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PICO CABUGI. UM VULCÃO NO RIO GRANDE DO NORTE
Visita a um dos mais jovens magmatismos continentais do Brasil.
Hiking MountaineeringInício da trilha a partir da BR-304, rumo ao cume do Cabuji, município de Angicos, RN.
Inspirado no relato do Marcelo Lemos, aproveitei o final de semana durante uma viagem de trabalho na Paraíba, para dar uma esticada até o município de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde está localizado o pico Cabugi, reconhecido por muitos como um vulcão inativo e como o registro do mais jovem magmatismo continental do Brasil.
Ao contrário do que muita gente pensa, o pico Cabugi não é propriamente um vulcão, mas sim, um neck subvulcânico, ou seja, o que sobrou do magma solidificado que existia no interior do conduto que ligava a câmara magmática à cratera. O edifício que dava forma ao vulcão foi completamente removido há milhões de anos, pelo soerguimento posterior do terreno e pela denudação resultante de processos erosivos. Portanto, a morfologia original não é mais preservada e os atuais afloramentos do pico Cabugi exibem a estrutura geológica subterrânea do antigo vulcão do Oligoceno (cerca de 20 milhões de anos) [1].
Ao partir por volta das 7h da manhã da cidade de Picuí, situada no Seridó Paraibano Oriental, o Google Maps indicou uma distância de 132 km até o pico Cabugi, a serem percorridos em cerca de 3 horas, o que, de início, me causou certa estranheza em relação ao tempo de viagem necessário para uma distância não tão longa. Mas, após rodados os primeiros 20 km até a cidade de Frei Murtinho, PB, o asfalto terminou e teve início um longo trecho por estradas de chão, o que justificou o tempo adicional para percorrer a distância pretendida. Pelo caminho, além da típica vegetação da Caatinga, uma grande quantidade de parques eólicos, implantados nesta região ao longo dos últimos anos.
Já nas proximidades da cidade de Lajes, o pico Cabugi desponta como um destaque na paisagem, com seus 590 m e formato cônico típico, porém, talvez não o suficiente para ser avistado a partir do litoral Potiguar, e receber a atribuição de ser o verdadeiro Monte Pascoal da época do descobrimento, como afirmam alguns autores [2] .
Deixei o carro estacionado na sede da fazenda Cabugi, onde fui muito bem recebido pela Dona Maria, esposa do Sr. Heleno Moraes, dono da propriedade. Anteriormente, o acesso costumava ser feito a partir da propriedade vizinha do Sr. Luís, que agora está fechada, depois que ele e sua esposa faleceram em decorrência da COVID-19.
Iniciei a caminhada por volta das 10 horas, horário já não muito adequado devido ao Sol forte e calor intenso. Para chegar ao início da trilha, em outra propriedade particular vizinha, tive que caminhar por cerca de 300 metros pela rodovia BR-304, passando em seguida pela lateral de uma cerca de arame farpado, junto à uma porteira de madeira caindo aos pedaços.
Os primeiros 500 m de trilha, um tanto erodida, cruzam a vegetação de caatinga, passando por mais uma cerca e, em seguida, subindo paralela à adutora, até uma grande caixa d’água, de onde se tem uma bela vista da região. Deste ponto, são mais cerca de 350 m de subida até uma pequena sombra sob uma arvoreta, onde tem início a encosta formada por rochas de basalto alcalino (olivina), que caracterizam o neck subvulcânico. Segundo contou Dona Maria, o grande "JA" existente neste local e visível até no Google Earth, foi pintado no passado pelo seu marido e um dos proprietários da região, Sr. Heleno, que hoje padece do mal de Alzheimer, em homenagem a José Agripino, ex governador do Rio Grande do Norte, de quem era entusiasta.
O ataque ao cume é feito em meio aos blocos de rocha soltos, por um caminho menos pronunciado, porém, marcado por setas brancas e trechos evidenciados pelo pisoteio dos visitantes. O calor é atenuado pelo vento que sopra na encosta exposta do pico, o que ajuda na ascensão. A partir de uma linha de postes feitos com trilhos de trem, a subida passa a ser mais direta, até uma capoeira com uma pequena área sombreada, adequada para uma breve pausa para recuperar o fôlego e apreciar a paisagem. O trecho final, formado por uma trilha de rochas menores e bem marcada, contorna toda a face sul do pico e nos leva ao cume.
Percorri os 3 km da subida sem pressa, com uma breve pausa para contemplar a paisagem, em cerca de 1 hora e 20 minutos, sem maior dificuldade. O maior desgaste ficou por conta do forte calor, especialmente no trecho inicial da subida até o colo ou platô, onde começam os blocos de rocha basáltica.
O cume propriamente dito é bastante degradado por fogueiras, lixo e pixações, com uma área pequena formada por pequenos trechos de solo exposto, onde as pessoas costumam acampar, e blocos de rocha empilhada. Mas nos proporciona uma ampla vista de toda a região, com a porção sul praticamente toda tomada por parques eólicos. Em agosto, a caatinga ainda guardava um pouco do verde característico do final do período das chuvas, que normalmente vai de fevereiro a julho.
A descida foi mais rápida, apesar do cuidado necessário no trecho formado pelas rochas de basalto soltas, onde alguns mocós (Kerodon rupestris) fugiam apressados para se esconder nas muitas locas que lhes servem de abrigo. Os últimos 500m de trilha, em meio à caatinga e sob o Sol do meio-dia, me proporcionou a sensação de ser cozido em um micro-ondas. Mas, apesar do forte calor, foi sem dúvida, uma oportunidade única para conhecer melhor alguns aspectos curiosos da história geológica do Nordeste e do Brasil!
[1] MOTOKI, A. et al. Neck subvulcânico de Pico do Cabugi, RN, e origem do seu relevo. Rem: Revista Escola de Minas, v. 65, p. 195-206, 2012. https://www.scielo.br/j/rem/a/DzWjJGzpVdFSz6wRM7s5ncy/?format=pdf&lang=en
Início da subida, em meio à caatinga e ao sol forte da manhã.
Aos poucos vão surgindo os primeiros blocos de rocha basáltica.
A trilha termina em um platô, onde tem início o trecho formado por blocos de rocha vulcânica que caracterizam o neck subvulcânico do Cabuji.
Boa parte do caminho é marcado com setas brancas. Em alguns trechos há um rastro mais claro formado pelo pisoteio frequente dos visitantes.
Apesar do vento que atenua o calor, esse trecho exige boa disposição e certo cuidado com as rochas soltas.
Formações em "crosta-pão", resultantes do resfriamento das rochas vulcânicas.
Uma breve parada sob uma sombra no trecho final da ascensão nos proporciona uma bela vista da região.
Em seguida, uma trilha mais batida contorna toda a face sul e nos leva ao cume sem maior dificuldade.
Ao longo de todo o trecho de rocha, a floração da Chresta pacourinoides se faz presente.
O cume do Cabugi (590m), já um tanto degradado pela intensa visitação.
A foto oficial para o Centro Excursionista Mineiro - CEM, não podia faltar.
Uma bela vista de toda a região, já bastante tomada por uma grande quantidade de parques eólicos.
Relato riquíssimo!! PARABÉNS..
Obrigado, Marcelo. É realmente um lugar que aguça a nossa curiosidade.
Grande André. Agora a situação se inverteu e estou aqui comentando no seu relato. Muito obrigado pela citação. Que bom que meu relato ajudou na sua decisão. E muito boa explicação técnica sobre a classificação geológica do Cabugi. Tenho muitas saudades daquele local. É diferente. Um grande abraço.
Pois é, Marcelo. Agora o desafio é conhecer alguns vulcões africanos que você visitou, cujos relatos também são inspiradores!
Como sempre, um excelente relato André.
Muito bom!!