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Divanei Goes de Paula 09/10/2019 16:10
    ESCALADA PEDRA DO BOI - (via SOLARIS) Andradas - MG

    ESCALADA PEDRA DO BOI - (via SOLARIS) Andradas - MG

    Perrengue Supremo de um Carregador de Cordas metido a Escalador. O desespero é que move o homem, é o estágio final antes da derrota.

    Escalada Hiking

    sATENÇÃO: o MRCA( Ministério dos Relatos e Contos de Aventura) adverte: Esse relato contém palavrões e palavras chulas que afrontam a dignidade da nova família tradicional Brasileira.

    VIA SOLARIS

    .....................O tempo fechou, trovões e relâmpagos espocavam na serra a nossa frente, a chuva que estava prometida, realmente começou a dar as caras e aquilo que parecia estar ruim, se transformou num pesadelo impensável. Mal ouvia mais a voz do meu companheiro de escalada. Minha alma saiu do corpo e voo para bem longe daquela parede, acho que ela se recusava a ver a desgraça que poderia acontecer. Meu cérebro e minha perna já pareciam não querer mais se comunicar e não, eu não estava com o cu na mão, simplesmente meu cu já havia caído da bunda. Minha cabeça deu uma rodada, as pernas mal se sustentavam naquele minúsculo buraco. Eu já via a cena de um helicóptero tentando me salvar, vergonha, vexame, mas ainda era melhor que umas dezenas de ossos fraturados, mas mesmo assim eu nem sabia se tinha sinal de celular para pelo menos avisar algum escalador ali das redondezas que pudesse me ajudar, muito porque, o próprio Alexandre estava preso na parada mais abaixo, sem corda pra descer.................

    Já escalei montanhas épicas nesse país, entre elas, o Dedo de Deus, Agulha do Diabo, Baú, Ana Chata dentre outras, mas nunca me considerei um escalador de verdade, sempre fui o carregador de cordas, o cara que completa o grupo, porque pra mim , escalador de verdade mesmo é o cara que guia as vias, ou seja, o cara que vai à frente, que se arisca até o ultimo limite para levar a corda da escalada. Engraçado que quando começei , era o cara que se ariscava a guiar as esportivas, mas com o tempo fui deixando de me dedicar e vi os amigos que começaram comigo deslanchar e virarem escaladores profissionais.

    Confesso que escalada esportiva depois de um tempo acabou por se tornar algo enfadonho para mim, mesmo sabendo que é ali nas paredes, pedreiras que se cresce e que se ganha experiência para enfrentar grandes escaladas clássicas, mas mesmo assim, pouco frequentava as tais esportivas nos últimos anos, mas quando alguém soprava um convite para uma escalada tradicional, não conseguia resistir, mas também já sabiam que eu era sempre o cara que seria um mero “segui”, ou seja, o cara que vai sempre na cola dos mais experientes e isso nunca me aborreceu, porque ia mesmo pela paisagem , pelos velhos amigos e por tudo que envolve essas escaladas clássicas .

    Já sabendo disso, Alexandre Alves, que sempre gostou de guiar mesmo, nos convidou para uma Clássica em Andradas-MG e passou na minha casa na boca da noite e a viagem foi rápida até tropeçarmos no Abrigo Bramido do Elefante, onde fomos recebidos pelo Tadeu que nos entregou as chaves, já que éramos os únicos escaladores naquele fim de semana. No outro dia estávamos em pé as sete da manhã, organizamos tudo e nos pomos a caminhar na estradinha no rumo leste, meio que paralelo a cadeia de montanhas que hospeda entre outras , a Pedra do elefante, mas nosso objetivo era a Pedra do Boi, um monólito pouco frequentado pela comunidade de escaladores. Um quilometro depois, adentramos a direita numa porteira meio troncha, exatamente a porteira logo depois da casa do próprio Tadeu, que exibe uma minúscula plaquinha anunciando a venda de mel.

    Adentrando a porteira, que pulamos, vamos caminhar por mais uns 500 m na estradinha, talvez um pouco menos, até interceptar uma trilha de pasto que vai descer até um riacho com aguas paradas, varamos mais uns 100 m de pasto até pularmos uma cerca de um cafezal novinho. Não há caminho, tivemos que atravessar o cafezal pór dentro dele, tomando cuidado para não derrubar as flores da plantação. Depois pulamos mais uma cerca e vamos adentrar em outro cafezal mais velho e ao chegarmos à cerca do outro lado, vamos nos manter do seu lado direito. O caminho é meio confuso, mas a Pedra do Boi está ali na nossa cara e é preciso ir meio que pelo rumo, seguindo as trilhas que se dirigem para aquela direção, que agora é sentido sul. Chega uma hora que a trilha acaba na mata e vira uma picada, as vezes sinalizada com uma tinta vermelha, outras vezes com uma argola de pvc. Tem que ir tendo faro de trilha mesmo e 2,7 km depois do abrigo batemos de frente com a pedra do Boi e aí é hora de caçar a via de escalada.

    Temos sempre que agradecer esses bravos escaladores que se dedicam a abrir essas vias, gastam tempo e dinheiro e não recebem nada em troca, mas sempre achei que falta uma identificação dessas vias, porque não é fácil localizar uma linha de escalada, ainda mais sendo em móvel. Bom, o certo é que achamos a VIA SOLARIS e nos pés dela um totem de pedra ajuda um pouco a saber que estamos no lugar certo.

    De novo, mais uma vez, tenho que dizer que por não ser um escalador de verdade, não tenho a intenção de ficar narrando procedimentos técnicos, vou me ater as dificuldades da pessoa humana, as emoções envolvidas nessa escalada, mas erros, acertos e uma série de outros fatores não serão descritos aqui, isso é mais um relato descontraído do que um guia para escalar essa via.

    A via SOLARIS tem 225 metros de extensão, é graduada como lV /V Sup (E 3), uma incógnita para quem não é do esporte, mas mesmo eu conhecendo um pouco dessas siglas todas, nem me preocupei em olhar esse croqui, muito porque, eu estava despreocupado e confortável, já que eu não ia guiar nada mesmo. Achando a sequência da via, o Alexandre deu início aos trabalhos, escalando essa primeira enfiada (lance) todo com equipamentos móveis, ou seja, aqueles equipamentos que você enfia nas fendas para passar a corda. O Alexandre é mesmo um rato de escalada, fez malabarismo, passou a fenda, virou à direita, entrou na chaminé e já estacionou na parada, 45 metros depois. Me clipei à corda e ganhei a parede inicial, ainda frio, dei uma titubeada, mas logo também entrei na fenda, mas na hora da transição da esquerda para direita, não achei mão para me agarrar e dei uma travada, mas como estava de segundo, tive calma e tranquilidade para tentar um salto mais arrojado e agarrar um patacão mais acima e ganhei o lance mais difícil e sem saber a sequência da via tentei escalar uma parede íngreme, mas logo o Alexandre me alertou que tinha que seguir fazendo a travessia para a direita até ganhar a chaminé, mas eu já estava todo lascado , pendurado na parede e tive que escorregar de volta para a sequência da via , mas ganhando também essa chaminé de meio corpo, o resto até me juntar ao Alexandre foi como mamar na teta da vaca.

    O segundo lance é graduado em V sup e tem 30 metros de extensão e também foi subido sem nenhum problema, passando por outra canaleta, com bons pontos de aderência, tudo conforme manda o figurino. Ao chegarmos na parada, resolvemos nos deter por um tempo para tomarmos um suco e descansarmos um pouco.

    O Alexandre partiu para o terceiro lance, e logo é possível ver uma chapeleta bem acima das nossas cabeças, não muito longe, mas é necessário sair um pouco para a direita para ganha uma altura. O Alexandre tentou mandar, fez de tudo, mas desescalou novamente. Fiquei ali observando os movimentos, dando o segue atentamente, tudo nos conformes. Mais uma tentativa e o Alexandre voltou a falhar. Não era nada de mais, só que uma queda faria um pendulo potencialmente perigoso, por isso o cuidado com esse lance. Pela terceira vez o Alexandre tentou , mas as pernas grandes pareciam tocar a paredinha e não o deixava progredir, então com a perna bombada e os pés sendo carcomidos pela sapatilha, ele voltou até a parada e pediu para que eu tentasse.

    - Divanei, vai, tenta lá, você é menor e mais leve, talvez passe fácil.

    - Alexandre meu velho, melhor não, não tenho condições psicológicas para guiar.

    - Vai lá mano, sem compromisso, dá uma tentada lá, até que eu descanso.

    Meio contrariado, mas também não querendo deixar o companheiro na mão, me clipei a corda e ganhei altitude. Analisei bem o lance: Havia uma nervura que se entendia na diagonal até mais acima e se eu conseguisse galgar essa nervura, logo acima dela, um cristal bem grande poderia me dar sustentação para alcançar a chapeleta. Na pratica eu havia ganhado o lance com os olhos, havia montado um mapa de ação na minha cabeça, mas a realidade era bem outra. Dei o primeiro bote, ganhei a nervura para a esquerda, mas cadê a coragem para prosseguir. Desescalei enquanto ainda podia.

    -Alexandre, não vou não, está muito exposto para mim.

    -Divanei, que isso cara, tenta aí, vai, você consegue sim, já está aí mesmo, ganha logo o lance meu.

    Mais uma vez joguei minha mão encima da ranhura e não tive coragem de prosseguir. Maldito medo dos infernos e o pior é que o lance era mesmo fácil para mim.

    -Alexandre, infelizmente meu amigo, minha condição psicológica não vai dar.

    -Bobagem Diva, toca aí mano!

    Confesso, fiquei pressionado e com vergonha e com medo do Alexandre simplesmente encerrar a escalada e descer. Não que isso fosse um problema, se fosse preciso, desceríamos sem neura nenhuma, mas também me sentiria responsável por não pelo menos, me expor a esse lance. Botei a faca nos dentes, esperei a adrenalina chegar e subi gritando, feito um maluco descontrolado, tentando espantar o medo. Ganhei a ranhura e progredi rapidamente, cravando as unhas nas aderências, nem me lembro se usei os pés, estava adrenado e quando cheguei perto do grande cristal acima das nervuras, dei um salto e o agarrei como quem agarra um prato de comida. Me pus de pé e ganhei a chapeleta, passei a costura, cerrei os punhos e comemorei como um gol, minha parte naquela escalada estava feita, agora era com o Alexandre.

    -Porra Divanei, caraca aí, mandou muito bem!

    -Mano, agora me desse de vagarinho, o resto é com você, para mim já foi o bastante.

    -Não Diva, toca o resto, você foi bem pra caralho.

    -Bom Alexandre, o lance seguinte não parece ser difícil não, mas eu estou com a adrenalina um pouco alta, não estou confiante, mas posso tentar pelo menos até a próxima chapa.

    O Alexandre me liberou a corda e colei o corpo na rocha, sapatilha agarrada em qualquer pedrinha e as unhas cravadas em ranhuras minúsculas. Sempre disse que me sentia bem em escalada de aderência, sempre tive certa facilidade e ali realmente era uma subida de boa tecnicamente, mas psicologicamente eu começava a definhar cada vez mais e já não sabia onde aquela loucura iria parar. Quando ganhei mais essa chapeleta, já estava com o moral em frangalhos e o pior, agora eu não tinha mais o apoio psicológico do Alexandre que havia sumido do meu raio de ação e as conversas eram aos gritos.

    -Cheguei Alexandre!

    -Bom mano! E aí como é o próximo lance?

    -Cara, eu estou extremamente nervoso, esses esticões estão me deixando pirado já, se eu puder descer seria bom.

    -Diva toca o pau, você tá indo muito bem, não tem cabimento descer agora, vamos nos encontrar na parada.

    Olhava para cima e as distancias entre as chapeletas estavam cada vez maior, tanto que eu nem consegui enxergar a próxima. Não sei, foi um impulso, coisa sem pensar, mas maldita hora quando abandonei aquela proteção onde eu havia me ancorado momentaneamente para descansar. A sequência da escalada continuava sendo fácil pra mim, tão fácil que acelerei muito e sem pensar, já me ví um quilometro da chapeleta que havia passado. O único problema era que não conseguia ver a próxima chapeleta e foi nessa hora que me dei conta da encrenca em que havia me metido.

    -Alexandre, pelo amor de Deus cara, conversa comigo, vê pra mim onde estaria a próxima chapeleta ou parada dessa via?

    -Divanei, é para ter mais uma chapeleta antes da parada, procura direito cara!

    -Meu amigo, você não está entendendo a situação, eu estou parado no meio do caminho, sem poder me segurar em nada, com um pé apoiado em um buraco abaulado com 20 cm e na iminência de despencar. Eu preciso ter certeza que ainda não passei da parada, porque se isso aconteceu eu vou me fuder todo e não vai sobrar um osso inteiro do meu corpo para contar história nessa porra.

    O tempo fechou, trovões e relâmpagos espocavam na serra a nossa frente, a chuva que estava prometida, realmente começou a dar as caras e aquilo que parecia estar ruim, se transformou num pesadelo impensável. Mal ouvia mais a voz do meu companheiro de escalada. Minha alma saiu do corpo e voo para bem longe daquela parede, acho que ela se recusava a ver a desgraça que poderia acontecer. Meu cérebro e minha perna já pareciam não querer mais se comunicar e não, eu não estava com o cu na mão, simplesmente meu cu já havia caído da bunda. Minha cabeça deu uma rodada, as pernas mal se sustentavam naquele minúsculo buraco. Eu já via a cena de um helicóptero tentando me salvar, vergonha, vexame, mas ainda era melhor que umas dezenas de ossos fraturados, mas mesmo assim eu nem sabia se tinha sinal de celular para pelo menos avisar algum escalador ali das redondezas que pudesse me ajudar, muito porque, o próprio Alexandre estava preso na parada mais abaixo, sem corda pra descer.

    -Fala comigo Alexandre!

    -Divanei, você tem que escalar, a chuva tá chegando.

    -Alexandre, estou vendo algo que parece ser uma chapeleta, mas também pode não ser e se não for, é o meu fim. É um estirão do demônio, a escalada parece fácil, mas psicologicamente já tô morto.

    -Cara, olha bem, deve ser a tal chapeleta, só pode ser, só se você já passou.

    Eu estava com uma espécie de lombada na vertical, que corria por uns 3 ou 4 metros. Aparentemente não haveria problemas em fazer esse lance, mas onde diabos estaria essa tal chapeleta? E onde seria essa tal parada com duas chapeletas paralelas? Foi quando de repente achei que teria avistado essa parada bem acima da tal chapeleta que eu pensava existir.

    -Alexandre meu velho, parece que avistei uma parada uns 2 m a direita da linha da via, uns 15 m de altura, seria essa?

    -Não Divanei, aqui no croqui essa parada é bem para a esquerda.

    -Puta que o pariu Alexandre, aí então fudeu cara, vê direito meu, eu tô cai mas não cai aqui e já estou no limite do que um ser humano pode aguentar no quesito medo.

    - Certeza absoluta, no croqui a parada está totalmente a esquerda, numa curva, procura aí meu amigo, não é possível que vc tenha passado por ela sem ver.

    Não, não havia nenhuma parada a esquerda e agora eu tinha que me apegar na possibilidade de que a chapeleta estava na minha mira mesmo, muito porque, meu corpo já estava inundado por um caminhão pipa de adrenalina. Bateu a cegueira, vou cair. Lancei minha mão acima e agarrei uma rachadura, não havia mais o que esperar, o que fazer e o desespero é que move o homem na sua luta, é o estágio final antes que ele se dê por vencido. Tremendo feito vara verde, colei a cara na rocha, minhas mãos viraram ventosas e minhas unhas eram agarras de falcão e eu agora já não era mais um homem, era quase um calango, uma lagartixa a se esgueirar parede acima, me segurando na vontade de não cair, só pensava nisso, não cair. – Não cai Divanei, não cai ! Repetia insistentemente, enquanto torcia para que acima da minha cabeça aparecesse logo essa chapeleta e quando minha mão tocou aquela minúscula tabua de salvação, feita de aço ou sei lá de mais o que, clipei o mosquetão da costura, passei a corda e gritei bem alto:

    - Caralho Alexandre, estou salvo, cheguei, mas essa foi por pouco.

    - Aí, boa Divanei!

    Meu estômago já havia sido corroído pelo suco gástrico do nervosismo. Eu estava a salvo, ali eu não caia mais e dali também não iria para lugar nenhum, ali era o fim da linha, só pensava em descer, sair dali o mais rápido possível.

    -Alexandre, vou desescalar devagarinho, sei que não é o certo, mas nas condições em que me encontro, não consigo mais prosseguir cheguei ao fim, não tenho condições psicológicas para mais nada, cheguei onde poderia chegar.

    -Não Divanei, não tem como você descer mais não cara, tem que ir até a parada e me puxar.

    -Meu irmão, eu não achei essa parada que está à esquerda, só estou vendo um par de duas chapeletas a minha direita e até lá é um estirão de uns 10 metros.

    -Caralho Diva, só deve ter uns 7 ou 8 metros de corda, aí fudeu, mas fudeu de verdade.

    - Alexandre, mesmo que eu esteja fazendo a conta errado e realmente a corda dê, pode ser que esse lance esteja acima da minha capacidade de escalar e se eu chegar lá encima e não conseguir passar, vou cair de uma altura desgraçada, não cara, estou fora, me desce por favor.

    -Puta que o pariu, você não está entendendo, não existe mais corda para você descer, você já usou mais de 50 m, descer não é mais possível, mesmo que contrariássemos todas as regras da escalada.

    Mas eu estava maluco mesmo, claro que o Alexandre estava certo, meu cérebro estava impossibilitado de pensar direito, tinha me esquecido desse detalhe, já havia subido tanto que a corda já tinha quase chegado ao fim e não havia outra escolha. Pedi para o Alexandre me dar um tempo, sentei-me um pouco perto da parada, tomei um pouco de água, minha cabeça estava confusa pela situação: E se a corda não desse até a parada? E se eu ficasse preso no fim do lance e não conseguisse mais escalar? Um turbilhão de coisas me passou, mas quando o céu começou a ficar preto encima da gente, aí tive que sair da inércia em que me encontrava.

    -Divanei você precisa escalar meu amigo, tem que ir, tem que ir logo, a chuva, a chuva.

    -Não vou, não vou e não vou, não vou porra nenhuma!

    Fiquei amuado, sentado lá, cabeça baixa, as vezes com o olhar perdido no horizonte, sem nem ligar para os gritos do Alexandre que vinham lá de baixo. Eu era o fracasso em pessoa, porque fui aceitar o desafio sabendo que estava acima da minha capacidade? Era um homem atormentado pela situação, um escalador de merda vencido pela minha própria incompetência, não técnica, mas psicológica.

    -Vamos Divanei, tem que escalar, tem que ir.

    -Divanei do céu, e aí vai ou não vai?

    - Libera corda Alexandre!

    -Você vai fazer o que?

    - Caralho, libera essa corda agora!

    Cerrei os dentes, como uma fera raivosa! Olhar fixo, fiz parar a respiração e os batimentos cardíacos para não abalar os movimentos. O mundo já não mais existia, agora era só eu contra aquela parede rochosa. Subi meu pé direito um meio metro, ganhei uma lasca de pedra e com a mão direita me puxei para cima e descolei do meu porto seguro. Um cristalzinho agarrado de cada vez, uma pisada certeira num grão de areia colado na rocha. Pensava em não cair nunca, enquanto abria uma perna feito uma bailarina arrombada. Quando não tinham agarras, eu colava meus pés e minhas mãos na rocha e ia me elevando centímetro à centímetro. Fui-me então! A concentração deixando qualquer Budista no chinelo. A corda já pesada, fazia um arrasto monstro e tentava a todo momento me derrubar da parede. Substancias inundavam meu corpo, como poucas vezes havia acontecido. Três dias se passaram antes que eu batesse a mão nas duas chapeletas da parada, ganhei o lance em definitivo, coloquei a costura, passei a corda, gritei um palavrão dos mais cabeludos que existem. Eu era um homem aliviado, renascido das cinzas e quando o coração voltou a bater, fiz o Alexandre Saber da conquista.

    -Cheguei Caralho! Cheguei nessa porra, Alexandre!

    - Puta merda, boa Divanei, você sabe como monta os freios para me subir né?

    -Aprendi no You Tube, seu filho da puta!

    -Não ouvi, você falou o que?

    - Nada Alexandre, nada, vou montar o ATC para te puxar, rsrsrsrsrsrs.

    Montei a parada com o que tinha disponível, instalei o freio e fiz subir o Alexandre. Apesar de todo o perrengue passado, a gente fez piadinhas para descontrair. Dei segue para o Alexandre fazer a próxima enfiada e quando ele me puxou, me ofereceu o próximo lance para que eu guiasse até o cume. Para quem já tinha abraçado o capeta, visto a vó na curva, guiar esse finalzinho fácil até o cume, foi mamão com açúcar. Guiei com os pés nas costas e ancorei a parada numa árvore, já bem distante da beirada da parede e imediatamente subi o Alexandre e aí foi aquela comemoração, muito porque para nossa sorte, terminamos a escalada sem que a chuva desabasse na nossa cabeça no meio da parede, mas pra lavar a alma, assim que enrolamos a corda, ela desabou em cântaros e para nos proteger, nos enfiamos numa pequena gruta e ali ficamos, extasiados com a aventura vivida.

    A chuva caiu por uma meia hora e levantamos a possibilidade de voltar por trilha, mas assim que o sol surgiu novamente, interceptamos a linha de rapel, que não é descendo pela via Solaris e sim bem a esquerda dela, uns 30 metros ou mais, já quase fora da parede de escalada, mas não tem erro, está abaixo de um arvoredo, duas chapeletas bem expostas. Mas é mesmo um rapel enfadonho para quem trouxe apenas uma corda e serão precisos uns 5 lances para se chegar ao chão e quando lá chegamos, não perdemos tempo, guardamos nossos equipamentos e nos enfiamos na matinha até sairmos de novo nos sítios mais abaixo da Pedra do Boi e uma hora de caminhada depois estávamos de volta ao Abrigo.

    E qual a lição que tiramos dessa aventura? Primeiro que nunca devemos confiar cegamente em croquis de escalada: Poderia parecer só uma bobagem, mas realmente não é, uma informação errada para quem não está tarimbado ainda, pode levar a um acidente grave. Outra coisa que eu aprendi na pratica e que nunca tinha dado valor, é a leitura e a interpretação da linha de escalada, mesmo que eu não tenha intenção de guiar. Aprendi na pratica o que seria um (E 3), no meu caso foi aquele ditado: “ Não sabia que era uma exposição do caralho, o trouxa foi lá e fez” (rsrsrsrsrs). E3 – Proteção “regular” com trechos expostos que oferecem perigos, onde em certas partes a distância entre as proteções exigem alto grau técnico e concentração do escalador. No caso de uma queda pode haver contusões sérias e até fraturas em casos extremos.

    Por certo passei um perrengue nessa escalada, mas pude constatar que tecnicamente tenho condições de me sair bem dessas enrascadas, basta treinar a parte psicológica e para isso não há o que fazer, é treinamento, muito treinamento. Agradeço ao Alexandre por ter confiado em mim e ao me dar a honra de se fuder nessa enfiada do demônio, fez com que eu crescesse um degrau no esporte e mesmo que eu continue a não levar muito a sério, com certeza a experiência vai me servir para os outros ESPORTES DE AVENTURA.

    Divanei- outubro/2019

    6 Comentários

    PQP!! Melhor relato que li esse ano! Rindo pacas imaginando a tensão e o cagaço que passou... felizmente deu tudo certo!! Parabéns pela coragem, ousadia e escrita!! Abração

    1
    Divanei Goes de Paula 09/10/2019 21:25

    Rogério, quem lê este tipo de relato logo pensa : Puta pé de frango escalador do caralho, mas no entanto o que acontece é que ninguém tem coragem de narrar esse tipo de coisa que acontece com todo mundo, seja escaladores esporádicos como eu, seja graduados . Cada qual tem seu nível de experiência e quando se chega no limite , o cara vai passar por experiências como essa , tanto o cara que escala abaixo do grau 7 , como o cara que escala um grau 10 , quando o limite fecha , se tornam todos iguais. Mas ninguém quer passar recibo, porque na ESCALADA ser herói, ser o fodão é o que todo mundo quer, mas só quer mesmo.rsrsrsrsrsrs

    Divanei Goes de Paula 09/10/2019 22:21

    Todo mundo tem seu limite , vc pode escalar um grau 10, mas quando resolve subir a régua, levantar o sarrafo , vai ver a vó na curva , preto véio no toco , a diferença é que ninguém tem coragem de contar. Mas aqui não, AQUI TEM CORAGEM! 🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣

    Divanei Goes de Paula 15/10/2019 14:46

    Obrigado Guapito, a intenção foi levar o leitor para a Rocha junto comigo.

    Aline Marra 19/12/2019 12:54

    Muito foda, ri em alguns trechos e de nervoso tbm... Parabéns, mesmo que contrariado, você conseguiu!!!

    1
    Divanei Goes de Paula 19/12/2019 16:31

    Obrigado Aline, valeu mesmo.

    Divanei Goes de Paula

    Divanei Goes de Paula

    Sumaré - SP

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    Quase 30 anos me dedicando às grandes trilhas e travessias pelo Brasil e por alguns países da América do Sul .

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