e o Fernando seguiu bem. Na terceira enfiada há o primeiro crux, um lance bem vertical com agarras não tão óbvias e alguma exposição. Interessante que os três crux desta via (para mim) são bem parecidos, e todos em torno de quinto grau. Após este crux há uma longa travessia para a direita e se chega na terceira parada, uma árvore num belo platô. Ali paramos um pouco na sombra e comemos alguma coisa, para finalizar as duas cordadas mais descansados. O dia continuava silencioso, e o tempo aberto, com minúsculas nuvens de vez em quando.

    A quarta cordada é famosa por ser inteiramente em móvel, seguindo uma grande e óbvia fenda. No geral é bem fácil, creio que coloquei somente três friends nos seus quase 40m. A parte mais difícil fica nos últimos 10m. Da primeira vez que fiz esta via guiei esta cordada e subi a fenda até o final, onde se monta no bloco. Achei a graduação bem mais tranquila que um quinto grau, como está no croqui, e até estranhei. Mas desta vez resolvi seguir a esquerda, em direção à parada, antes deste bloco final. Desta maneira, então, há uma travessia pra esquerda, com agarras que vão se escasseando, até chegar em um trecho vertical, com poucas agarras. Então imagino que este trecho, sim, seja o quinto grau. Não é tão fácil, e o último friend estava longe, mas sem grandes sustos cheguei na parada.

    O Fernando veio bem, só teve dificuldade na vertical final, mas logo eu já estava guiando a última cordada. Aquela pausa estratégica na aresta para tirar a foto com o ângulo mais lindo do complexo do Baú (na minha opinião), e então o crux final: novamente um trecho perfeitamente vertical com poucas agarras e alguns abaulados. Quando fiz a Elektra da primeira vez, estava de segundo nesta parte, e me lembro que não era de graça mesmo, dessa vez estava curioso para saber se tinha evoluído a ponto de passar com tranquilidade. Bom, não foi um passeio, tampouco desesperador, mas bem na hora surgiu um helicóptero da PM perto de onde estávamos e tirou um pouco da concentração. Só não queria que eles testemunhassem uma queda! Fiz a movimentação bem, segurando firme uma agarra meio abaulada e subindo o pé alto, ganhando um platô mais fácil. Então só mais duas peças móveis em belas fendas e estava no cume, pouco depois das 14h. Menos de 30 minutos e o Fernando chegou, finalizando esta linda via. Descansa um pouco, come, bebe, arruma as tralhas e a descida é toda feita por trilha/alguns trechos de via ferrata e uma caverninha. Antes das 17h estávamos de volta pra casa, ainda com a luz do dia, finalizando um ótimo final de semana de vias tradicionais.


    Felipe Romano
    Felipe Romano

    Publicado em 18/07/2023 11:46

    Realizada de 08/06/2023 até 11/06/2023

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