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Vgn Vagner 01/10/2023 08:50
    Travessia Paranapiacaba x Santos (Via: Ribeirão dos Jerivás)

    Travessia Paranapiacaba x Santos (Via: Ribeirão dos Jerivás)

    Vias: Mirante Boa Vista, Riacho Pedra lisa, Poço das Moças, Ribeirão dos Jerivás e Rio Jurubatuba l

    Trekking Canyon Waterfall

    Travessia Ribeirão dos Jerivás (Via Riacho Pedra lisa) Paranapiacaba x Santos-SP)

    Naquela noite de domingo, após um intenso dia de trabalho, fiz as honrarias de atrasadinho da turma. Desembarquei às 23h, quando a neblina e o ar frio eram congelantes no entorno da estação de Rio Grande da Serra. Há uma distância 20 metros já não era possível enxergar sequer a padaria Barcelona, que é referência de ponto de encontro local. Todos os estabelecimentos já tinham suas portas baixadas. Até mesmo os Uber's de RGS, que sempre fazem o traslado de toda galera trilheira que brota por ali, não estavam mais lá. Tínhamos o contato de vários deles, mas qualquer e toda tentativa de chamada realizada era em vão.

    Para evitar os táxis que estavam na parada atrás da estação, pois a corrida até a Vila de Paranapiacaba custaria um rim, abordei um cara que parou o caro ao nosso lado enquanto esperava sua esposa em algum trem que vinham pela linha 10 da CPTM. A princípio ele disse que não compensaria fazer a corrida, e que tentaria nos ajudar com algum conhecido da região. Mas vendo a oportunidade de fazer um dinheirinho extra...

    - quanto vocês pagam na corrida? - questionou o malandro.

    - a gente pode chegar a $60, mano - ( o grupo já em acordo). Pós a gente pagaria $50 no primeiro Uber que estivesse disponível!

    Mas o espertalhão cresceu o olho, e quis que a gente pagasse $70. E, como quem muito quer, nada tem. Foi assim que o dispensamos, e fomos arriscar o último ônibus do dia, à meia noite. E, ainda bem que ele veio. Caso contrário teríamos que pernoitar sob a faixada de algum comércio local com um mínimo de cobertura possível. Mas ele veio!

    Fui o primeiro a embarcar, seguido por Robert. O restante da galera ficou "moscando", assobiando aos ventos e não viu as portas do coletivo fechar diante de suas fuças. O motorista já dava a arrancada quando gritamos para favorecer os retardatários. Kkkk Em meia hora estaríamos no ponto final. Durante esse intervalo deu tempo comer algumas coisinhas (a crepioca do Kalidon estava uma delícia), eu mandei uma "bóia fria" que trouxe de casa)).

    Incrivelmente, e pra nossa sorte, ao sairmos do busão, vimos um céu limpo e estrelado, fomos pegos por um calor bastante abafado que logo nos permitiria ficar só de camiseta.

    Levei a mochila ao chão para ajeitar algumas coisas. Passei as mãos pelos bolsos da calça, da blusa. Me bateu um desespero...

    - não mano. Não, não! - e sai correndo em disparada. (Os caras não entenderam nada).

    Dei um arranque. Corri numa velocidade como nunca corri em toda minha vida. E enquanto corria, assobiava no mais alto som possível. Talvez, nem Usain Bolt, Claudinei Querino ou qualquer Queniano poderia me alcançar naquele momento. E o pior de tudo era estar correndo ao máximo, e ver o ônibus virando a primeira curva da rodovia e indo embora.

    Mas tamanho esforço não foi em vão. Creio que o motorista escutou meu apelo desesperado e encostou o ônibus no meio fio com o pisca alerta ligado. Ele mesmo colocou a cabeça fora da janela e questionou:

    - o que foi, filho?

    - acho que esqueci meu celular no ônibus. Posso entrar pra procurar? - disse com meu último trago de fôlego que tinha.

    - pode sim! - disse antes de abrir as portas.

    Procurei, vasculhei cada canto, me debrucei sobre os bancos, e nada.

    - será que você não esqueceu em Rio Grande da Serra? - disse.

    - pode ser. Mas acredito que não. Me lembro de ter usado ele por aqui durante a viagem. - respondi.

    Depois de uns 10 minutos tive que deixá-lo encerrar seu expediente. Pois não encontrei nada.

    Voltando de encontro com a rapaziada, ouvi um deles dizer:

    - pelo gingado dele, achou sim! - (como eu queria eles estivessem certos).

    Fui direto no bolso superior da mochila, e lá estava o danado do celular (ainda bem), me fazendo passar por louco, mas ao mesmo tempo trazendo um grande alívio por não ter perdido mais um aparelho em trilhas e travessias. A corrida foi instintiva. Eu não poderia correr o risco de ter deixado no ônibus, e ver o mesmo indo embora com o meu precioso!

    Ajustamos as coisas, jogamos as mochilas nas costas e saímos andando. Atravessamos a ponte sobre os trilhos do pátio ferroviário com funcionários trabalhando a todo vapor a favor da MRS. De lá era possível avistar a silhueta da Serra do Mourão, bastante grande a nossa frente. Mas, para chegar até sua parte mais alta é preciso percorrer caminhos sinuosos pela Vila de Paranapiacaba. Caminhos que enlouquecem pessoas. Caminhos que as fazem pensar que estão circulando em um labirinto, e, mesmo com auxílio de um aparelho GPS em mãos, os mais tolos entram em ruas erradas, voltam caminhos e até se perdem por lá (foi o que aconteceu com a gente kkkk).

    Quando finalmente conseguimos tomar um rumo correto para o início da nossa expedição, entramos por uma estradinha calçada por blocos rochosos de paralelepípedo. Estradinha que serpenteia o contraforte oeste da Serra do Mourão, com subida em nível elevado, fazendo com que os joelhos se ergam quase na altura da cintura. Haja fôlego, meus amigos. Ainda mais imprimindo um ritmo constante e ininterrupto. Eu não estava acreditando que à 1h da madruga eu pudesse estar em atividade frenética, suando feito um cuscuzeiro.

    O acesso por aquela estrada é restrito, por isso, quando chegamos perto da guarita que guarda a passagem, apagamos nossas lanternas e passamos imperceptíveis como vultos na escuridão, fazendo apenas o barulho dos passos e da respiração. Fomos notados apenas pelos cachorros, que, presos em suas coleiras, só fizeram alarde. Logo após a curva depois da guarita voltamos a iluminar nossos passos. Não tardou para chegarmos ao pequeno filete de água que corta a via. Bebemos da mesma, lavamos a cara e enchemos as garrafas. Depois disso foi um curto trecho de calçamento até a via se tornar apenas uma trilha, larga e plana. Um caminho agradável que, mesmo na calada da noite, oferecia uma beleza sublime. Passamos pela Pedra do Índio, começamos a descer levemente para subir levemente e dar de cara com uma ampla abertura na vegetação - O Mirante da Boa Vista. Ali estava o palco de um espetáculo noturno. Com todo o Vale do Rio Mogi aos nossos pés, sendo invadido por um tapete de nuvens que era iluminado pelas luzes do polo industrial de Cubatão. Que incrível. O céu estava completamente aberto e estrelado. Deitamos no gramado, com as mochilas servindo de travesseiro, esticamos conversa até a alta madrugada. Kalidon teve a sorte de conseguir ver uma estrela cadente riscando o céu enquanto proseava. Estávamos nos sentindo tão em casa, confortáveis e a vontade que, às 3h30, fomos "obrigados" a dar boa noite um ao outro e esticar nossos esqueletos sobre as redes. A gente precisava de um breve cochilo para o dia seguinte.

    Pela fresta da minha rede pude ver o céu em um tom pastel rosê muito lindo, como eu nunca vi em um acampamento antes. Levantei sem alardes, fui à beira do mirante, para ficar observando a Serra do Mogi recebendo a luz do sol lentamente, ganhando as formas de seus vales mais famosos: Rio Mogi, Rio Dallanese, Rio da Onça, e até mesmo o Morro do Careca e seu vizinho Piaçaguera mais a frente. O tapete de nuvens ainda estava por lá tentando entrar em cada vão de vale, dando a beleza ao pé da Serra do Mar.

    Quando todos acordaram, não nos demoramos por ali. A sensação de que estávamos fazendo algo de errado era crescente, e o medo de que aparecesse alguém da fiscalização por ali logo cedo era grande. Então zarpamos perto das 7h40. Pegamos a trilha que nasce ao lado esquerdo de uma base de concreto. A princípio, a mesma desce leve, pouco acentuada. Logo ganha forte declive e bifurcações que confundem a direção de quem não tiver um norte. Haja joelhos, meus amigos. O bom é que não se trata de uma descida longa até o próximo atrativo. Depois de pouco mais de meia hora morro abaixo o forte barulho acusava que havíamos chegado na cabeceira da Cachoeira da Pedra Lisa (a cachoeira da morte), onde deixamos nossas mochilas e fomos explorar o entorno. A cachoeira não tem esse nome atoa. No topo dela passa a trilha que leva os caminhantes até o famigerado POÇO DAS MOÇAS, no Rio Quilombo. Porém, para atravessa-la o único caminho é de rocha sob água corrente e muito limo impedindo a aderência dos calçados. Por isso inúmeras pessoas já perderam suas vidas ali, pois escorregavam e, sem ter onde se segurar, despencavam de uma altura de mais de 100 metros de altura chegando lá em baixo só o farelo.

    "De acordo com números estatísticos do Parque Estadual da Serra do Mar, na década 90, mais precisamente nos anos 91 e 92, pelo menos 30 pessoas morreram nessa cachoeira, no período de apenas um ano."

    Para nossa segurança, tomamos todo o cuidado preciso para chegar até a borda que traga vidas. Foi possível avistar que ali, com um simples vacilo, o caminho é sem volta. Nem quisemos demorar por ali, diante de tamanho risco. Voltamos até a parte mais alta e fomos até a pequena, mas muito bonita, cachoeira que fica logo acima. O poço que ela possui era muito, mas muito atrativo mesmo, com uma água verde cristalina maravilhosa. Mas pelo fato de não receber luz do sol, ficamos só na admiração mesmo! Era sete da matina, meus amigos! rs

    Voltamos a colocar nossas cargueiras nas costas, e, ao invés de irmos por trilha, demos início ao plano de descer todo aquele rio, com forte desnível, sem abandonar o curso d'água. O vara mato começou pela direita, e, em pouco tempo pulando raízes e desviando de espinhos, logo chegamos ao patamar no meio da cachoeira que, diferente lá do topo, recebia sol diretamente. Daí foi difícil recusar o chamado pra um banho de cachu às 8h30. A água estava uma delícia, numa temperatura agradável, sem causar aquele tremor e bater de queixo pós saída. O patamar inferior também nos rendeu uma longa pausa para ducha e um visual frontal muito bonito da cachoeira. Pena não haver campo suficiente para vê-la por completo.

    Pegamos a margem esquerda como via, e ali mantivemos nosso rumo. Chegamos na Cachoeira da Luva sem demora. Outra queda que surpreendeu por beleza e tamanho. Eu imaginava algo com metade da altura. Ali foi feita outra pausa obrigatória para recreação.

    Júlio, adorador de desafios, e, ciente das grandes possibilidades (muito calor, e época de reprodução) de encontrarmos cobras pelo caminho (coisa que o alegra demais), seguia como o linha de frente. E não tardou.

    - até que enfim - disse com um enorme sorriso no rosto.

    Enrolada sobre uma pedra, bastante exposta, lá estava uma jararaca, imóvel, tomando seu banho de sol.

    Deixamos todos os cuidados de análise por conta de nosso amigo, que é um grande conhecedor desses répteis, e o único com a destreza suficiente para aproximação de uma serpente com peçonha letal ao ser humano.

    Tratava-se de um indivíduo jovem, medindo aproximadamente 90 cm, que não se intimidou com nossa presença. Rastejava lentamente sobre o tronco, sem temor. Apenas beleza. Depois de um longo tempo de admiração sobre um ser tão lindo, deixamos que seguisse seu rumo, para continuarmos o nosso.

    O lado esquerdo seguia sendo nossa via, sem grandes riscos e perigos até chegarmos na "Cachoeira do Quase Morre." Com seus aproximados 8 metros de altura e pouco volume d'água, eu, que ia na frente, desdenhei de sua dificuldade em ser vencida. Apenas mirei na cabeceira, imaginei a via de descida e fui (literalmente)... Escorreguei na pequena lage cheia de limo e fui descendo rápido. Os caras só puderam olhar, sem acreditar, nem fazer nada pra me ajudar. Mas consegui me segurar no vão de uma Pequena agarra da rocha. Me levantei na intenção de voltar pelo mesmo caminho, mas o Júlio vinha deslizando pelo limo e quase me derrubando quando bateu nas canelas finas do rapaz aqui. Segurei ele pelas alças da mochila. Isso foi o suficiente pra ele não despencar. De terceiro veio o Robert, grandalhão e pesado, girando com as pernas pro ar, quase fazendo strike em nós dois. O trecho estava ficando perigoso. Ainda bem que os próximos não deslizaram também! rs Reunidos no patamar do escorregão, só víamos um meio de descer sem correr o risco de morrer.

    Uma rampa bastante inclinada se estendia a nossa esquerda, como que pedindo para sentarmos e deixar a gravidade agir. E assim foi.

    Lucas foi o primeiro a deslizar, sem ter onde segurar, tendo que abrir os braços e tentar colar o peito no chão para frear o embalo. Foi engraçado e tenso ao mesmo tempo. E, como era o único caminho, não teve um que correu o mesmo risco de cair e se estripar nas pedras lá embaixo. O declive irregular da rocha jogava um por um às beiras de um acidente. Dava um cagaço dos grandes, mas o jeito que cada um rolava e era parado, sendo segurado pela mochila, braços ou pernas, rendiam várias gargalhadas.

    Olhamos para trás, fizemos apenas uma foto, e seguimos para topar com mais uma cobra (Jararacuçu) de peçonha letal. Apesar de todo perigo que tal animal pode oferecer, a bonita estava quietinha, enrolada abaixo de galhos e folhagens. Tivemos a paciência de vê-la rastejando pausadamente, nos observando sem temer.

    Duzentos metros a mais de avanço, por vara mato tranquilo, chegamos a mais uma cachoeira. Estávamos famintos. Fizemos uma bela pausa pra forrar o estômago com alguns belisquetes. Depois disso só iríamos parar no desague no POÇO DAS MOÇAS, no encontro com o Rio Quilombo, onde chegamos por volta das treze horas, alterados por latidos de cachorro que, mesmo a gente estando enfiados na mata, sem estar conversando ou fazendo qualquer barulho, percebeu nossa aproximação e já fez a linha de frente para defender seu dono, o folclórico Cazuza )lenda viva de Paranapiacaba) que curtia seu dia de sol nadando pelado (rs). Se vestiu as pressas e veio nos receber amistoso e cheio de conversa. Seu doguinho, chamado Moskito, já abanava o rabo todo feliz por saber que não éramos ameaça para eles.

    Como o sol ardia na cachola, fizemos questão de largar nossas coisas espalhadas pelas lages rochosas e fomos curtir bastante o lugar. Cada um a sua maneira. Júlio, Kalidon e Eu fomos nos balançar e nos lançar com saltos de uma corda amarrada em uma árvore. Diversão garantida como uma brincadeira de criança. Lucas se esticou numa rocha e acabou tirando um cochilo enquanto fazia um Topless para garantir seu bronzeado. Robert preferiu fazer um cafezinho e ficar conversando com Cazuza. E, devido as coincidências da vida, acabaram esticando longa conversa por conhecerem pessoas em comum.

    Ficamos por ali sem pressa nenhuma, como se estivéssemos em uma chácara alugada em uma festa de fim de semana. Vivemos um episódio valiosíssimo ali. Depois de duas horas, quando já havíamos nos divertido, nos alimentados e nos sentindo prontos, nos despedimos de nosso anfitrião e batemos em retirada para continuar nossa jornada, que ainda era longa.

    Da reta da nossa direção pretendida descem inúmeras ramificações de afluentes. Nos coube escolher o mais próximos ao risco traçado sobre o mapa e colocar os as pernas para trabalhar. Mas se passaram coisa de 15 minutos para gente conferir o GPS e ver que estávamos saindo muito da direção almejada. Voltamos para perto do Poço das Moças para escolhermos outra via. Mas, por conta de encanto com o Rio Quilombo, Júlio que já havia se aventurado por aquele Vale, propôs uma subida de 10 minutos a contra fluxo até um lindão Poção. Deixamos as mochilas numa área aberta da mata e seguimos leves. Como moleques de perfireria, decidimos correr pela trilha pra dar um gás a mais, adicionar adrenalina em algo simples, e isso que um espírito alegre faz. Pulando pedras, galhos e troncos, após pular uma moita Robert balançava os braços tentando dizer algo:

    - ããh, ããh, sai... - e me empurrava saltitando e chacoalhando os braços.

    Logo imaginei que fossem abelhas. Mas questionei: que foi, mano??

    - cobra, mano. Sai, sai...

    Dei espaço pra ele se afastar do animal que só ele viu e via.

    - Ali, mano. Olha. Tá ali, debaixo das folhas. Quando você passou pulando por cima dela, ela se assustou e armou um bote. E logo atrás vinha eu. Ela ia dar um bote em um de nós dois, velho! - falava todo apavorado.

    Mas com toda calma estabelecida, até a própria serpente (Jararaca) já tinha desligado o radar de alerta. Ela se manteve tranquila, se detectar perigo vindo de nós, e, logo uma breve sessão de análises, foi rastejando para fora da trilha.

    Seguimos na procurado do tal POÇÃO LINDO que o Júlio falou por mais uns 20 minutos, e nada. Decidimos voltar. Como já passava das 16h20 (até que cedo), os rumores de montar acampamento já soavam leves. E, como não tinha muito o que ser feito a favor de avanço da expedição, às beiras do Afluente em que deixamos as mochilas, começamos a papear a esmo, sem pressa ou pretensão alguma. Lucas e eu vasculhamos todo o entorno procurando as melhores áreas para acampamento possível enquanto os demais foram prosear sobre Rapel na Ponte Sumaré, Quinta Tinder e afins.

    Paramos de frente com um lindo poço de água cristalina, num lindo tom verde que encantava. Esticamos nossas redes por ali mesmo, cada qual tomou seu banho, fez seu rango, conversamos bastante e fomos dormir, encerrando um dia maravilhoso, recheado de aventura, entrosamento, diversão e bem estar do coletivo.

    Sabíamos que o o segundo dia seria bastante diferente. Por isso, decidimos acordar cedo para "recuperar" o espaço de tempo que desfrutamos no primeiro.

    A ideia era acordar perto das 6h, para sairmos às 7h. Mas, no final da madrugada, Robert acordou ofegante demais, desesperado, pedindo ajuda ao Júlio. Pois mal conseguia respirar.

    Às 7h, com todos de pé, e já recolhendo seus pertences, conversávamos sobre a situação do Robert, que, com a garganta quase que totalmente fechada, (com a úvula muito inflamada ("sininho da garganta") estava muito inchada.

    - Vegê, onde seria o último ponto de fuga. Caso eu continue com vocês? - indagou Robert.

    - Exatamente aqui, meu amigo. - respondi

    - está fácil sair daqui? A estrada está muito longe?

    - em 2 duas horas e meia você consegue sair, tranquilo e seguro, mano!

    Alí mesmo ele decidiu abandonar a expedição para buscar cuidados médicos, pois nunca tinha sentido algo parecido com aquilo, e nem não sabia o que estava acontecendo. Foi dormir super bem e acordou super mal. O ruim era que ele estava querendo ir embora sozinho (coisa que não iríamos deixar). Lucas se prontificou a acompanhá-lo, e, numa reviravolta sobre o que seria feito, Júlio sacou uma contraproposta:

    - a gente tenta prosseguir até o Topo da Serra do Quilombo, se ele não estiver bem para continuar, volto com ele, e vocês continuam a expedição. - Todos concordaram.

    Beleza! Com uma hora a mais do planejado, saímos em direção a um dia inteiro de desafio: sairmos da cota 120 e alcançar a cota 900. A recreação teria ficado toda no dia anterior. Aquele dia era um "dia de treinamento." Varar muito mato, escalar cachoeiras e enfrentar as surpresas que a fenda de um afluente iria nos ofertar até o topo da Serra. Nas proximidades acima do Morro da Tapera

    Saímos da cota 120, tranquilos, buscando o melhor caminho para nos alinhar o grupo na canaleta de água do afluente. E não foi difícil. Caminhamos por uns 30 minutos pela cristal que nascia ali mesmo, sobre nossos pés, com vegetação espaçada, fácil de navegar. Quando caímos no primeiro filete de água, era um minúsculo pocinho represando água pura e cristalina. Por ser um dia quente, logo cedo já escorriamos suor. Bebericamos goles e mãos goles, abastecemos nossas garrafas e partimos, galgando metro sobre metro, subindo pedra sobre pedra. Demorando para ganharmos altimetria significativa. De vez enquanto aparecia como obstáculo alguma cachoeirinha de baixo volume d'água, com seus 6 ou 8 metros de altura, que eram vencidas com escaladas. Exceto uma delas, que, todos os caras escalaram pelo meio dela, não senti sentia aqueeela segurança e me enfiei a escalar as rochas da lateral direita. Me lasquei. Foi tão difícil e arriscado quanto pela cachoeira, rs. Logo acima dela encontramos mais uma jararaca e rolada sobre a pedra. Ficamos um longo tempo admirando a beleza do bicho, que pouco se importava com a nossa presença. Aproveitamos a pausa para beliscar alguma coisa e conferir o GPS, que nos marcava pela cota 480. E vimos que, ao chegar na cota 650, as curvas de nível começavam a ficar mais juntas. Quase espremidas. Ou seja, teríamos fortes inclinações logo a frente.

    Não tardou para alcançarmos a cota 600. Ali as pedras já eram maiores, a Escalaminhada ficava mais puxada, com corte do afluente, já sem água, se estreitando cada vez mais. Não deu outra. Ficamos emparedados, sem poder escapar para nenhum dos lados caso não houvesse saída/continuação mais a frente. Pois as paredes que nos cercavam batiam aproximadamente seus 12 metros de altura. Ainda bem que foi possível continuar.

    Quando terminamos de passar por aquela garganta já estávamos pisando na cota 800 e tralalá. Logo chegamos no topo do morro, recheado de tocas, para para descansar, comer e bebericar. Inquietos e sem pressa com o tempo, decidimos subir em uma árvore (que ideia boa), e de lá pudemos avistar o lindo visual da Serra do Morrão, o Riacho da Pedra e sua enorme cachoeira, o vale do Rio Quilombo e sua estrada paralela descendo rumo a Santos. Um Show.

    Na retomada ao objetivo, já no topo da Serra, começamos a enveredar por caminhos que pareciam labirintos. Uma sequência de morrotes e riachos pra todos os lados confundia a direção correta a ser seguida mesmo usando o GPS. Aliás, exatamente naquele ponto, o todos os GPS começaram a entrar em conflito, nos dando direções opostas ao que realmente queríamos. Nos sentimos num verdadeiro triângulo das bermudas. Acabamos por bater em direção ao litoral, andar um curto tempo na circular, até que decidimos mirar somente para o leste, e esquecer um pouco os aparelhos que estavam meio loucos. Foi a melhor decisão a ser tomada. Pois as horas já iriam bater pelas 17, a neblina pairou sobre o topo da Serra, nos cegando levemente. Isso nos obrigou a chegar o quanto antes no Rio pretendido. Depois de alguns sobe e desce sobre os morrotes, com vara mato razoavelmente de ser vencido, caímos numa canaleta de um afluente, e por ele seguimos. Ele foi nossa via de acesso. Pois desaguou exatamente no RIBEIRÃO DOS JERIVÁS. Largo, raso, lindo e pedregoso. Comemoramos com muita alegria, pois já estávamos "a faca e o queijo na mão." Já era hora de procurar área para acampar. Conferimos o GPS para assegurar nossa localização, e, para nossa surpresa, os aparelhos ainda nos mandavam para a direção oposto, a contrafluxo do rio. Ele descia lindo e majestoso rumo ao seu desague no Rio Jurubatuba, e os aparelhos insistiam em nós fazer subir Serra e rio acima. Como já era fim de tarde, decidimos ceder à tecnologia, subir um tanto, pois isso nos ajudaria a tirar tal teima, e, se fosse preciso, iríamos corrigir na manhã seguinte.

    Não subimos muito, como ainda era área de planalto, fácil fácil encontramos um lugar para nossas instalações. Montamos acampamento aí nada com luz do dia, ao lado do rio, e com um bom poço para tirar a sujeira e a Inhaca do suor do corpo. Tivemos outra noite bastante tranquila para descansar a carcaça.

    "E, foi nesse mesmo poço que o Júlio, durante a noite, encontrou alguns girinos excepcionalmente grandes (do tamanho da palma da mão), nadando entre as pedras. Conseguiu capturar 2 com sua panela, analisou, fotografou os devolveu ao rio.

    Pós travessia, o próprio Júlio enviou as imagens para um professor de Biologia da USP, e o mesmo disse se tratar de uma espécie novo, ainda não catalogada. Foi incrível saber isso."

    Na manhã seguinte, assim que recolhemos acampamento, como havíamos matado a charada das direções, tocamos no sentido da água corrente, pois já era mais do que certo que o rio faria uma ou mais curvas acentuadas para esquerda nos colocando para o norte desejado. E assim, para nossa maior satisfação, foi feito.

    Não tardou muito, logo após as duas primeiras viradas o Rio, que era raso e largo, começou a ganhar profundidade. Poços escuros que nos deixavam com a água nos peitos vinham em sequência tornando a caminhada aquático um pouco mais morosa.

    Quando a quantidade dos poções foram diminuindo, vieram as grandes rochas em suas beiradas dando, com pequenas quedas, pressão e desnível ao rio. Lages e mais lages íam se estendendo pelo caminho até que, numa abertura de janela em meio a mata, que vinha fechada sobre o rio a te ali, permitiu visual para outros contrafortes da Serra. Conferimos a localização pelo aparelho GPS e BINGOOO! estávamos há cerca de 150 metros de distância de um dos grandes objetivos daquela expedição: a primeira grande cachoeira do JERIVÁS. Dá cabeceira já é possível avistar o tamanho da bitela. Por ali gastamos um tempo com fotos e vídeos. Analisando, a direita favorecia a descida até a base da queda. E foi por ali que fizemos nossa via de acesso, varando mato, com segurança, agarrando troncos, raízes e cipós.

    Particularmente, fiquei em êxtase/eufórico por conseguir chegar até ali. Num lugar inóspito, completamente selvagem, sem trilhas de acesso. Pois era um lugar onde, até então, eu só almejava e sabia da existência por conta das imagens de satélite. Não se tinha notícias de "exploradores/aventureiros" que por passaram por ali . Não havia resquícios de nada. Lixo, pegadas, cortes de facão, marcações ou itens deixados para trás. Na Web, nem fotos, nem vídeos, nem comentários, muito menos a menção de tal lugar.

    Já lá embaixo, olhando a CACHOEIRA DA BOA CONQUISTA de frente, com seus aproximados 40 metros de altura, a sensação era ainda melhor. Além de grande ela é larga, com água escorrendo por toda sua extensão, formando uma grande cortina branca mergulhada em um poço de água cor de coca cola. Gastamos mais um longo tempo com proveitos no lugar.

    Saímos de lá com duas certezas:

    1 - a próxima cachoeira estava há +ou- 500 metros rio abaixo;

    2 - não iria demorar para cair o céu sobre nossas cabeças. Assim que saímos a neblina já era bastante baixa, mudando o cenário e clima que era de dia quente e céu aberto, para nublado e abafado.

    Para nossa sorte (temporária), os 500 metros não ofereceu dificuldades a serem vencidas. Em pouco tempo chegamos cachoeira seguinte. Mas a neblina mais densa chegou antes, deixando o cenário quase que por completo esbranquiçado, e ambiente mais gélido. Mal dava para ver a cachoeira. Por isso não demoramos por lá. Só o suficiente para registrar a bonita e dar um mergulho, mesmo que no frio.

    No exato momento em que batemos em retirada tivemos uma virada em nossa sorte: começou a chover. Pareceu que a partir dali estávamos entrando numa fase mais avançada do jogo. Pois não avançamos nem 15 metros pós cachoeira, desescalando um montante de pedras empilhadas e soltas, tivemos um acidente.

    Íamos de um a um, com cuidado, mostrando quais pedras estavam mais soltas. Passou o primeiro, passou o segundo, eu vinham de terceiro, Ricardo Tebas o quarto homem, e, por último vinha o Lucas.

    - cuidado, pedra solta. - dizia um.

    -pedra solta aqui, cuidado. - dizia outra.

    Entre o barulha da chuva caindo nas copas das árvores e a conversação entre o grupo, não escutei quando a pedra rolou. Só escutei o grito agonizante de dor. Quando olhei para trás o Lucas estava retirando a mão que havia sido esmagada pela rocha que rolou depois que ele passou. Acredito que era uma rocha que pesava uns 10 kg. Peso suficiente para descolar a unha do dedo mindinho na hora.

    Como sempre andamos com kit de primeiros socorros na mochila, de imediato já saquei o meu e fui cuidar do ferimento do amigo da melhor maneira que eu poderia. Primeiramente limpei o local com soro fisiológico e gaze para depois o isolar com um absorvente feminino (para absorver e estancar o sangue), e fita micropore. Como o nome sugere, eram apenas os primeiros socorros para que ele pudesse procurar cuidados médicos assim que saísse da mata.

    Continuamos nossa expedição, a partir dali sem nenhuma referência de grandes cachoeira lá, pois as imagens de satélite não flagraram mais nenhuma. Sabíamos apenas que o término do JERIVÁS, desaguando no Rio Jurubatuba ainda estava distante, e, que a partir de lá as coisas ficariam ainda mais difíceis.

    Pós acidente, assumi por definitivo a, 4a posição para estar sempre o mais próximo possível do Lucas, e fazendo tudo sem usar o dedo mindinho para ter uma noção (fora a dor) mais aproximada das dificuldades que ele estaria enfrentando.

    Procuramos sempre estar pela margem direito do rio, evitando cruza-lo. Foi vara mato atrás de vara mato. Quando desviamos até o rio, conseguíamos avançar um bom trecho pula de pedra sobre pedra, desescalando pequenas quedas e saltando em poções negros com diâmetros e profundidades consideráveis.

    Obs.: Relato a terminar

    Vgn Vagner
    Vgn Vagner

    Published on 01/10/2023 08:50

    Performed from 07/04/2021 to 07/07/2021

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    1 Comments

    👏🏼👏🏼… muito bom! Parabéns pelo rolê e pelo relato! Bom de ler, bem detalhado e com emoção!

    Vgn Vagner

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    "Histórias são contadas. Mas, quem as fez é quem melhor explica." insta: @vgn_vagner

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