AventureBox

O que aprendi durante a caminhada.

    Onde o ar livre e o ar condicionado se misturam.

    Alguns amigos, e colegas, que acompanham minhas caminhadas por este mundão, sempre me estimularam a escrever sobre as experiências. Contar as histórias que, para alguns, era interessante.

    Bom, foram alguns os estímulos, que decidi escrever algo. Mesmo assim, entre início dos primeiros rascunhos até a publicação, foram mais de 3 anos. Peço desculpas se meu texto não conseguir fazer as conexões que me proponho ou mesmo não conseguir atingir o objetivo de mostrar o tão íntimo que são os dois mundos, pessoal e profissional, e quanto cada um deles tem a ensinar ao outro.

    Inicialmente, me permitam fazer um breve resumo de como cheguei até aqui e porque estes dois mundos foram se entrelaçando em minha vida.

    Meus Alicerces

    Desde muito jovem tive incentivo para o convívio ao ar livre. Também, o incentivo para trabalhar. Quando completei 10 anos entrei no Movimento Escoteiro. Já trabalhava entregando jornais no contraturno da escola. Sim, meu primeiro trabalho foi de entregador de jornal.

    Óbvio que eu não gostava. Preferia sair para andar de bicicleta e jogar bola. Trabalhar foi uma alternativa dada pelo Meu Pai para comprar meus equipamentos de campismo. Os primeiros dias foram horríveis, começava a chorar perto da hora de ir trabalhar. Chorar de soluçar. Minha Mãe se encarregava de me acalmar, tranquilizar e estimular a seguir em frente. Logo nos primeiros dias, fiz algo muito ruim. Joguei uma pilha de jornais fora, com intuito de voltar logo para casa. Não deu outra, alguém achou a pilha de jornais e levou de volta para a gráfica. No outro dia, meu Pai chegou em casa ao meio-dia e disse: "o Pedro lá do jornal quer conversar com a gente." Eu sabia o que era e, por isso, tremia da cabeça aos pés. A pilha de jornais sujos, estava em cima da mesa dele. O gerente, o Pedro, e meu Pai, eram amigos, e só por este motivo não fui “demitido” na primeira semana de trabalho. Por uma justa causa, aliás. Ganhei uma segunda chance e, de brinde, uma enorme lição. Passada algumas semanas a coisa engrenou, já não era tão sofrido. Logo descobri que chegando mais cedo no parque gráfico do Jornal O Celeiro, para ajudar na montagem e dobra dos exemplares, ganhava alguns avulsos para vender. Então saia pra rua com os exemplares de assinantes e alguns avulsos, pra vender. Foi minha primeira experiência ganhando meu próprio dinheirinho, parte para colocar na poupança e outra parte para comprar lanche na escola. Outro benefício foi perder peso. Já naquele tempo a balança não era muito amigável comigo, então, caminhando para entregar os jornais, consegui perder peso. O bullying na escola também diminuiu.

    Curiosamente, o destino me colocaria muitos anos depois numa empresa onde, dentro do seu portfólio, tem títulos de jornais. Ir ao parque gráfico e sentir o cheiro do papel e da tinta me remete aos 10 anos, instantaneamente.

    No Movimento Escoteiro permaneci até os 19 anos, onde, ao final, estava contribuindo como líder de um grupo de jovens. Já nesta época, pela manhã, trabalhava com o meu Pai no escritório de contabilidade, à tarde, fazia estágio no Banco do Brasil e a noite estudava. Três turnos. No final de semana, a dedicação era ao grupo de jovens escoteiros.

    Quando me dou conta de onde estou e como cheguei até aqui, olho pelo retrovisor e me orgulho do caminho que percorri. Teve altos e baixos, momentos magros e gordos, mas valeu a pena. Agradeço eternamente ao Meu Pai por ter me colocado naquele trabalho de entregador de jornais, mesmo, na época, odiando ter que fazer. Fez, e faz, muito sentido. Agradeço a Minha Mãe, que sempre esteve ao meu lado, compreendendo as situações por outro ângulo, me apoiando e acolhendo, naquele colo que só as Mães têm.

    Escolhas

    Aprendi muito enquanto líder escoteiro, e acredito que minha formação em gestão e liderança tenha começado aí. Também fui líder de classe escolar e gostava de representar os colegas com a direção. Também estive algumas vezes na direção, por outros motivos, não tão legais. O bullying as vezes me deixava furioso e acabava revidando. Voltando ao tema liderança. Não sei se sou um bom líder, sei da minha dedicação e empenho em exercer liderança no meu melhor, na condição que tenho, e buscando condições melhores, para fazer melhor ainda. Desculpa em te parafrasear dessa forma, Cortella, mas acredito muito nisso.

    Em algum momento da carreira, possivelmente todos irão se deparar com uma bifurcação no caminho. Para um lado a carreira de especialista. Para o outro lado a carreira de liderança. É uma escolha que precisa ser bem pensada. A minha acho que não foi tão bem pensada. Ela foi acontecendo. Não tive ninguém pra me ajudar a refletir sobre essa escolha, porém não tenho dúvidas que a vida me colocou no caminho certo.

    Durante minha carreira, exercendo um dos papéis de líder, convido meu time a refletir sobre as escolhas que estão fazendo ou irão fazer sobre suas carreiras. Minha experiência de mais de 20 anos liderando times, me proporciona falar com conhecimento de causa. Sei bem como é deste lado da mesa.

    Já ouvi de alguns, que ser líder é bom pois ganha mais, não tem horário, não precisa bater ponto, manda, desmanda e outras coisas deste tipo. Acham que é só glamour. Ledo engano. Esquecem de toda a responsabilidade, cobrança, expectativa e exigências que são depositadas nas costas de um líder. É uma “mochila” bem pesada de carregar.

    Mais uma curiosidade. Muito tempo depois, ouvi de uma recrutadora que o voluntariado no Movimento Escoteiro tinha sido decisivo no processo seletivo que participei em 1998, quando iniciei minha carreira no Grupo RBS. Fui contratado!

    Coaching

    Em 2020 passei por um processo de coaching profissional. Oportunidade enriquecedora, a qual agradeço muito ter participado. Me permitam a metáfora, a "caminhada foi dura", mas, ao final, as conquistas foram recompensadoras. Qualquer semelhança, não é mera coincidência. É assim em minhas atividades de trekking também. Por que fiz este link entre coaching e trekking neste momento do texto? Porque foi durante este processo e a partir dos estímulos hábeis da coach, que tomei consciência sobre as conexões entre o mundo ao ar livre (da natureza), e o mundo ao ar condicionado (dos escritórios).

    No momento do estalo, ficou bem óbvio, inclusive, mas nunca havia feito a ligação. Onde o ar livre e o ar condicionado se misturam.

    Foram mais de duas dezenas de encontros, de onde saíram muitas perguntas. Não pense que um processo de coaching vai te entregar respostas prontas. Também não pense que você vai encontrar as respostas facilmente. É um processo cansativo. Acessa partes da sua vida que traz certa dor em refletir sobre elas. Muitas foram as vezes que minha cabeça doía. Bravo, triste, desmotivado, choroso e desorientado. Calmo, feliz, motivado, sorridente e focado. Era uma salada de sentimentos.

    Uma coisa esteve comigo do início ao fim. A vontade de aprender com tudo aquilo e ir até o fim. Eu não sabia o que teria ao fim, qual seria a conquista, quiçá se teria uma, mas seguia caminhando. Ir em frente, sempre.

    Fazer bem aquilo que lhe faz bem

    Sabe quando você está fazendo algo e não vê a hora passar? Quando está mergulhado em algo e não sente cansaço e fome? Quando concluiu o que estava fazendo e não consegue explicar muito bem como tudo aconteceu? Que o prazer por ver o resultado em que chegou paga qualquer esforço? Saberia explicar isso?

    Eu não sabia explicar, mas muito me via, e ainda me vejo, nestas situações. Pode ser por horas a fio trabalhando numa planilha de Excel, cortando a grama, cozinhando ou caminhando por dezenas de quilômetros em meio a um bosque de lengas ao lado de um rio de degelo na Patagônia Chilena. Eu me empenho tanto, me envolvo tanto, que não vejo o tempo passar naquele momento.

    Não sabia explicar, até o dia em que me foi apresentado o Flow. Flow é um termo do inglês, que significa fluir. Ao ser transportado para a teoria de Csikszentmihalyi, o conceito designa o estado de consciência em que a mente e o corpo encontram-se em perfeita harmonia. Isso acontece principalmente durante a realização de atividades que deixam as pessoas felizes e nas quais podem dar o seu melhor no momento em que estão as executando. O simples fato de realizá-las resulta no estado de excelência em que o indivíduo demonstra disposição e concentração.

    Faz sentido para você? Pra mim, faz, e faz muito. Trabalhar e caminhar me deixam em flow.

    Aprendizados

    Tenho usado os aprendizados do mundo ao ar livre no dia a dia do trabalho, assim como os aprendizados do mundo ao ar condicionado nas atividades de caminhada. O ar de um se mistura no ar do outro. Em ambos fui enriquecendo com as vivências, buscando conhecimento, aprendendo com aqueles que têm a ensinar, errando e corrigindo. Por mais dura que seja, aproveite a caminhada para aprender e aproveite o prazer da recompensa.

    Deixo aqui alguns aprendizados, os principais, do meu ponto de vista, que se encaixam em ambos os mundos, das caminhadas de aventura e do trabalho. Percebam que estão presentes no dia a dia

    1) Planejar e preparar - Pensar nos mínimos detalhes e projetar situações, vai lhe poupar de imprevistos. Lembre-se, você poderá estar em lugares isolados, sem infraestrutura e acesso, e não poderá ser surpreendido pela falta do básico necessário. Use check list, não confie unicamente na sua memória. Para minhas atividades ao ar livre, uso um check list que venho aperfeiçoando há muito tempo e, mesmo assim, quando retorno das atividades, tenho o costume de fazer um balanço do que usei, não usei, o que está bom e o que pode ser melhorado. Uso check list para não esquecer nada para um churrasco. Uso check list nos complexos fechamentos de mês na Empresa. Uso check list no supermercado. Ah, mesmo bem planejado, tenha sempre um plano B, uma rota de escape, para saber como contornar uma eventual surpresa.

    2) Avaliar custo versus benefício - Numa caminhada de longa distância, preciso carregar toda a minha casa, e, por isso, é importante avaliar bem peso e volume. Após caminhar por horas, em terreno irregular e sob calor, muda a relação de percepção de peso. O quanto você usa algo pode não ser o melhor indicativo do benefício. Explico. Um kit de primeiros socorros, com seus 350 gramas, não pode faltar, mesmo que o uso seja esporádico. Água, que geralmente têm peso e volume consideráveis, são indispensáveis para sua sobrevivência.

    3) Saber diferenciar risco e perigo - Toda vez que empreendemos em algo, algo novo, em ambiente desconhecido, estamos arriscando. Arriscar, porém, é diferente de se expor ao perigo iminente. Risco é a probabilidade de um evento acontecer. Perigo é uma condição ou um conjunto de circunstâncias que têm potencial de causa. Correr riscos, desde que avaliados, tudo bem, mas se colocar em perigo jamais. Isso cabe muito ao muito para o mundo ao ar livre e para o ambiente de empresas.

    4) Capacidade de reconhecer a altimetria dos relevos - Nas caminhadas, assim como na vida, consistência é, na maior parte das vezes, mais importante que velocidade. Nos escoteiros tem-se um lema durante as jornadas. Devagar e sempre! Também, poupe energia, evite o fundo do vale - perder altimetria - ou o pico do monte - ganhar altimetria -, a menos que este seja objeto de conquista, prefira contornar. Você vai andar mais, talvez leve mais tempo, mas a economia de energia (custo) é compensatória.

    5) Respeite seus limites - Antes mesmo de desafiar seus limites, tenha consciência de quais são eles. Saber reconhecer suas fortalezas e suas fraquezas fará você saber a hora de acelerar ou frear, assim como até onde pode ir. Cuide de seu corpo e dê a devida atenção às suas necessidades básicas, como hidratação, alimentação e descanso.

    6) Ter bons equipamentos e estar habilitado ao uso - Como em qualquer atividade, você vai precisar investir e, por vezes, investir pesado. Encare isso como um investimento onde o payback é na sua segurança, conforto e benefício. Também, esteja amplamente habilitado, treinado e familiarizado com o uso de seus equipamentos, de forma que consiga extrair o máximo do benefício daquilo. Lembre-se, os equipamentos estão para lhe servir, não o contrário.

    7) Trabalhe em equipe - Em equipe é muito melhor, ainda mais quando o grupo some habilidades e conhecimentos. Juntos somos mais fortes e ter uma mão para lhe ser estendida num momento de necessidade, é confortante. Um grupo mínimo de 4 pessoas é o recomendado. Por que 4 pessoas? Pense na seguinte situação. 1 pessoa se machucou e não consegue se locomover, enquanto 2 pessoas seguem procurando ajuda, outra fica acompanhando. Nunca ninguém sozinho.

    Se for sozinho, mesmo não sendo recomendado, deixe pessoas avisadas de onde vai, quanto tempo ficará sem comunicação e um deadline de retorno.

    Humildemente, espero ter contribuído com alguma reflexão. Perceba, que os 7 aprendizados podem ser aplicados em vivências ao ar livre ou no ambiente de trabalho.

    Sempre, enfrente e siga em frente!

    ---

    Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. - citação Amyr Klynk

    8 Comentarios
    Guilherme Cavallari 28/02/2023 14:32

    Parabéns pelo relato! Aventura é um eficaz caminho de meditação ativa e de autoconhecimento. O mais importante não é encontrar respostas, mas fazer as perguntas certas. Siga no caminho! Abraço

    3
    Alexandre Janner 28/02/2023 14:34

    Sigo no caminho, Guilherme! Grande abraço,

    1
    Deize L. Kuhn 28/02/2023 15:29

    Grande Mestre!!  Flow é ler seu relato!!! Parabéns pela escrita ...pela tua história....pela jornada !!  Grande abraço!!! Ultréia!!

    1
    Alexandre Janner 28/02/2023 17:00

    oi Deize! obrigado pelo incentivo e carinho

    1
    James Polz 25/03/2023 06:51

    Texto muito bacana Janner! Parabéns!!!!

    1
    Alexandre Janner 01/04/2023 10:32

    Obrigado, James! Abraço

    1
    Getulio Vogetta 18/10/2023 11:23

    Boa! Belo texto com esse "tempero" da intercambialidade entre o "ar livre" e o "ar-condicionado". Muita ingenuidade seria pensar que aquilo que nos move, fora das atividades profissionais, não possa ser (bem) empregado no mundo corporativo. Abraço!

    1
    Alexandre Janner 24/04/2024 08:31

    Satisfação tê-lo como leitor desta minha reflexão. Abraço, Getúlio!

    Alexandre Janner

    Alexandre Janner

    Porto Alegre

    Rox
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