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Ultramaratona de 235 Km no Sul de Minas Gerais

Ultramaratona de 235 Km no Sul de Minas Gerais

Aloha galera! No último fim de semana terminei a Ultramaratona dos Anjos Internacional de 235 Km, com largada e chegada em Passa Quatro MG.

Ultramaratona

Transformando sonhos em realidade

A minha história com as ultramaratonas nasceu do sonho de correr o Ultra Trail du Mont Blanc, como já expliquei no post sobre o UTMB. Para transformar esse sonho em realidade e estar na largada em Chamonix, no próximo ano, me faltavam 3 pontos (5 pontos na pontuação nova).

Escolher a prova não foi tarefa fácil. Após analisar o calendário das provas qualificativas, bem como posição geográfica e investimento necessário conclui que a melhor pedida seria correr a Ultramaratona dos Anjos Internacional.

Ultramaratona dos Anjos Internacional 235 Km

A Ultramaratona dos Anjos Internacional 235 Km é uma prova que pelo slogan já é possível imaginar o que te espera: “A Ultra mais dura do Brasil.”

Com uma variação altimétrica acumulada de 5.860 m, num percurso que passa por belíssimas cidades do sul de minas como Passa Quatro, Itamonte, Aiuruoca, Caxambu, São Lourenço, entre outras, a UAI é uma experiência inesquecível.

Equipe de Apoio

Exatamente 9 semanas após realizar o Desafio Extremo Estrada Real, eu estaria alinhado na linha de largada de mais uma ultramaratona. O aprendizado colhido com a estréia em corridas utilizando equipe de apoio foram fundamentais. Baseado nessa experiência convidei o casal Gu e Nina, apaixonados por aventura e que nos acompanharam na Expedição Roraima, para o time. Assim, o time Sua Casa é o Mundo ficou composto por nós 4: Eu, Bia, Gu e Nina.

Eu e a Bia vocês já conhecem aqui do site, dispensamos apresentações. O Gustavo é um cara extremamente organizado e dedicado, ficou responsável pela navegação em caso de dúvidas no trajeto. Levando 2 GPS (quem tem um não tem nenhum) e uma alta dose de motivação, bateu seu recorde pessoal correndo como pacer por longos 50km. A Nina, médica do time, é uma pessoa muito alto-astral e carinhosa. Recebeu de presente a planilha da alimentação e por um longo trecho o volante do carro de apoio. Também bateu seu recorde pessoal, completando 27 km como pacer.

A prova

Faltavam poucos minutos para 8 horas da manhã do primeiro dia de julho. Eu estava em frente a pracinha de Passa Quatro-MG, no mesmo lugar onde larguei para a minha primeira prova de Ultratrail três anos atrás. O mesmo lugar onde larguei para esses mesmos 80 km em 2014, para me redimir de um insucesso que me incomodava o juízo. Viajava em minhas memórias enquanto tocava o hino nacional, percebia a ansiedade que aflorava por todos os poros da Bia que, ao meu lado, esperava pela largada da categoria fast – 25 Km, distância inédita para ela, particularmente por ser fora do asfalto. Não sei definir o que se passava na minha cabeça mas estava bem feliz de estar compartilhando aquele momento com ela.

Primeiro Dia

Dez, nove, oito… termina a contagem regressiva e começamos a corrida. O meu primeiro destino e a meta da Bia era a cidade mineira de Itamonte. Distante de Passa Quatro 25 km. Gu e a Nina ficariam no carro, prestando nosso apoio para hidratação e alimentação. Começamos correndo juntos, num ritmo confortável, até que entre o km 5 e 6 a Bia disse para eu me adiantar.

A essa altura o nosso carro de apoio estava preso no engarrafamento de carros de apoio, a sede ia aumentando e o sol mostrando que a brincadeira seria interessante. A descontração da companhia da minha linda tinha ficado para trás e eu focava na prova prestando atenção em cada passo. Por ter começado mais lento, nesse trecho comecei a passar bastante gente, principalmente em subidas pouco íngremes onde decidia trotar.

Meu plano de prova foi trabalhado com o objetivo de concluir os 235 km entre 35 horas e 40 horas de prova. Para isso estabeleci tempos limites para passar pelos pontos de controle e foi dentro desse tempo que passei pelo PC de Itamonte com 2 h 30 min.

Depois de Itamonte começou a primeira grande “montanha” da prova. Uma variação altimétrica de aproximadamente 900 metros verticais em 15 km. Foi assim o percurso após Itamonte. Ao cruzar a distância de uma maratona, 42 km, comecei a trabalhar o meu psicológico: “Só faltam 5 maratonas, uma meia e uma merrequinha.”

Nesse trecho encontrei um camarada de São Paulo que estava correndo a prova de 65 km. Voltando de lesão ele não vinha treinando bem e além disso se atrapalhou no planejamento logístico. O sujeito trazia pouca água, estava desidratando e já começara a sentir câimbras. Com a moral da nossa equipe de apoio ele completou a água e seguimos um bom tempo lado a lado. Fomos nos dando força e superamos aquela subida que não foi nada fácil.

Superado o primeiro grande desafio da prova comecei a descer em direção a Alagoa, foi quando encontrei com o Sidnei, um mineiro de Inconfidentes-MG, muito gente boa. Ele corria com o Eduardo Calixto, tricampeão da BR 135, como pacer. Outro camarada bem simpático e alto astral, daquele tipo de gente que a gente se sente bem perto.

A descida era complicada, o estradão era de paralelepípedo e evitando arriscar uma torção ou algo que o valha a melhor maneira era tirar o pé e descer num trote paquera. Nesse momento vi uma cena que me fez viajar no tempo. Me lembrei de um dos momentos mais marcantes da minha vida. Já quase no final da descida vi um cara andando bem devagar, inconformado. Ele estava com a roupa parecida com a minha, todo de preto. Passei por ele um pouco mais rápido e brinquei: “Que descida, bro! Ta foda!” ele respondeu dizendo que ia pegar uma carona, achei que era brincadeira e ri.

Cerca de 50 metros a frente, após uma curva para esquerda vi um carro parado com uma mulher. Ao me ver ela gritou: “Vamos amor, você está em segundo!” Eu não entendi o que estava acontecendo, até que o meu carro de apoio passou por mim e o cara tava dentro. Ele tinha abandonado a prova. Quando ele desceu do carro para encontrar a mulher entendi. De longe ela tinha me confundido com ele. E agora o que eu via era ela xingando-o e brigando muito. Não faltavam 10 km para o final da prova dele.

Não gosto de filosofia como: É proibido desistir ou a dor é temporária e o orgulho para sempre. Porém, acredito que toda decisão deve ser analisada friamente, racionalizando os prós e contras e tentando olhar fora da caixa. Por vezes pode ser, sim, a decisão mais sensata. Mas para quem não está inserido no contexto é difícil de entender uma atitude dessas. Perplexo, segui minha jornada ganhando bons minutos refletindo sobre sonhos, conquistas e em como lidar com o insucesso. Quando me liguei já estava no PC de Alagoa, seguindo para Aiuruoca.

Do km 65 para o km 95 a motivação era maior. Tinha combinado com a Bia que ela faria uma massagem enquanto eu tomava a sopa para me aquecer. Eu merecia um pit stop. Até então eu não tinha feito nenhuma pausa e a carcaça já começava a pedir uma moral. A noite chegou e nada da tal de Aiuruoca chegar, em uma das diversas subidas o Sidnei passou por mim e me deu uma dica engraçada mas que funcionou muito. “Na hora de subir você tem que fazer igual joão bobo. Joga o corpo pra lá e pra cá e vai dando os passos no balanço. Você sobe ligeirinho e nem vê.” Sorri analisando a demonstração dele e na hora de implementar não é que funcionou!?

Cheguei em Aiuruoca e nem acreditei quando vi a pracinha onde estava o PC. Cheguei meio incrédulo e a Bia gritou pra mim, vem amor, vem! O saco de dormir esticado na grama, uma sopa quentinha, meias novas e massagem nas coxas e panturrilhas. Se disser que fiquei novo estaria mentindo, mas que deu um upgrade sinistro nas minhas condições, ah isso deu.

Primeira Noite

De Aiuruoca para frente era o segundo e maior desafio da prova. Quase mil metros de variação altimétrica, num trecho sem auxilio do carro de apoio, à noite e após mais de 12 horas de prova. Era a hora do Gu entrar em função. As meninas, Bia e Nina, iriam comer, levar o carro pra Baependi e arrumar um lugar pra dormir. O plano era encontrá-las no PC do Km 135 em Baependi.

Nos despedimos das garotas e seguimos rumo a Cachoeira dos Garcia (km 110) por volta de 8h da noite. Enquanto a subida era na cidade de Aiuruoca fomos num ritmos tranquilo, mas a medida que ganhávamos altura o caminho passava a ser de paralelepípedo. Uma estrada horrível de caminhar. Nossa velocidade despencava. Levamos 3h 30min para subir até o melhor PC da prova.

Chegando no PC da Cachoeira dos Garcia eu e Gu encontramos um hostel roots, muito maneiro, com uma sopa quentinha e deliciosa. Nos alimentamos, retomamos a energia e nos organizamos para descer até Baependi, sonhando em encontrar o carro de apoio. Foi uma parada estratégica para reorganizar as energias, e superar o sono que a essa altura já incomodava bastante. O Gu entendeu perfeitamente como desempenhar a função de pacer e foi fundamental nesse trecho. Descemos forte, passando por 5 atletas no trecho entre o km 110 e o km 135 e pela primeira vez fiquei sabendo que estava em terceiro lugar na prova.

Quando a Ultramaratona dos Anjos Internacional 235 km entrou na minha agenda estabeleci 3 objetivos.

Objetivos na Ultramaratona dos Anjos Internacional 235 km

  1. Terminar a prova garantindo os pontos para o UTMB;
  2. Realizar a prova entre 35h e 40h; e
  3. Me classificar entre os três primeiros.

Descobrir que estava tão bem classificado foi sensacional. Foi um incentivo extra num momento que eu já começava a ficar debilitado. O nascer do sol se aproximava e esse é o pior momento de correr. O sono é grande, o frio da uma intensificada e a ansiedade de encontrar nosso apoio era enorme. Porém, uma outra surpresa jogou um balde de água fria em mim e no Gustavo.

Segundo dia

As garotas, que eram para estar naquele PC não o encontraram. Na noite anterior elas foram de Aiuruoca para Baependi, mas o PC era fora da cidade e o percurso da prova não passava pela cidade. Eu e Gustavo que não sabíamos dessa informação estávamos correndo na esperança de encontrá-las quando encontramos outro atleta que nos alertou que não iríamos passar por Baependi. A sorte era que o Gu estava com o celular e conseguiu combinar com elas um local para nos encontrarmos.

Que alegria ver o carro chegando. Entreguei a mochila, troquei de roupa e pedi qualquer comida diferente de gel. Já não aguentava mais consumir Accel gel. A essa altura eu já me aproximava de Caxambu. Foi quando meu time me deu uma moral forte. Foram na cidade, compraram um misto quente que eu saboreei cada milímetro.

Caxambu já era no km 153. Até esse momento tudo corria bem. Ter superado o trecho do Parque Estadual da Serra do Papagaio deu uma moral muito forte. Era o trecho mais difícil da prova, não tinha mais nenhuma grande elevação para superar e eu me sentia bem e confiante, apesar de começar a apresentar forte sinal de cansaço. Nesse PC a Nina resolveu me acompanhar. Ela também viveria um desafio. Estar comigo durante 27 km até o próximo PC. Distancia inédita para ela que até então nunca correra nem 10 km.

Logo após Caxambu comecei a sentir o peso da distancia e comecei a caminhar no plano. Foi quando a Nina, com aquele jeitinho bem mineirinho, me deu uma ideia de trotar. É muito legal viver alguns conflitos internos. Existe uma frase que o instrutor da Demi Moore no filme Até o Limite da Honra sempre falava: “Eu nunca vi um animal selvagem ter pena de si mesmo.” O Gu falou essa frase , brincando com a Nina, na noite anterior à prova e eu pensei nela algumas vezes como meu mantra. E nesse momento foi a alavanca que eu precisava.

Meu ritmo voltou a aumentar, fizemos alguns km para 6 min, 7 min de pace. Nessa altura eu me sentia quase o Bolt conseguindo correr nesse pace. Pelo menos o esforço que eu fazia era muito grande. Quando chegávamos em alguma subida parava a corrida e dava uma caminhada. Nessa pegada seguimos até o km 173, quando viramos num trechinho complicado da Estrada Real e o carro atolou. Era um trecho complicado, a situação começou a complicar, mas a sorte é que não tinha lama, só pedras soltas. Foi quando a primeira colocada feminina me alcançou e me deu uma “bronca”por estar ali parado.

Foi naquele momento, poucos km antes do km 180 que eu experimentei um sentimento inédito em ultrasdistâncias. Sempre associei esse tipo de competição ao auto-conhecimento. Uma competição de nós contra nós mesmos. Porém naquele instante eu provei a competitividade.

De São Lourenço até o Bar da Cachaça corri abrindo distância da primeira mulher. Corri forte, atentando para o Garmin, monitorando cada km. Ao chegar no Km 205, há 30 km da chegada eu estava destruído e parei pra mais uma sessão de massagem da Bia. Foi quando vi a garota passar forte. Recuperado pelas mãos da minha namorada/massagista/curandeira , tirei forças sei lá de onde e encostei nela para corremos juntos.

Esse trecho era uma subida chata, a última grande subida antes do fim da prova. O ritmo estava forte e não parávamos para comer. Eu me sentia muito bem, na verdade estava até impressionado com meu desempenho, Quando por volta do km 213 não prestamos atenção no balizamento e passamos direto no caminho. Quando percebi estava a mais de 1 km fora da rota. A moral baixou, mas não pensei muito e voltei correndo.

Superando os próprios limites

Nessa hora o Gu entrou em função novamente, mas foi chegar no trajeto demarcado que minhas forças se esvaíram e eu vi a garota passar disparado. Comecei a me julgar e a questionar minha postura competitiva. Ao mesmo tempo sentia muita dor nas laterais dos joelhos, na canela esquerda e na sola dos pés. O Gu me incentivava do jeito que dava, mas meu quadro não era dos melhores. O caminho ainda era de subida e lentamente a gente progredia. Um pé após o outro, numa verdadeira guerra mental até o início da descida.

A essa altura as meninas no carro também estavam exaustas. Eu vivendo aquele conflito interno, com muitas dores começava a fazer “draminha”. Corria o quanto aguentava e parava com as mãos no joelho. Em uma dessas a Bia cochilou no volante e quase me atropelou. Tomei um esporro e me lembrava da frase do animal selvagem com pena de si mesmo. O Gu se reinventava como psicologo e escutava minhas asneiras. Nessa parte da prova a chapa tava quente.

O declive leve permetia um trotezinho manso, um pé após o outro, muitas dores e de tempo em tempo uma pausa. Observei a placa de 12 km. Passa Quatro estava logo ali. Os 12 maiores km que já percorri. E não conseguia progredir com velocidade. Olhando para o relógio eu imaginava chegar com 40 horas ou um pouco mais quando num impulso maluco desandei a corrrer.

6:02 min/km marcou o Garmin no km 231. Parei bufando, em extase e combinei com meu pacer/brother/psicológo correríamos 1 min e caminharíamos 1 min. E assim foi feito até avistar as luzes de Passa Quatro. Estava mais perto do que nunca. Trotamos pelas ruas escuras, cruzamos a cidade vazia e as 11 horas da noite chegamos ao mesmo lugar da largada.

Missão cumprida! 237 km graças ao erro de navegação. Ultra dos Anjos Internacional 235 km. Uma Ultra muito dura que ficará guardada para sempre no meu coração e mente!

Lições Aprendidas

  • O auto-conhecimento através desse tipo de esporte é enorme. Você se coloca, literalmente, fora da zona de conforto e analisar as suas próprias reações podem te levar a interessantes reflexões;
  • A equipe de apoio é fundamental para o sucesso/insucesso. A influência no desempenho do atleta é gritante e fui um afortunado nesse quesito;
  • Prosseguir nos momentos de dor, deixando de lado a auto-piedade é difícil, mas necessário. Ao se permitir esse tipo de experiência você certamente vai repensar diversos aspectos da vida;
  • Muito mais importante que estar bem fisicamente é estar com a cabeça em dia, a parte emocional interfere muito na performance; e
  • Na fase da preparação o acompanhamento nutricional e uma boa orientação para os treinamentos são fundamentais para chegar na prova nas melhores condições.
3 Comentários
Breno 25/11/2019 19:24

Parabéns Edinho! Fenômeno esse relato, a gente fica até achando que tá correndo do lado de tanto detalhe. Sucesso!!

Breno 25/11/2019 19:26

A UTMB vc tem o relato?

Valeu irmão! Gratidão. Putz!!! Vou procurar nos meus cadernos. Assim que achar subo na plataforma.

Edinho-Sua Casa É O Mundo

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Criador do Sua Casa é o Mundo. Apaixonado por viagens, atividades ao ar livre e esportes de aventura. Acredita que sonhar é importante e realizar sonhos é fundamental.

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