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André Deberdt 14/06/2021 19:32 com 2 participantes
    TRAVESSIA BAEPENDI - AIURUOCA

    TRAVESSIA BAEPENDI - AIURUOCA

    Travessia de quatro dias, de Baependi até Aiuruoca, pelo Parque Estadual da Serra do Papagaio

    Trekking

    O Parque Estadual da Serra do Papagaio, palco da travessia Baependi – Aiuruoca que realizamos, está inserido na Serra da Mantiqueira, onde se localizam alguns dos pontos mais altos da região Sudeste do Brasil. Encontra-se dentro da Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira e é vizinho do Parque Nacional do Itatiaia.

    A travessia fez parte da programação oficial do Centro Excursionista Mineiro - CEM, definida no final do ano passado pela diretoria. As dez vagas abertas foram logo preenchidas, com uma desistência na semana anterior à sua realização. Do grupo formado por nove participantes, nenhum havia realizado a travessia até então, o que exigiu um planejamento prévio para a definição do roteiro a ser seguido: Aiuruoca – Baependi? Baependi – Aiuruoca? Dois ou três pernoites? Relatos disponibilizados na Internet e roteiros do site Wikiloc, como sempre, ajudaram bastante.

    Para o deslocamento até o ponto inicial da travessia e o resgate no final, contratamos uma van confortável e por um preço bem convidativo. Partimos às 4 horas da manhã do terminal JK, rumo ao Bairro Vargem da Lage, em Baependi, onde teve início a nossa caminhada.

    Dia 1: Bairro Vargem da Lage (Baependi) até o abrigo na Serra da Careta

    A caminhada teve início às 11h e 50min em um eucaliptal nos limites do Bairro Vargem da Lage, situado cerca de 40km do centro de Baependi. Ao final do eucaliptal chegamos a uma porteira, onde começa a “Trilha do Nenzo”, beirando a cerca à direita, que leva ao Pico do Chapéu ou Pico da Careta (2.080m). Trata-se de um trecho praticamente todo em ascensão (desnível de 1.000m em 4km), passando por uma agradável mata em regeneração, até uma forte rampa erodida e bastante íngreme, que exigiu muito esforço do grupo com as cargueiras pesadas, especialmente a do Raí, com uma enorme mochila com mais de 20kg de badulaques, culinária, vinho e modelitos para cada ocasião. Os xingamentos direcionados aos demais colegas foram um capítulo hilário à parte, muitos impublicáveis!

    Fizemos uma parada na bifurcação para o Pico do Chapéu onde existe um ponto de água em uma mata. Após o lanche, parte do grupo subiu o pico de onde se tem uma visão 360 graus de toda a região. Com a chuva se aproximando retomamos a caminhada, agora pela crista das montanhas, passando por alguns vales ocupados por belos remanescentes de Matas de Araucária. Em um determinado momento uma forte cerração nos alcançou, o que exigiu maior atenção do grupo, pois a travessia é cheia de bifurcações.

    Chegamos ao local do primeiro pernoite (Rancho do Salvador) por volta das 18 horas, após 13 km de uma árdua caminhada, que surpreendeu a todos, dando a entender que a travessia não seria tão “moderada” quanto havíamos pensado. No local já havia uma barraca armada pelo simpático casal Robson e Lígia. A casa que deveria servir de apoio para a travessia foi toda ocupada por três rapazes um tanto destituídos de senso coletivo e boa educação, tornando impossível sua utilização. Sendo assim, optamos por preparar nosso jantar em uma laje de pedra próxima às barracas, o que não deixou de ser deveras aprazível. Cercados de bons amigos, qualquer lugar se torna extremamente agradável e divertido!

    Dia 2: Rancho do Salvador até o Santo Daime

    O segundo dia começou com um belo amanhecer e tempo ensolarado. Tomamos o café-da-manhã sem pressa, uma vez que foi consenso no grupo que o momento das refeições deveria ser bem desfrutado na travessia. E assim foi: praticamente uma orgia, com fartura de secos, molhados e filosofia de boteco. Destaque para os dotes culinários do Eustáquio, que já foi elevado à categoria de chef oficial nas próximas travessias.

    Deixamos o acampamento às 9h rumo à Cachoeira do Juju, localizada nos limites do Parque, aonde chegamos depois de aproximadamente uma hora de caminhada. Um poço de águas transparentes com borda infinita torna o local irresistível para um banho e foi o que fizemos. A cachoeira é um dos principais atrativos turísticos da região e, felizmente, foi apenas nossa quando estivemos por lá.

    Uma vez refrescados, retomamos nosso caminho pela trilha principal que dá acesso à cachoeira, com o intuito de ganharmos altura com menor esforço, contornando a primeira grande montanha do dia a ser galgada. Uma outra opção (a correta) teria sido pegar uma trilha menor à direita, ainda na cachoeira do Juju, que sobe direto até a crista, encurtando o caminho. Munidos de um tracklog impreciso, acabamos perdendo um tempo precioso na tentativa de retomar a trilha certa. No final acertamos o rumo e seguimos sem maiores problemas.

    O segundo dia é o mais pesado da caminhada. São cerca de 18km alternando topo de morros e vales. A paisagem já bastante alterada pelo homem, onde predominam campos de gramíneas fustigados pelo gado e pelo fogo, entremeados pelos fragmentos remanescentes de matas que outrora ocupavam toda a região, formam um belo mosaico, alternando tons variados de verde com o dourado do capim. O que também chama a atenção são os capões de Mata de Araucária no fundo dos vales, formando um cenário bem diferente do que estamos acostumados a ver no restante de Minas Gerais. Adentrar nas matas com diferentes estágios de regeneração, umas mais recentes, com árvores menores e outras mais maduras, com troncos grossos, repletos de bromélias, orquídeas e outras “epifitáceas”, também é uma experiência única. Não há como não se encantar com as florações multicoloridas e a atmosfera única das matas nebulares, que ocorrem no alto das montanhas e são as principais responsáveis pela manutenção do equilíbrio hídrico na região.

    No meio da tarde, depois de cinco horas de caminhada, mais um desafio: cruzar o Rio do Charco, próximo à cachoeira de mesmo nome. Inicialmente inspecionamos os diferentes pontos de travessia, a jusante e a montante da cachoeira, na esperança e encontrar um local mais raso e fácil de atravessar. Mas, conforme descrito nos relatos de travessias anteriores, o único jeito foi encarar a água gelada até a cintura (e o peito de outros) e formar uma fila indiana para passar as mochilas. “Explicavelmente”, os maiores protestos foram na hora de passar a mochila do Raí, que exigiu um esforço sobre-humano do grupo. Superada a travessia do rio e a dor genital, por parte do público masculino, mais sobe e desce por vales e morros.

    Quase chegando ao local de acampamento, fomos pegos por uma pancada de chuva que durou menos de meia hora, servindo apenas para nos ensopar e fechar o dia. Nosso segundo pernoite foi realizado na região conhecida por Santo Daime, um amplo e belo descampado formado em solo hidromórfico (antigo brejo) e gramíneas típicas de áreas úmidas, cercado por matas, onde foi fincado um totem, possivelmente utilizado em rituais realizados pela Comunidade da Reserva Matutu.

    Chegamos ao local por volta das 19 horas depois de uma árdua caminhada de 18km em relevo bastante acidentado, realizada em 10 horas. E lá nos encontramos novamente com o casal Robson e Lígia. Montamos as barracas, buscamos água no riacho próximo e iniciamos os preparativos para mais um longo e demorado jantar. No meio da noite, mais algumas pancadas de chuva causaram apreensão em relação ao tempo no dia seguinte.

    Apesar de ser uma região bastante impactada pelo homem, a criação do parque e iniciativas conservacionistas de alguns segmentos da população local parecem surtir efeito positivo sobre a fauna. No caminho para o Santo Daime encontramos pegadas frescas de jaguatirica (Leopardus pardalis) e o Eustáquio avistou um grupo de jaratatacas (Conepatus semistriatus) próximo ao acampamento, no meio da noite. A riqueza de aves, principalmente nas matas, também chama a atenção.

    Dia 3: Santo Daime até o acampamento do Pico do Papagaio

    O terceiro dia começou com muita névoa no Santo Daime, depois de uma noite com chuva. O desjejum e a desmontagem do acampamento foram lentos, já que queríamos esperar a dissipação da névoa para secar um pouco as roupas e as barracas. Aproveitamos a oportunidade para tirar algumas fotos junto ao totem de pedra, que conferiu ao local uma atmosfera céltico-druidística.

    Com tudo arrumado, retomamos a caminhada às 11h. A maior parte da trilha foi toda em subida, por uma belíssima mata nebular, com árvores frondosas, sub-bosque com vegetação exuberante e muitas bromélias floridas. Passamos pelo mirante da cachoeira do André (adorei a homenagem!), ainda encoberta pela neblina e, percorridos 5,5km em mais ou menos 3 horas de caminhada, chegamos ao Retiro dos Pedros, local caracterizado por muros de pedra, onde encontramos novamente nosso casal de colegas de trilha.

    Vislumbramos a possibilidade de pernoitar por lá e aproveitar o restante do dia para explorar a região sem as cargueiras, mas decidimos seguir até o acampamento próximo ao Pico do Papagaio e ganhar tempo para o dia seguinte. Antes disso fizemos um ataque ao cume do Pico da Bandeira (ou Pico do Tamanduá Bandeira), com 2.300m, um dos mais altos da região.

    Ao deixarmos as mochilas na base do pico, fomos abordados pelo representante de um grupo de “alternativos em busca de algo” acampados no local, que, digamos assim, não foi muito receptivo nem simpático. Ao se apresentar como “Texugo”, justamente para o Raí, foi impossível para o Dagó, que estava ao lado, manter a compostura, levando-o de imediato a fazer uma típica careta de inconformado (quem conhece a peça sabe do que estou falando). Sem relações diplomáticas estabelecidas, atendemos ao pedido de manter o silêncio e a compostura para não prejudicar a “busca” daqueles que estavam à procura de algo, e cada um foi para o seu canto. No nosso caso, para o cume do Pico da Bandeira.

    No caminho encontramos mais alguns seres isolados em estado meditativo, dentro do respectivo cercadinho. Passamos em silêncio, dentro do que era possível, considerando que Dagó, Raí e Eustáquio subiam juntos para o pico. No cume uma ampla vista das serranias circunvizinhas e do Pico do Papagaio, nosso destino final. Também foi interessante constatar a existência de javalis, espécie exótica invasora introduzida na região, por meio do solo e da grama revirados no cume.

    Retomamos a trilha e no caminho ainda passamos por algumas formações rupestres conhecidas como Pedra do Tamanduá e Santuário, onde fizemos uma breve parada. O Felipe e a Natália arriscaram umas pequenas escaladas solo nos grandes monolitos que compõem o local, enquanto o restante do grupo fazia um lanche em outra pedra.

    Esse trecho da trilha que vai do Retiro dos Pedros até a Pedra do Papagaio lembra muito a Serra Fina. Passa por campos rupestres e de altitude, boa parte pela crista estreita das montanhas, com alguns trechos de escalaminhada e grandes lajes de pedra. Tudo emoldurado por vastas e belas paisagens com o imponente Pico do Papagaio logo à frente e a cidade de Aiuruoca já visível à esquerda no pé da serra.

    Chegamos ao local de acampamento às 17h e 30min, que não nos entusiasmou à princípio devido à falta de água nas proximidades. Fizemos um reconhecimento rápido da trilha mais à frente para avaliar a possibilidade de acampar mais próximo do Pico do Papagaio, porém, não encontramos nenhum local atrativo e com facilidades hidráulicas. Enchemos nossos recipientes em uma pequena grota na trilha e iniciamos os preparativos para o jantar e para o último pernoite da travessia. No local encontramos com um espanhol e seus dois filhos, que ficaram impressionados com nossa logística culinária.

    Depois do jantar, com o prenúncio de chuva no horizonte, os mais cansados se recolheram às respectivas barracas, enquanto outros mais insones foram bater papo na Pedra Quadrada, grande rocha localizada a 300m do acampamento. Nossa intenção para o dia seguinte era acordar às 5h e ver o Sol nascer no cume do Pico do Papagaio.

    Neste terceiro dia da travessia caminhamos cerca de 13km em 7 horas, incluída a subida ao cume do Pico da Bandeira.

    Dia 4: Pico do Papagaio até o Vale do Matutu, em Aiuruoca

    O quarto e último dia da travessia amanheceu com chuva, frustrando nossos planos de ver o Sol nascer no cume do Pico do Papagaio. O único que acordou cedo foi o Raí que, totalmente ensandecido, saiu saltando de bermuda e Crocs pelos morros no entorno do acampamento. Por volta das 7h e 30min o tempo firmou e decidimos atacar o cume antes do desjejum. Em alguns poucos minutos já estávamos todos a caminho.

    A trilha é bem aberta e bastante utilizada, com uma extensão de 1,5 km, a maior parte em meio à mata. No caminho ainda tivemos a sorte de encontrar um exemplar de sapo-flamenguinho (Melanophryniscus moreirae), espécie endêmica que só ocorre nessa região da Serra da Mantiqueira e símbolo do Parque Nacional do Itatiaia.

    Em meia hora de caminhada alcançamos o cume. Com as nuvens altas foi possível ter uma boa visão de todo o entorno, bem como de parte do caminho que percorremos no dia anterior. Permanecemos no local por cerca de meia hora e iniciamos a descida. Afinal, ainda tínhamos que tomar o café-da-manhã, desmontar o acampamento e descer 7 km de trilha até a Igrejinha de Nossa Sra. das Dores, no Vale do Matutu, distrito de Aiuruoca, nosso ponto de encontro com o Dadá (motorista da van).

    Um rápido parênteses para uma explicação de cunho cultural: embora o Códice de Costa Matoso afirme que Ayuruoca quer dizer “casa de papagaios, aludindo a um penhasco redondo e elevado em que os papagaios faziam morada, parece ter sido dos índios Ayuruãs, primeiros habitantes da região, de onde surgiu o nome da cidade Ayuruoca, que significa terra de Ayuruãs.

    Pouco antes de partimos ainda tivemos tempo de nos despedir do casal Ligia e Robson que pernoitou no Retiro dos Pedro, ao som de tambores e gritos do grupo que buscava alguma coisa (?) e com promessas de travessias na Serra da Canastra, região de domicilio dos nossos novos colegas.

    A descida até o Vale do Matutu passa por matas, rios e diversas cachoeiras. Começa com um declive mais suave na base da Pedra do Papagaio, seguido de trechos cada vez mais íngremes na medida em que avançamos. O horário combinado com o Dadá foi ao meio-dia e já estávamos atrasados. Para piorar, começou a chover no trecho mais inclinado e escorregadio da trilha, já em sua etapa final, próximo a uma criação de trutas. Os escorregões e tombos foram inevitáveis.

    Chegamos ao ponto de encontro com mais de uma hora de atraso, porém, são e salvos. Trocamos de roupa embarcamos na van e tomamos o rumo para BH, com paradas em Aiuruoca para comprar queijo de Alagoa e na estrada (Venda do Chico) para um lanche. Chegamos ao terminal JK por volta das 21h, de onde cada um seguiu para o respectivo lar.

    Mais uma fantástica prancheta de Carnaval concluída com sucesso! Viva o CEM!

    André Deberdt
    André Deberdt

    Publicado em 14/06/2021 19:32

    Realizada de 10/02/2018 até 13/02/2018

    2 Participantes

    Giselle Melo CEM

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    André Deberdt

    André Deberdt

    Belo Horizonte - MG

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    Biólogo e montanhista filiado ao Centro Excursionista Mineiro.

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