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Faziam pelo menos 3 anos que eu estava de olho nessa parede gigantesca do Pico Maior, mas eu tinha consciencia de que o desafio exigiria um prepario prévio, por isso, no inicio do ano, troquei o happy hour com os amigos na sexta por mais um dia de treino no sábado. Apesar de ter planejado muita coisa pra 2023, algumas questões de saúde acabaram por adiar meus planos, até que no inicio de agosto eu cheguei no ginásio pro treino e fui abordado na porta pelo Guilherme: "O Káka já te ligou? A trip vai sair, mas ao invés da (pedra) Riscada nós vamos pro Pico Maior." Na mesma hora eu mandei uma mensagem pro Andrezão, que prontamente aceitou a roubada. Nossa intenção inicial era tentar o cume no dia 26 de agosto, mas a previsão do tempo nos fez adiar a viagem em uma semana. Dia 01 partimos pra Salinas e durante o trajeto eu e o Andrezão fomos traçando a estratégia que nós usariámos no dia seguinte. Eu estava realmente apreensivo por estar escalando pelo menos 2 graus abaixo dos outros 5 e por ter lido relatos de montanhistas muito mais experientes que eu pernoitando no cume.
Saimos do abrigo às 5:30 do dia 02/09, com 2 estratégias distintas: Eu e o Andrezão iriamos pesados, com 2 cordas e 30 costuras pra ganhar tempo nas 8 primeiras cordadas, enquanto as outras 2 duplas foram com apenas 1 corda e 15 costuras cada. Chegamos na base da via as 7:00, quando me dei conta de um pequeno detalhe: meu celular tinha ficado no carro e eu teria que contar com o telefone do Káka para ter algum registro.
Eu e o Andre nos encordamos e ele começou a guiar a primeira cordada enquanto eu dava a segurança, até esticar uns 50 metros da corda. A partir daí eu liberei a corda do freio e começamos a escalar a francesa (em simultâneo). Como tinhamos 30 costuras, fizemos a primeira parada na p5 e enquanto eu repassava as costuras pro André, o Káka já chegava na minha cola. Continuamos a francesa até a p8 que é a base da primeira chaminé. Um detalhe importante dessa oitava cordada é que ela termina em um trepa-mato e é preciso contornar um bloco de pedra pela direita para se chegar ao platô.
A partir desse ponto a escalada fica mais vertical e nós passamos a escalar de forma tradicional. A primeira chaminé é bem tranquila, só é preciso ficar atendo em 2 detalhes: a saida dela fica logo após a primeira proteção e quando for sair pra esquerda, use pés baixos e deixe as agarras obvias para as mãos. São 2 lances de quinto grau, mas bem adrenantes, pq uma queda resulta em um pendulo de pelo menos 4 metros.
A décima cordada é o crux e a orientação não é tão trivial. Apenas a primeira proteção fica acima da p9 e a partir dela, deve-se ir para a esquerda, até o veio de cristais. Não siga reto, por mais confortável que você esteja, pois apesar dessa linha ser no máximo de sétimo grau, ela está repleta de pedra podre. (Falarei sobre isso mais tarde).
A décima primeira cordada não tem surpresas e leva ao grande desafio de resistencia da face leste: sua segunda chaminé. Como nós tinhamos muita tralha (30 costuras e 1 jogo de cams), optamos por subir sem a mochila e puxa-la pela corda. Mesmo assim eu parei 2 vezes para descansar na chaminé. Ela é maior do que todas as que eu já tinha escalado na vida e, apesar de ser tecnicamente fácil, exige muita resistência. A chaminé termina em uma cova, onde é possível ficar confortável por alguns minutos e recupear a energia pra encarar a decima terceira enfiada toda em artifical. A décima quarta enfiada começa em um platô confortável, mas o seu primeiro lance é um sexto grau que fica uns 10 metros de altura e sem nenhuma proteção antes. Saia do platô pela direita em direção a uma fenda de corpo, ganhe altura na fenda usando técnica de tesoura, depois saia para o bloco a esquerda onde fica a primeira proteção. Esse é o último "veneno" da via. As duas cordadas finais são super tranquilas.
As 13:55 eu e o Andrezão chegávamos ao cume do Pico Maior, depois de quase 7 horas de escalada. Mas como eu sei a hora da chegada se eu estava sem telefone?? Pois é, quando eu acabei de tirar a minha sapatilha eu ouço o Tinoco no rádio:
- Tá na escuta, Orlando?
- Fala Tinoco, acabamos de chegar no cume. Em qual enfiada vocês estão?
- O Káka e o Jurandir passaram a segunda chaminé e eu e o Guilherme estamos na décima, mas vamos abortar!
- Como assim? Tá maluco? Não da pra rapelar por essa via não!
- No abrigo a gente conversa, nós realmente vamos ter que abandonar.
Nisso o Andrezão me lembra de perguntar as horas e o Tinoco me informa que são "5 pras duas". Isso significava que naquele momento nós não teriamos tempo para lamentar pelos nossos amigos, nós precisávamos descer da montanha rapidamente. Assinei o livro de cume e deixei um recado pedindo para que uma boa alma me enviasse uma foto do meu registro no livro. O cume do Pico Maior é imenso e o Capacete na hora estava encoberto. Eu calculo que nós demoramos cerca de meia hora só para encontrar a parada final da Cidade dos Ventos.
Os 4 primeiros rapeis são tranquilos e praticamente lineares, apesar de serem verticais. O problemático mesmo é o quinto. Primeiro pq a parada é horrivel, você fica totalmente supenso em uma parede lisa, sem nenhum reglete pra apoiar os pés. Além disso o rapel é em diagonal pra direita, mas o vento te joga pra esquerda. Para completar, o rapel tem mais de 60 metros, então o final consiste em manter a corda que voce puxa com nó, enquanto deixa a outra passar pelo ATC e toma uma queda controlada para acessar um platô da via Silvio Mendes. Nesse ponto pode-se descer por uma trilha bem ingreme ou rapelar mais 60 metros até a p1 da Silvio Mendes, que foi a nossa opção. A p1 da Silvio Mendes é o último rapel e necessita apenas de 1 corda. A partir dali caminha-se por cerca de 10 minutos e chega-se a trilha do capacete, que no nosso caso, aconteceu exatamente ao por do sol. Aproveitamos pra tomar um folego, fazer um lanche e nos equipar para terminar a trilha à noite.
Chegando na araucária que marca a entrada da trilha dos picos Menor, Médio e Maior nós avistamos luzes na parede e eu soltei o único grito que me veio a cabeça: - Roubaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaada! Que é prontamente respondido pelo Káka: - Fala Diiiiiinho! Urruuuuuuuuuuuuuu!
Ficamos aliviados em saber que eles estavam bem, apesar de ainda estarem na roubada. Chegamos no refugio as 20:00, enquanto os outros 4 só chegaram às 21:30. Foi ai que nós soubemos o que tinha dado errado. O Guilherme seguiu reto na décima enfiada, ao invés de ir pra esquerda até o veio de cristais. Ele percebeu que tinha errado, mas estava confortável pois os lances eram no máximo de sétimo grau, continuou protegendo com móveis, até que ele avista uma agarra perfeita, onde ele poderia finalmente descansar depois de uns 20 metros regletando. A única coisa que ele não contava é que era uma agarra em pedra podre, que se quebrou e causou uma vaca de 15 metros. O Guilherme sobreviveu graças a um nut de 8 kN que ele tinha entalado de maneira perfeita. Felizmente ele sofreu apenas escoriações, apesar do susto imenso.
