Travessia Petrópolis × Teresópolis em 1 dia
Petrô × Terê em um dia, numa parceria entre o Clube Outdoor e o Centro Excursionista Brasileiro
Hiking TrekkingO relato a seguir foi escrito por mim e publicado no Boletim do Centro Excursionista Brasileiro - CEB, edição jul/dez 2023.
Relato:
Talvez você que esteja lendo esse artigo já conheça a travessia Petrópolis × Teresópolis de cabo a rabo. Mas te convido a me acompanhar nessa leitura e viver essa experiência comigo. Agora, se você nunca esteve na Petrô × Terê (assim a chamo porque já foram tantas vezes que posso me considerar íntima…), só vem! Aliás, depois de ler, só vá!
Acho que o que me motiva a escrever é que, mesmo sendo um caminho que já repeti algumas vezes, cada ida é sempre única!
Nessa última ocasião, a proposta da travessia era diferente de todas as versões que já tinha feito, o que, pra mim era até um pouco assustador: Petrô × Terê em um dia.
Sendo honesta, nunca vi muita razão de percorrer esses caminhos levando meu corpo, e muitas vezes o psicológico, ao extremo. No entanto, o que nos move na montanha também pode ser o desejo pelo desafio, a busca pela auto estima, pelo reconhecimento. Para mim, o montanhismo sempre teve gosto de afeto, reconexão, desconexão e superação.
Essa travessia não é considerada por muitos como sendo a mais bonita do Brasil à toa. Todo o tempo somos surpreendidos com montanhas e vales que rasgam o relevo da região compreendida entre os municípios de Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim, na região serrana do Rio de Janeiro. E, além disso, não posso deixar de mencionar as formações que deram nome ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos: esculpidas pelo tempo, pelo vento, pelas águas, perfeitamente acomodadas como se pudessem realmente transformar a caminhada, de fato, em uma boa música para os ouvidos…
Mas bem, voltando à travessia em um dia, duvidei que todas as sensações que eu tinha na montanha também poderiam ser sentidas nessa que, na minha cabeça, seria a "travessia da correria".
E como é bom estar totalmente enganada! Em um dia, também é possível sentir afeto, reconexão, desconexão, superação… Tal foi a minha surpresa ao conhecer esse lado da Petrô × Terê, que encheu meu coração de tranquilidade ao final dos seus quase 30 km.
Vale ressaltar que as coisas, quando têm que acontecer, fluem como a água que jorra de uma nascente. É natural, é orgânico, simplesmente é. E mesmo sendo tão heterogêneo, o grupo que nasceu do encontro do Clube Outdoor com o Centro Excursionista Brasileiro simplesmente fluiu.
Portaria Petrópolis
Era mais ou menos 7h40 da manhã quando todos estávamos à postos na Portaria de Petrópolis iniciando a caminhada de cerca de 8 km até o Açu. Ouvi conversas, risadas, suspiros… Também ouvi o silêncio das montanhas nas horas que as subidas ficavam mais íngremes e o suor já dava as caras em cada um de nós. Sem cobranças, caminhamos. Acreditando no desafio, fomos, pé ante pé, subindo cada vez mais. Poético seria se eu não falasse das câimbras que atingiram alguns de nós nesse primeiro trecho. Mas precisamos de uma pitada de drama por aqui. Por vezes a sensação de "será que dou conta?!" passou pelos pensamentos… E da mesma forma que surgiram, sumiram.
Nessa horas, inclusive, a união faz toda a diferença, mesmo que as pessoas não sejam velhas amigas. Até porque, é no perrengue que fazemos as grandes amizades!
Por falar em amizade, tem lugar melhor do que a montanha para encontrar pessoas queridas?! E foi ímpar, totalmente único receber sorrisos, abraços e perceber que evento bom foi unir o CO ao CEB. Um misto da sensação de estar Chapadão de bons sentimentos e de falar "Grazadeus" que já tá chegando. E nesse ritmo quente, 11h15 estávamos no Açu.
Como saco vazio não pára em pé, e montanhista que não come tampouco, preferimos fazer uma pausa maior para alimentação antes de seguir em frente ou "enfrente", já que, pelo menos para mim, os fantasmas de outrora estavam sendo combatidos. Lá pelas 12h retomamos nossa pernada.
Tinha lama, muuuuita lama. E teve muita patinação, tombo, teve escorregão… Nada que tirasse o bom humor ou concentração.
Descanso merecido próximo ao elevador, no Morro da Luva
Do Açu ao Sino passamos por cinco vales, em muito sobe e desce. E talvez esse trecho da travessia possa ser comparado ao que vivemos diariamente em nossas vidas: grandes altos e baixos, tropeços, escorregões, mas um grande alívio uma vez que chegamos no topo. E sabe o que mais lembrou o meu dia a dia? Enfrentamos um engarrafamento montanhês! Puro suco de Rio de Janeiro: enquanto uns sobem outros descem, tudo junto e misturado, ao mesmo tempo, numa energia caótica que pairava sobre o Elevador. Perdemos uns preciosos minutos ali. Ou ganhamos? Ainda não tenho certeza. Sei apenas que, em meio ao mini caos do engarrafamento, consegui parar para respirar, e olhar mais ao meu redor em vez de encarar meus pés ou o caminho que eles precisariam pisar. Foi aquela pausa necessária que todo mundo precisa ter para reavivar a energia interna…
Fora essa confusão boa, em outros trechos técnicos conseguimos trabalhar muito da empatia, cooperação, comunicação. O Mergulho fluiu que foi uma beleza, como diria a minha avó. O Cavalinho então, só alegria! Cada um, tendo ou não dificuldade, se colocou num lugar de muito respeito ao próximo, ajuda…
Ihuuul, plaquinha do Sino
Mas preciso mesmo dizer que meus olhos marejaram quando finalmente visualizei aquela plaquinha "Travessia - Sino - Abrigo 4", sabe?! Ah aquela plaquinha... Ali, exatamente ali, o coração desmanchou. Mesmo que ainda faltassem quase 12 km para o final, a sensação de que o desafio estava concluído pairou. A beleza do momento parecia uma dessas comédias românticas bobas que nos arrancam pequenos suspiros… E parecia mesmo um filme: o Sol de um lado querendo se pôr, mas ainda resistindo, igual criança que briga com o sono; a Lua do outro lado nascendo e rasgando o céu enorme, imponente, totalmente cheia e perfeita. Talvez fosse Lua, talvez fosse a cereja desse nosso bolo. Enquanto alguns foram direto para o Abrigo se aquecer, outros subiram o Sino e se embebedaram de uma vista sensacional e muita emoção, e lágrimas, e abraços. Era mais ou menos 17h isso.
Eu, Renata e Larissa no cume da Pedra do Sino
Para que não ficasse tarde, não demorou muito para descermos do cume e encontramos os demais. Engraçado que o tempo parece congelar mesmo que siga passando sem dó nem piedade de nós…
Logo chegamos ao Abrigo 4 e, dado o avançado da hora, iniciamos a descida infinita do Sino. Lanternas à postos, mas a Lua seguiu fazendo questão de nos acompanhar conforme a noite ia caindo e o céu ficava rosado, lilás, azulado… Por vezes estávamos rindo, falando… Mas também soubemos calar para absorver tudo o que foi vivido durante aquele dia. E foi assim nos últimos quilômetros da travessia.
O grupo todo chegou à Barragem às 21h, onde demos por encerrada a nossa Petrô × Terê.
E assim finalizo esse artigo, dizendo que mais que aproximadamente 30 km caminhados em um dia, tivemos uma experiência para levar para sempre. Eu, no meu desafio pessoal de fazer a travessia dessa forma e conseguir ressignificá-la. Uns por jamais terem feito a travessia em outra oportunidade, por estarem andando naquelas bandas pela primeira vez, e terem a coragem de se desafiar a conhecer cada cantinho desse templo tão precioso. Outros por já terem feito essa caminhada tantas vezes e de todos os jeitos, e ainda assim se sentirem emocionados e gratos por mais essa vivência.
E não, não foi a "travessia da correria", como passou de forma tão leviana pela minha cabeça.
Talvez seja essa a mágica da montanha. Ela cria oportunidades e nos faz viver, na plenitude, grandes momentos. Essa travessia, da forma que aconteceu, foi única e incrível, e tenho certeza que cada um que estava ali jamais irá esquecer.
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Fotos de William Nascimento e Renata Faustino.
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Guias responsáveis pela atividade: Bruno Negreiros (CO), Rafael Damiati (CEB), William Nascimento (CEB)
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Participantes: Alex Espinosa (CEB), André Almeida (CEB), Bruno Alvarenga (CEB), Enzo Baiocchi (CEB), Fernando Magalhães (CEB), Vivian Crohmal (CEB), Cátia Alves (CO), Danielle Hepner (CO), Eduardo do Valle (CO), Larissa Ferreira (CO), Leonardo da Luz (CO), Renata Faustino (CO)
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Parabéns pelo relato e travessia Danielle. Vocês foram sozinhos? Teve algum guia? Obrigado!