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Marcelo Lemos 23/04/2023 22:48
    Monte Meru - um vulcão de passado furioso

    Monte Meru - um vulcão de passado furioso

    Três dias galgando as vertentes deste vulcão cercado pela savana da Tanzânia - e pelo seu irmão maior.

    Montanhismo Trekking

    Algumas vezes nos surpreendemos com circunstâncias em que o prato de entrada é tão bom ou melhor que o principal. Além de o ocorrido poder passar no próprio restaurante, também pode acontecer com a banda que faz o cover, com o ator coadjuvante ou com a montanha usada como aclimatação para a principal.

    Assim foi no Monte Meru, um vulcão distante cerca de 80 km do seu vizinho mais famoso, o Kilimanjaro, em 2011. Eu já havia percorrido boa parte do Kilimanjaro em 2000, mas não alcancei seu cume. Com o meu retorno uma década depois para a repetição, busquei a altitude intermediária do Meru em busca de aclimatação uma semana antes de me aventurar na montanha mais alta da África.

    O Monte Meru visto do caminho entre a cidade de Arusha e o seu portão de entrada. O mau tempo havia deixado seu topo nevado, apesar das neves não se manterem perenes.

    Escrever sobre uma grande aventura, mesmo após ter passado mais uma década, ajuda a manterem vivas as cenas na memória, a despeito de ter passado escrevendo um livro por sete anos sobre estas andanças na África. Tenho observado que a escrita no mundo virtualizado das redes está dando lugar ao visual. Acredito que muita riqueza de detalhes está sendo perdida.

    O amanhecer do dia 16 de fevereiro de 2011 estava chuvoso na cidade de Arusha, a principal cidade do norte da Tanzânia. Então na companhia de minha ex-esposa, aguardei o motorista passar no hotel após o café da manhã para seguirmos até a base do Meru. Demorou mais do que o normal, mas ele chegou em um utilitário carregado de mantimentos e carregadores. Ainda paramos na estrada para apanhar o guia, cujo nome era Ndesario.

    A estrada de acesso ao Monte Meru aparentava ser uma pintura em óleo. O melhor é que era real.

    Na portaria do parque nacional do Monte Meru, o vigilante pediu meu passaporte e, ao ver minha nacionalidade, comentou sobre futebol, o que ajudava a quebrar o gelo. Após os trâmites burocráticos, seguimos no veículo em um mini-safari até a segunda portaria, de onde partiria a caminhada. O animal mais emblemático visto foi a girafa.

    A maquete na primeira portaria dá uma ideia da destruição que ocorreu no Meru em passado remoto. Uma forte erupção arrancou parte de sua cratera. Sua atividade vulcânica continuou e ergueu o cone vulcânico menor ao centro.

    Já na segunda portaria, nos despedimos do motorista. Nossa aventura estava planejada para três dias. Nada mais nos separava do início da trilha de cerca de 40 km e que nos levaria até os 4.566 metros de altitude.

    Mas isto não quer dizer que começamos a caminhar imediatamente. Apesar de termos o guia, deveríamos aguardar o ranger e sua espingarda, além de eventuais turistas que estivessem iniciando a trilha por volta daquele momento, quando então este ranger seria compartilhado. Um líder armado significava que poderíamos dar de cara com feras durante a trilha. Ou seja, a aventura começa mais cedo do que se imagina por aquelas bandas.

    Enfim, com mais dois suíços e um norueguês e seus respectivos guias, seguimos pela rota mais longa a fim de uma subida mais agradável e não tão brusca até o primeiro acampamento. Os carregadores subiriam pela rota mais curta, quando ela se juntava à nossa neste acampamento.

    Logo se iniciou uma exuberante floresta com a trilha bem definida. E não demorou muito para aparecer a primeira atração: o Arco da Figueira.

    O Arco da Figueira: do nível do solo até a parte central do arco são 3 metros de altura aproximadamente.

    Quando chegamos em uma clareira com um local de gramíneas e uma cascata, o ranger declarou parada para o almoço. Já tínhamos uma caixa em nossas mochilas com um lanche.

    Eu, Elisa (o ranger) e sua espingarda.

    Na metade da tarde, alcançamos o acampamento Miriakamba, a 2.500 metros de altitude, quando saímos da parte de floresta. Recebemos uma chave para o quarto que continha dois beliches. Na parte externa havia uma pia com espelho para cuidar das aparências!

    Pouco tempo depois de nos instalarmos, fomos convidados para o refeitório. Poucas vezes na vida vi tamanha quantidade de comida. Como falei no início da descrição, a entrada por si só já satisfez e surpreendeu. Mas ainda veio o prato principal e depois a sobremesa!

    O acampamento Miriakamba (2.500 metros de altitude).

    O dia seguinte apresentou-se nublado. O sol aparecia vez ou outra. Após o café da manhã, o grupo seguiu firme em busca do segundo acampamento, a 3.500 metros de altitude. A rota agora era única e estávamos sempre observando se os carregadores não vinham com seus grandes pacotes sobre a cabeça pedindo passagem.

    Ndesario comentou que possivelmente teríamos chuva no dia seguinte. Comentei que poderíamos reavaliar a situação quando chegássemos ao acampamento, o que ocorreria por volta do meio-dia. Se seguíssemos para o cume em seguida, o alcançaríamos antes do pôr do sol. Seria uma arrancada um tanto extenuante, mas possível.

    Ao alcançarmos o acampamento Saddle, tivemos que tomar decisões. Ndesario manteve sua posição quanto ao tempo e eu não admitia ter que abandonar a tentativa por causa de chuva. Então confirmamos que gostaríamos de continuar a caminhada para o cume, alterando assim o planejamento inicial de acordarmos cedo no dia seguinte para esta ação. Os suíços também optaram por seguirem adiante, enquanto o norueguês permaneceu no acampamento.

    Fizemos uma breve pausa para descanso. Elisa permaneceu no Saddle. Seguiríamos somente com os guias. Não seria necessário o ranger nas altitudes superiores.

    O caminho após o acampamento seguia na borda do vulcão, que era enorme em virtude de uma grande explosão ocorrida em tempos remotos. Mas o lado interior do vulcão estava preenchido de nuvens e não foi possível avistar suas particularidades. Já a vertente externa descia eternamente até sua longínqua base.

    Já não havia qualquer sinal de vegetação quando atingimos o “Ponto de Rinoceronte”, a 3.800 metros de altitude. Fiquei procurando uma teoria racional para um rinoceronte alcançar esta altitude sem haver alimento. Rinocerontes são animais de visão bem ruim, poderia ser uma hipótese, mas deveria haver algumas mais. E não estávamos com Elisa...

    A vegetação havia sumido, dando lugar à aridez rochosa. A cratera do vulcão estava oculta pelas nuvens.

    Após uma três horas de caminhadas desde que deixamos o Saddle, um dos suíços informou que, pela informação do seu altímetro, estávamos a 4.300 metros. Eu já demonstrava sinais de cansaço.

    Pelejamos mais meia-hora e agora estávamos a 4.400 metros. Devagar e sempre. Avistamos os primeiros traços de neve. Ndesario falou que estávamos perto do cume. O sol estava tímido entre as nuvens.

    Enfim, por volta das 17:00 do dia 17 de fevereiro de 2011 estávamos no cume do Pico Socialista, como assim é chamado seu ponto culminante, a 4.566 metros de altitude. Desde o início do dia até aquele momento, subi 2.066 metros de desnível em 8 horas (isto a partir dos 2.500 metros), sendo, até hoje, o maior desnível em menor tempo que realizei.

    Uma brisa gelada e permanente nos incomodava no cume apertado em meio às fotos. Umas flâmulas aos farrapos tremulavam loucamente. A visão estava prejudicada pelas nuvens, mas celebramos com apertos de mão e abraços, além de desdobrar uma bandeira com a imagem do meu filho.

    A visão do cume estava parcialmente bloqueada pelas nuvens, mas o sentimento era de satisfação.

    Retirei uma das luvas para fotografar e a mão imediatamente sentiu o golpe gelado. Era hora de descer. A escuridão seria nossa companheira na descida e já preparamos lanternas de cabeça.

    Até para descer eu me sentia bem cansado. Os bastões de caminhada para a descida ajudavam sobremaneira. Serviam como uma espécie de apoio para o corpo. Por volta de oito da noite, chegamos ao Saddle. Já fomos recebidos com uma jarra de suco abençoada, pois eu estava sedento. Impressionante como eu não sentia fome, mas a sede era intensa.

    Durante à noite, a chuva caiu, mas o dia amanheceu com um céu mais aberto que no dia anterior. De qualquer forma, a missão foi cumprida com sucesso e arrumamos nossos pertences para a descida completa. Se tivéssemos ido ao cume neste terceiro dia, conforme planejamento original, a descida seria desde o topo até à base.

    O cone vulcânico central formado após a erupção destruidora de parte do vulcão está em plano intermediário (vide foto da maquete acima). Não foi possível visualizá-lo do cume do Meru (ao fundo) devido à presença das nuvens.

    Despencamos de 3.500 metros até a base da montanha, antes passando pelo acampamento Miriakamba para almoçarmos. Os carregadores já haviam partido. Eles não contavam com o ranger. Na descida, agora pela rota mais curta, avistamos javalis a uma distância de uns duzentos metros. Eles nos viram, mas talvez entendessem o significado de uma espingarda.

    A visão do Lago Momela, próximo ao início da trilha, cerca de 2.000 metros verticais abaixo.

    Ao fim da trilha, dei uma gorjeta a Elisa, que muito me agradeceu. Um veículo nos aguardava para o retorno a Arusha. Era hora de descanso no dia seguinte para, então, encarar o senhor da savana africana – o Kilimanjaro. Mas isto é outra história...

    O Kilimanjaro. O encontro estava marcado para dois dias depois do término da trilha do Meru.

    Marcelo Lemos
    Marcelo Lemos

    Publicado em 23/04/2023 22:48

    Realizada de 16/02/2011 até 18/02/2011

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    2 Comentários
    Fabio Fliess 25/04/2023 10:18

    Sempre excelente ler seus relatos, amigaço.  Somos automaticamente teletransportados para essas montanhas mágicas. Vida longa aos bons textos de montanha! Parabéns. Grande abraço.

    Marcelo Lemos 25/04/2023 21:30

    Amigaço. Muito obrigado pelo seu sempre bem-vindo comentário. Vida longa...

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    Marcelo Lemos

    Marcelo Lemos

    Petrópolis-RJ

    Rox
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