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Denis Forigo 17/08/2015 09:53
    Península Ibérica

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    Cicloviagem pela península Ibérica

    Cicloviagem Longa Distância

    Resumo dos trajetos que consegui registrar:

    Los Palacios y Villafranca - Sevilha 34,36
    Las Cabezas de San Juan - San Leandro 7,05
    El Puerto - Sanluca 30,45
    Cadiz - El Puerto de Santa María 22,93
    Sanlúcar de Barrameda - Las Cabezas 58,88
    Nerja - Málaga 55,75
    Alcaicería de Granada - Almuñécar 77,08
    Baena - Granada (strava travou) 80,5
    Córdoba - Baena 59,8
    Almuñecar - Nerja 20,74

    Total 447,54 km

    Em Portugal devo ter pedalado mais uns 50km ou 60km pela costa, até Sagres.

    no Wikiloc: http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=8670831

    Diário de Viagem

    Madrid, 26 de setembro de 2014.

    Depois de um vôo de quase 10 horas, cheguei. Há dois dias que não dormia muito e estava bem cansado. Demorei quase três horas para chegar à casa da Poliana, que fica no bairro de Atocha. A demora ficou por conta da bicicleta, que havia chegado em um setor de bagagens frágeis e eu não sabia disso. Quando fui ver, ela estava jogada no chão do aeroporto. Tomei o trem sem nenhuma vontade de conversar com uma norte-americana de Boston que se espantou com minhas malas. Na estação de Atocha fiquei perdido em meio à multidão e conheci um justo mau-humor matinal madrilenho: da central de informações ao taxista, nenhum sorriso e, aliás, muito pelo contrário. Cheguei à porta do prédio da Poli e já cogitava tocar todas as campanhias, pois não sabia o número de seu andar, quando ela apareceu, saindo para o seu ensaio. (A Polis é coreógrafa e dançarina e faço trabalhos de design gráfico para ela). Muita sorte ainda tê-la encontrado! Me deixou as chaves e subi já exausto com a bike os três lances de escada circular que levam ao seu pequeno apartamento. Dormi como uma pedra e quando ela voltou pusemos o papo em dia durante o almoço (salmorejo, hambúrguer de uma carne que não consegui identificar e chá vermelho). A tarde montei a bicicleta, que está relativamente em ordem. Nos próximos dias faço compras, visito museus e termino de preparar a viagem, a cicloviagem.

    Madrid, 27 de setembro de 2014

    Hoje me deixei perder um pouco por aqui. Encontrei ruazinhas pequenas com barzinhos, restaurantes e mercearias de indianos e chineses. Passei perto do Museu do Prado, mas os camelôs africanos me fizeram lembrar o filme Beaultiful e saí dalí para andar sem precisar chegar. Tomei sorvete de ricota com figo e isso foi muito bom. Tem muita portinha de Kebab por aqui, quero experimentar. Comprei vinho, mas já estou com sono. Viajar é um lance muito empírico para mim. Me encanta ver novas paisagens e sentir como estou me encaixando nelas, como me aceitam ou não, como me coloco. Sinto que a variedade de modos outros de levar a vida nos mostra que a nossa história é só uma história e que nossas fronteiras internas são só fronteiras a serem cruzadas, mesmo que queiramos voltar para o conforto do lar.

    Madrid, 28 de setembro de 2014, 0h10

    Pela manhã fui à bicicletaria e troquei o pedal, pneus e câmara. Comprei cadeado e luz traseira. A bicicleta está precisando de ajuste no câmbio traseiro e não sei como fazer. Renê, companheiro de piso da Poli, he dicho que há uma bicicletaria na calle Embajarores. A tarde dormi. O fuso horário ainda me dá uns sonos repentinos e definitivos. Fomos ver uma peça de dança muito abstrata e acabei cochilando um pouco. Mas era bem interessante: um palco com retângulos vários desenhados, músic@s tocando ao vivo e trocando com os dançarin@s, luzes interagindo, uma passagem com sombras espetaculares.

    Fui ao Museu do Prado, mas cheguei tarde e não vi quase nada. Dormi a tarde e fiquei bravo com isso. Falta buscar a barraca que comprei e conseguir estadia em Córdoba. Amanhã talvez encontre Bea. Agora terminei esse relato rápido e meu vinho. Vou dormir.

    Madrid, 29 de setembro de 2014 (com vinho)

    De que importam essas anotações? Visitei rápida e gratuitamente os museus mais importantes de Madrid. Reina Sofia e del Prado. Mas de que me adiantaria, a mim (e a um possível leitor), o relato de meu espanto pessoal ao entrar numa sala e, sem prévio aviso, deparar-me com o Guernica e o arrepio que corre o corpo e queria transformar-se em uma lágrima, que é o que se tem, mas ao avesso: que a primeira vista do todo, o gozo da obra vai destrinchando-se em pequenas carícias que tomam tempo e trabalho para acontecerem e são sem sequência correta ou pré-definida o caminho de volta para um ponto de que não se partiu, para um ponto em que eu não era Saturno devorando (amedrontado) um de seus filhos, não lutava contra os franceses que me fuzilaram no primeiro de maio, não havia vivido o horror na pequena vila de Guernica ou sentido tesão por três graciosas mulheres nuas, tímidas de sua cor e tamanho naturais. De que me importa o que anoto, sendo quem já não sou?

    Córdoba, 30 de setembro de 2014

    No dia 29 saí da casa da Poli lá pelas 14h e na primeira esquina da calle Atocha conheci um bike courrier. Ele percebeu que a bike estava com problemas e me guiou até uma bicicletaria próxima. As bicicletarias daqui são bem melhores, mas nesse caso o problema não foi resolvido. Dor de cabeça, perrengue. Fui até uma loja na c. O 'Donell e estava fechada para a siesta. Peguei o caminho de volta para visitar o museu Thyssen e no cruzamento com a c. Atala o meu celular simplesmente voou e se espatifou no meio da avenida. Quem vinha dirigindo por uma das 4 faixas viu um louco com uma bicicleta acenando e parando o trânsito. No Thyssen não tive tempo de ver nem o primeiro piso, nem os primitivos italianos. Os guardas espanhóis são bastante incisivos quando querem fechar um museu. Aliás, os espanhóis me parecem fazer jus à fama de bravos.

    Daí voltei à loja que já ia abrir novamente. Havia comprado uma barraca pela internet e queria comprar uma bota, mas não havia minha numeração. O vendedor foi bastante preciso e suas explicações batiam com as que eu havia lido sobre o assunto. Então me indicou outra loja, a qual demorei para encontrar e, nesta demora, presenciei um acidente com uma moto, mas sem maiores consequências. Quando encontrei a loja, estava fechada. Deixo as botas para depois.

    A bicicleta ainda me preocupa. Fui em busca de outra bicicletaria e já bairro adentro encontrei a Dixi-Fixi, onde um ruivo barbudo, um careca barbudo e uma moça de cabelos negros e face geométrica trabalhavam parecendo gostar do que faziam. Me vem à cabeça a ideia de fazer um livro ou documentário sobre bicicletarias interessantes. Enfim arrumaram minha bicicleta, eu paguei e saí. A noite arrumei as malas e dormi.

    De manhã saí em direção à estação Atocha com a bike montada, acreditando que poderia entrar (no trem) com ela assim. No raio-x das bagagens entendi que de fato poderia. Tomei um café gelado que foi um roubo (€3,5!!) e esperei. Meu trem, que tinha como destino final Algeciras, foi o último a avisar seu portão de embarque. eu ia tranquilo passando com a magrela quando me pararam e disseram que eu não poderia embarcar com ela. Mas me disseram que podia! E eu te digo que não pode. Mas nem se eu puser numa mala? Se você o fizer em 3min, que é o tempo que o trem leva para partir, tudo bem. Voei com a desmontagem. Fiz tão rápido que deve ter sido nessa hora que quebrei o bagageiro. Quando cheguei a Cordoba, com meu anfitrião (Champi) me aguardando e me ligando, tento montar a bike e percebo o que aconteceu. Para piorar, os freios estavam travando as rodas e não havia como andar. Resolvi empacotar tudo, quando Champi apareceu, deixou as chaves de sua casa comigo e foi trabalhar. Peguei um táxi até uma bicicletaria. Lotada! A magrela teria que ficar alí para ganhar um novo bagageiro e eu segui, carregando na mão os alforges sob um sol dolorido até a casa do Champi, que só chegaria as 15h. Nesse meio tempo me deparei com uma cidade cheia de turistas, uma mesquita absurdamente grande e muitas lojas e restaurantes. Champi fez uma pasta com pesto incrível, hicimos una pequeña siesta e ahora, cuándo termino de escribir esto, él llama me a salir. Me voy.

    Córdoba, 01 de outubro de 2014

    Se tivessem filmado minha saída pela manhã, teriam uma cena de clown-ciclismo perfeita. Acordei cedo, umas 7h30 (a Europa não acorda cedo!), com Champi chamando à porta. Ele se foi ao trabalho e eu levei ainda umas duas horas para terminar a arrumação. Deveria ter feito isso durante a noite de ontem, que acabou se prolongando pela cálida cidade de Córdoba, com os amigos de Champi, ainda que não tenham sido de todo simpáticos. A conversa só fluiu, e bem pouco, com uma moça que não me lembro o nome. O tal salmorejo estava bem gostoso e as azeitonas são bem diferentes pois não ficam em salmoras, como as que comemos aqui.

    Enfim arrumei as coisas e desci para colocá-las na bicicleta. Quando cheguei na parte de baixo do prédio, a primeira cena: a porta, que eu achei que ficava aberta, não abria. A ansiedade começou. Quando pequenas coisas te barram talvez a sensação seja pior do que algo grande, definitivo. Levei 15min para ter a ideia de usar as chaves e conseguir abrir, me sentindo já um pouco mais idiota. Montei as coisas na bicicleta com dificuldade. O bagageiro é novo, ainda não me acostumei. O parafuso do suporte da câmera coube, mas eu já tinha guardado a chave para apertá-lo. Nessa hora a vontade de sair pedalando aumenta e as prioridades se confundem. Montei do jeito que deu, voltei para deixar as chaves no apartamento e desci para a garagem onde estava a bicicleta, liguei a filmadora já no suporte e comecei a subir a rampa que levava a luz do dia. Mas, antes disso acontecer, o suporte, construído precariamente com canos de PVC, se despedaçou pelo chão. Já estava puto! Juntei tudo e coloquei por sobre os alforges, amarrando de qualquer jeito, Já na rua, tento ligar o aplicativo que me mostraria o caminho e ele não funciona. Tentei subir na bike e pedalar, fosse para onde fosse, e os alforges caíram, junto com minha dignidade de cicloviajante. Parei, respirei, montei tudo de novo. Decidi perguntar a um ciclista que, para meu provisório alívio, decidiu me guiar. Eu procurava a estrada velha. ele me deixou na beira da autovia e pediu desculpa umas cinco vezes pois eu teria que passar por ali para encontrar a estrada velha. Me despedi e fui até encontrar a placa, mas me perdi novamente e entrei num bairro onde, ao passar numa lombada, os alforges pularam feito pipoca ara fora da panela e quase foram atropelados por um ônibus. agora estava puto e injuriado, querendo desistir. Amarrei os alforges uns nos outros e eles ainda caíram uma vez. Decidi que ia como fosse, que o melhor era pegar a estrada do jeito que estivesse. Bicicletas preparadas para viagem sofrem na cidade. E fui, com os alforges precários, roda da frente raspando no freio, marcha desregulada e cabeça fervendo. A estrada velha, na verdade, se chamava Estrada Nacional (N432) e foi se mostrando, para minha surpresa, um imenso mar de oliveiras, semeadas nas mais variadas disposições, formando uma paisagem simultaneamente monótona e interessante.

    Eu pedalava com certa dificuldade enquanto não me aquecia, incomodado com os barulhos da bicicleta mas, aos poucos o asfalto foi se mostrando liso e, mesmo com os problemas, estava desenvolvendo 18km/h, o que foi melhorando bastante o ânimo e a confiança. Parei num posto e comprei um isotônico e uns amendoins, pois estava em jejum. Aproveitei o clima para ajustar os alforges, que agora ficaram bem firmes, e consegui arrumar a roda da frente, que estava mal colocada. Voltei à estrada e fui regulando as marchas, que ainda não estão perfeitas, mas já bem melhores. Depois foi uma delícia. Até coloquei música e a felicidade foi imensa. Nada como o sofrimento para nos contentarmos com pouco.

    Enfim, numa média de 19km/h, cheguei a Baena, uma pequena cidade branca, como outras desta região, incrustrada no morro. De novo fiquei um pouco perdido, mas logo encontrei uma pequena pousada (um pouco acima do preço, mas precisava me reorganizar). E foi o que fiz durante a tarde e vou continuar agora. Amanhã pretendo chegar a Granada, que está à 120km daqui, pela ruta del Califado.

    Tarifa, 07 de outubro de 2014

    Granada me recepcionou com esta que foi a maior tormenta dos últimos anos. Coisa rara mesmo. Cheguei encharcado, assustado com o tamanho da cidade. Cruzar uma cidade grande de bicicleta, ao fim de seu dia, depois de uma tempestade das piores configura uma conjunção incrível de fatores negativos aos quais se acresce o fato de que eu não teria mais a hospedagem planejada (descobri que ela ficaria a 20km do centro para o outro lado da cidade e desisti). Era meu aniversário. Andei de hostel em hostel, todos lotados ou muito caros. Então, já pensando em como se poderia acampar no centro de uma cidade, encontrei uma pensão de japoneses que acolhe por 20 merkeletas a noite. Até que enfim.

    No dia seguinte fui à Alhambra, lugar nada menos que incrível. Aliás, Granada é incrível. Divide-se em três grandes áreas: judia, árabe e espanhola. Alhambra foi a última vitória dos espanhóis contra os árabes, no mesmo ano de 1942 em que “”””descobririam”””” a América.
    Estas questões históricas (e me corrija se não as reproduzo corretamente) foi Rubens , amigo da Ofélia, quem me explicou. Ele me resgatou da pensão dos japoneses e resolvi ficar um dia a mais na cidade, dia em que fiz compras (uns chás e incensos mara!), comi tapas, vaguei pelo Albeicin e participei de um curioso encontro anual para louvar o dedo mindinho amputado de um fulano chamado Chemi. Uma mistura de carnaval e teatro. Fora de qualquer roteiro turístico. A noite jantei com Rubens, que é uma figura atenciosíssima, e suas companheiras de trabalho numa cooperativa de orgânicos, Nunca estive tão a vontade aqui.

    De granada fui à Almuñecar, onde ví pela primeira vez o Mediterrâneo. Cidadezinha costeira muito bonita. almocei e sai para pedalar ate La Herradura, mas decidi continuar até Nerjas, cheia de europeus ricos e onde tive que penar para conseguir hospedagem, de novo. No dia seguinte saí cedo e pedalei até Málaga por uma região muito urbanizada e não muito bonita. Resolvi tomar um ônibus até tarifa e aqui estou. Cheguei na siesta, achei o hostel que havia reservado e me instalei. Pela primeira vez vi o continente africano, que está de frente a minha janela, a 14km daqui. Andando pela cidade, um vento cortante foi derrubando minha resistência. Comecei a me sentir mal, a pressão baixou e sentia dor pelo corpo todo. Deitei e apaguei.. Hoje continuo assim. Dormi até as 14h e acordei sem energia para nada, mas fiz um esforço de ir andar um pouco. Se eu não melhorar não tenho como continuar. Já penso em ir até Cadiz de ônibus, mas mesmo isso me parece impossível agora.

    Cadiz, 09 de outubro de 2014

    A viagem de bike continua parada. Ontem resolvi vir a Cadiz pois o vento e o sol de Tarifa não estavam adequados à febre. Cheguei aqui já melhor e conheci um pessoal com quem saí a noite. Decidi ficar até hoje e hoje estou decidindo ficar até amanhã. São duas suicas, Martina e Nathalia, e um alemão figura, o Dominik. Saímos para uma festa onde encontramos uns nativos interessados nos gringos. De lá seguimos para um bar de um amigo da Nathalia, que é a minha interlocutora pois fala espanhol. Eu estou tendo que falar cada vez mais inglês, o que não é fácil par mim. Dois caras seguiram junto conosco para o bar e depois me liguei que estavam perturbando as suíças. Ficamos até as 3h da manhã e os caras desistiram. Hoje no café a manhã havia gente do mundo todo na mesa, incluindo uma turca chamada Deniz. Um pouco trabalhosa a comunicação.

    Daí saímos para a praia e ficamos lá até o fim da tarde. Eu estava precisando de companhia. Está sendo muito bom, apesar da comunicação ser difícil e não ter como se aprofundar muito em nenhum assunto. Amanhã fico novamente e vamos ver o que se passa. Perdi meus óculos escuros, meu capacete e minha toalha. Do jeito que vai, daqui a pouco não preciso nem de alforge mais. É bom estar recuperado e ter perspectiva de continuar a viagem. É bom esse descanso. Alguns sinais de saudade, ainda pálidos.

    Madrid, 15 de outubro (retomando o diário que ficou parado vários dias)

    No dia seguinte já estava querendo ficar sozinho. Fiquei arrumando algumas coisas, dei uma volta pelo centro de Cadiz, comi umas tapas e sorvete (um dia farei um documentário sobre sorvetes..). Conheci duas argentinas, Mora e Emília. Ambas estão estão a trabalho e passeio, em direção a Tarifa. Conversa boa demais e por coincidência acabaram dormindo no mesmo quarto, depois que uma vaga de couchsurfing não foi bem sucedida. Havíamos marcado de ir num show de flamenco a noite, mas antes saí para as comprar com as suíças e o alemão. Não gosto de compras, a verdade é essa. O que salvou foi uma camiseta linda que a Nathalia me mostrou e eu comprei (e que eu nunca teria comprado, mas hoje é a minha camiseta preferida). Abandonei-os sem avisar e voltei para o hostel para me preparar para sair. Fui com as argentinas (pela segunda vez) ao La Isleta, um bar de tapas genial. Essas argentinas são muito legais, em especial Emilia, que faz várias viagens e é de uma simplicidade e simpatia impar. Depois nos achamos com meu GPS para chegar à apresentação de flamenco. O que a mulher cantava era de uma força sem igual. O bar todo alí, como se ligado numa tomada, numa tensão de movimento rouco. Depois ficamos mais um pouco e fomos embora, numa sensação de abraço e despedida diluída no ar. Essa noite quase não dormi. Pela manhã, peguei tudo e saí. Queria ir de barco até Rota e pedalar até Sevilla. Mas a marina estava fechada porque era sábado. Então decidi pedalar desde alí e a saída, ainda no escuro, foi a mais tensa da viagem, já que Cadiz é uma península e a ponte não tinha acostamento.

    Depois passei por uma zona industrial, seca, fria, até chegar em San Lucas de Barrameda. Almocei, comprei frutas e uns doces deliciosos (Alfajores de Medina). Saí para a periferia da cidade até encontrar um parque já na reserva de Doñana, onde quase cai ao passar sem ver por uma lombada. Depois peguei estradas reta e pequenas, por entre plantações de algodão, seguindo o rio Guadalquivir, o mesmo que vem de Cordoba, passa por Sevilla e deságua em El Puerto de Santa Rosa. A estrada a beira do rio estava perfeita até que virou terra, pedra e areia. Por isso decidi procurar uma cidade mais próxima das estradas principais e encontrei Las Cabezas de San Juan, onde dormi num apartamento enorme por 15 euros e roubei uma toalha.

    No dia seguinte cheguei em Sevilha onde encontraria Mariluz Guillén. Segui pelas longas e verdes ciclovias da cidade, passando por edifícios monumentais e seguindo novamente o agora volumoso e sereno Guadalquivir. Fui até a Plaza de Armas, sem saber porque, talvez pelo nome. Mariluz só chegaria mais tarde e então fiquei por alí, usando a infraestrutura de um MacDonalds. Quando cansei de descansar fui para a Catedral. Incrível Catedral. A cidade fervia em pleno domingo ao som das buzinas de martelo dos pequenos veículos sobre trilhos e do grasnar da nuvem de turistas gringos que compunham a paisagem sevilhana.

    Eu tinha que estar as 20h na casa de Mariluz, do outro lado da cidade, mas a bateria acabou e eu fiquei sem o endereço da casa dela, sem seu telefone. Precisava de uma tomada, mas onde naquele caos organizado? Achei um hostel e com muita insistência consegui deixar carregando o suficiente para o necessário. Meia hora pelo labirinto de vielas e dois andares acima e a casa da Mariluz é uma graça. Ela e a irmã foram super gentis comigo. Saímos a noite e encontramos seus amigos, um deles Pablo, nativo que nos mostrou algumas coisas no dia seguinte, que começou num bar tradicionalíssimo, com pão e presunto cru com muito azeite, delicioso, e caminhou novamente pelas ruas do centro, por uma estrutura gigante de madeira em forma de cogumelo (setas) e no Alcazabar de Sevilha que lembrava bastante Alhambra pois fora construído pelos mesmos artesãos, e depois ainda entramos num palácio durante o horário gratuito e fomos embora nas bicicletas públicas dessa beleza que é Sevilha.

    A noite cozinhamos e vimos diários de Motocicleta em espanhol. Muito adequado. A tragédia aconteceu antes: apaguei tudo que havia filmado com a GoPro. Ainda não me conformo.

    No dia seguinte pela manhã com Mariluz, que foi trabalhar. Nos despedimos. Na rodoviária a surpresa: não aceitavam bicicletas no ônibus que me levaria até Lagos. Decidi ir até Ayamonte com outra empresa. Dali cruzei um rio até Portugal, onde penei para descobrir como chegar até Lagos: um trem que esperei por horas numa estação abandonada, sem saber que meu relógio estava com o fuso errado. Viajei por três horas até chegar a Lagos, onde achei um camping. Saí para procurar comida e na porta do camping, o que parecia um restaurante eram na verdade duas grandes mesas de “festas”. Não sei exatamente, mas um garçon me disse que eu poderia ficar Dalí, ue me arranjaria alguma coisa. Depois de um tempo voltou e me perguntou se poderia ser “Jardineira de Javali”. Acenei com a cabeça empolgado e comi um prato enorme do que par mim era iguaria.

    Nesta noite ainda me perdi pela cidade e vi uma figura bizarrissima numa rua escura e deserta, caída no chão e se esgueirando, me olhando com um olhar aterrador de quem é ameaçada pelo mundo e se torna para ele ameaça. A noite choveu e a barraca aguentou. De manhã pedalei até a Vila do Bispo e depois Sagres, onde andei numa espécie de museu a céu aberto, uma fortaleza. A pontinha do continente. O sol e mar sem fim, as falésias. Tudo emocionante.

    26 de outubro, Madrid

    Voltei a Lagos, onde embalei a bici e tomei um ônibus para Lisboa, onde fiquei uma semana. A viagem de bicicleta acabou. Lisboa é uma cidade grandes praças e ruas apertadas, chão de pedra de sol afiado e uma luz que traz bilhão aos edifícios de cores pastéis. Caminhei por Alfama, onde comprei sabonetes e conservas típicas. Ali também fiz a barba e o cabelo numa barbearia tradicional (mas que tinha um cabeleireiro brasileiro). Andei no elétrico, mas descobri depois o quão pequena é a cidade e que poderia ter feito a pé. Elétricos são bondes que trafegam pelas ruas e que fazem milagres para não atropelas as pessoas ou colidir com os carros.

    Conheci Pedro e Paula, brasileiros amigos da Joana, que estão morando lá com um filho recém nascido, Leo. Pedro está no doutorado, estuda história de Portugal. Comemos num restaurante indiano e jantamos n’O Botequim. Borrego Massala, genial. Salada de espinafre e Alheira, pra chegar a passar mal de tanta comida boa.

    Também fui à Belém, onde o que valeu registro foi foi uma conversa com um senhor que vendia pequenas caixas e imãs de geladeira revestidos com pedras de calçada portuguesa. Falou-me dos símbolos das calçadas, construídas após o grande terremoto de 1755, que destruiu toda a parte baixa da cidade. O mar, a ordem dos templários, a rosa dos ventos. A aurora - que vem de áureo (Au) - como ciclo cotidiano de renascimento. O ouro, para muitas culturas, não tinha uso como moeda de troca, mas por ser o único elemento que tem brilho próprio representava o valor próprio, o valor da vida, renascendo em cada aurora. Mas Portugal foi em direção à aurora e trouxe ouro, roubou nossa alma e riqueza. Comprei dois imãs. Dez Euros.

    No castelo de São Jorge, do sec. XV, pode-se entender mais da história de Lisboa, da ocupação Árabe e do império de Romano. Uma cidade portuária de grande importância.

    Visitei uma amiga, Débora, e conversamos sobre a vida de Portugal tomando um café onde foi a última casa de Fernando Pessoa. Depois, o que era para ser uma corrida de 2km para buscar uma cesta de produtos orgânicos se tornou uma viagem de mais de uma hora. Nos perdemos na autopista e cruzamos o Tejo, para desespero do marido da Debora, médico recém saído de um plantão de dois dias.

    ainda em Lisboa, numa noite encontro um bar vazio onde um trio ensaiava Fados.. Ganhei uma apresentação particular. Os simpáticos velhinhos, donos do lugar, insistiam para que eu ficasse mais, quando disse que ia embora. Portugueses tem um jeito simpático de reclamar e viver bem a vida dura.

    No último dia fomos à praia, que não era boa e nem era ruim. Joana, que tem tido uma vida dura, trabalhando oito horas e dando aulas particulares noite, havia pedido a dispensa mensal a qual tem direito e estava muito empolgada. Saudades de tudo. (fim do diário)

    [ Posteriormente passei duas noites por Barcelona, onde encontrei o querido amigo Ruan, que está estudando por aquelas bandas e dormi um hostel chamado Bed&Bike, que empresta bicicletas para seus hospedes. Muito legal. Barcelona é muito boa para pedalar, quadras regulares e ciclovias de verdade em toda a cidade, que tem seus altos e baixos para nos fortalecer as pernas. dali voltei para Madri, ainda visitei novamente alguns museus, pude conversar mais com a Poliana, a quem agradeço imensamente a hospitalidade e a divisão de seu aconhegante espaço ].

    Denis Forigo
    Denis Forigo

    Publicado em 17/08/2015 09:53

    Realizada de 26/09/2014 até 25/10/2014

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    32 Comentários
    Denis Forigo 02/09/2015 01:13

    Atualizando..

    Renan Cavichi 02/09/2015 11:42

    Cara essa costeira de Sagres é muito foda! Preciso conhecer um dia! Reparou se tinha gente surfando por lá? Ahhh uma sugestão, na descrição da aventura use mais palavras chaves que o pessoal poderia usar para encontrar sua aventura na busca, tipo o nome dos principais lugares onde passou! Vc pode baixar o track do Wikiloc no modo "Google Earth" e subir o kml aqui no item tracklog! Vai ficar show!

    Denis Forigo 02/09/2015 13:46

    Massa, Renan, vou fazer isso.. valeu. Eu tinha tentado, mas não sabia como. Vou ver.. Tinha bastante gente surfando em Sagres.. tem escola de surf lá, e na prática quem tava na praia é porque tava surfando... mas eu não surfo, então não sei bem se é legal, mas acho que sim. É um lugar lindo.. a costa portuguesa é toda bem interessante.

    Denis Forigo 03/09/2015 14:20

    Adicionei os tracklogs, que não estão assim uma perfeição, mas dá par ter uma ideia do trajeto. Vou colocar um resumo das km no relato.

    Renan Cavichi 03/09/2015 16:28

    Caraca, ficou muito show os tracklogs! Boa!

    Denis Forigo 03/09/2015 16:34

    Valeu :)

    Denis Forigo 16/09/2015 00:53

    Atualizando

    Denis Forigo 16/09/2015 21:08

    Finalizado!

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