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André Deberdt 12/04/2022 12:34
    PEDRA DO INGÁ E CAATINGA DO SERIDÓ PARAIBANO

    PEDRA DO INGÁ E CAATINGA DO SERIDÓ PARAIBANO

    Sítios arqueológicos, afloramentos rochosos e a beleza peculiar da caatinga do Seridó Paraibano.

    4 x 4 Hiking


    Pedra do Ingá. Sítio arqueológico com curiosas inscrições rupestres.

    Viagens a trabalho muitas vezes nos proporcionam a oportunidade de conhecer locais que dificilmente visitaríamos por conta própria. O Seridó Oriental Paraibano, localizado no Planalto da Borborema, é um deles. Foi em um estudo ambiental para a implantação de um complexo eólico, realizado com meu colega de trabalho e piloto de drone, Roney Costa, que tive oportunidade de me encantar novamente com algumas belas feições da Caatinga, partindo da bem estruturada cidade de Campina Grande, atualmente considerada o “Vale do Silício Brasileiro”.

    Aproveitamos o domingo para uma rápida visita à Pedra do Ingá, um dos mais famosos sítios de arte rupestre brasileira e o primeiro a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1944, ano de criação deste órgão.

    Situado a 38km de Campina Grande, no município de Ingá, este monumento arqueológico, identificado como "itacoatiara" (do Tupi-Guarani: escrita ou desenho na pedra), é caracterizado por um paredão vertical de 50 metros de comprimento por 3 metros de altura, com inúmeras inscrições rupestres entalhadas na rocha, cujos significados ainda são desconhecidos.

    Não se sabe como, por quem ou com que motivações foram feitas as inscrições nas rochas que compõem o sítio arqueológico. Têm sido apontadas diversas teorias, que vão desde origens fenícias até alienígenas. Uma datação em carbono 14, que poderia dar uma ideia da idade das inscrições, é inviável, pois as gravuras foram esculpidas sobre lajes de gnaisse, na várzea do rio Bacamarte, que, no período de maior precipitação, cobre de água todo o conjunto rupestre, sem deixar qualquer vestígio traçável. Mas sem dúvida, um local curioso e belíssimo, diferente de tudo que já vimos até o momento.

    No início da semana foi a vez de conhecer os municípios de São Vicente do Seridó, Pedra Lavrada e Nova Palmeira. O deslocamento foi realizado em uma caminhonete 4x4, o que possibilitou o acesso às áreas mais isoladas, por estradinhas estreitas e esburacadas.

    Após um final atípico do período chuvoso em setembro, a vegetação da caatinga ainda guardava alguns tons de verde, embora não houvesse mais nenhum sinal de água, salvo um ou outro açude ou cacimba, que ainda guardavam um volume residual. O leito do rio Seridó, que corta a região, estava totalmente seco.

    Apesar de um número reduzido de espécies vegetais, a caatinga possui uma beleza peculiar. Sua marca registrada são os espinhos e a “impenetrabilidade”. Por diversas vezes tentei me embrenhar por alguns trechos para explorar melhor o local, porém, sem muito sucesso. Uma barreira formada por cactos, bromélias e arbustos espinhentos, como a jurema-preta (Mimosa tenuiflora), tornavam minha progressão impossível em boa parte dos locais visitados.

    Na encosta de um tabuleiro (chapada) na região de Nova Palmeira, tomamos conhecimento da existência de uma cavidade denominada localmente como “Furna da Onça”. Com a ajuda do drone, traçamos uma rota até a sua possível localização para que, em seguida, eu pudesse me embrenhar na mata arbustiva, na tentativa de alcançá-la. Aproveitando algumas picadas precárias feitas por garimpeiros de quartzo, consegui chegar ao afloramento rochoso, vencido em parte com algumas escalaminhadas e muita aderência. Depois de algumas tentativas e erros encontrei a tal furna (mas não a onça!), caracterizada por uma extensa projeção em rocha com teto baixo, repleta de fezes de mocó (Kerodon rupestris), roedor típico do semiárido. A aventura me custou uma calça de trilha, que ficou bem rasgada ao final, por conta das inevitáveis moitas de espinhos que encontrei pelo caminho.

    A região é pontuada por pequenas serras caracterizadas por afloramentos de gnaisse de cor clara, dentre elas a serra Redonda, serra Branca, serra Verde e serra das Flexas, que se destacam em meio à caatinga arbóreo arbustiva. Em relação à esta última, não é difícil vislumbrar a origem do nome. Nas partes mais altas formadas por lajes de pedra, crescem agrupamentos de uma bromélia típica (Encholirium spectabile) cuja inflorescência se desenvolve na extremidade de um pendão, que, quando seco, parece uma flexa espetada no solo. Vista à distância, as serras da região aparentam ter sido alvejadas por uma enorme quantidade de flexas.

    Muitas dessas serras são exploradas pela mineração, de onde são retirados grandes blocos de rocha para a utilização em pias e acabamentos. Garimpos clandestinos de quartzo branco e rosa também são encontrados aos montes, normalmente nas encostas, em meio à vegetação. Nosso colega Bernardo Carbonari, que incorporou a expedição no terceiro dia, não poupou esforços para coletar algumas belas amostras, com o intuito de presentear o pai, que é geólogo.

    Apesar do isolamento, as marcas da presença humana estão por toda a parte, muitas vezes na forma de casas e propriedades abandonadas, reflexo das condições adversas e limitantes impostas pela seca. Difícil imaginar que alguém possa viver lá durante o período mais seco do ano. Como as cidades da região estão cada vez mais bem estruturadas, o êxodo para as áreas urbanas acaba sendo inevitável.

    A segunda etapa da viagem abrangeu os municípios de Picuí e Baraúna, ao Norte e bem mais antropizados, onde os remanescentes de vegetação típica da caatinga se fazem presentes de forma esparsa e fragmentada, em meio a pastagens e culturas agrícolas temporárias. Trata-se de uma região pontuada por grandes conjuntos de rocha (matacões), alguns deles formando pequenos abrigos, com um ou outro caracterizado como sítio arqueológico, diante de vestígios da ocupação humana pretérita.

    Em um destes, não percebi a presença de urtigas (Cnidoscolus urens) em meio ao capim e esbarrei levemente em uma delas com a perna. A queimação foi imediata e as consequências perduraram por duas semanas, na forma de erupções cutâneas e uma coceira insuportável!

    Ao fim de cada dia de trabalho de campo, e de volta a Campina Grande, buscamos por restaurantes com culinária regional. Para os apreciadores de uma boa carne de sol, a recomendação é o Manoel da Carne de Sol, um dos restaurantes mais tradicionais da cidade e com atendimento feito pelo próprio dono. Mas cuidado com o simpático e solícito garçom, daqueles que são capazes de te vender até um paraquedas rasgado, que insiste em oferecer as iguarias do local, dentre elas, uma apetitosa linguiça com sabor diferenciado, cachaça regional e sobremesas deliciosas, além é claro, da carne de sol preparada ao gosto do freguês. Prepare-se para uma orgia gastronômica!

    Paisagem típica da caatinga com o cacto xique-xique (Xiquexique gounellei) em destaque.

    Pedra do Ingá, misteriosa itacoatiara no leito do rio Bacamarte.

    Feições da caatinga no Seridó Oriental Paraibano.

    Em alguns trechos, praticamente impenetrável.

    Com o final atípico do período chuvoso em setembro, a vegetação da caatinga ainda guardava tons de verde.

    Destaque para o verde do avelós (Euphorbia tirucalli), espécie exótica originária da África, introduzida na região.

    Ainda assim, a seca se fazia presente. Na foto, o leito seco do rio Seridó, que corta a região.

    Além de evidências de que a sobrevivência no semiárido não é algo fácil.

    Estradinhas de terra que cortam a caatinga, algumas delas transitáveis apenas com veículo 4x4.

    Muitos afloramentos rochosos e pequenas serras na região ocupada pelos municípios de São Vicente do Seridó, Pedra Lavrada e Nova Palmeira.

    Serras de gnaisse recobrem boa parte da paisagem.

    Os pendões florais secos de uma espécie de bromélia (Encholirium spectabile) dão a ideia de que as serras foram alvejadas por centenas de flexas.

    Mineração e o garimpo ilegal são presença constante na região.

    E uma infinidade de casas abandonadas atestam o êxodo para as áreas urbanas mais bem estruturadas.

    Por vezes a flora se faz presente de forma marcante, como no caso do mulungu (Erythrina velutina).

    Ou da alamanda (Allamanda blanchetii), também utilizada como planta ornamental.

    No município de Nova Palmeira surgem alguns tabuleiros (chapadas ou mesas), aonde fomos em busca de cavidades naturais.

    Com a ajuda de um drone e uma incursão encosta acima, foi possível localizar a Furna da Onça, onde encontrei apenas bromélias e mocós (Kerodon rupestris).

    O drone foi uma ferramenta importante no trabalho de campo, utilizado no mapeamento de pontos específicos na região.

    Mais ao Norte, a presença humana se torna marcante, com propriedades rurais cercadas.

    Os trechos com vegetação natural são mais fragmentados, porém, ainda mantém sua beleza peculiar.

    Grandes blocos de rocha (matacões) são encontrados na região de Picuí, alguns deles com abrigos e sítios arqueológicos.

    Abrigo formado por grandes blocos de rocha empilhada, conhecido como Pedreira dos Índios.

    Sítio arqueológico Abrigo do Minador, com algumas pinturas rupestres já bastante esmaecidas.

    Local repleto de urtigas (Cnidoscolus urens), nas quais um esbarrão desatento pode ter consequências dolorosas.

    Caatinga na região de Picuí.

    Moe, Larry e Curly no Seridó Paraibano.

    Região percorrida no Seridó paraibano, a partir de Campina Grande - PB.

    André Deberdt
    André Deberdt

    Published on 12/04/2022 12:34

    Performed from 11/19/2022 to 11/24/2022

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    1 Comments
    Emerson Fernandes 05/18/2023 11:55

    Belíssima expedição!

    1
    André Deberdt

    André Deberdt

    Belo Horizonte - MG

    Rox
    735

    Biólogo e montanhista filiado ao Centro Excursionista Mineiro.

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