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PICHADORES DE TRILHAS DE LONGO CURSO?

    Ponto de vista em relação à sinalização rústica adotada em trilhas

    André Deberdt
    06/04/2024 07:36

    Sinalização rústica em um trecho da trilha de longo curso Transespinhaço, no Parque Nacional da Serra do Cipó.

    Não posso negar que na primeira vez que realizei a travessia das Sete Quedas, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, fiquei bastante incomodado com a quantidade de setas laranja pintadas ao longo da trilha, que, de certa forma, quebravam um pouco o encanto daquela bela paisagem natural em meio ao cerrado e aos campos rupestres do Planalto Central. Isso foi em julho de 2015, quando ainda pouco se falava sobre trilhas de longo curso no Brasil. Naquela época, apesar da Transcarioca já existir, outras trilhas como a Transmantiqueira e a Transespinhaço não passavam de uma ideia, ou nem isso.

    Foi também em 2015 que passei a trabalhar na implantação da travessia Alto Palácio - Serra dos Alves, no Parque Nacional da Serra do Cipó, que viria fazer parte da Transespinhaço a partir de meados de 2018. Nas primeiras etapas da sua implantação, minha posição ainda era radicalmente contra a sinalização rústica. Macular as belas paisagens da Serra do Cipó com setas pintadas? Jamais!

    Para marcar o traçado inicial desta travessia, adotamos estacas finas de madeira com a extremidade pintada de amarelo, dispostas em pontos específicos, de maneira a indicar o rumo a ser tomado. Na medida em que a trilha ia ficando nítida no solo, as estacas eram retiradas ou transferidas para outros trechos. Este procedimento foi fundamental para orientar os primeiros usuários e evitar a abertura de atalhos e trilhas secundárias em uma região altamente suscetível ao desencadeamento de processos erosivos. Mas, na medida em que cada vez mais pessoas se interessavam em realizar a travessia, a necessidade de adoção de um sistema de sinalização passou a ser uma prioridade.

    Realizamos diversas oficinas para a definição de uma proposta viável de sinalização, diante das limitações de recursos financeiros, de mão de obra e das dificuldades logísticas impostas pelo relevo da região. Ao final, a sinalização feita por meio de setas pintadas, foi aceita como a solução mais adequada, ainda que, com ressalvas.

    Em um curto espaço de tempo, houve uma rápida evolução no entendimento da praticidade e da importância da sinalização rústica, não apenas nas trilhas de longo curso, mas também em trilhas menores, principalmente nas unidades de conservação. Isso se deu graças ao esforço de pessoas envolvidas com iniciativas pioneiras na sua implantação, que se dispuseram a promover a prática desse tipo de sinalização nos quatro cantos do país, em um movimento crescente que vira a culminar na Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso.

    Assim como eu, muitas pessoas que, a princípio, eram contrárias à sinalização rústica, passaram a ser entusiastas da prática, desde que, é claro, realizada dentro de critérios mínimos que levem em consideração a menor interferência possível na paisagem. Ainda assim, são frequentes acusações de pichação e críticas negativas, normalmente feitas por aqueles que não tiveram a oportunidade ou não se interessaram em compreender o valor desta técnica, diante da popularização crescente das práticas de aventura em ambiente natural.

    O desejo da maioria dos montanhistas é caminhar por regiões quase intocadas ou onde a interferência humana nas trilhas seja mínima. Entretanto, na medida em que o roteiro passa a ser conhecido e frequentado por um número crescente de pessoas, a sinalização torna-se necessária, não apenas para indicar o caminho correto, como também uma forma de mitigar impactos negativos decorrentes da abertura de atalhos e trilhas secundárias, especialmente em áreas mais suscetíveis a processos erosivos. Diante do poder das mídias sociais, acreditar que estes locais permanecerão intocados por muito tempo, à disposição apenas daqueles que os desbravaram, é uma ingenuidade.

    Na maioria dos casos, quando uma sinalização adequada não é adotada, o próprio usuário se encarrega de sinalizar a trilha, quase sempre de maneira precária e imprecisa, que, inevitavelmente acaba resultando em uma profusão de totens de pedra, fitas plásticas e até pichações.

    Porém, o excesso de sinalização também deve ser visto como algo negativo, ao poluir visualmente o local. Em trilhas cênicas como a Transespinhaço, onde predominam áreas abertas, a sinalização deve ser adotada com parcimônia, de forma a servir ao caminhante, não apenas como um elemento disruptivo em meio a uma bela paisagem. Assim, é fundamental levar em consideração o nível de interferência da sinalização em um determinado local e avaliar corretamente onde ela realmente se faz necessária. Para tanto, um mínimo de planejamento prévio é desejável.

    A sinalização é um componente fundamental em qualquer trilha de longo curso, não apenas para transmitir aos usuários informações sobre o sentido preferencial e mudanças de direção ao longo do percurso, mas, principalmente, por conferir uma identidade à trilha. E não se trata de uma ideia nova. A utilização de marcas pintadas, na forma de barras, símbolos ou setas já vem sendo adotada em outros países há muito tempo. Nosso grande mérito foi a padronização de um sistema original, simples e autoexplicativo de sinalização, na forma de pegadas pretas ou amarelas inseridas dentro de uma seta, conforme detalhado no Manual de Sinalização de Trilhas do ICMBio.

    Também é importante destacar que a sinalização rústica não é definitiva, uma vez que a durabilidade da pintura exposta a intempéries no ambiente natural é limitada, exigindo revisões frequentes. O desgaste prematuro da sinalização, que foi visto inicialmente como um problema, também pode ser entendido como algo positivo, na medida em que obriga o mantenedor da trilha a ter um controle maior sobre ela, especialmente no que diz respeito às necessidades de manutenções periódicas, não apenas da sinalização, mas em ações como o controle de processos erosivos, correções no traçado, entre outras.

    Correção do traçado em um trecho da travessia Alto Palácio - Serra dos Alves, no Parque Nacional da Serra do Cipó.

    Com cada vez mais gente caminhando em ambiente natural, o manejo da trilha passa a ser uma necessidade. Podemos fazer uma analogia com os “metais ou ânodos de sacrifício”, utilizados em estruturas submetidas a ambientes oxidantes (e.g. pontes e navios em ambiente litorâneo), com o objetivo de serem oxidados em seu lugar. Uma trilha consolidada passa a exercer a mesma função, na medida e que concentra o impacto da visitação em um único trecho, impedindo que se disperse pelas áreas preservadas do entorno. Neste sentido, a sinalização passa a ser uma ferramenta fundamental para que isto se mantenha.

    Todo esse trabalho feito por voluntários não deixa de ser um processo de aprendizado colaborativo, sujeito a erros e acertos. Por este motivo, toda crítica é sempre bem-vinda, desde que fundamentada em critérios lógicos, tendo em vista que as principais funções da sinalização rústica estão consolidadas: orientação, pertencimento e conservação do ambiente natural.

    A maior parte das trilhas de longo curso no Brasil partem de um projeto coletivo, com governança na forma de uma rede horizontal de cooperação, conduzido por pessoas motivadas pelos mesmos ideais e objetivos. A força e a beleza do movimento podem ser facilmente percebidas nos seminários de planejamento e nos mutirões de sinalização, onde montanhistas, condutores, chefes e funcionários de unidades de conservação, membros de ongs e demais representantes dos mais diversos setores da sociedade atuam, de igual para igual, indistintamente, em prol de um interesse comum. Apoie e faça parte dessa iniciativa!

    Simplesmente criticar não ajuda em nada. O trabalho voluntário exige esforço e dedicação, em troca de um mínimo de satisfação.

    Adaptado do artigo publicado originalmente no site O Eco em 23/03/2021.

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    André Deberdt

    André Deberdt

    Belo Horizonte - MG

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    Biólogo e montanhista filiado ao Centro Excursionista Mineiro.

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    Renan Cavichi, Peter Tofte y otras 450 personas apoyan el manifiesto.