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A DESCOBERTA DE UM MUNDO DE AVENTURAS

    O excursionismo na década de 80 - Primeiras incursões na Serra do Mar.

    André Deberdt
    25/10/2024 08:37

    Trilha Itatinga - Bertioga, na Serra do Mar, em 1984.

    A década de 1980 foi marcada pela ascensão do rock nacional, por meio do surgimento de uma infinidade de novas bandas como a Blitz, Os Paralamas do Sucesso, Lobão e os Ronaldos, Ultrage a Rigor, Legião Urbana, entre tantas outras. Foi também o período de consolidação das fortes amizades com a turma do bairro.

    Um período intenso, com os hormônios à flor da pele e a descoberta do sexo, drogas e rock’n roll. A atividade noturna era constante, com idas às danceterias que eram moda na capital paulista naquela época (QG, Area, Rose Bombom, Madame Satã, Aeroanta, entre tantas outras), festas e bares, tudo regado a generosas doses de álcool, consumidas antes e durante os eventos. O objetivo principal era a busca por diversão, mulheres e confusão, sendo que este último item era o que mais conseguíamos. Ao mesmo tempo, sempre fomos bastante engajados no movimento ambientalista que ganhava força a partir daquele período (Save the Whales!), além de uma forte vocação para atividades em ambiente natural.

    Viagens para praias (Itanhaém, SP, Ubatuba, SP e Itaipuaçu, RJ), para o interior e serras (Itu, SP e Campos do Jordão, SP) eram frequentes, porém, ainda com foco em atividades como o mergulho livre, banhos de cachoeira e passeios curtos. Também praticávamos atividades como o windsurf e canoagem na represa de Guarapiranga, e pedalávamos muito de bicicleta, nosso principal meio de deslocamento e diversão, quase uma extensão do nosso corpo.

    No início de 1984, ano em que eu completaria 16 anos de idade, minha mãe leu um anúncio no jornal referente a uma excursão ao Pico das Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia, que chamou minha atenção. Fora publicado por uma agência de ecoturismo, atividade ainda pouco conhecida na época, chamada FreeWay.

    Criada por Edgar Werblowsky em 1983, época em que não havia Internet, mapas, GPS e revistas especializadas, a FreeWay foi uma empresa pioneira na criação e no desenvolvimento ecoturismo no Brasil. Para nós, uma porta de entrada para um mundo de aventuras na natureza.

    De imediato acionei meus colegas e ligamos para a agência, mas as vagas estavam esgotadas. Como alternativa, nos ofereceram um passeio de um dia até um local conhecido como Poço das Moças, em meio à Serra do Mar, partindo de Paranapiacaba. Enfim, ... com certeza caminhar na Serra do Mar deveria ser algo bacana também. E topamos na hora.

    Paranapiacaba (do tupi, lugar de onde se vê o mar) é um distrito de Santo André, SP situado no alto das escarpas da Serra do Mar. Foi construída em 1862 para abrigar os ingleses que vieram para implantar as linhas da companhia de trens São Paulo Railway, empresa idealizada pelo Barão de Mauá. Ainda hoje a vila conserva o casario e as estruturas em estilo inglês, além da atmosfera londrina caracterizada pela típica neblina da região.

    Na semana seguinte fomos ao escritório da agência, em um prédio na Av. Paulista, para uma prévia do que seria essa aventura. Na ocasião uma repórter da revista Veja nos entrevistou para uma matéria sobre essa nova atividade que estava surgindo: o turismo de aventura.

    Em um sábado de março de 1984 nos encontramos com o grupo na Estação da Luz, onde pegamos um trem metropolitano até Paranapiacaba, (Em 2001 a CBTM deixou de atender Paranapiacaba, sendo possível apenas ir de trem até a estação de Rio Grande da Serra). De lá iniciamos a descida da serra pela exuberante Mata Atlântica, por uma trilha íngreme e acidentada, passando pela Pedra Lisa, até o Poço das Moças, no vale do rio Cubatão. Depois de passarmos algumas horas nos banhando nas cachoeiras, corredeiras e no grande poço, seguimos rumo à rodovia Piaçaguera, onde um ônibus fez nosso resgate. Uma vez aprendido o caminho das pedras, passamos a realizar este roteiro por conta própria, explorando novas trilhas e locais, com pernoite em barraca ou bivaque.

    Uma das últimas vezes, já em 1986, foi bastante curiosa. Por indicação nossa, o primo do meu colega Fred, resolveu ir com um amigo acampar no Poço das Moças, em um final de semana. Era sábado à tarde, por volta das 14 horas e a turma estava reunida na garagem de casa, pensando no que fazer. De repente, surgiu a ideia estapafúrdia: vamos até o Poço das Moças ver como os dois novatos estão se saindo. Sem hesitar e basicamente apenas com a roupa do corpo, pegamos um ônibus até a Estação da Luz, depois o trem para Paranapiacaba, aonde chegamos no final do dia. Descemos a trilha com apenas uma lanterna, praticamente no escuro, de maneira insana e irresponsável.

    Ao chegarmos próximo ao acampamento dos colegas, nos espalhamos pela mata e passamos a infernizar os dois pobres infelizes por horas, atirando coisas, emitido sons e correndo pelo mato. Lembro de ter tropeçado e caído diversas vezes, mas a brincadeira não podia parar. No auge do desespero dos assustados colegas, resolvemos aparecer para tranquilizá-los. Passado o susto, demos boas risadas e fomos procurar um local para um bivaque improvisado. Na manhã seguinte os dois seguiram para Cubatão e nós subimos a Serra de volta até Paranapiacaba. Hoje em dia é assustador pensar em tamanha irresponsabilidade, mas, éramos jovens, destemidos e inconsequentes.

    Ainda fizemos mais duas excursões com a FreeWay para conhecer alguns novos roteiros: uma delas percorrendo o caminho do aqueduto da usina de Itatinga, até Bertioga, SP com direito a carona em um bondinho miniatura; e outra na Serra do Lopo, em Extrema, MG. Depois disso, todas as excursões passaram a ser feitas por nossa própria conta e risco.

    Quem viveu os anos 80 sabe que naquela época equipamento de montanhismo no Brasil era algo inexistente. Mochilas eram feitas de lona grossa e, alguns poucos conseguiam um modelo de nylon com armação externa de alumínio. Bota de caminhada então, nem pensar. Se o pessoal da escalada usava o Kichute com cravos cortados, o sonho de consumo para quem fazia caminhadas era a bota Commander, também da Alpargatas.

    Mochila com estrutura de alumínio externa e sem barrigueira, calça jeans e camiseta de algodão. O sonho de consumo na época era uma bota Commander, da Alpargatas!

    Nos anos finais da década de 80, conhecemos um cara chamado Sergio Beck, montanhista e aventureiro, responsável pela criação de inúmeros roteiros de caminhadas, além de pioneiro na fabricação e comercialização dos primeiros equipamentos técnicos para montanhismo no Brasil, como mochilas, sacos de dormir, lanternas de cabeça e equipamentos de escalada e espeleologia. Também foi autor de livros clássicos como A Aventura de Caminhar, Convite à Aventura, Ratos de Caverna, Com Unhas e Dentes, entre outros.

    Passamos a frequentar a loja que ele mantinha inicialmente no bairro do Itaim e depois no Tatuapé, ocasião em que adquiri minha primeira mochila cargueira com estrutura interna, saco de dormir, lanterna de cabeça entre outros itens. Ele também nos repassava alguns roteiros datilografados para que fizéssemos as devidas correções e atualizações, boa parte deles por trilhas na Serra da Mantiqueira, como a travessia de Pindamonhangaba até Campos do Jordão e o Alto do Campestre (Pedra Bonita), próximo a São Bento do Sapucaí.

    Inspirado nos conselhos e dicas que ele nos passava e em seus livros, tivemos um aprimoramento significativo em nossas práticas e valores aplicados ao excursionismo e ao montanhismo.

    Travessia de Pindamonhangaba - SP até Campos do Jordão - SP, com a mochila recém comprada do Sérgio Beck (julho de 1988).

    3 Comentários
    Edson Maia 29/10/2024 08:15

    Ótima matéria! Deu para dar algumas risadas, além de lembrar das minhas aventuras de adolescente nesta mesma época, lá no RS. As presepadas da adolescência fizeram parte do aprendizado. kkkk 

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    Divanei Goes de Paula 24/01/2025 10:44

    Essa molecada de hoje nem imagina o que era fazer trilhas/montanhismo nessa época. Hoje eles tem tudo de mão beijada, além de excelentes mapas, a chegada dos gps para trilhas no celular revolucionou o modo como caminhamos hoje. Muitos roteiros que hoje são feitos em 3 ou 4 dias com o auxilio dos gps, antigamente gastaríamos mais de semana e por isso, muitos lugares permaneceram ser ver pés humanos por muito tempo, vales e montanhas , pincipalmente na Serra do mar, permaneceram isolados . 

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    Divanei Goes de Paula 24/01/2025 10:49

    O próprio Sergio Beck, um ícone dos tempos passados não teve a oportunidade de sair do óbvio , explorou tantas coisas, mas ficou limitadíssimo, se comparado com as oportunidades que temos hoje, de olhar o mundo por um mapa de satélite, riscar nosso roteiro  escolhendo os caminhos menos penosos  e simplesmente varar mato durante 5 ou 6 dias até uma montanha selvagem ou um rio isolado no coração de alguma serra, principalmente na Serra do Mar, onde o avanço é algo dificílimo .

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    André Deberdt

    André Deberdt

    Belo Horizonte - MG

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    Biólogo e montanhista filiado ao Centro Excursionista Mineiro.

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