AventureBox
Crie sua conta Entrar Explorar Principal
Alexandre Brandão Freire 11/01/2021 15:53
    10 dias e 9 noites no sul da Chapada Diamantina

    10 dias e 9 noites no sul da Chapada Diamantina

    Diante das inexoráveis belezas do Gerais do Machambongo, o maior do Parque Nacional, ficamos seduzidos pelo rio Una.

    Acampamento Trekking Cânion

    Durante o mês de dezembro de 2020, me dei conta de que eu e a Chapada Diamantina, conhecidos já há algum tempo, merecíamos uma aventura que congregasse alguns desejos. Como pesquisador da História do Garimpo de Mucugê, sempre pensei ser de fundamental importância observar a área sul do parque, a primeira a ser povoada por fazendas de gado, perpassando pelos municípios de Ibicoara, Iramaia, Barra da Estiva, dentre outros. Portanto, a escolha do Gerais do Machambongo não foi atoa; o que em outrora era uma rota de escoamento do gado para os garimpos de Santa Isabel do Paraguassú (Mucugê - BA), seria agora a rota da aventura de 4 pessoas interessadas na região.

    Antes de partir no dia 22 de dezembro de 20202 para a cidade de Mucugê, já tinha consciência de que o trajeto não seria fácil. É que em vários relatos da travessia de Mucugê para o distrito de Cascavel, pertecente a Ibicoara (que foi o que acabamos fazendo, em suma), a trilha simplesmente não existia, e o GPS pouco ajudaria. Certamente, o mapa e a bussóla no cabeçote da mochila foram de fundamental importância para a conclusão da nossa missão.

    No primeiro dia de trilha, partimos da cidade de Mucugê para a estrada de terra ao sul da cidade, a qual dá acesso às cachoeiras das Androinhas (Sete Quedas , Funis), Cardoso e Matinha, a ultima que delimita dentro do Parque Nacional os limites entre o Vale do Rio Mucugê e o Gerais do Machambongo. Mesmo que fossémos atrasar um pouco, optamos por pernoitar na Cachoeira das Andorinhas, para ter um dia mais relaxado de início.

    Já no segundo dia, aí sim partimos em direção à Cachoeira da Matinha, onde também pernoitariamos. A caminhada pela estrada de terra, um pouco longa (cerca de 10km), não apresentou nenhuma dificuldade - tirando o sol de rachar o coco - e em aproximadamente 3 horas chegamos a nosso objetivo. Diante da bela Cachoeira da Matinha, que possui até mesmo uma toca em sua parte mais alta, passamos o restante da tarde tomando banho e curtindo a beleza da que d'água formada pelo rio Mucugê. Aproveitei também, obviamente, para consultar o mapa e a direção em que estava postulado o fim do vale do rio Mucugê e o início do Gerais após o ponto chamado de Forquilha da Serra, onde no século XIX garimpou-se um considerável volume de diamantes, por se tratar de um ponto já avançado do rio Mucugê, próximo à sua nascente.

    Após dois dias relaxando nas Cachoeiras do rio Combucas (Andorinhas) e Mucugê (Matinha), finalmente partimos para a selva brava (rs) e após algumas horas de caminhada por uma trilha mais ou menos marcada, deparano-mos cada vez mais com mato alto e trilha fechada. Após nos batermos durante um bom tempo em um trecho próximo a um afluente do rio Mucugê, decidimos por abandonar a trilha demarcada e cruzar o córrego, com o intuito de encontrar a "trilha" (ou algum rastro) do outro lado do córrego ou mais a frente. Naquele ponto, mesmo que o wikiloc auxiliasse, o contato visual e a orientação da bússola, permitida pelo mapa, foram de fundamental importância para a navegação naquele trecho.

    O trecho era fundamentalmente fechado e de difícil acesso, com a caminhada se prolongando por horas a fio com muita subida em pedras altas para a manutenção do contato visual com o fim do vale do rio Mucugê. Com a andada em matos fechados, vimos algumas cobras que julgamos ser jajaracas se arrastando para longe de onde pisávamos; o cuidado para evitar animais peçonhentos também atrasava a trilha.

    No terceiro dia, não conseguimos chegar ao fim do vale. Optamos por pernoitar na beira de um córrego do rio Mucugê - muito bonito, por sinal - em um areial. Durante a noite, fiquei me perguntando se em algum momento da História alguém já teria também acampado naquele córrego, quem sabe algum grupo de garimpeiros?

    No inicio do quarto dia, acordamos cedo para continuar a epopeia pelo vale do rio Mucugê, onde ainda estávamos. Os outros três trilheiros, naquele momento, estavam um pouco ansiosos para encontrar a região do Gerais do Machambongo, preocupados com a trilha fechada. Mesmo que já tivessmos avançado em boa parte daquele trecho, demoramos cerca de quatro horas para atingir o final do vale do rio Mucugê, andando em meio ao mato alto e subindo em pedras para manter o contato visual com a forquilha da serra que se aproximava. Próximo da nascente do rio, onde tem um rego de garimpo, a trilha abriu-se mais, e foi possível ver alguns totems que também ajudaram-nos a ver que alguém mais também havia passado por ali (risos).

    Na Forquilha da Serra, apesar de ser um trecho curto antes de chegar nos gerais, a trilha estava bem fechada. Optamos por passar rente ao rego de garimpo do fim do rio Mucugê, subindo a forquilha. No alto, pudemos ver o mirante do Gerais, que realmente era de tirar o fôlego (que já não era tanto pelo cansaço). Mesmo com a suavização do terreno e da expectativa de chegar aos Gerais, todos os relatos são verdadeiros: não há trilha. Portanto, as referências visuais e do GPS são as ferramentas de orientação na região.

    Após a Forquilha, deparei-me com a bela serra da Tesoura, onde também havia uma Cachoeira escondida em seus veios. Ficamos com vontade de nos aproximarmos da Cachoeira para pernoitar - seria um atrativo a mais em nossa aventura - entretanto, optamos por continuar a seguir para as proximidades da Toca do Vaqueiro. Bem mais a frente da Serra da Tesoura, em um trecho que seria necessário cruzar o rio Una (ou Riachão) para continuar seguindo pelos gerais, decidimos levantar acampamento.

    Conversa vai, conversa vem, preparando o rango, rindo das dificuldades do caminho, o tempo fechou, e uma enorme cumulonimbus pousou acima de nós. Já não bastasse a dificuldade da trilha, fiquei com medo de estar acampado às margens de um rio caudaloso como o Una, em um região de gerais, e da chuva que estava por vir. Então, colocamos nossas lanternas na cabeça e tocamos o bonde para longe dali. Andamos cerca de três horas, durante a noite, e avistamos uma série de animais como corujas, que me deram, inclusive, um baita susto.

    Acampamos, por fim, às margens de um córrego do rio Una adiante, que ficava há cerca de 4 horas da Toca do Vaqueiro, ou a 6 kilometros segundo o GPS marcou no dia seguinte. Assim findou-se nosso quarto dia, com todos cansados e combalidos de um dia de intensas caminhadas e do susto de uma possível grande chuva no gerais, com possibilidades de tempestade de raios.

    Ao acordar no quinto dia, todos pareciam estar renovados e prontos para finalmente chegar à Toca do Vaqueiro, já bem perto de Campo Alegre, um pequeno povoado de Cascavel. Durante nossa andanda no gerais, em um trecho suave (porém sem trilha ainda), vimos algumas sempre-vivas e também a casca de um tatu, que provavelmente foi atacado por uma onça. Por voltar de meio dia, finalmente chegamos ao nosso destino na Toca do Vaqueiro. O rio Una naquele trecho ganha o nome de Espalhado, pela sua fisionomia local.

    Durante o restante do quinto dia e no sexto dia inteiro, descansamos de verdade, sem peso de ter de se nortear por um imenso gerais sem trilhas, em trechos onde o GPS não funcionava ou alguns obstáculos físicos postulavam-se diante de nós. Do outro lado da Toca do Vaqueiro, há uma toca a estilo de toca de garimpeiros, a qual imagino ter sido construída primeiro que a do Vaqueiro, que fica abaixo de uma lapa de pedra. A toca, provavelmente a mais bem estruturada do sul do Parque Nacional, conta até mesmo com fogão a lenha na parte externa da toca, com janela e com uma singela "mesa". Na parte de cima do rio, também há uma pequena queda d'água, uma cascatinha, e o rio inteiro é formado por pequenas psicinas, todas ótimas para banho.

    No amanhecer do sétimo dia, continuamos a andar pelos gerais, agora só com uma mochila munida de água e lanches, para visitar a Cachoeira da Fumacinha pela fenda. Ao chegarmos na região da Fumacinha por Cima, um grupo tentou nos avisar dos perigos da fenda, os quais já estava ciente. De ultima hora, decidi descer pela nova fenda que abriram nos ultimos cinco anos, pelo fato da antiga fenda ter problemas de ataques de abelhas. Durante a descida da fenda, nenhuma surpresa; o trecho era extremamente difícil, com espaços de escalaminhada e até mesmo escalada consideravelmente extensos: em alguns trechos até mesmo há cordas para auxiliar na mobilidade. Atualmente, a nova fenda desemboca próximo à Cachoeira do Encontro, no Cânion da Fumacinha, a qual demoramos cerca de 30 minutos para chegar ao poço da Fumacinha. No retorno, achamos a subida mais fácil que a descida, pois durante a descida identificamos trechos onde acidentes fatais eram mais sucetíveis de ocorrer do que na subida.

    Na Fumacinha por cima novamente, tomamos banho no poço que é formado antes da sua primeira queda, e partimos novamente para o Vaqueiro, chegando lá em aproximadamente uma hora e meia. Novamente andando a noite pelo Gerais, percebemos um verdadeiro vale de aranhas na região que vai da Fumacinha para o Vaqueiro. No outro dia, iriamos para nossa aventura final: A Cachoeira do Penedo.

    Portanto, no oitavo dia, partimos por volta das nove da manhã para a Cachoeira do Penedo, com um saco de milho, um pouco de óleo, fogareiro, água e lanternas na mochila. A caminhada para o lado do Rumo, em Itaeté, é formada por uma trilha bem demarcada, que tem alguns perdidos, mas que em geral é bem suave. São cerca de 7 km da toca do Vaqueiro até a boca da trilha do Penedo, que desce por mais aproximadamente 1.2 km. Na boca da fenda do Penedo, mais do mesmo: uma descida forte por debaixo de troncos, raízes e momentos de escorregões bem perigosos. Em determinado momento, a trilha sai da fenda, e segue bem rente a uma escarpa da serra, que é uma região de extremo perigo. Alguns metros depois, a trilha entre novamente em uma fenda, trecho mais curto que logo desemboca no Cânion.

    Naquele dia, já não chovia há alguns dias, e portanto, o Cânion já não tinha tanta água correndo. A caminhada pelo leito do Penedo, rumo a direita para encontrar a Cachoeira, foi bem bonita, apesar de não ter tanta água. Ao avistar a Cachoeira, pouca água descia dela, o que não tirou, em hipótese alguma, a beleza daqueles paredões e da própria Cachoeira, que é formada por várias quedas. Na beira do poço do Penedo, fizemos pipoca, a qual comemos verozmente regado à boa água (de ótima cor, rs). No retorno, ao contrário da Fumacinha, achamos a subida um pouco mais penosa, com muita agarração em raízes e troncos de árvores.

    Ao chegar próximo da entrada da trilha, que já se aproxima do inicio da Serra da Chapadinha, na qual alguns trilheiros optam por seguir até a região da Encantada e findar a trilha no Baixão de Itaeté, identificamos sinal de celular, que possibilitou realizar algumas ligações para avisar que após oito dias continuamos todos vivos e saudáveis (risos). Após três horas, por volta das 19:00, chegamos novamente à toca do Vaqueiro, onde descansaríamos durante a noite do dia oito e durante todo o nono dia.

    No amanhecer do primeiro dia de 2021, partimos cedinho para o povoado de Campo Alegre, com intuito de chegar a Cascavel. No povoado, encontramos uma pequena venda, onde compramos uma bolacha recheada para comer, e por sorte, encontramos carona para Cascavel. No distrito, tudo fechado por conta do feriado de virada do ano. Então, optamos por esperar o Ônibus regular para regressar a Mucugê. Já em Mucugê, optamos por bater um baita Prato Feito oferecido nos quiosques da Praça dos Garimpeiros, felizes pela nossa grande aventura pela Chapada Diamantina.

    2 Comentários
    Bruno Negreiros 12/01/2021 00:10

    Que relato legal!!

    Danilo Fonseca 08/07/2021 11:43

    Muito bom relato! Grande aventura! Como foi a alimentação de vocês Alexandre ?

    Alexandre Brandão Freire

    Alexandre Brandão Freire

    Rox
    48
    Mapa de Aventuras