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Claudio Murilo 19/05/2016 18:26
    Choquequirao - A Irmã Gêmea de Machu Picchu

    Choquequirao - A Irmã Gêmea de Machu Picchu

    Um trekking de 80 kms pelas montanhas dos Andes Centrais peruanos, em busca da cidade sagrada de Choquequirao.

    TREKKING CHOQUEQUIRAO

    A cidadela de Choquequirao (berço de ouro, em português) está situada no vale do rio Apurímac, região de Cuzco, Peru. Está a 3033 mts de altitude e a única forma de se alcançá-la é por um árduo trekking de no mínimo 4 dias e 80kms. O ponto de partida é o povoado de Cachora, a cerca de 03hs de Cuzco. Choquequirao é um dos menos visitados sítios arqueológicos incas do Peru, apesar de ser um dos mais importantes e bem preservados. As explicações são a dificuldade do trekking e a falta de divulgação por parte do governo peruano. Para se ter uma ideia, enquanto 1500 pessoas visitam Machu Pichu por dia, cerca de 200 pessoas visitam Choquequirao por ano! No meu caso, por exemplo, fiquei uma manhã inteira sozinho pelas ruinas. Imagine estar só em Machu Pichu, com a cidade toda para vc. Esse é o sentimento em Choquequirao. Não obstante, esse panorama vem mudando nos últimos anos muito em função da divulgação nas redes sociais deste incrível e belíssimo trekking. Vale destacar que até hoje somente 30% da cidade foi escavada, e os arqueólogos continuam trabalhando, mesmo com os poucos recursos disponíveis. Abaixo segue um relato dia a dia para ajudar os mais intrépidos para que um dia se aventurem por lá.

    Mapa esquematico com o percurso e as áreas de camping.

    Dia 01: Cheguei em Cusco no dia 05/04/2016 vindo de Lima. Deixei as coisas no hostel e fui às compras. Como já havia estado em Cusco antes, no meu primeiro mochilão pelo Peru, já sabia andar pela cidade e onde ir. Fui ao mercadinho comprar as últimas guloseimas e depois a uma loja de equipamentos de montanha, pois precisava alugar isolante térmico, não quis levar o meu. Acabei alugando uma pequena manta de fleece para colocar dentro do saco de dormir também, pois esperava pegar muito frio. Pelos 4 dias, paguei 30 soles. Caro, e foi o mais barato que encontrei. Feito isso, voltei para o hostel para dormir, pois no outro dia sairia as 05h para a rodoviária. Acordei, peguei um taxi e parti. Não havia comprado passagem antecipada antes então cheguei na rodoviária e fui procurar. Existem pelo menos 5 empresas que vendem as passagens. O que ocorre é que não existem ônibus exclusivos para Cachora que é um povoado bem pequeno e isolado. Assim, é necessário tomar um busao para Abancay e descer no ramal de Cachora, umas 03h depois de Cusco. Pois bem, viagem tranquila, estrada muito boa, apesar dos pequenos estresses devido à pressa costumeira dos motoristas peruanos. É preciso pedir ao motorista para parar no ramal de Cachora, assim fiquei atento para relembrá-lo quando estávamos perto. Salvei o mapa na função off line do Google Maps. O que recomendo profundamente em qualquer viagem. Desci no ramal por volta das 12h e ainda precisava de um taxi para descer a estrada até Cachora. Não tive problemas, um motorista veio logo abordar a mim e um outro passageiro que havia descido também. Pagamos 10 soles cada e partimos. Descemos por meia hora por uma estrada de terra em meio a várias pequenas fazendas e alguns montes nevados, bem bonito. O início do trekking é no mirante de Capuliyoc, umas 02hs de caminhada desde Cachora. Como sabia que era possível ir de carro até lá, perguntei ao taxista quanto ele me cobraria. Depois de algumas negociações, chegamos ao valor de 40 soles. Caro, mas me poupou uma longa caminhada, sem nada interessante para ver. Assim, por volta das 13hs cheguei a Capuliyoc, um belo local, com vista para o vale do Apurimac e parte da trilha que iria percorrer. Rapidamente comecei a descida. Sim, no primeiro dia vc desce o tempo todo, por umas 4 horas. O objetivo é chegar até o acampamento Playa Rosalina, às margens do rio Apurimac. Foi uma longa e desgastante descida pois o Sol estava pegando firme. Contudo, a paisagem é linda e reconfortante. Muita vida silvestre, como aves e pequenos mamíferos, além de ter cruzado com uma tarântula enorme enquanto descansava. Por sorte eu a vi, estava muito próxima. Apenas me afastei e deixei-a seguir seu rumo.

    Minha pequena amiga queria me fazer uma surpresa.

    Panorama do mirador Capuliyoc. Abaixo, o rio Apurímac. O objetivo do primeiro dia é chegar até às margens do rio láááá embaixo.

    Lá pelas 17h e pouco cheguei ao camping Playa Rosalina para o primeiro pernoite. O camping aqui é muito bom. Tem banheiros e área para cozinhar, não tem ducha, mas é de graça. Ele fica na entrada da recém reconstruída ponte usada para atravessar o rio. Assim, sempre tem um funcionário tomando conta do local. Muito tranquilo, deixou que eu guardasse algumas coisas que achei desnecessário subir para os próximos dias. Pois é, o frio que eu esperava não veio, acabei carregando coisas que eu não usei, como meu pluma de ganso, calças e a manta que aluguei em Cusco. Assim, depois da barraca montada, hora de comer e descansar, pois o outro dia seria muito, muito puxado. Dormi sem o sobre teto da barraca pois estava calor e o céu estava limpo, proporcionando um espetáculo de estrelas que será difícil esquecer!

    Camping Playa Rosalina, às margens do turbulento Rio Apurímac, que é, inclusive, um dos alimentadores do Rio Amazonas.

    Dia 02: Acordei as 06h, tomei café e comecei a desmontar e guardar tudo. De repente começou uma fina chuva, que aos poucos foi aumentando e me prendeu no camping até as 09h. A chuva parou, o tempo abriu um pouco, hora de partir. Esse foi o dia mais hard core! Foram 1800 metros de subida, com talvez 70º de inclinação em muitas partes. Sem exagero, as únicas partes planas nesse dia foram as duas áreas de camping no caminho e depois próximo à pequena cachoeira Hurchuhuerta. Se der alguma m... e vc precisar pernoitar antes de Marampara, pode ficar no Camping Santa Rosa. Lá também é possivel comprar refrigerantes, água e algum biscoito. O objetivo era chegar até o povoado de Marampata, onde iria fazer o segundo pernoite e, se o tempo e minhas condições físicas permitissem, ir até Choquequirao, que está cerca de 01:30min de Marampata. A subida até Marampata é um longo caminho em ziguezague por uma encosta cuja elevação total chega a mais de 4000 mts. Rica vegetação e agua abundante tornam possível o cultivo para as famílias de camponeses que vivem espalhadas pelo local. É possível negociar para dormir em suas casas e/ou que cozinhem para os caminhantes. Optei por dormir em minha barraca e cozinhar minha própria comida, mas tomei umas cervejas nas barracas em dois dos três pernoites que fiz lá. Sempre que possível consuma alguma coisa a fim de ajudar as familias a manter o negócio, que pode ser muito útil inclusive em caso de alguma emergência. Depois de 5 duras horas cheguei a Marampata. Bastante cansado. Tenho 25 anos de montanha e esse foi um dos mais difíceis trekkings que já fiz. Uma ascensão muito grande, com alta aclividade, o que dificulta muito. A altitude é relativamente baixa, não sendo um problema.

    Uma das paradas de descanso pelo caminho do primeiro dia.

    Camping em Marampata. Uma comunidade de simpaticos camponeses que vivem por aqui desde antes dos incas e ainda falam Quechua entre si.

    Galera dando aquela alongada depois da trilha.

    Sunset visto de Marampata.

    Bem, chegando em Marampata, armei a barraca e fui preparar algo para almoçar. Ainda teria umas 5 horas de luz solar, assim, daria tempo de ir a Choquequirao hoje mesmo! Estava muito ansioso. A primeira vez que ouvi falar desse trekking foi a vinte anos atrás! Desde então, nutria o desejo de estar ali. E agora faltava bem pouco! Enquanto almoçava, eis que a chuva voltou, com força dessa vez. Esperei por cerca de uma hora até passar. Logo depois, o tempo abriu e um lindo Sol deu as caras. Foi a senha para partir. Mochila de ataque nas costas, máquina fotográfica a tira colo, parti! Até a entrada do parque o caminho é por entre as casas dos camponeses. Muito interessante pois os animais como galinhas, porcos e cavalos ficam soltos, pastando e te encarando enquanto vc passa com suas roupas sintéticas coloridas. Um elemento estranho em meio a um cenário lindo e bucólico. Por todo o caminho é possível ver, ao longe, parte das ruinas do sitio. Ao chegar na entrada do parque, pude ver o caminho completo até lá, e me dei conta de que havia esquecido minha headlamp na barraca. Como não queria voltar na escuridão completa, decidi retornar ao camping e visitar a cidadela no outro dia pela manhã. Para quem já havia esperado 20 anos, tranquilo...

    Alguns animais pastando preguiçosamente.

    Passei com o maior cuidado para não acordá-lo.

    O maior "luxo' aqui: os painéis solares que chegaram a poucos anos atrás.

    Dia 03: O dia amanheceu lindo. As 06:00 já estava de pé e uma hora depois parti para Choque. A trilha até lá é um passeio. Ela vai serpenteando uma enorme encosta, coberta de densa floresta e cortada por algumas cachoeiras. No trecho de ida ela quase não tem subidas, vc anda reto ou descendo quase o tempo todo. Para mim foi ótimo porque ainda estava cansado e com o corpo dolorido da puxada do dia anterior. Após cerca de 01:10min de caminhada, cheguei na cidadela. Chega-se por uma grande área de plantio, aquelas estruturas de pedra em degraus que os Incas utilizavam para cultivar diferentes culturas vegetais. As da entrada são enormes, bem maiores que as de M.P.

    Entrada de Choquequirao.

    Depois de passar por elas, sobe-se uma pequena escada e voilà: a grande praça central! Uma grande área plana, gramada onde eram realizadas as cerimonias, festas e demais reuniões das pessoas que viviam ali. Muita emoção! Ao redor da praça ficam as casas das pessoas que tinham baixo status social. Ao fundo, e numa posição privilegiada, as casas maiores, dos sacerdotes e chefes políticos. Toda a arquitetura das construções é muito semelhante àquelas de M.P, o que denota a importância que esta cidade teve em sua época. Andei, explorei bastante este setor. Depois fui no setor acima, onde ficava a captação de agua e algumas torres de vigilância. Vez por outra era possível ouvir as motosserras dos arqueólogos que trabalham no local.

    Panorama da Praça Central. Ao fundo, as residências sacerdotais.

    Ao fundo e à direita baixa, o local por onde se entra na cidade, com os grandes terraços.

    Incrível estar sozinho, em uma cidade de mais de 700 anos.

    Plaza Cerimonial.

    O setor mais interessante deste sitio é o das Lhamas. É uma sequência de terraços de pedra, muito íngremes, com pedras brancas incrustadas que formam desenhos de lhamas. É lindo e único em todos os sítios arqueológicos já descobertos até hoje! Queria muito conhecer. Contudo, como tudo aqui, nada é dado de graça. É necessário descer uma trilha por cerca de 30min e depois uma escadaria inca com quase 90º de inclinação! Assustador pois enquanto eu estava descendo era possível ver o rio Apurimac, 3000 mts abaixo de mim. Se eu caísse, provavelmente seria o local do meu tumulo.... Bem, depois disso, cheguei finalmente às lhamas. Muito interessante presenciar a criatividade e o esforço dispensado para construir tudo aquilo em um local de tão difícil acesso ainda hoje! A simbologia por trás daqueles muros deveria ser muito importante para aquelas pessoas.

    Escadinha para o setor lhamas. Escorregou, já era!

    Depois de apreciar tudo durante muito tempo, hora de voltar. Ainda teria toda a subida e caminhada de volta até Marampata. Uma vez lá, almocei, arrumei tudo e me despedi de Choquequirao, com a certeza de ter estado em um dos lugares mais extraordinários do mundo. Meu plano era descer até o camping de Chuquisaca, 20min depois de Playa Rosalina, e pernoitar lá. Entretanto, conversando com uns canadenses que estavam acampados comigo em Marampata, mudei de ideia e resolvi ficar mais acima, em Cocamasama. Este local fica bem mais próximo de Capuliyoc, ponto final da trilha. Assim, toquei para baixo. Fiz um tempo melhor do que esperava até Playa Rosalina. No caminho, ainda encontrei um brasileiro, Rogerio, que estava subindo para Marampata. Conversamos um pouco, nos despedimos e segui em frente. Depois de Playa, o Sol abriu e me castigou. A trilha de volta até Cocamasana seria subir tudo que eu havia descido no primeiro dia. Muito punk! Nesse dia, caminhei ao todo 12hs, contando a ida e a volta até Choque. Cheguei em Cocamasana por volta das 20hs. Meus amigos canadenses estavam acampados lá e me receberam com calorosas boas-vindas. Daí foi armar tudo, comer e apreciar mais um belíssimo céu borrado de estrelas até pegar no sono. Apesar de ter andado bem mais, foi a melhor decisão ter pernoitado aqui, pois no quarto e último dia, a caminhada até Capuliyoc foi mais rápida. No dia seguinte, depois de umas 3hs, cheguei em Capuliyoc com a sensação de ter realizado mais um sonho! Estava muito feliz e emocionado por estar em um local tão remoto e ter conhecido um lugar tão incrível! Algum tempo depois os canadenses chegaram, famintos, pois toda sua comida havia acabado. Dei minhas bananas passas para eles, que nunca tinham visto ou comido. Se amarraram! Depois, abri um pacote de ovinhos de amendoim, aquelas bolinhas brancas com amendoim dentro. Eles comeram e disseram que aquilo era a coisa mais estranha e gostosa que eles jamais haviam comido rsrs!

    Um pouquinho do vale do Apurímac com o belo nevado Ampay ao fundo. Entardecer do terceiro dia de trilha.

    Nessa foto é possivel ver parte da dura trilha do segundo dia. Reparem no ziguezague da encosta, no canto superior direito, encostado na borda da foto. Eu vim lááá de baixo. Choquequirao esta no centro alto, ao fundo, aquela pequena parte desflorestada.

    Nevado Salkantay, visto da trilha. O trekking até Choquequirao pode ser conectado com a trilha Salkantay - Machu Pichu, em mais 6 ou 7 dias de caminhada.

    Parte da subida do último dia de trilha.

    Fim de trekking no mirador Capuliyoc. Iniciei aqui 4 dias antes. Os canadenses me acompanharam neste último dia. Reparem na felicidade deles depois de comerem amendoim e banana passa.

    Todos alimentados e felizes, partimos para a pequena venda que fica na estrada para Cachora a fim de tentar conseguir um transporte. Por sorte, havia alguns geólogos que estavam esperando o chefe voltar para resgata-los. Negociamos e por 10 soles cada um, eles nos levaram até Cachora, onde celebramos o trekking com um belo almoço típico peruano e algumas cervejas.

    Definitivamente, recomendo a todos os amantes de montanha e arqueologia que visitem este local. Um trekking selvagem, num local isolado e sem as multidoes que invadem Machu Pichu diariamente. Vá preparado pois aqui vc não vai encontrar as facilidades logísticas de M.P. O transporte entre Cachora e o inicio da trilha também deverá ser bem negociado, especialmente o resgate no final. Caso precisem de mais dicas ou infos, basta postar nos comentários.

    Abraços mochileiros!

    Claudio Murilo
    Claudio Murilo

    Publicado em 19/05/2016 18:26

    Realizada de 05/04/2016 até 08/04/2016

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    5 Comentários
    Divanei Goes de Paula 02/06/2016 14:46

    Taí, curti muito seu relato. Uma década atras um peruano me disse que eu tinha que conhecer essas ruínas. Ainda não fui, mas agora , com seu relato, voltei a vislumbrar essa idéia . Abraços.

    Claudio Murilo 06/06/2016 11:08

    Que bom Divanei! Torço para que vc vá mesmo. O lugar é incrivel e a caminhada vale cada passo. Grande abço!

    Willian Fae 27/02/2017 17:29

    Sensacional, parabéns.

    jhon 17/05/2023 14:15

    Definitivamente a trilha Choquequirao é uma aventura inesquecível, considero o trekking mais difícil de 4 dias em Cusco. Você também deve levar em conta que existem caminhadas que combinam o que é Choquequirao - Machu Picchu em 7 e 8 dias, realmente uma super aventura para conhecer as duas maravilhas de Cusco - Peru.Em relação à trilha Choquequirao 4 Dias, atualmente também é possível fazê-la sem agência de viagens, pois há hospedagem nos acampamentos e você também encontra comida e acho que o conselho mais importante seria levantar mais cedo no trecho Chiquisca - Santa  Rosa desde q é uma subida e não há árvores, então se sairmos tarde, o sol pode prejudicar muito a caminhada. Esta subida é super complicada e se fizermos sem sol não haverá muito cansaço. Eu recomendo www.incaperutravel. Eles são muito profissionais com muitos anos de experiência e têm todo o equipamento necessário para trilhas entre 2 a 13 dias (Choquequirao - Vilcabamba - Machu Picchu).

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    Paula @mochilaosabatico 18/08/2023 08:52

    Obrigada por compartilhar! 

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    Claudio Murilo

    Claudio Murilo

    Rio de Janeiro

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