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Claudio Luiz Dias 04/11/2023 17:03
    Viagem em busca de sons ancestrais na "Metade do Mundo".

    Viagem em busca de sons ancestrais na "Metade do Mundo".

    Viagem por museus, sítios arqueológicos, corredeiras e selva equatoriana, em busca de instrumentos sonoros pré-hispânicos.

    Alta Montaña Trekking

    Em janeiro de 2023 participamos de um Seminário de arqueomusicologia ancestral no Equador. Era um grupo de 17 pessoas de 11 países (Equador, Argentina, Colômbia, Peru, Brasil, República Dominicana, México, Estados Unidos, Espanha e Itália) reunidas pelo arqueomusicólogo Estaban Valdívia e sua equipe para uma vivência sensorial, histórica e musical no lindo, verde e surpreendente Equador, percorrendo Quito, Cayembe, Gayaquill, Cuenca e Tena).

    (para saber de novas datas e outros roteiros : https://facebook.com/esteban.valdivia.9)

    O Equador, que se auto denomina “Metade do Mundo”, é um país de gente simples, acolhedora, simpática e cativante.

    Propõem que a linha do Equador seja uma referência que une os dois hemisférios do Planeta, e não a que os divide, tal qual se unem duas peças côncavas de cerâmica, para formar um instrumento musical perfeito.

    Sua Capital é Quito. Em Tsafiki (uma língua pré-colonial falada até hoje por uma pequena minoria de pessoas) “quit-as” significa metade e “to”, mundo: metade do mundo. Possivelmente a fonte do nome Quito. 'Quit' metade, 'To', mundo."

    "A ideia de uma terra quadrada e plana vem da Europa medieval, onde o obscurantismo surgiu e afetou o conhecimento."

    Quito é uma cidade com inúmeras igrejas. O alinhamento das igrejas coloniais em relação aos picos montanhosos sagrados não é coincidência, já que estas igrejas foram construídas sobre templos incas que por sua vez foram construídos sobre templos da população Quito, povo original do local.

    Este sistema de substituição de templos e religiões para consolidar a conquista sobre os conquistados é estratégia muito antiga.

    A conquista Inca do atual Equador se deu por meio de sangrentas batalhas e algumas etnias não se deixaram subjugar facilmente, como o Cañaris, resultando em primeiro lugar de grande perseguição a essa população, onde os Incas desterraram famílias inteiras, mandando-as para várias partes tão distantes do império como a Argentina e Chile. Mas num segundo momento, essa população viu nos espanhóis uma oportunidade de se desvencilhar dos Incas, tornando possível a conquista espanhola do Tawantinsuyu (império Inca). Dizem que na conquista de Cusco, cada espanhol tinha em volta de si cerca de 100 Cañaris.

    E por falar em conquista, os Incas roubaram o ouro da região que hoje é o Equador para cobrir o Templo do Sol (Coricancha) em Cusco, no atual Peru, e este mesmo ouro foi depois roubado pelos espanhóis e levado à Espanha.

    Foi na região de Cayembe, próximo a Quito, que uma missão francesa em 1736 conseguiu, por triangulações nos topos montanhosos, determinar a localização da linha do Equador. A altitude e a possibilidade de visualizar o horizonte, bem como os diversos picos montanhosos foram primordiais, diferentemente do que ocorre na Amazônia, no deserto africano ou nas ilhas do pacífico, por onde também passa a linha do Equador.

    Os povos pré-colombianos já sabiam da energia que emana da região, pois encontraram vestígios arqueológicos de oferendas vindas de várias partes dos andes, costa e selva (oriente, como dizem os equatorianos).

    É de onde se pode observar todas as constelações, tanto aquelas conhecidas pelos assírios, gregos e Maias no hemisfério norte, como pelos Incas ao Sul.

    Nossa primeira estadia foi na Fazenda Guachalá, localizada na Província de Pichincha, aos pés do Vulcão Cayembe, que é o terceiro do país em altitude chegando a 5.790m.

    Guachalá foi a primeira fazenda espanhola do Equador, fundada em 1580, durante o período dos “encomenderos”, que em seu apogeu alcançou 21.000ha, onde também se encontra a primeira capela do país, erguida em meados de 1500, provavelmente, sobre um local sagrado indígena, sendo esta capela o edifício mais antigo da fazenda.

    Escavações arqueológicas no interior da capela revelaram urnas funerárias com ossadas, indicando que a área já era sagrada aos indígenas. Numa das paredes encontra-se uma pintura em afresco, deteriorada, datada de 1757, com uma representação do Céu e do Inferno .

    Nesta fazenda se hospedaram membros da Missão Geodésica Francesa (1736) e também Charles Darwin, quando se dirigiu a Galápagos para “matar Deus”!

    Foi nessa fazenda que se deu início à plantação de Eucaliptos importados da Austrália e também onde se desenhou o projeto do Parque Marinho de Galápagos, idealizados pelo filho de um dos presidentes do Equador, que na época era dono da Fazenda.

    Desde a sua conversão em 1993, a Hacienda Guachalá permanece aberta como hospedaria e destino turístico histórico.


    Nossos quartos ficavam na antiga estrebaria, localizada depois da igreja “nova” e foram adaptados com lareira e chuveiro de água bem quente. Ficamos no Quarto nº 3 e a placa na parede indicava que no quarto nº 5 ocorriam das punições e torturas dos índios e empregados que entrassem em desavença com os feitores... Não ouvi nenhum grito ou passos ou correntes arrastando do lado de fora...

    A bebida típica para espantar o frio é o “Canelasso”, um chá quente com gengibre, canela, limão e açúcar, que a gosto do freguês (eu, por exemplo) pode levar também um licor. Diria um “Quentão” equatoriano!

    Enquanto estávamos hospedados na Fazenda Guachalá e tendo aulas de cerâmica pre-colombiana Carchi-Pasto, decidimos fazer uma trilha de montanha em altitude.

    O programa inicial previa uma escalada ao vulcão Cayembe, mas devido às condições meteorológicas, esta etapa foi cancelada.

    Alternativamente, foi proposto uma subida a uma Pukara (fortaleza inca), o que poderia ser feito em uma manhã, antes de irmos ao Mercado de artesanato de Otavalo.

    O Complexo da Fortaleza de Pambamarca consiste em 14 pukaras incas e estruturas relacionadas, espalhados vulcão Pambamarca. Os pukaras estão localizados em altitudes de 3.300 metros a 3.780 metros sobre o nível do mar (MSNM) e foram construídas no final do século 15 pelos Incas para superar a oposição do povo da chefia Cayambe à expansão dos incas no planalto andino do atual norte do Equador.

    As batalhas em Pambamarca aparentemente se estenderam por vários anos, terminando em uma vitória Inca, possivelmente por volta de 1505. Os incas então completaram a conquista do norte do Equador, alcançando uma vitória final sobre os Caranqui em Yawarkucha (Lago de Sangue), que pode ter ocorrido tão tarde quanto 1520. Na década de 1530, os Incas foram por sua vez conquistados pelos espanhóis e com o tempo, as fortalezas foram se deteriorando e suas pedras utilizadas na construção de casas de camponeses.

    Chegamos de Micro-ônibus até uma aldeia de camponeses, a uma altitude de cerca de 3.400m.

    Nosso guia negociou com um líder local nossa entrada, já que a área é particular e onde hoje há criação de gado.

    Negociações finalizadas, iniciamos a subida, no início, sobre terreno arado. Dois “niños” (meninos de cerca de 10-12 anos) nos acompanharam por curiosidade.

    Depois começamos a passar por área recoberta por gramíneas altas, dificultando o caminhar, que tinha que ser, então, com passos largos e sem saber ao certo onde o pé pousaria...


    Para nos dar forças na subida, membros do grupo iam revezando-se no tambor, na antara (flauta pan de bambu) e no Pututo (Trombeta de concha de caracol gigante).

    Os mais ávidos pela antara e pututo foram os niños, que apesar de nunca terem experimentado tocar, pegaram o jeito muito rápido.

    A certa altura, localizamos um resquício de uma das estradas chamadas ‘Qhapac ñan’, que era utilizada pelos ‘Chasquis’ (mensageiros que viajavam pelo império a pé para enviar mensagens orais). A partir de então seguimos os passos dos antigos Chasquis colina acima até chegar ao topo a 3.700 MSNM.


    Apesar da pouca diferença de cota a ser transposta até o topo, a elevada altitude foi uma grande dificuldade a ser vencida. Além do som marcado do tambor, contamos também com folhas de coca para mascar.

    Chegando ao topo, apesar do sol, um frio muito intenso se fez presente devido aos forte e cortantes ventos.

    Assim, importante ter roupas adequadas com luvas, gorros e jaquetas corta-vento.

    Mas esse mesmo vento afastou as nuvens que cobriam o Vulcão Cayembe e pudemos ver ao longe seu cume majestoso.

    Fizemos então um agradecimento com música, oração pessoal e oferenda de folhas de coca, pensando no privilégio que era estar em um lugar tão especial e com tanta energia positiva do grupo.


    Saudamos os Apus (topos sagrados mais elevados no entorno).


    Pudemos ver as ruínas do que sobrou da fortaleza. Talvez um olhar menos atento deixaria passar desapercebido de que se tratava de um sítio arqueológico e não um simples amontoado de pedras que os pastores retiraram do campo para semear pasto.


    Iniciamos a descida por outra vertente da colina, tendo a mesma dificuldade pelo pasto alto. Ao menos, já estávamos protegidos do vento.

    Passamos por grotas nas quais a água vertia, alagando o chão no entorno e onde o gado matava a sede.

    Ao chegar finalmente na estrada, o micro-ônibus veio ao nosso encontro.

    Mas antes de embarcar, tivemos ainda um encontro com um simpático casal de pastores que não se importaram em tirar fotografia conosco.

    Foi realmente uma manhã incrível.

    O principal vulcão do Equador, o Cotopaxi havia entrado em erupção, com uma grande coluna de fumaça que foi possível ver quando voamos de Quito a Guayaquil.

    Várias culturas pré-hispânicas do Equador foram extintas ou drasticamente alteradas pelas erupções dessa cadeia de vulcões. Ao mesmo tempo, as cinzas preservaram, em alguns episódios, registros arqueológicos como cerâmicas e até alguns enterramentos.

    Nos Museus foi incrível ver peças líticas (de pedra) da cultura Valdivia (4000-1800 a.C.) perfeitamente geométrica e abstratas que parecem ter sido imaginadas por algum ilustre designer atual. (Valdivia é a cultura antecessora de culturas mesoamericanas como os maias e os astecas e rivaliza em antiguidade com a cidade de Caral no Peru)

    Também emocionante ver as peças de cerâmica mais antigas das américas, as bonequinhas da cultura Valdívia, assim como chegar tão perto das peças cerâmicas mais antigas do nosso continente, de sopro, e sua evolução para as “botellas silbatos”, que utilizam água para empurrar o ar para gerar sons para rituais (da cultura Chorrera -1.800 a 1.500 a.C).

    Não se sabe se os povos antigos utilizam a música para diversão, coisa pouco provável, mas é certo que os sonidos tinham função ritualística, espiritual e xamânica, como representado nas peças de cerâmica em que sacerdotes (xamãs, curacas ou pajés) aparecem utilizando tais instrumentos.

    Nos museus visitados, tivemos o privilégio de acessar as reservas técnicas, vendo centenas de peças e artefatos, e mesmo crânios, isto graças ao excelente trabalho de estudo e recuperação de sonidos pré-hispânicos desenvolvido por Esteban Valdivia junto aos museus.


    A maioria das coleções dos museus públicos ou privados é formada por peças conseguidas junto aos “huaqueiros”, aquelas pessoas que saqueiam tumbas e outros monumentos arqueológicos em busca de ouro, prata e pedras preciosas. Os objetos de cerâmica são desejos secundários, mas também tem seu valor de mercado.

    É preciso investimentos para escavações arqueológicas coordenadas e sistematizadas, para que se possa entender o conjunto de achados e propor uma interpretação com fundamentos de antropologia.

    Peças isoladas sem se saber sua origem e em que contexto foram encontradas pouco dizem a respeito da sociedade que as fizeram.

    Mas vamos aos museus visitados...

    Começamos pelo Museo de Arte Precolombino Casa del Alabado em Quito. Este museu possui cerca de 5.000 peças arqueológicas . (https://alabado.org/coleccion/ ).

    A Casa del Alabado (Casa do Elogiado) é uma das construções mais antigas do Centro Histórico de Quito. A data de sua primeira construção é incerta, mas é conhecida por este nome desde 1671, quando em uma reforma foi colocada a seguinte inscrição “Alabado sea el Santíssimo Sacramento. Acabose esta portada a 1 de julio de 1671 años” (Elogiado seja o santíssimo sacramento. Acabou-se este pórtico a 1 de julho do ano de 1671).

    Em Cayembe fomos ou Museo Solar (www.quitsato.org), cuja gestão está a cargo do geógrafo Cristobal Cobo e onde há uma linha sobre a Latitude 00. Lá pudemos ver uma maquete mostrando como a inclinação da terra e sua rotação ao redor do sol afeta os períodos de claro e escuro, e como isso não ocorre sobre a Linha do Equador, cujos dias são sempre iguais. Enfim, coisas de Equinócios e Solstícios, tão importantes para culturas de todo o mudo desde o neolítico.


    Visitamos também o pequeno museu do Sitio Arqueológico de Cochasqui, no município de Pichincha (https://www.turismo.gob.ec/parque-arqueologico-cochasqui-la-evidencia-mas-importante-de-la-civilizacion-pre-inca/), onde há peças líticas de 11.000 anos e também cerâmica pré-hispânica, onde Esteban Valdivia no apresentou detalhes de construção e foi possível ouvi-las sonando.


    Um lugar sagrado com 15 pirâmides-trunca (escalonadas com topo plano) com longas rampas de acesso. Há também 21 montículos funerários em 83,9 hectares. Representa a evidencia e valor da cultura pré-incaica Quitu-Cara (500 a 1550 dC), que era uma cultura matriarcal e continuou sendo local sagrado até sob domínio inca, como demonstram as peças cerâmicas encontradas até agora.


    No parque arqueológico pudemos andar junto às pirâmides. Hoje há terra e grama cobrindo as construções, fazendo parecer uma paisagem natural ondulada. Há apenas um ponto que foi deixado sem terra (e coberto com telhado) para que se possa observar os blocos e degraus da pirâmide). Simpáticos burros, lhamas e alpacas nos acompanharam na visita, interessados no sal que lhes era oferecido.


    Uma lenda descreve a conquista Inca de Cochasqui, incluindo a união de Quilago (a Rainha de Cochasqui nascida em 1485) e o Imperador Inca, Huayna Capac. Por um período de dois anos, os incas não conseguiram derrotar os exércitos de Quilago. Finalmente vencida, Quilago foi levada cativeiro e forçada a se casar com Huayna Capac. Em alguns relatos, o descendente dessa união foi o futuro imperador Atahualpa. A Rainha Quilago preparou uma armadilha para assassinar Huayna Capac em seu quarto, mas foi traída por seus servos e executada.

    O complexo está localizado a 3.100 metros sobre o nível do mar e tem uma visibilidade de 240 graus, o que facilita a visualização de vários vulcões nevados sagrados como Pambamarca, Pichincha, Puntas y Cayambe.

    Na cidade de Otavalo, famosa pelo mercado de artesanato, visitamos pequena filial do Museu Mindalae – Etnohistórico de Artesanias del Ecuador (https://mindalae.ec/), que é uma organização sem fins lucrativos que divulga cultura atual e também pré-colonização.

    Em Guayaquil visitamos o enorme Museu de Antropologia e Arte Contemporânea – MAAC. Com uma área construída de 10.000 m², guarda em sua Reserva técnica mais de 50 mil peças arqueológicas da época pré-colombiana da costa equatoriana.


    Sua exposição permanente é denominada: “Los 10.000 años del antiguo Ecuador”, incluindo uma grande coleção de figurinhas Valdívia e até um vídeo institucional de como construí-las. Tivemos o prazer também de conhecer o laboratório de restauração, onde peças quebradas ou danificadas são reconstruídas.

    Depois nos deslocamos para a incrível cidade de Cuenca, que parece ter sido congelada na época colonial (não fosse pelo intenso trânsito, que inclui moderníssimos ônibus sobre trilhos).

    O enorme e bem preservado centro histórico, com um traçado urbano conservado há 400 anos, foi declarado Património da Humanidade pela UNESCO.

    Mesmo situada em um vale, a cidade fica a 2.500 metros acima do nível do mar. Seu nome completo é Santa Ana de los Rios de Cuenca e sua fundação data de 1577. É famosa pela produção dos clássicos chapéus Panamá. Sim, os chapéus Panamá são fabricados no Ecuador.

    Nesta cidade de muitas igrejas, o primeiro museu visitado foi o Museo Municipal Remigio Crespo, localizado em um belo edifício colonial. É um museu/espaço para exposições com um rico acervo de peças pré-hispânicas.

    Em Cuenca, impossível não visitar o Museo de las Culturas Aborigenes. As peças expostas são cuidadosamente agrupadas por cultura e em sequência cronológica. Isto é muito didático para entender a evolução da arte cerâmica e das culturas extintas do Equador. E há também peças expostas das etnias atuais.

    A partir de Cuenca, fomos ao Sitio Arqueológico de Ingapirca, berço da Cultura Cañari.

    Neste sítio foi encontrado um enterramento de uma liderança feminina. Junto a ela estavam outras pessoas bem mais jovens, que foram sacrificadas para acompanhar a governante no outro mundo. Os Cañaris não acreditavam na morte e era uma honra fazer parte do séquito que acompanharia a senhora à nova vida.


    Depois da conquista Inca, foram edificados templos da Lua e do Sol, principais divindades Incas. O templo do Sol, com sua típica parece arredondada continua imponente no local.

    Antes de finalizarmos nossa estadia em Cuenca e visitar o incrível Museu Pumapungo, passamos no Mercado 10 de agosto para fazer uma limpeza espiritual com as benzedeiras. Usam ervas aromáticas sagradas e passam um ovo no nosso corpo e cabeça. Abrem o ovo em um copo de água e pela leitura da forma, dizem quais os problemas que tínhamos e que foram curados.

    Mas vamos falar de Pumapungo....

    O assentamento Guapondelig era um dos cacicados mais importantes da confederação Cañari.

    Após a conquista dos Cañaris pelos Incas, o Huayna Capac (que governou de 1493 a 1525) mudou o nome do local de Guapondelig para Tomebamba e esta cidade foi escolhida para ser a capital inca do norte, rivalizando em esplendor com Cusco. Mas quando os espanhóis ali chegaram em 1532, a cidade já havia sido amplamente destruída durante a guerra civil entre Huáscar e Atahualpa (filhos de Huayna Capac que disputavam o poder do império). Os espanhóis fundaram então no local a cidade de Cuenca e um dos poucos vestígios arqueológicos do que foi a cidade de Tomebamba está onde atualmente está instalado o Museu Pumapungo., às margens do rio Tomebamba.

    Em 2004, arqueólogos identificaram blocos de pedra que tiveram origem em uma pedreira perto de Cusco. Os estudiosos encontraram no Equador 450 pedras, pesando até 700 kg cada, que haviam sido transportadas por mais de 1.600 quilômetros nas estradas incas que atravessavam os altos e acidentados Andes. E os Incas não tinham tração animal ou carroças com rodas!

    Saindo do Museu fomos direto ao Aeroporto de Cuenca para volta a Quito e de lá um ônibus fretado nos esperava para irmos ao “Oriente”, a selva amazônica equatoriana, onde tivemos contato direto com membros das etnias Kichwa e Hauorani, e também navegamos pelo aurífero Rio Napo.

    Depois de percorrer sítios arqueológicos e museus nas regiões centrais e costa do Equador, foi a vez de seguir para o Oriente, para a Selva Amazônica.

    Nossa base foi a cidade de Tena, que em muitos aspectos se parece com as cidades amazônicas do Peru e também do Brasil.

    Fizemos o trajeto de Cuenca a Quito por avião e de lá embarcamos num ônibus fretado para o grupo, para uma longa e perigosa viagem por entre a Cordilheira dos Andes rumo a Tena.

    Perigosa, pois a estrada (muito bem pavimentada, diga-se) era de mão dupla e incrivelmente sinuosa, fazendo ser tensa cada ultrapassagem dos grandes e lentos caminhões que também seguiam no mesmo trajeto. Ainda mais quando eu contava apenas alguns segundos depois da ultrapassagem para surgir na curva outro caminhão em sentido contrário. A neblina da altitude e o sono do motorista completavam o quadro.

    Vencidos pelo cansaço, adormecemos.

    Chegamos a salvos, já tarde da noite a um hotel de selva, sem reconhecer muito o local.

    Na manhã seguinte: uau!

    Estávamos no lindo hotel da rede Selina ( https://www.selina.com/pt/ecuador/amazon-tena/ Km 10 Via Ahuano, Tena 150150, Equador•+593 99 994 7726). Os quartos são instalados em lindos bangalôs com telas para evitar insetos e estão dispersos pela propriedade, ligados por trilhas.


    O Hotel fica às margens do rio Napo. Então senta que lá vem história.

    Francisco de Orellana, depois de participar da conquista do Peru junto com Pizarro em 1535 e de fundar a cidade Equatoriana de Guayaquil em 1538, se juntou a outro Pizarro, o Fernando, na conquista do interior do Equador "em busca de ouro e canela".

    Como as topas estavam sem mantimentos, se aventurou com alguns soldados e o padre Gaspar de Carvajal em busca de alimentos pelo rio Coca que desemboca onde? No rio Napo.

    Sim, estávamos no mesmo rio Napo onde em 1541 Francisco de Orellana e sua trupe passaram famintos, e não encontrando comida, continuaram bacia abaixo e chegaram em um grande, enorme rio. Não tendo mais como subir rio acima a remo, só restava seguir a correnteza.

    Em certo ponto da viagem, foram atacados por uma tribo de mulheres guerreiras, hábeis no arco e flexa. Isso o fez pensar "mito grego das mulheres guerreiras" e então batizou o rio com esse nome.

    Construíram um segundo barco maior, batizado como Vitória.

    Segundo as crônicas do Frei Carvajal em certo ponto, chegaram à boca de um grande rio que entrava pela mão direita e tinha uma légua de largura. Era a foz do atual rio Tapajós onde se localiza a cidade paraense de Santarém. Depois seguiram até a Ilha do Marajó.

    Isso nos faz pensar ser pouco provável que não havia intercâmbios entre os milhares de indígenas que habitavam a Amazônia e de como os caçadores coletores se espalharam pela América do Sul.


    Mas, voltemos à nossa própria exploração da Amazônia Equatoriana.

    Fomos de barco para um passeio pelo rio Napo até o Porto Misuhualli, que é um balneário fluvial onde os locais e turistas vêm aproveitar a praia e as águas calmas do Rio Napo.


    Pelo caminho muitas balsas com dragas e mergulhadores buscando ouro junto ao cascalho do leito do rio. Apesar da água gelada, os mergulhadores ficam bastante tempo na água. Nas margens também havia famílias com bateias, a procura de ouro. Novamente lembrei de Orellana e sua busca por ouro.

    Ficamos sabendo que é uma atividade familiar que aparentemente não causa erosão no rio. Os estudos dos jovens são pagos pelo trabalho dos pais na mineração.

    Interessantes formações rochosas sedimentares e corredeiras vão se sucedendo no trajeto.

    Chegando ao nosso destino, fomos recebidos na praia pela indígena Sara Ocaginque da etnia Huaroni, com sua longa e afiada lança de madeira preta e lindos colares.


    Enquanto a maioria das pessoas do grupo foi alimentar os macacos que sabem conquistar turistas com suas caretas e gritinhos, eu e o Carlo ficamos conversando com a Sara. Compramos seu colar e ela nos ensinou como vesti-lo na forma cruzada.

    Os Huaroni (ou Waorani ou também Waodani) eram indígenas isolados e temidos guerreiros até a metade do século XX. Há disponível no youtube o filme “Terra Selvagem”, baseado em fatos reais que conta um pouco da história desse povo e os primeiros contatos com missionários americanos.

    Na pequena vila, há interessantes lojas com artigos indígenas onde adquirimos mais algumas peças, incluindo uma pequena zarabatana.

    De volta rio acima, vencendo com dificuldade as corredeiras, fizemos uma pausa em uma das margens para fazer uma trilha de acesso às Cachoeiras de Lata. Lata é o nome local e não o material! Aí o grupo se separou. Os mais valentes seguiram a trilha de duas horas para chegar a uma grande cachoeira. Pelo que contaram, o trajeto de ida e volta foi tenso devido ao solo escorregadio e trechos alagados, fazendo que tombos se sucedessem. Mas disseram também que valeu muito a pena a energia da cachoeira.

    Eu e o Carlo ficamos no grupo menor, já que eu estava com muita dor de garganta (provavelmente ao frio sentido na Cordilheira e talvez alguma bactéria presente das reservas técnicas dos museus que visitamos antes).

    Nossa trilha era menor, cerca de 30 minutos. Muito parecida com as trilhas, vegetação e cursos de água em meio a rochas que vemos na Mata Atlântica.

    Aproveitando a calma do lugar e o som da água, nossa recém amiga Dominicana Sarah Patricia Castillo nos brindou com um relaxamento de meditação.


    Voltamos ao Hotel para o almoço. Durante o jantar apreciamos uma apresentação de dança indígena do Grupo de Jovenes Wanduk Yuyay da comunidade Napo Ruan da etnia Kichwa (@alex.tapuy.17). Dançamos juntos e ao final, negociamos alguns colares para nosso acervo.

    Nos confraternizamos também com um grupo de estudantes de Turismo e dançamos vários ritmos latino-americanos.

    O dia seguinte foi destinado à cerâmica. Fomos até a comunidade Kichwa “Ruku Yachay” para fazer a queima de chão.

    Fomos recebidos pelo indígena Miskhi Chullumbu, um ancião (abuelo) narrador de histórias e seguimos em fila indiana pela trilha, ao som dos tambores tocados por Dario Rocha Kichwa e Miskhi Chullumbu.


    Nos revezamos para cavar o solo e a mestre ceramista Dona Alicia nos ensinou como montar a cama de cinzas, iniciar a queima da lenha, colocar a peças e depois cobri-las com bambu para um fogo intenso.

    Enquanto as peças coziam e depois esfriavam, passamos a outro cozimento: o de peixes recém pescados no Napo. Cada um preparou seu próprio peixe, envoltos em folhas de bijau (parecida com folhas de bananeira), temperados apenas com sal e recheados de palmito.


    Depois do almoço, voltamos à cerâmica, aprendendo com a Dona Alicia a passar resina natural a quente nas peças recém cozidas e a desenhar pintura a frio com pinceis feitos com cabelo humano.


    No início da tarde, conversei com um ribeirinho que passava a bateia na lama acumulada entre as pedras do leito do rio e ele me demonstrou o trabalho. Para minha surpresa, apareceu uma minúscula pepita de ouro e eu fiquei tão feliz como se fosse uma grande barra. Como nós dizemos no Brasil, de grão em grão a galinha enche o papo.


    É um trabalho árduo, e creio que da forma como é feito, não tem agredido o meio ambiente.

    No último dia, fomos para a cidade de Tena, visitar lojas de artesanato indígena, onde nosso acervo foi mais uma vez enriquecido com peças indígenas Kichwa e Huaroni.

    De lá, seguimos de ônibus intermunicipal para as Termas de Papallacta. São águas termais de origem vulcânica. É um complexo vulcânico com mais de 3 milhões de anos de atividade persistente, chamado Chacana.


    Fora das piscinas fazia bastante frio e por causa da dor de garganta, não arriscamos entrar nas águas quentes.

    Após um bom jantar na vila que fica na entrada das Termas, um taxi nos levou ao Aeroporto de Quito.

    O Equador é um país tão incrível que dá vontade de ficar lá para sempre. Mas como o “pra sempre, sempre acaba”, voamos de volta pra casa.

    Claudio Luiz Dias
    Claudio Luiz Dias

    Publicado en 04/11/2023 17:03

    Realizado desde 15/01/2023 al 26/01/2023

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    Claudio Luiz Dias

    Claudio Luiz Dias

    Caraguatatuba

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    Agrônomo pela USP. Co-mantenedor do Ponto de Cultura “Espaço Hartãt Acervo Indígena de Caraguatatuba/SP. Interesse por meio ambiente, historia e cultura (foco em cerâmica indígena)

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    Mínimo Impacto
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    Dri @Drilify, Peter Tofte y otras 450 personas apoyan el manifiesto.