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Travessia Transpapagaio - MG - 72 km
Ao longo de quatro dias percorremos 72 km numa das travessias mais puras do sudeste Brasileiro, entre campos abertos e picos acima de 2000m
Trekking Mountaineering CampingTravessia Transpapagaio - Parque Estadual da Serra do Papagaio - P.E.S.P. (MG) 72 km
Ao longo de quatro dias percorremos 72km numa das travessias mais puras do sudeste brasileiro, entre campos abertos e picos acima de 2000m, desfrutamos de um ambiente preservado, diferentes paisagens e abundância de água, apresento a vocês a Transpapagaio
Mais uma trilha sem fins lucrativos, um rateio honesto e raro! Tal iniciativa ajuda e muito a democratizar o acesso a esses rolês, que são um pouco longe e principalmente difíceis de chegar de busão, por exemplo. Quando apareceu a oportunidade, me interessei logo de cara, me interessei também pelo desafio de ser autossuficiente numa travessia de quatro dias, algo novo para mim, mas como eu gosto de estar sempre alargando os limites, resolvi que faria sim e comecei a me preparar para tal. A preparação física não saiu como planejado, por conta da faculdade e trabalhos em casa, mas a cabeça tava boa e eu estava motivado, estava precisando de uma viagem dessas para me afastar de algumas coisas e me reencontrar com outras.
O roteiro total completo poderia chegar por volta de 90 km, pasmem! Com todos os ataques aos cumes, sendo opcionais, então iria variar entre 65 e uns 90km, mas fato é que começaríamos na cidade de Aiuruoca (MG), passando por Alagoa (MG), Baependi (MG), Itamonte (MG), e finalizaríamos em Pouso Alto (MG).
No dia da viagem, foi aquele corre-corre de sempre, arrumando a mochila em cima da hora e deixando várias coisas para trás, esse arranjo iria mostrar que ainda estou bem longe do minimalismo. Mas depois de abarrotar a cargueira com roupas, comida, kit cozinha e águas, finalmente consegui fechá-la e colocá-la nas costas, ficou pesada igual pedra, devia ter uns 13 kg. Ao chegar no tatuapé encontrei a moçada, a maioria ainda desconhecidos para mim, mas entre eles alguns já se conheciam, viajamos apertados na van e a viagem durou cerca de 6h30 até Aiuruoca. Chegamos juntos ao amanhecer na Cachoeira dos Garcia, um frio lascado! Todos pularam logo da van e foram se ajeitando, se movimentando tão logo para espantar a friaca, ali os grupos já iam se formando, quem se conhecia já montava a panela e saia para a travessia, o Paulo e a Priscila, foram os primeiros a sair e só os veríamos no último dia.
Dia 1 - Cachoeira dos Garcia - um pouco antes da Cachoeira do Charco (Dia difícil, o mais longo dos dias, total de 23km)
Sai por volta de 6h35, acompanhando a última trupe, que tinha o Marcelo, Anderson e Danilo, por coincidência, todos do CEU - Centro Excursionista Universitário, todos da USP, a trilha inicia na Cachoeira dos Garcia (na altura dos 1650m); a cachu tem uma queda d’água grande, mas da cabeceira não deu pra ver muita coisa, o que deu pra fazer foi abastecer minha garrafinha com água geladíssima. À partir dali andamos por poucos metros em estrada de terra até subir à direita já na trilha, como tinha geado à noite, a relva estava branquinha e o capô de um fusca vermelho estava coberto de fina camada de gelo, posso dizer que esse início de trilha para mim foi bem duro, pois com o ar seco e gelado e a mochila com capacidade máxima, eu buscava o ar e ele não vinha, nisso acabei me distanciando um pouco dos caras pra poder me reabilitar melhor, fui buscando ar aos poucos e com alguma dificuldade fui melhorando conforme eu fazia breves pausas para recuperar o fôlego e continuava, mas o Danilo ainda estava atrás de mim, ou seja, a subida que a gente tava trilhando, que era o primeiro morro que venceríamos, não estava puxada só para mim. Enquanto isso, o sol já saia derretendo os cristais de gelo que tomavam conta da vegetação. Após vencer esse primeiro morro, fizemos uma breve pausa para esperar o Danilo, e encontramos o Davi e o Danilo (esse outro danilo), figuras que serão importantes daqui pra frente. O outro Danilo que estava conosco demorou a aparecer, ele já estava ficando pra trás, já nos atentando a esse detalhe, seguimos, agora minha respiração já se normalizara, e dali pra frente não teria mais problemas durante toda a travessia, foi mesmo uma questão de pegar no tranco já na quinta marcha.
Após 2h15 de pernada, chegamos ao Morro do Tamanduá (por volta de 2145m); um lugar com grandes pedras reunidas, três delas se destacando ao centro; lá topamos de novo com o Davi, Danilo e Sérgio, o Argentino. Ali seria a base para o ataque ao Pico do Papagaio, afinal não teria sentido ir à Serra do Papagaio e não subir o pico homônimo, resolvemos ir todos juntos, mocamos as mochilas e partimos, a trilha até lá é autoguiada; como a maioria do caminho até o terceiro dia; ao sair detrás das rochas, a trilha entra num trecho de mata com trilha bem aberta, um ambiente bastante agradável e fresco para uma caminhada de começo de manhã, àquela altura eu já me sentia muito bem e ia caminhando na frente, nós três que vínhamos com mochilas pesadas tendíamos a subir de rendimento quando sem elas. Em 49 min chegamos ao Pico do Papagaio (2100m), com vistas infinitas sobre o mar de morros de Minas Gerais e as serras além, tinham alguns matutos da região no pico e o sol já estava alto, e como recompensa eu me deitei na pedra e pela troca de energias fui me realimentando e tentando me preparar para o que estava por vir. O Danilo, esse que caminhava conosco agora, tinha nos falado sobre o aterramento corporal, uma prática que consiste em deixar a sola dos pés e a palma das mãos em contato direto com o solo, seja ele terra ou pedra, para que haja uma troca de energias entre você e o ambiente, com a pessoa recebendo uma carga de energia de elétrons, o que auxiliaria em inflamações e outros tipos de doenças, como quem está na chuva é para se queimar, eu aproveitei e fiz né, como de costume eu gosto de ter essa troca com o ambiente e naturalmente me senti muito bem. Ficamos um tempinho lá e logo nos pusemos a voltar ao Tamanduá, na volta passamos por uma área de reprodução de sapos flamenguinho. Chegando novamente ao Tamanduá, paramos para beliscar alguma coisa, como um café da manhã, encontramos um pessoal do nosso grupo que tinha ido fazer o ataque ao Papagaio também e logo nos preparamos para partir, eu troquei a calça por uma bermuda, agora mais leve para andar, colocamos os tanques nas costas e tchau tamanduá!
Morro do Tamanduá
Morro do Papagaio (2100m)
A trilha segue por dois morros de rocha, onde seguimos buscando caminho por entre elas, já numa subidinha um pouco mais íngreme onde a aderência nos pés é fundamental. Logo depois chegamos a uma área de planalto e campos abertos, caminhando em nível a pernada sempre rende mais, podendo assim caminhar mais perto um do outro, com o Marcelo já se destacando na frente. Naquele momento o Danilo e o Davi deram um estirão e foram simbora; vale ressaltar que eles estavam ultraleves, com mochilas pesando em média 6 kg; pra mim isso é um sonho distante kkk mas um dia chego lá; e nós ficamos na nossa, andando no nosso ritmo, nesse momento o Sérgio, nuestro hermano Argentino, tinha escolhido andar conosco, talvez porque tenha ido com a nossa cara ou porque viu que o nosso ritmo estava mais compatível com o dele, àquela altura as equipes já estavam formadas.
Por volta de 12h30 chegamos ao Retiro dos Pedros, um ótimo lugar para camping, com uma suíte de pedras empilhadas à mão formando um quebra ventos bem chique ali, fora isso a “área externa” cabia uma infinidade de barracas, sendo um lugar estratégico para quem faz a Travessia Baependi x Aiuruoca por ex, atrás da suíte de pedras tinha água pura e cristalina correndo por um córrego, ali enchemos as garrafas vazias e papeamos um cadinho com os colegas de trilha. Até o retiro gastamos 5h13 de caminhada, sempre sem contar as paradas, mas se for direto sem atacar o Papagaio, leva em torno de três horas. Saindo dali preferimos não atacar o Pico do Bandeira, e seguimos direto pela continuação da trilha que é um trecho de mata relativamente grande, de quase 1h, apesar do trecho estar um pouco “sujo”, com muitos bambuzinhos caídos pelo caminho, a trilha é bem marcada e fácil, ao cabo desse trecho chegamos a uma parte mais alta onde perto dali tinha um mirante que o Marcelo já conhecia (por ter feito a Baependi x Aiuruoca), e nos chamou a conhecer, e é bem legal lá, com as características poltronas de pedra que sempre existem em tais lugares, no tempo que ficamos ali contemplei o silêncio e o vento na cara, pra secar todo o suor que já tinha derramado para chegar até ali. Uma travessia desse porte é desafiadora em todos sentidos, ao longo do dia e das horas tu vai se dando conta que faz várias trilhas em uma só e que o final se dará apenas quando chegar o entardecer.
Seguimos viagem…O relógio marcava por volta de 15h e nos encaminhávamos para o final do dia, mas a pernada ainda seria longaa. Descemos um pouco e novamente começamos a adentrar por campos abertos e o peso da alça direita da mochila começava a me incomodar. No Vale do Matutu, que era onde estávamos, adentramos novamente a um desses campos abertos e nos deparamos com um tótem do Santo Daime; devido a uma comunidade que fica ali perto; esse totem de pedra fincado na terra simula uma agulha de acupuntura, colocada ali por um europeu que o fez em inúmeras outras partes do mundo, e escolheu aquele vale para receber tais energias, seu desenho em redemoinho é bastante místico e cheio de significados, transmitindo uma aura de respeito e admiração, ainda mais para mim que tenho um apreço especial por isso. Fotografamos o totem e continuamos a trilha, passando por uma placa que alertava sobre a presença de felinos na região…Bom nós que não temos nada a ver com isso só seguimos heheh, a trilha segue agora por um curto trecho sombreado que ajudou a refrescar a cuca, e sempre enquanto caminhávamos a conversa rolava solta, o nosso grupo se entrosou muito bem, éramos eu, Anderson, Marcelo e Sérgio. Nesse trecho há um outro ponto d’água que passa debaixo de uma ponte de madeira, água limpa naturalmente, mas nessa daí eu mosquei e não peguei água por preguiça de tirar a mochila e encher as garrafas, nenhum de nós parou ali, eu devia ter parado.
Eu estava prestes a enfrentar o que para mim seria o trecho mais difícil e desgastante de toda a travessia, mas escrevendo agora sinto até saudades kkk, são momentos como esse, de exigência física e psicológica intensa que eu me sinto plenamente vivo e forte. Após cruzar a ponte com o trecho d’água, o Marcelo ainda avisou, “olha a subidinha”, quando eu olhei pra cima só deu tempo de falar “Opaa!” e já começou! Era íngreme com pedras e cascalhos soltos, a primeira vista poderia não ser muita coisa, mas pra mim foi, Marcelão começou subindo na dianteira e eu na bota, como tinha sido regra naquele dia, mas com poucos metros ele já se distanciou e foi indo devagar e sempre, quando eu parei a primeira vez eu já sabia que não daria para acompanhá-lo, tomei um pouco de fôlego e segui subindo, pra parar logo adiante de novo, enquanto o Anderson que vinha na sequência já me passava vagarosamente, é…tomei mais um tanto de fôlego e venci a primeira subida, ufaaa…Porém tinha mais um morrote bem à frente e isso acabou comigo heheh, continuei cansadasso e com a mochila parecendo pesar o dobro nas costas, nessa hora o bastão ajudava bastante porque a cada fincada dele na terra eu avançada mais um pouco; no entanto vale ressaltar que o desafio não era sobre humano, e sim eu que estava bem cansado e com sede; e com isso o pessoal foi se distanciando e tiveram que me esperar na crista desse morrote, algo inédito, porque geralmente sou eu quem espera o pessoal, assim que cheguei lá já joguei a mochila nos mato e saquei da água que ainda me restava e de um pacote de amendoim salgado pra dar uma acordada. O resultado foi quase imediato, foi como se tivesse preenchido algo que faltava.
Quando no cronômetro bateu 8h de trilha no dia, o horário era 16h20, bem apropriado não kkk, ao longe vimos o Danilo indo num ritmo bem lento, tínhamos agora mais um morro íngreme e pedregoso pela frente, dessa vez o último dessa sucessão de corcovas de camelo. Eu fui bem na manha, um passo atrás do outro, passos curtos, olhando pro chão e concentrado no que estava fazendo. Depois de sofrer nesse trecho, cheguei ao final desse último sobe-desce já um pouco recuperado, estava energizado pelo amendoim, pela água e pela minha vontade de chegar. Depois de ganhar certa altitude, andamos um pouco em nível e começamos a descer, o gps do Sérgio marcava algumas áreas de camping a cerca de 2 km, uma inclusive com água perto, era para essa que combinamos de ir, todos já cansados, mas concordamos que daria pra andar mais um pouco sim, e teríamos que apertar o passo pois já começava a escurecer.
Na descida passamos por duas áreas minúsculas de camping, provavelmente abertas recentemente, e baixando mais passamos por um primeiro trecho de rio, passamos batido pois teria água mais pra frente. Ali no meio da trilha, já no fundo do vale encontramos o Danilo, que tinha saído conosco lá no começo do dia, não o víamos desde então, ele parecia exausto, descansando no meio da trilha em meio á mata, o Marcelo já tinha passado primeiro e avisado que logo chegaríamos à área de camping, mas ele talvez por exaustão não quis nos acompanhar. Logo na sequência tinha o último ponto d’água do dia, que era um trecho mais forte do rio, onde todos abastecemos nossas águas, ficando full pesados. Logo à frente tinha mais um morrão pra subir, todos nós já não víamos a hora de montar acampamento, e ainda tinha mais um puta morro pra subir, bom fazer o que né, ao menos o gps marcava que o local de acampamento estava logo à frente. O Marcelo já tinha se pirulitado lá pra cima e bom até ele cansou nessa última subida, eu e Sérgio continuamos numa trilha que contornava o morrão e à frente vimos algumas barracas acampadas, que pensamos ser do nosso grupo, afinal tínhamos visto uma luz no fim do tùnel!! Todavia não fomos para lá, e sim subimos o morro para encontrar o Marcelo que já estava armando acampamento, lá no alto desse morro que não sei o nome, mas fica antes do Charco, é um bom local para acampamento, tendo uma área plana, mas não muito larga, comportando talvez cinco barracas com conforto. Enquanto montava a barraca, agradecia a todos os santos por aquele dia ter sido incrível e ter dado tudo certo!.
Montamos o acampamento em cima do laço, pois já eram 17h44 e a luz do dia já definhava por detrás das montanhas, acampamento montado, todos já foram preparar o rango, o cansaço geral não deu muito espaço para bate-papos; Sérgio mais isolado, Marcelo e Anderson dividindo a barraca, y yo solo. Meu rango foi feijoada em lata com macarrão, o melhor das três noites, fiz a feijoada já na primeira janta, pra me livrar do peso dela, estava uma delícia! Uma comidinha quente sempre aquece a alma. E após comer, antes das 20h, já estava pronto pra me ensacar e dormir, como sempre havia algumas pedras e irregularidades no chão me fazendo deitar um pouco contorcido, mas nada que atrapalhasse tanto, após um período de cochilos o sono já pegava forte, pelas rápidas olhadas que dei no céu ele estava lindo e reluzente…cai no sono…e tive sonhos incríveis, inspiradores, sonhei com meu presente e meu futuro…Às 5h da manhã já estaria desperto para um novo dia. Nesse primeiro dia andamos aproximadamente 23km, em 9h23 de caminhada bruta.
Dia 2 - Charco até o Abrigo do Salvador (O dia mais leve de todos. O dia da contemplação e curtição! Total de 15km)
O segundo dia começou cedo, invariavelmente isso acontece quando dormimos cedo, esse dia prometia ser o mais tranquilo dos quatro, um dia de contemplações e cachoeiras, seria esse o dia de tomar banho heheh. O desjejum foi rap10 e mingau de aveia com granola na água quente, uma aposta minha pra dar mais “sustança”. Mesmo que acordando cedo, a hora pela manhã passa voando e logo já eram quase 8h, até sairmos quase 8h30. Ao longe vimos uma barraquinha roxa perdida no meio do descampado, desconfiamos ser o Danilo, e era kkk, bom ele estava meio atrasado pra levantar àquela hora, mas enfim seguimos trecho.
Ao descer o morro e chegar à outra área de camping descobrimos que aquela galera que estava lá não era a nossa, e sim um pessoal que estava fazendo a Baependi x Aiuruoca, trocamos rápidas ideias e seguimos, passando por mais um ponto d’água, era começo de manhã ainda e o sol brilhava emoldurando um belo quadro com céu azul, andamos cerca de 15min descendo a encosta da montanha e chegamos à Cachoeira do Charco, ali há que se atravessar para o outro lado por dentro da água, essa travessia deve ser feita após a queda, na parte baixa. A forte queda de aproximadamente seis metros de altura, aliada com o fundo verde e as paredes de rocha ladeando a queda enchiam os olhos e dava uma vontade imensa de mergulhar nela, não fosse o gelo da água quem sabe kkk. Tirei algumas fotos e tirei as botas para fazer a travessia, segundo o Marcelo, esse seria o trecho mais radical da travessia até ali, eu achei tranquilo, o trecho era curto e não muito fundo, com a água batendo um pouco acima do joelho, porém para pessoas baixinhas, ficará pela altura da cintura. O único porém é que a água estava muito gelada e como a galera faz mais devagar, tem que ter paciência pra aguentar o gelo, mas passamos ilesos. Logo após subindo a trilha há um mirante bem supimpa de onde dá pra ver a cachu de cima, ali todos quiseram tirar fotos, mesmo os mais reservados como Sérgio e Marcelo. As fotos ficaram ótimas e a visão era inspiradora naquele começo de manhã. Detalhe para a lua já minguando por detrás da serra antes de desaparecer em definitivo, deixando o sol reinar em absoluto.
Cachoeira do Charco
Seguindo por rápida trilha, chegamos à área de acampamento do Charco, onde também tem água (que nós pegamos), e tem um casebre de madeira. Davi e Danilo tinham acampado lá e já estavam despertos quando por lá passamos, ainda se ajeitavam para sair, sabendo que aquele dia seria de passeio no parque. Nós continuamos a pernada subindo pequenos aclives com trilha batida, entre vegetação seca, pequenas árvores retorcidas e paisagens que me remetiam às do cerrado. Ao longo da travessia, neste dia e trecho em especial, foi o dia em que mais encontramos outros caminhantes, sua maioria fazendo a clássica travessia da região, a Baependi x Aiuruoca, que nós já estávamos fazendo conforme percorríamos a transpapagaio. A caminhada prosseguiu bem e de forma tranquila, conosco papeando e aproveitando o dia de sol, vale ressaltar que mesmo o sol se fazendo presente a todo instante, não fez aquele calor abrasador; bem antes de chegar no Juju, encontramos um pequeno córrego de águas limpas e perfeito para reabastecer o cantil, por lá batemos uma água no rosto e seguimos. Subindo um pouco mais, passando por curto trecho de mata, temos na sequência a primeira visão da cachoeira do Juju, precedida por uma íngreme descida com grandes pedras que servem perfeitamente como cadeiras enquanto apreciamos a longa queda do rio gamarra se espraiando pelos verdes vales da serra do papagaio.
Após mais de três horas de caminhada num ritmo bem tranquilo, chegamos à Cachoeira do Juju, em Baependi, local bonito pra valer! São três piscinas naturais de águas cristalinas, a primeira menor e mais rasa, a do meio a maior e “mais funda”, com uma quedinha d’água bem gostosa, e a último é a jóia da coroa, com um fundo de areia fofinha, dava pé em todo lugar, ou seja, zero risco de afogamento, além da borda infinita que dava aquela sensação de que “É pra isso que eu venho de tão longe” heheh. Lá eu me esbaldei, nadei, fiquei encostado nas pedras, tomei sol, fiz o que tinha direito kkk, acabou que o pessoal quase todo entrou e aproveitou também, porque o dia estava perfeito!. Ainda na saída encontramos uma galera que tinha vindo dos chalés e hospedagens que tem ali logo abaixo e trocamos um papo, a galera fica sempre curiosa quando vê um mochilão. Além do mais, ali bem do ladinho da água tem local para acampar e é um dos locais mais privilegiados de toda a travessia. Curtimos muito e fomos seguindo trecho explorando outras quedas um pouco mais pra cima, e logo se descortina para nós um grande escorregador, uma laje inclinada e de pedra bem lisinha por onde aquela água passa a sabe-se lá quantos séculos ou milênios, sua cor mesclava laranja e dourado desaguando num poço com tons de verde, coisa mâi linda! Como bem disse o Anderson, sempre que tem água é legal, todas aquelas cores vivas emolduradas pelo céu azul sem manchas faziam o sorriso brotar no rosto com facilidade. Ao subir pela trilha que ia margeando as quedas, voltamos à trilha principal, admirando e conversando sobre a paisagem que estávamos defronte, com serras e montanhas sobrepostas. A trilha segue bem batida, com mirantes à direita, onde acompanhamos a queda do rio Gamarra, que é deslumbrante. Logo à frente uma placa indicava a direção do abrigo, e uma caveira de cavalo indicava nosso futuro; à caminho do abrigo passamos pela bifurcação para o Pico do Chorão, mas seguimos reto para o Rancho do Salvador, que se apresentou a nós como outro lugar mágico, uma charmosa pontezinha de madeira nos permitiu acessar a área de camping que era precedida por um manso rio que serpenteava por entre as pedras, esse trecho do rio me fez lembrar das cenas de filme onde as mulheres lavavam roupas à beira de rios e riachos, certamente era um cenário de filme (e não de terror kkk). Entre a Cachoeira do Juju e o Rancho do Salvador demoramos 40min, bem pertinho.
Cachoeira do Juju
O rancho tem um abrigo, que é uma casinha amarela e branca, toda rabiscada pelos que lá frequentam, pelo que fiquei sabendo ali passou por uma reforma e sim o telhado está inteiro, devendo servir ali para que os trilheiros se protejam da chuva, para que façam um bivak, e principalmente para cozinhar, já que possui um fogão à lenha, tendo carvão e lenha cortadas, pelo menos dessa vez tinha. Boa parte do terreno em torno é plano, e quando chegamos lá por volta das 13h40, só tinham duas barracas montadas, pudemos então escolher os melhores lugares, ficamos numa área sombreada protegida pelas araucárias e rodeados por bancos e uma mesa de madeira, logo atrás ficava uma parte de mata, e o rio que servia tanto para tomar banho, quanto para nos abastecermos de água, ou seja, um acampamento perfeito, com certeza dos melhores que eu já fiquei, em questão de minutos já me sentia em casa. Aos poucos a galera foi chegando, primeiro Danilo e Davi, depois os casais, que lamentaram termos pego “os melhores lugares” kkk, paciência né. Apesar de termos chegado cedo, o tempo voava batendo asas, até que o Marcelão se animou e disse que ia atacar o Chorão, fiz coro à essa ideia e da nossa trupe todos fomos, exceção feita ao Danilo. Em questão de minutos (7 min), subimos ao Pico do Chorão (1800m), a vista de lá como tudo nessa travessia, é sensacional, conseguimos ver boa parte da serra do papagaio; lá encontramos os Ituanos, (Denis e Roger, dois amigos de Itu que fizeram conosco a travessia), e ficamos papeando sobre montanhismo, manejo de áreas e parques, turismo no Brasil e por aí vai…São sempre temas ligados ao montanhismo e trilhas, trocar experiências com essa galera é um privilégio, do alto do chorão ficamos contemplando o horizonte e curtindo a brisa, mas não ficamos para ver o pôr do sol, descemos antes.
Rancho/Abrigo do Salvador
Pico do Chorão (1800m)
Serra do Papagaio ao fundo
E ao chegar ao acampamento, uma surpresa, logo chegou o Danilo, nosso companheiro de trilha que tinha meio que ficado por conta própria no dia anterior, ele chegou bem cansado, disse que tinha andado muito naquele dia; na verdade andou um pouco mais do que nós; e que até cobra ele tinha trombado na trilha, trilha essa que quase não se viu animal nenhum, a galera botou a culpa disso na perneira que ele estava usando, dizendo que tinha atraído a cobra, mas por sorte essa foi apenas mais uma história de trilha, e ali também ele nos informou que abortaria a missão, onde tentaria ir embora por Baependi, pegando alguma carona ali pelos chalés que tem na descida do Juju, realmente ali é o lugar possível para quem pretende abortar a travessia na metade. E todos ali juntos e reunidos, começamos a papear mais e conhecer melhor uns aos outros, muitos ali já tinham rodado o mundo, escalado grandes montanhas e tido grandes aventuras, percebe-se então que isso é um estilo de vida, uma forma de aproveitá-la de maneira honesta e prazerosa, por vezes gasta-se sim muita grana nisso, mas se não for no que gostamos, será em outras coisas que nem sempre nos darão o mesmo retorno, sendo na verdade não um gasto, mas um investimento, um investimento pessoal e espiritual.
Logo a noite caiu e os fogareiros começaram a ronronar, galera preparando cuscuz marroquino, carne seca, salada de cenoura com atum, tava bonito! Ali aprendi bastante também sobre comida em pó, sobre grãos, sobre como preparar rangos assim, que além de ajudar a tirar peso e volume da mochila, são rangos gostosos, aquele dia todo teve sabor de roda de conversa com recheio de aprendizado. Depois que todos comeram, cada um foi se entocar pra descansar, e eu fui na mesma pegada também, não sem antes dar mais umas espiadelas no céu de brigadeiro que fazia, como de costume essa tinha que ser a última visão antes de dormir, e aí enfim parti para o merecido descanso, naquele dia andamos cerca de 15km, em 4h15 de caminhada, com um ganho de altimetria de uns 500m, o dia estava ganho, agora era descansar para o que diziam ser o dia mais difícil de toda a travessia, boa noite.
Dia 3 - Rancho do Salvador até Pico Santo Agostinho (O dia mais difícil da travessia, em cerca de 19km rasgamos a Serra do Papagaio até o Pico Santo Agostinho, ponto mais alto de toda a serra)
Desde o início da travessia tínhamos uma ideia em comum de que esse seria o dia mais punk, influenciados por relatos e alguns tracklogs, com certeza ninguém queria se decepcionar, mas também ninguém tava querendo se surpreender muito heheh. Reforcei o desjejum desse dia, com um panelaço de mingau de aveia com granola e bis, toda fonte de energia seria importante. Partimos às 8h20, desta vez toda galera partiu no mesmo horário, apenas o Danilo que ficou dormindo mais um pouco pra procurar carona para fora da travessia (e conseguiu, sem problemas); começamos subindo à direita do acampamento, e sempre que começamos subindo, já é prenúncio de um dia puxado. A mochila eu não posso nem dizer que estava mais leve, porque como nesse dia têm poucos pontos d’água eu enchi todas as minhas garrafas, totalizando 4l, ou seja, 4kg+ kkkk, só que o couro já estava amaciado, começamos subindo em fila indiana num ritmo mais cadenciado pra ir esquentando o sangue e em 10min passamos os casais, o peso exorbitante da mochila deles, entre 17 e 22kg faria esse dia custar caro, aliás os veremos novamente só na manhã seguinte.
O dia estava agradabilíssimo, céu de brigadeiro e brisa constante, ótimo para caminhar, a navegação estava a cargo do Marcelo e do Sérgio, pois à partir dali a travessia era inédita para nós, logo Davi e Danilo apareceram no radar e encostaram conosco, estava formada a trupe! No início a pernada se dá por campos abertos de altitude, trilha batida no chão e o Pico do Careta, ou do Chapéu ao longe à esquerda, esse sim tem o formato de um chapéu. A princípio eu imaginava andar pelo menos 1h sem paradas, mas os caras são foda, fomos num ritmo constante, sem correr, mas sem perder tempo, e com cerca de 2h de sola, adentramos as primeiras partes de mata, onde fomos até mais rápidos, depois de uma forte descida e outra área de mata encostamos numa pedra no meio da trilha pra pegar um fôlego e tomar um cadinho de água, mas paramos mesmo pra beliscar alguma coisa um pouco mais pra frente numa parte sombreada da trilha, andamos pouco mais de 2h sem descanso e isso nos deu uma confiança e tranquilidade de que faríamos muito bem aquele dia, estávamos no melhor da forma, no terceiro dia já com os corpos totalmente adaptados ao ambiente. Àquela altura o Anderson já vinha ficando pra trás nas subidas, o que seria regra durante o dia, apesar dele ter se portado muito bem.
Subindo uma encosta com o Morro do Chapéu e a Serra do Careta ao fundo
Depois desse descanso começamos a subir pra valer um morro atrás do outro, certamente foi o trecho de quebra pernas kkk, e ali houve um momento em que estávamos todos juntos, mas também solos. O assobio do vento se confundia com o barulho da minha respiração, eu meditava, passo trás passo, olhando pra baixo e fincando o bastão no solo eu pensava em quantas subidas íngremes eu já tinha subido, e como elas pareciam pequenas diante daquelas que estavam à minha frente, enquanto eu pensava isso eu ria, feliz em saber que tinha condições de estar ali. Eu estava feliz! Além do mais aquilo me deu a remota sensação de sentir algo que ainda não vivi, que é a ascensão em alta montanha, sempre subindo, passo trás passo e bem inclinado. Ao chegar no alto de um morro muito cansativo a galera já se espojava no chão e ficava intercambiando entre recuperar e perder o fôlego com as vistas deslumbrantes de Minas Gerais, de longe, bem ao longe já víamos o St. Agostinho, estava no radar, o relógio marcava 11h13.
Nosso ritmo era muito bom, éramos os donos do terceiro dia, o mais difícil, e isso elevava nossa moral, a cada passo e a cada obstáculo vencido estávamos mais acerca del Agostinho. Bem longe vimos os ituanos, que no dia anterior tinham acampado mais pra frente do rancho para andar menos nesse terceiro dia, eles tinham uma bela vantagem. Nesse dia o Danilo teve um papel importante, ele era o único que já tinha feito aquele trecho da travessia e estava puxando a fila seguido de perto pelo Marcelo, o que criou uma correlação bacana de forças e companheirismo, a vaidade foi algo que deixamos em casa. Quando terminamos de descer mais um dos vários morros que trilhamos, o gps marcava o começo do trecho de vara mato, começamos por trilha bem batida que foi sumindo, sumindo e sumiu, depois achamos uma picada que ia paralela ao morro, ruim de andar, pelo menos pra mim, porque andar de lado e com o corpo inclinado judia bastante dos pés, rapidamente subimos à esquerda varando mato até uma parte mais alta, cheia de arbustos e árvores secas, vegetação típica da região, reflexo da altitude em que estávamos. Ali o vara mato ficou mais violento, andávamos perto um do outro porque em poucos metros já se perdia o amiguinho de vista, muita galhada seca pela frente, uso constante das mãos e canelas sofrendo, eu que estava de bermuda que o diga, ficamos nisso por alguns minutos até sairmos numa área mais aberta, mas ainda sem trilha, os gps davam o caminho e íamos na dica deles, cortando lateralmente o morro e tendo que passar novamente por outra área mais fechada, vez ou outra meu isolante térmico enroscava nos galhos e ia se acabando né, tanto que tive que colocá-lo na parte da frente da cargueira num ajuste que fiz pensando exatamente em momentos como esse, e deu certo. Continuamos na mesma pegada e como todo sofrimento sempre acaba, depois de mais alguns minutos nos vimos livres do trecho de vara mato mais pesado, ali no meio da encosta mesmo, nos permitimos quase que deitar no capim alto numa merecida pausa; o vara mato para mim é a vertente mais difícil do trekking, estressante e cansativa, onde se testam todas as qualidades adquiridas ao longo do tempo.
Era um pouco antes do meio dia e ainda tínhamos um longo caminho pela frente, nisso os caras aumentaram o ritmo e fomos Sérgio, Anderson e eu um pouco mais atrás, como o trecho voltou a fechar um pouco, nos enroscamos nele e em questão de segundos os caras sumiram de vista, poha para onde poderiam ter ido? Bom, só havia um caminho possível, que era a continuação da trilha, e foi lá que os encontramos, já numa baixada na boca da mata, nos reagrupamos ali. A adrenalina estava alta, plena 13h e o sol irradiava calor, por vezes o suor escorria farto pelo rosto, naquela altura o caminho ficou um pouco confuso, mas era certo que teríamos que passar por ali, ir com alguém que já tinha feito aquele trecho ajudou muito, porque por mais que a trilha sumisse, tínhamos uma noção de por onde passar; assim que se adentra esse trecho, a trilha é pela direita, passando por pedras e galhos no meio da trilha, é intuitivo. Esse é um trecho curto, ao transpor esse trecho vimos os ituanos do outro lado do riacho, riacho esse que teríamos que atravessar, porém mais uma vez não tinha trilha, fui então descendo para tentar a travessia próximo a uma araucária, mas nada…o jeito ia ser varar mato de novo, e foi o que fizemos, abrindo mato no peito mesmo e já cheios daquela situação passamos por uma área de charco e bostas de vaca e pulamos uma cerca de arame já em estado terminal bem ao lado do riacho, nem molhamos as botas, foi até tranquila essa parte, mas tem que meter as caras para atravessar. Ali é um ponto natural d’água, mas cuidado ao coletar água ali, já que os ruminantes dominam aquela área. Já era hora do almoço e resolvemos parar no meio da trilha numa parte mais alta e ao sol, mas como foi regra nesses dias, embora o sol se fizesse presente, ele não era agressivo, logo não era uma companhia que nos açoitava.
Ficamos por ali meio que almoçando, cada qual tratou de beliscar alguma coisinha, eu belisquei um pouco de salame com queijo e amendoim e bebi um pouco de suco, consegui fazer o saquinho de tang render 1,5l. Depois de algum tempo continuamos tocando pra cima por morros “descabelados”, a vista ao redor era fantástica, conseguimos ver uma boa parte do caminho já percorrido nos últimos dias, inclusive o papagaio, mas só dava pra ver quando levantávamos a cabeça ou quando olhávamos para trás, afinal as grandes subidas tinham voltado e nos testavam novamente, vez ou outra tomávamos fôlego enquanto o Anderson vinha acompanhando, e quando ele chegava logo prosseguíamos.
Por volta das 14h30 chegamos à parte alta do último morro antes de ver o Agostinho, já carinhosamente assim chamado por mim, lá descansamos um pouco, tiramos finalmente a foto da capa do disco, com a trupe toda reunida, Eu, Marcelo, Anderson, Sérgio, Davi e Danilo; nessa hora até brinquei porque o único que precisou levantar para tirar a foto foi justamente o Anderson kkk que não tinha descanso, ossos do ofício. A continuação da trilha ia por um trecho de “matinha” que adentramos; lembrando para mim em particular o trecho do Vale das Pedras, em Mogi; ali cruzamos uma cerca para contenção de gado, o Davi até nos alertou para meter o pé dali rápido por medo de o terreno ter micuins, que são os filhotes de carrapato, logo pinotamos dali e o Pico Santo Agostinho foi se mostrando à nossa esquerda, ufaaa!! Agora estava bem nítido no radar, era bom manter a atenção na trilha para não tropeçar, porque era uma trilha de pedras soltas e meu tornozelo começava a me testar. Terminando de descer essa parte sombreada da trilha há um ponto d’água no qual o Danilo até foi tomar um banho para recarregar as energias, o cara é um tarado por água gelada kkk, e enquanto ele recarregava as dele, nós estávamos prontos para gastar as nossas últimas. Ali na base é cheio, lotado de pedras…Ops…rochas, e em boa parte dessa subida elas formam uma escadaria natural; já subíamos o St.Agostinho, e o vento montanhoso junto com esse montante de rochas me faziam respirar o mais puro ar mineirês kkk. Cada um foi subindo no seu ritmo enquanto eu estava em modo de economia de bateria, a mochila pesada já incomodava meu ombro direito e eu tentava não ficar segurando muito no apoio que tenho na alça para o braço não ficar dormente, são também ossos do ofício, já que a caminhada se dava por todo o dia. Um grande alívio se deu quando chegamos ao ponto d’água antes do cume, onde eu pude tirar a mochila mais uma vez e beber bastante água, nesse ponto a água jorra por um cano, água limpa e geladinha direto da fonte, enchi ali tudo que tinha que eram 3l, pouco importava o peso, sabia que o conforto de ter água a mais valeria a pena, neste ponto encontramos os ituanos e subimos todos juntos e reunidos.
Sem tempo á perder e querendo chegar logo ao cume fomos todos; para quem vai acampar no cume, o lugar para pegar água é esse, um pouco abaixo na trilha, galera por favor preservem e fiscalizem esses lugares, não joguem lixo, não urinem nem defequem próximo aos cursos d’água, se for fazer merda que façam longe daí, senão um salve ou um esculacho talvez potencialmente agressivo será dado! Você será cobrado! Porque o que estará em debate é o que você fez e não quem você é.
Todo trecho final de subida para chegar num pico já dá um Up natural na galera, e quando não mais que de repente, depois de 6h44 de caminhada pusemos os pés nas rochas metamórficas do Santo Agostinho, ou garrafão, como também é conhecido. O alívio e alegria foi geral, deixamos as cargueiras descansando numa pedra e fomos até o platô principal, a vista em 360° de lá é surreal, com MG, RJ e SP se confundindo no horizonte, horizonte esse infinito para legítimos aventureiros que tinham chegado ali depois de muito esforço, mas é um esforço que fazemos questão de passar. Tudo foi absolutamente perfeito para um sábado à tarde, do jeito que eu gosto, me sinto muito privilegiado por poder viver momentos como esse, ter saúde para chegar a lugares tão altos e tão bonitos.
O Pico Santo Agostinho tem 2359 m, com serras e morros por todos os lugares que se olhe, ali pela 1° vez pus as vistas no Itatiaia, no maciço das Agulhas Negras, de longe já se vê que é um lugar diferenciado, ímpar. A galera ia nominando todos os picos, mas eu ia só contemplando e sentindo aquele vento que corria pelos cabelos e pelo rosto fascinado por ver tanta novidade num momento único. A serra fina também era visível, toda ela!! Em apenas um olhar, cara eu ficaria ali por horas olhando aquela paisagem, horas! As montanhas nos trazem muitas reflexões, não à toa eram o ambiente onde Cristo ia para falar com o pai, para se realinhar com sua missão; locais que muitas culturas acreditam ser habitados por espíritos sagrados e etc. Olhando para a Serra Fina eu conheci a Pedra da Mina, o Pico dos Três Estados e etc; além disso podíamos ver toda a Serra do Papagaio, um lugar incrível para se estar, só para loucos, só para os raros. Os ituanos estavam lá também, tiramos fotos e conversamos um pouco, antes de nós apenas a Priscila e o Paulo tinham passado por ali algum tempo antes. Nesse dia comemos muita montanha!.
O Pico St Agostinho (2359m) logo atrás
Já no cume do St Agostinho, pudemos ver o Itatiaia!
Só que não acamparíamos ali, para adiantar a caminhada do dia seguinte o Danilo vinha propondo que o acampamento fosse montado mais á frente, acampar ali no pico seria o ideal, mas a pernada do dia seguinte ia ficar mais puxada, por unanimidade decidimos que sim, íamos mais á frente. Caminhamos sentido sudoeste, passando pela antena que fica no maciço do pico e seguimos, o dia tinha sido extenuante e era normal estarmos todos cansados, o sol já ia se pondo e a imagem dos trilheiros caminhando em direção à ele era nada menos que mágica. Como estávamos alto, daria pra aproveitar sua luz até o fim, o objetivo era chegar à área de acampamento antes do escurecer, tendo em vista que só o Danilo conhecia o lugar, pois já estivera lá quando fez a travessia anteriormente, vez ou outra quando avistava um lugar mais plano, perguntava nos se não queríamos acampar por ali, mas não, a ideia era ir até onde ele já conhecia, não tinha porque pararmos antes, afinal missão dada é missão cumprida e o dia ainda não tinha terminado. Ao largo de mais 1h de caminhada desde o Agostinho, chegamos ao local de acampamento, uma área com grama um pouco mais ralinha, chegar lá foi um alívio geral, cada um escolheu um lugar pra montar a barraca, Sérgio na dele, Anderson e Marcelo dividindo uma Mykra Aztec, o Danilo e Davi numa espécie de tarpe ul, os protegendo de uma bivaque. Quando chegamos o sol estava já se pondo, só deu tempo de montar mesmo, enquanto a gente montava deu pra assistir um pouco o pôr do sol, pra não dizer que não assistimos nenhum heheh. O meu ritual foi o mesmo do 1° dia, montar e esticar a barraca, cair pra dentro, trocar de roupa, esquentar a água pra fazer o rango, que no meu caso foi macarrão com atum, o clássico dos clássicos, a água esquentou rapidinho e em 15min já tinha acabado com tudo. Ai sim finalmente o espinhaço deitava, ufaa! Que maravilha! Só na trilha mesmo para que eu durma 19h30 kkk, é um mundo à parte, são dias dentro de uma outra realidade, uma realidade que eu adoro, agora sim o dia estava concluído. Nesse dia andamos cerca de 19km, em 7h35 de caminhada, sem contar as pausas.
Dia 4 - Trecho final de descidas até Pouso Alto (Bosque de Avalon) Perda de mais de 1000m de altimetria num total de 15 km
Durante as trilhas e travessias costumo acordar cedo, dormimos cedo né. A vida outdoor é bem monástica, caminhamos o dia todo apreciando lindas paisagens, respirando ar puro e bebendo muita água, tomamos banho de rio ou cachoeira, preparamos nossa própria comida e admiramos as estrelas, há quase sempre um sentido de parceria entre os envolvidos, e as travessias de médio a longo curso nos proporcionam tais vivências, e isso é ao mesmo tempo de uma grandeza e simplicidade que confunde.
O plano para esse último dia era sair mais cedo, mas não rolou kkk, as lonas das barracas estavam bem molhadas pelo sereno da madrugada e enquanto elas secavam tomávamos nosso desjejum e a hora ia voando, como de costume. Enquanto a gente se arrumava, apareceu um cavalo todo curiosos conosco, afinal o que estariam fazendo esses humanos nas minhas pastagens, deve ter se perguntado ele, depois apareceram vários outros, mas se mantiveram afastados.Quando todos estavam prontos já era 08h20, de um dia mais uma vez radiante, o sol já dominava tudo e nos esquentava a alma, logo na saída do acampamento tem um ponto d’água; lembrando que esse acampamento está fora da rota da travessia. Esse ponto de água fica numa matinha pequena e logo já saímos para os morros com trilha batida, mas bem estreita e cheia de pedras soltas, o que é bem chato, pois necessita de muita atenção. E logo começaram as descidas, porque íamos descer em torno de 1100m até chegar no mundo avalon, vulgo bosque (que é um chalé/camping onde a van nos resgataria). Teve uma galera que disparou na frente, mas eu não me emocionei e fiquei ali pela rabeira junto com o Sérgio, para mim particularmente a descida requer muito mais atenção e é o que eu menos gosto. Porém devido à desenvoltura ao longo da trilha eu até tinha me questionado se seria isso mesmo, contudo eu vi que era mais ou menos isso mesmo. Durante esse intervalo de 1h entre um ponto d’água e outro, que ficava numa parte mais plana, a trilha me exigiu muita atenção, o terreno tava foda, traiçoeiro, cheio de pedras soltas, antes pequenas e nas descidas agora bem maiores, fora aquele sedimento bem arenoso que nos fazia querer escorregar, o meu cuidado era redobrado porque já quase tinha torcido o tornozelo esquerdo, que me dava sinais de atenção, acabei indo rápido porque o grupo assim puxava, mas não fui correndo, fiz no meu ritmo, melhor chegar inteiro á não chegar né; caminhávamos alto ainda assim e toda aquela visão do Itatiaia e da Serra Fina nos emoldurava a visão, pena que não pude olhar com toda a atenção que aquele visual merecia, mas ainda sim estávamos rodeados de coisas belas, nada poderia dar errado.
Quando chegamos ao último ponto d’água, que fica após essas descidas mais íngremes, todos enchemos ao menos uma garrafa a fim de vencer esse último trecho de trilha, ainda era cedo, o relógio marcava 9h30. Nesse dia caminharíamos “pouco” comparado ao dia anterior, todavia foi o dia mais técnico de todos. Logo após esse ponto d’água há uma cocheira para gados e subindo à direita se volta a trilha, ali avistamos uma galera na parte alta de um morro, estávamos na parte baixa porque vínhamos de outra trilha, a galera que estava lá em cima eram os casais, ficamos até surpresos por encontrarem eles ali, na real a gente imaginava que eles estavam bem pra trás, os avistamos mas não paramos para esperar, se estavam no radar, não havia problemas. À essa altura pisamos na trilha oficial da Transpapagaio novamente, naquele pedaço de chão todos tinham ali uma performance exemplar, galera casca grossa mesmo. Os campos eram abertos, lembrando os do primeiro dia, mas seria esse um trecho curto, logo adentramos num pedaço de mata, uma subidinha que o Danilo garantiu ser a última…Até ali o clima estava ótimo, nós super entrosados e andando muito, nessa parte de mata paramos um pouco e recuperamos o fôlego, já tendo subido todo o morro por dentro dessa mata saímos numa parte mais alta e novamente aberta. Cruzamos com os Ituanos nesse trecho e seguimos juntos um pouquinho, pouco porque logo à frente fizemos a única parada longa do dia, realmente para comer alguma coisa e continuar até o bosque de avalon, nosso destino final.
Era por volta de 10h30 quando tiramos as cargueiras das costas e fomos procurar algo no fundo da mochila para beliscar, sentados em rochas defronte á Serra Fina e Itatiaia conversamos sobre o manejo que era feito naqueles locais; em especial na Serra Fina; e como a imbecilidade de gente vagabunda permitia a vigarice de aproveitadores, realmente era um prazer conversar com aqueles caras, sempre papos relevantes e risadas. Olhando as serras ao fundo era geograficamente lindo perceber que apenas sob as mesmas se encontravam as únicas nuvens da região, estar na natureza é sempre uma aula. Ficamos uns 15min por ali e decidimos ir, papo tava bom, mas ainda tinha trilha pra comer, um tempinho depois a galera que estava lá atrás logo estava nos calcanhares, certamente não tinham parado e quando nos viram apertaram o passo, num lance rápido nos passaram, isso acendeu o estopim da competição, logo o clima mudou e o vento começou a soprar de maneira diferente. Passamos por trechos de grandes voçorocas (que são grandes sulcos na terra); e adentramos definitivamente os trechos de mata, que seriam predominantes até o final da travessia, a essa altura o Marcelo e Davi já tinham se pirulitado na frente e ficamos eu, Sérgio, Anderson e Danilo meio que em conjunto. Àquela altura eu já estava pedindo pelo amor de Deus para uma parada kkk, porque mal dava pra beber água, ali me lembrei bastante de como tinha sido a descida do PP ano passado, e como eu já tinha feito descidas em alta velocidade, sabia que poderia fazer de novo, essa força mental me segurou e me levou mais adiante, na minha cabeça meus limites ainda estavam intactos.
Quando finalmente se chega ao último trecho de trilha, ela fica rente a uma cerca de arame que separa os terrenos, sinal que estamos chegando à civilização, logo à frente há uma porteira, abri e passei por ela, dali pra frente já se está dentro de uma propriedade e de uma trilha bem sulcada pelo gado, numa descida bem acentuada cheguei a um curral, onde a única maneira é passar por dentro dele mesmo, por sorte o gado estava pastando e pude passar tranquilamente, enquanto Sérgio, Anderson e Danilo vinham na cola. Após abrir a porteira da propriedade particular, caímos numa estrada de terra que nos levaria ao bosque de avalon, caminhamos os quatro por ali já sabendo que ainda restavam 2,3km, que pareceram ser bem mais, por todo esse trecho existem quedas d’água, o que vale ouro para quem possui aqueles terrenos.
Meia hora depois subimos à segunda esquerda, trecho com piso intervalado hexagonal, atente-se porque essa é a subida para o Bosque de Avalon (quase todos do nosso grupo passaram reto, porque o gps dava o final do tracklog bem mais abaixo, e também pela falta de uma simples placa); então ao 12h56 no pico do sol, ao cabo de 4h12 de caminhada, com 15km trilhados e quase 1100m de desníveis somente naquele dia, finalizamos a Tranpapagaio, numa totalidade de 72km, por onde eu passei pelos Pico do Papagaio (2100m), Morro do Chorão (1800m) e Pico Santo Agostinho (2359m); com um total de mais de 3000 m de altimetria e mais de 2000 m de desnível.
Completar essa travessia foi fazer história, algo marcante à exemplo do ano passado, fiz algo grandioso e agora 100% autossuficiente, com mochila pesada nas costas, algo que inspirou desafio e motivação, é maravilhoso passar dias trilhando, uma sensação das melhores que já tive e conheço, afinal vencemos desafios dias após dias, sendo a única preocupação apenas chegar à lugares almejados no roteiro do dia seguinte, e através disso conhecer lugares novos e paradisíacos e pessoas que agregam em conhecimento e solidariedade, agradeço à toda galera que fez esse rolê possível, Priscila, Paulo, os Ituanos Denis e Roger, aos casais Caio, Sandy, Felipe e Sthéfany, ao Danilo que iniciou conosco e não pôde finalizar, e agradecimentos especiais à minha turma Marcelo, Anderson, Sérgio, Davi e Danilo!.
Foi um grande prazer compartilhar essa trilha com eles e aprender bastante sobre vários assuntos, uma palavra comum a todos foi APRENDIZADO, cada um ensinou e aprendeu um pouco, o espírito de equipe fez a diferença e o rolê foi sensacional!! Com certeza gostaríamos de trilhar juntos novamente e que essas novas amizades não fiquem pelo caminho.
Depois ainda fomos ao restaurante Canto da Siriema em Pouso Alto (Mg), ali nos esbaldamos de comer, eu mesmo saí de lá pesado kkk, comida mineira no fogão à lenha é a pedida perfeita para o final de um rolê desses; o trânsito castigou um cadinho na volta, mas voltamos bem, chegando em casa percebi o quanto é bom sair e o quanto é bom estar de volta! Para qualquer dúvida já sabe #DEUMROLÊ!!
Toda trupe reunida! Danilo, Sérgio, Davi, Marcelo, Eu e Anderson
