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Danilo Lessa Bernardineli 02/01/2025 20:45
    O Morro Mais Alto Da Planície Paulistano-Valeparaíbana

    O Morro Mais Alto Da Planície Paulistano-Valeparaíbana

    Documentando e explorando um morro anônimo com vistas para São Paulo, Vale do Paraíba, Serra do Mar e Serra do Cantareira

    Mountain Bike Cicloturismo

    Esta atividade teve a finalidade de documentar e vistoriar um morro anônimo e particularmente proeminente, que foi batizado muito recentemente de “Alto do Arujá”. Tal morro trata-se da maior elevação em ambas as planícies paulistana e paraibana, ou mais especificamente, na área circunscrita pela Serra da Cantareira-Mantiqueira, Serra do Itapeti (ao norte de Mogi das Cruzes) e Morro Grande (ao oeste de Embu das Artes). A posição relativamente central do morro fornece uma vista única e privilegiada para toda a urbe paulistana, o ABC e São José dos Campos. Por último, a localização próxima é um divisor quádruplo de águas: lá nascem os rios Jaguari (banhando Igaratá), Paratei e Baquirivu-Guaçu (banhando Guarulhos e Arujá).

    Este morro é anônimo: buscas em uma variedade diversa de fontes não renderam nenhuma menção para trilhas, fotografias e citações. Nem mesmo nome há! O que é impressionante dado suas características. No máximo, menções para pedreiras. A curiosidade sobre este morro surgiu após uma visita ao mirante do SESC Paulista e verificar a existência de um morro isolado ao nordeste, que inicialmente acreditei ser em Mogi, mas que gerou surpresa ao constar estar em Arujá.

    O fascínio fez organizar esta rota, que sai do Aeroporto de Guarulhos e acompanha o rio até chegar em sua nascente lá no Arujá. De lá, entraríamos em pedreiras abandonadas e por estradas mencionadas somente nominalmente por mapas de 1980 da EMPLASA. Acessando o alto, documentar-se-ia a paisagem e iniciaria uma micro-jornada pelas cristas deste morro até cair na nascente de um córrego. De lá, iriamos para um bairro vizinho, onde há a hipótese da existência de um campo de futebol panorâmico, no alto de um bairro sob o morro. Finalmente, a volta seria por Itaquaquecetuba, aproveitando-se para visitar o Parque Ecológico do mesmo, rodeado pelas várzeas do Tietê. Um vislumbre de São Paulo de antigamente.

    Dito o contexto e plano: a realidade. Convidei os irmãos André e Bruno Perandin, que tocam o projeto Bicicletografia, para virem nesta expedição exploratória e um tanto especulativa. Poucos são os malucos neste mundo dispostos a empenhar o dia e a energia em nome de um morro esotérico tão incerto na periferia. Felizmente, eles toparam com muito fascínio e alegria. Como é bom ter malucos neste mundo.

    Nos encontramos às 09h da manhã na estação. Saímos. Aproveito para perguntar-lhes sobre se eles têm noia ou não. Não há noia. Logo, levo-os para um mirante onde dá para ver os aviões de Guarulhos numa perspectiva espetacular. A periferia guarda tesouros paisagísticos para quem lhe adentra abertamente.

    Após, continuamos. Observamos toda a transição da metrópole para a ruralidade. Cavalos sendo lavados antes de serem estacionados nas garagens. Edificações de moradia popular de seis andares ao lado de hortas e estufas extensas. Morros de cultivos diversos com contornos para conter erosões. Integração cidade-campo. Em breves momentos, senti-me pedalando em lugares da Itália, lá na transição entre Guarulhos e Arujá.

    Chegando a Arujá, injeta-se pão com ovo e tubaína no corpo e segue a jornada. Adentramos na Pedreira Abandonada, que tem paredes imponentes de duzentos metros de altura, distribuídas em cerca de oitocentos metros de comprimento. Um DIB sem o lago. Não nos metemos dentro, pois estava muito próximo à entrada e preferimos manter o foco.

    O caminho, conforme previsto, é especulativo. Em diversos trechos, talvez alguém já tenha andado por lá vinte anos atrás. Sentimo-nos pedalando igual aos pioneiros que pedalavam há 300 anos, quando faziam suas entradas nas matas e serras do interior. Esquecemos de dois itens essenciais nessa modalidade de atividade: o facão e a perneira.

    Após quinhentos metros de distância, duzentos de aclive e cerca de oitocentas unidades de capim amaciadas, estamos no alto do morro. Rapidamente, visualizamos um empecilho: O Morro está sendo devorado pela nova pedreira presente na face norte. Assustador o ritmo de mudança comparado com a imagem de satélite, captada há três anos. Talvez possamos ser as últimas pessoas a capturar a paisagem que hoje avistaremos.

    O caminho previamente mapeado para o Alto havia sido devorado. Com alguma criatividade, conseguimos inventar um caminho para retomar a estrada original que levava ao alto, que hoje se encontra desabada. Lá no alto, a vegetação se altera e rochas soltas aparecem. Subimos numa delas. Estamos a 986 metros de altitude. O ponto mais alto das planícies paulistana e vale-paraibano!

    O material bruto está lá. De binóculo ou de câmera telescópica, é possível visualizar o espigão da Paulista, o ABC, a Zona Norte, São José dos Campos. Tantas outras coisas que sequer sei a terminologia. Quase metade do horizonte ao oeste é preenchida por prédios extremamente distantes, cuja dica é fornecida pelo olhar atento no qual a linha é substituída por padrões cubistas. A sensação é de ruralidade ao olhar para o norte e ver a transição do Cantareira para o Mantiqueira, ou olhar para o sul e vislumbrar a Serra do Mar. O leste é um oceano de campos e vilas. Lá no Alto do Arujá, o mundo parece tão pequeno e conectado. Tudo faz sentido.

    Tenho de confessar, porém, que a descrição acima foi parcialmente subsidiada pelas imagens mentais. Apesar do dia ensolarado e sem neblina, um tipo distinto de névoa nos atrapalhava a observar: a mancha marrom de particulado, que se encontrava espessa ao máximo em São Paulo, e afinava-se ao branco ao olhar para o Vale do Paraíba. Lá de cima, era possível observar inúmeras fontes de partículas. Ao menos seis ou sete fumaças volumosas. Ora de indústria, ora de incêndio, ora de sítios. O horizonte distante tornava-se opaco, mas não suficientemente para apagar as linhas e tons de sombra.

    O misto do panorama que ali estava conforme esperado e da névoa que não estava ali conforme esperado frustrou parcialmente o resultado desejado. Para lá, trouxe e carreguei uma câmera telescópica, dois mil milímetros de distância focal, pronto para fotografar um ângulo de visão diagonal abaixo de um grau. A intenção era registrar esse raro panorama, combinando-se cerca de cento e sessenta fotos numa única foto de mil e quinhentos megapixels numa resolução de cerca de quinhentos mil por dois mil píxeis. Uma foto-binóculo para eternizar o Alto do Arujá. As imagens estão aqui, e a espessa névoa que bloqueia o distante também. Resta agora a esperança na manipulação de imagens para ressaltar o essencial.

    Uma vez feitos os registros, procedemos para trilhar a crista deste morro. No meio do caminho, passamos por diversos afloramentos de rochas nos topos, alguns dos quais com formações um tanto peculiares. Cogitamos a possibilidade de envolvimentos extraterrestres. A prova definitiva seriam pequenas construções em formato de portais que ali encontramos. Outra prova, também convincente, foi o encontro duma grande pedra maciça em formato de submarino. Aproveitamos para compor fotos com paisagens e iniciamos a descida, rente à nascente de um dos córregos que formam o Jaguari. Estamos de volta ao asfalto.

    A água está escassa. Bruno teve uma de suas garrafas com água vazante, e minha mochila de hidratação já havia esgotado. Havíamos começado a subir para o Alto do Arujá às onze da manhã e agora são três da tarde. Quatro horas sem fontes novas de água. Começamos uma descida na qual encontramos a Adega do Cabelo. Churrasco, surfe e Bob Marley, tudo que precisamos para o domingo. Lá, consumimos cinco litros de água e um litro de energético sabor manga louca. Estamos vivos de novo. Subimos o Morro do Tuim, o bairro onde há o campo de futebol possivelmente panorâmico no alto do morro. Primo do Alto do Arujá. A expectativa era alta, mas o local acabou por decepcionar visualmente por motivos de árvores e construções tapando a visão.

    Com isto, encerramos nossos objetivos em Arujá. Seguimos num pelote rápido até Itaquaquecetuba, no qual a rota passa por um túnel abaixo da Dutra, ponte acima da Ayrton, e passagem por baixo do Rodoanel. A chegada em Itaquaquecetuba tem um trecho com ciclovia ao lado da rodovia, e começamos rapidamente a ver lagos gigantes que, após ponderação, identificamos como sendo as várzeas do Tietê. Cheio de curvas e vida. Lá são possivelmente as últimas várzeas que remotamente lembram a realidade de cem anos atrás na urbe paulistana.

    Visitamos o Parque Ecológico de Itaquaquecetuba. Um aconchego. Dispenso mais palavras, pois vos convido a visitar lá de bobeira. O Garmin travou e quase perdi a atividade. Pegamos um trem cheio de ciclistas. Assim, encerro este relato. Uma aventura topográfica.

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