AventureBox
Crie sua conta Entrar Explorar Principal
Damião Santana 26/09/2020 05:37
    Aventura de um dia na Barragem de Tapacurá (PE)

    Aventura de um dia na Barragem de Tapacurá (PE)

    Planejar pra quê, se perrengues rendem boas histórias?

    Cicloviagem

    Fui convidado por minha amiga Duda a visitar seu terreno às margens da barragem de Tapacurá. A idéia era ir com meus filhos, João e Tiago, mas apenas este último conseguiria ir. Nesse meio tempo, meu amigo ciclista Isaac, que mora em João Pessoa, apareceulá em casa. Acabamos rumando em trio para nosso destino. Saímos na madrugada do domingo, 20 de setembro, precisamente às 5h30min. Gostamos de ver o sol nascer na estrada.

    Falha 1: a quilometragem era o dobro

    Há quem diga que planejamentos são inúteis, imprevistos sempre acontecem e desarrumam o programado. Dois fatos nessa mini-cicloviagem mostraram a necessidade de replanejamento e alteração de metas: a distância real e o almoço de domingo. Apenas na minha imaginação Tapacurá faria parte da Barragem Duas Unas, antes do município de Moreno, bem ao lado de Recife. Eu estava absolutamente convicto desse fato. Já havia visitado esta barragem e, na minha memória, Tapacurá era ali do lado, seria um bate-e-volta rápido. Mas isso era obra de minha memória criativa, o que gerou o equívoco número um. A Barragem Duas Unas fica a apenas 20 km de Recife. Tão perto que meus filhos, que andam pouco de bicicleta, poderiam ir! Mas a real distância para Tapacurá - nosso real destino daquele domingo - são 45 km.

    O lado bom do equívoco é que provavelmente nem teria convidado meus filhos se soubesse a real distância da viagem. Só descobrimos que Tapacurá estava a mais 25km depois de pedalarmos 20km até a entrada da Barragem Duas Unas, que imaginávamos, seria ao lado do nosso destino final. Debaixo de um sol já bem quente, caímos todos na real: a viagem duraria mais do que o dobro do inicialmente imaginado. Confesso que me senti bem inútil com a situação que havia criado. Mas a equipe é forte, tomamos água, hidratantes e seguimos em frente. A partir dali, eu não fazia ideia de como seria o trecho, pós-asfalto da BR 232. Tiago era o mais destreinado do nosso trio, e Isaac foi um excelente motivador, como sempre. Quanto mais calor e ladeira, maior o seu entusiasmo. E a altimetria só aumentava a cada curva da estrada.

    Chegamos ao último ponto de apoio, o simpático distrito de Bonança - que pertence ao município de Moreno. Lá adquirimos provisões para o jantar e o café da manhã seguinte, para duas pessoas: miojo, alho, ervilhas e azeitonas em conservas e 4 batatas doce. Tínhamos mais uma certeza: ao chegar no ponto final, teríamos almoço garantido pela anfitriã, que chegaria ao local, de carro, logo depois da gente. No nosso planejamento, eu e Tiago pernoitaríamos na sede da Fazenda e Isaac retornaria para João Pessoa na tarde daquele domingo. Ainda no mercado municipal de Bonança, na tentativa de nos preparar para a rota final, perguntei ao vendedor de batatas como era a estradinha. “Tem uma subidinha logo ali e depois é tudo plano”. Oba, vamos acabar logo com esta subida gente!


    Cascalho e muita poeira

    A estrada era cascalho, muito cascalho. Uma poeira fina acinzentava tudo às margens da via. Os muitos carros e motos passavam nos deixando um imenso rastro de pó. Cof, cof, cof. ! E nessa atmosfera cega e sufocante, vencemos a primeira ladeira. As demais foram mais fáceis, os veículos fazedores de poeira foram ficando cada vez mais raros à medida que nos aproximávamos do nosso destino. Um conjunto de casas em estado de abandono, no bom sentido. Isso não era novidade e era até um dos atrativos do lugar: a gente queria explorar este pequeno agrupamento de casas, algumas delas bem velhas e interessante do ponto de vista arquitetônico. Muito mato, árvores e uma bela vista da barragem com suas ruínas fazia parte do conjunto. Chegamos cansados e ficamos na espera da chegada, logo a seguir, da nossa amiga Duda (e o almoço!).


    Falha 2: não haveria almoço

    Mas foi aqui que nosso planejamento foi desarrumado pela segunda vez, a segunda surpresa a ser contornada no rolê. Duda chegou, mas sem comida. Os amigos dela que também iriam, desistiram de última hora e ela ficaria poucas horas ali - voltaria para almoçar no Recife. Chegou às 10h e foi embora às 13h. E nós ficamos na propriedade, famintos, isolados a 7km de Bonança, por uma estradinha de cascalho, cheia de poeira e ladeirinhas. Um grande dilema a ser resolvido em conjunto.

    Como contornar aquela situação? Como reativar nossos ânimos? Como trazer o bom astral para aquela viagem massa? A gente estava fazendo o que gostava, viajar de bicicleta, o local era super bacana, mas uma questão operacional nos ameaçava. Hora de colocar os dados na mesa e mudar a jogada. Todos juntos, levando em conta a realidade e anseios individuais.

    Inventamos um almoço

    Como saco vazio não pára de pé, resolvemos preparar o almoço para três com o material do jantar e café da manhã de dois. E assim fizemos. Duda havia deixado a chave da casa com uma infra de cozinha, banheiros e até camas, se quiséssemos usar. Isaac e Tiago colocaram água pra ferver, picaram o alho, e despejaram as embalagens de ervilhas e de azeitonas dentro. As batatas doces eu cortei em rodelas e mandei na panela também. Por último entrou na panela aquele macarrãozinho rico em glutamato monossódico que todos amamos, o miojão. Em instantes tínhamos um saboroso e farto almoço à nossa disposição. De banho tomado e fresquinhos, sentamos à sombra da varanda e nos deliciamos felizes.


    Todos os problemas não estavam resolvidos? Claro que não, mas agora a densa nuvem de possibilidades desencontradas passou a ser mais simples. De barriga cheia e sem nosso futuro jantar e café da manhã, ficou mais fácil de enxergar a saída para nós. O Isaac teria mesmo de voltar naquele dia, isso era certo. Não ter alimentos para pernoitar deu uma certeza para mim e Tiago: teríamos de ir embora também naquele dia.

    Como é bom explorar marcas do tempo e a natureza!

    Antes de Isaac ir embora ficamos perambulando pelo local, a observar as plantas, entrando em todas as edificações, nos esquivando dos insetos, saltando moitas de urtigas, atentos para pisar em cobras e no mais... curtindo a paisagem. Para muitas pessoas aquilo ali seria um tédio, mas a gente gosta de observar pequenas coisas. Plantinhas novas e curiosas, ramagens que descem das árvores, casas de marimbondos de diversos tipos, os vãos das casas ao redor com resquícios de um tempo em que foram ocupadas. Ficamos a imaginar quem seriam as pessoas que viveram ali, como teria sido suas vidas, foram felizes, por que abandonaram o lugar? Que histórias habitavam aqueles espaços? “O que será que essas paredes já ouviram?” - disse Isaac. Ora, quem tem imaginação, não tem tédio.

    Desde que eu chegamos ao local quase no sol a pino, vi que renderia boas fotos. Mas precisava esperar a hora certa, pois fotografia é luz. Era certo que eu não sairia dali antes da melhor luz do dia, a ‘hora mágica’, no fim de tarde. Luz quente e projetada a 45º. Fotografei bastante, mas não o suficiente. Há muito mais a ser explorado, do ponto de vista da fotografia, naquele lugar.

    Nossa volta até Recife

    Eu e Tiago chegamos em Recife de carro. É, de carro. Não era o plano inicial, mas foi isso que aconteceu. Foi o jeito conveniente para nossa situação. Pegamos uma carona com o Castanha. Mas, quem é o esta pessoa no contexto? O Castanha, que chegou com Duda, num outro carro que trazia uma carrocinha a reboque. A missão dele era coletar uns móveis que havia deixado há meses atrás na casa, para uso de Duda. Nós até o ajudamos a lotar o reboque com alguns de seus móveis, camas, mesinhas, colchões. Nosso amigo saiu de lá e voltou somente ao fim da tarde. Durante todo o tempo a gente olhava para aquele reboque e ele piscava para gente dizendo: “sou a solução para o problema de vocês”. Não, isso é figura de linguagem, reboques não falam. Bem, no retorno do Castanha e Anita, sua esposa, eu o ajudei novamente a plugar o reboque no fundo do carro. E nessa hora ataquei: ‘até que nossas bicicletas poderiam ir aqui também, não era?’. Foi um ataque tímido que poderia ser desconversado fácil, fácil. Mas o Castanha tem um grande coração, vislumbrou nossa situação e prontamente nos acolheu. Re-organizamos a carga dele para abrir espaço para as duas bicicletas e, de máscara anti COVID-19 adentramos no banco traseiro do seu possante. A saída dali para Recife estava feita!

    Na volta, dentro do carro, Tiago confidenciou: Foi duro o pedal e algumas situações que enfrentamos, mas eu faria tudo de novo. Ah, como foi bom ouvir isso?!

    //

    20 de setembro de 2020
    Bicicleta ds: Sapé (LinusHack)
    Ida de bike: 46 Km
    Volta mista: 9 km de bike e o restante de carro.

    As bikes preparadas para a saída bem cedo.

    A primeira parada para hidratacao. (Foto: Isaac)

    Estradinha pós Bonança: cascalho, ladeiras e poeiras levantadas pelos carros e motos.

    Tiago e Isaac avançam destemidamente.

    Faltava pouco e isso nos encorajava.

    Finalmente a chegada.

    Casa seminova, mas em estado de abandono.

    Hora do rango, na escadaria da casa principal. (Foto de Issac)

    A partida de Isaac no meio da tarde. Ele iria pedalar até o TIP.

    Nossas bikes no transporte do retorno.


    // MAIS FOTOS

    Damião Santana
    Damião Santana

    Publicado em 26/09/2020 05:37

    Realizada em 20/09/2020

    Visualizações

    2353

    1 Comentários
    Tiago FS 26/09/2020 16:32

    Olhando para trás eu posso dizer , sim - VALEU A PENA ! - São essas aventuras assim que são boas e que rendem ainda histórias, sem pretensões, só com um caminho pela frente. Obrigado companheiro de aventuras ou também, papai :)

    Damião Santana

    Damião Santana

    Recife - PE

    Rox
    94

    Moro em Recife. Amo cicloviagens e caminhar pelas montanhas.

    Mapa de Aventuras


    Mínimo Impacto
    Manifesto
    Rox

    Peter Tofte, Bruno Negreiros e mais 442 pessoas apoiam o manifesto.