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Edgar Perlotti 07/08/2015 14:07
    Travessia da Serra Fina

    Travessia da Serra Fina

    Travessia conhecida como uma das mais difíceis do Brasil - 4 dias com visual incrível!

    Trekking Montanhismo Acampamento

    Disponível em: http://www.trekkingbrasil.com/relato-da-travessia-da-serra-fina/

    Começando o texto com um clichê, a Serra Fina é uma das travessias mais duras do país. Geralmente é assim que ela é descrita por todos os aventureiros que dedicaram alguns dias à imponente serra que marca a divisa dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

    A serra, que possui um dos maiores desníveis topográficos do país (cerca de 2.000m), faz parte da Serra da Mantiqueira, e fica próxima ao Parque Nacional de Itatiaia. Aparentemente, o conjunto de montanhas da Serra Fina era praticamente desconhecido até meados dos anos 50, quando houve a primeira expedição à Pedra da Mina. Ainda assim, a travessia como conhecemos hoje, até o final dos anos 90 era realizada por poucos e experientes montanhistas. A medição da Pedra da Mina, quarta montanha mais alta do Brasil, foi realizada somente no ano 2000.

    Preparativos para a travessia

    Apesar de realmente ser uma travessia difícil, com forte exigência física e técnica, o número de pessoas por ali pode ser impressionantemente grande. Principalmente nos feriados do inverno. Para uma ideia geral, no feriado de Corpus Christi de 2011, a estimativa é de que havia cerca de 250 pessoas tentando realizar a travessia.

    Pensando nisso, junto com grandes amigos (Adriano e Tinho), decidimos começar a travessia um dia antes do feriado. Essa foi uma das melhores escolhas em relação à travessia e recomendo. O espaço para camping durante a travessia é bastante reduzido. Além disso, existem trechos que com um número elevado de pessoas transitando podem se tornar bastante complicados.

    Definido o dia da viagem, é importante decidir como fazer a travessia. Fazer de forma autônoma ou contratar um guia? É preciso saber que a navegação na Serra Fina é bastante complicada. Em diversos trechos, o capim de anta pode chegar até 2 metros de altura, além de ser bastante fechado. Mais preocupante, existem diversas bifurcações, principalmente por conta dos montanhistas perdidos que vão abrindo novos caminhos. O terreno é bem difícil, com subidas muito íngremes, muitos trechos de escalaminhada.

    Por outro lado, é uma trilha bem clássica e, hoje em dia, é muito fácil encontrar bons descritivos e tracklogs de GPS na internet. Para quem já é mais experiente, pode ser um interessante desafio fazer de forma autônoma. Agora, fazer sozinho, só para quem, além de muito experiente, tenha total noção dos riscos envolvidos e seja capaz de lidar com eles. Para os menos experientes e menos avessos ao risco, vale muito a pena contratar um guia (com boas indicações, existem vários bons guias disponíveis em Passa Quatro-MG). Diversas agências também montam pacotes, com guias especializados, para fazer a travessia, geralmente nos feriados prolongados.

    O próximo passo é montar a estrutura para a travessia. Como já dito, existem poucos pontos de água ao longo da travessia. Por essa razão, é fundamental levar uma boa quantidade de água, por volta de 4-5 litros por pessoa, o que aumenta muito o peso da mochila.

    Também vale lembrar que o frio pode ser bem intenso, principalmente nos cumes à noite. Equipamento adequado é fundamental (jaquetas impermeáveis, um bom saco de dormir, botas resistentes e barraca resistente – venta muito nos cumes). No verão, o clima é bastante chuvoso e há grande incidência de raios, portanto é melhor evitar.

    As escalaminhadas podem ser técnicas, mas não exigem equipamentos de escalada. Mas é recomendável levar corda, ao menos para segurança. O clima pode ser bem instável na região. Com neblina forte e persistente pode ser uma boa escolha adiar a travessia. O primeiro dia é até possível de ser feito com chuva e pouca visibilidade, mas a partir do segundo dia essa situação pode aumentar significativamente os riscos.

    Mochila (provavelmente muito pesada) pronta, o destino é a pequena e agradável cidade de Passa Quatro, que está cerca de 250 km de distância de São Paulo. Na cidade é possível contratar alguém para fazer o trecho de carro (jipe ou perua, normalmente) até a Fazenda Santa Amália, onde, de fato, começa a travessia. É uma boa ideia já contratar a mesma pessoa para fazer o resgate no final da travessia, na BR 354, na Fazendo do Pierre.

    Dia 1: Da Toca do Lobo até o Alto do Capim Amarelo

    Começando na Fazenda Santa Amália, uma leve subida leva até a Toca do Lobo, uma pequena gruta em frente a um riacho, que está bem degradada, cheia de lixo. Este rio é o único ponto de água do dia. A trilha cruza o pequeno rio e entra no mato.

    A trilha do primeiro dia não oferece maiores dificuldades de navegação. Geralmente, ela está bem marcada e o Alto do Capim Amarelo é bem visível. Além disso, boa parte do caminho segue sobre a crista das montanhas (uma crista bem fina, a razão do nome).

    O caminho total do primeiro dia tem por volta de 6 km e os trechos de escalaminhada são curtos, embora a subida total seja mais de 1.000 metros. O trecho final até o cume do Capim Amarelo é o mais íngreme, com alta exigência física. Depois de todo o esforço, chega-se no Alto do Capim Amarelo, que está oficialmente a 2.392 metros (a medida do GPS foi de 2.484 m). Com tempo bom é possível enxergar todo o caminho da travessia e as montanhas vizinhas. Acampa-se em clareiras no meio do capim. O espaço é reduzido. Com número elevado de pessoas, a solução pode ser buscar áreas alternativas na base da montanha.

    Para mim, este foi o dia mais fácil de toda a travessia. Baixa exigência técnica e quase nenhuma dificuldade de navegação. Também é o dia mais curto.

    Dia 2: Saindo do Capim Amarelo e chegando à Pedra da Mina

    Este é um dia intenso. Saindo do lado esquerdo da área de acampamento, a descida do Capim Amarelo é muito íngreme. Em primeiro lugar, cuidado para não descer muito perto da laje de pedra. Existem caminhos bem demarcados ali, mas não levam a lugar algum. A trilha vai contornando o Capim Amarelo e depois fica bem de frente à Pedra da Mina. O trecho de descida exige certa técnica para evitar acidentes.

    No final da descida existe um trecho com capim bem alto e muitas bifurcações. Bastante cuidado para não ficar perdido.

    O caminho segue predominantemente na crista da serra, passando por um cume menor, depois descendo até a base da Pedra da Mina. Neste ponto existe água. Uma pequena queda (parece uma mancha preta na pedra). Também existe uma região grande de charco, com alguns pontos de água potável e muitos buracos onde é possível se afundar totalmente (recordações não muito boas… o/).
    Depois disso, seguindo a trilha existe um pequeno riacho que deve ser cruzado e é, em minha opinião, o melhor ponto de água deste trecho. Muito mais fácil de se pegar e com melhor aparência.
    Depois disso, a subida da Pedra da Mina. Um trecho bastante íngreme (esta é a palavra mais utilizada neste relato). Muito capim (a segunda palavra mais utilizada). Alguma escalaminhada, com bastante barro.

    Existem excelentes opções de acampamento no cume, mas são poucas. Se houver um volume muito grande, pode ser uma ideia acampar antes ou logo depois do cume. A Pedra da Mina é a quarta montanha mais alta do Brasil, com 2.798 metros acima do nível do mar (no GPS, 2.802). Deste ponto é possível ver as montanhas de Itatiaia, a serra da Bocaina, entre tantas outras. O visual é fantástico.
    Existe um livro de cume dentro de uma caixa metálica.

    Este é um dia bem difícil, com navegação complicada, subidas muito fortes e escalaminhadas mais exigentes e de maior exposição. A distância é de quase 8 km, com subida acumulada de mais ou menos 900 metros e descida acumulada de 700 metros. Também pode ser a noite mais fria (apesar de ser a mais bonita). Neste ponto é possível abandonar a travessia, utilizando a trilha do Paiolinho.

    Dia 3: Saindo da Mina, passando pelo temível Vale do Ruah e chegando ao Pico dos Três Estados

    A descida da Pedra da Mina é mais simples que a descida do Capim Amarelo. Mas no final, chega ao Vale do Ruah, um vale extenso, com um capim bem alto, muitas bifurcações e charcos profundos. É bastante usual se perder um pouco por ali e cair nos charcos também (pelo menos aqui, nada de experiência própria, nos perdemos muito, mas nenhum de nós caiu em nenhum buraco dessa vez).

    Em linhas gerais, segue-se em direção ao cume que está bem visível à direita (embora não deva se subir este primeiro cume). A trilha fica basicamente ao lado esquerdo do rio, sempre próximo à margem, até um ponto onde existe uma laje de pedra com uma pequena queda de água (nesse ponto nós já estávamos do lado direito do rio, porque cruzamos antes). Este é um ótimo ponto para se abastecer de água (daqui para frente, só existe água no final da travessia).

    A trilha então começa um sobe e desce, com muito bambu (que machuca bastante). O objetivo é chegar ao cume do Cupim de Boi, que tem pouco mais de 2.500 m. Depois deste último cume, a descida leva até a base do Pico dos Três Estados. Mais uma vez, subido bem íngreme, com muito capim. Muita escalaminhada acompanha o combo.

    No cume existe também pouco espaço para acampamento. Cuidado com o marco do cume que pode ser um excelente pára-raios. Cuidado também com os ratos que moram ali e podem roubar sua comida e rasgar sua barraca (também não foi experiência própria, mas aconteceu com um grupo que estava por ali). Dizem que existem em todos os lugares de acampamento da travessia, mas nós só encontramos ali no Três Estados. Deve ser óbvio, mas evite deixar comida por ali. Isso só aumenta o volume de ratos (que não são bichinhos bonitinhos que devem ser alimentados) e desequilibra o ambiente natural.
    O Pico dos Três Estados é a décima montanha mais elevada do Brasil, com 2.665 metros (2.658 m no GPS). Ali a vista de Itatiaia é ainda mais incrível. Também dá para ver toda a travessia, além de outras montanhas próximas e as cidades vizinhas.

    O terceiro dia é um dos mais difíceis, com navegação muito complicada, dificuldades técnicas e físicas significativas. Um pouco mais de 6 km de caminhada, com subida acumulada de 500 metros e descida de 700 metros (divididos em intermináveis sobe e desce).

    Dia 4: Descendo tudo até o final da travessia

    O último dia de travessia também não é nada simples. Para começar a descida do Pico dos Três Estados passa por trechos de capim muito alto, com muitas bifurcações. Existem diversos totens nesta parte que são fundamentais para o sucesso. O Picú, em Itamonte, que tem um formato bem peculiar é um bom marco para se localizar. A trilha vai em direção a ele.

    Depois da descida do cume, a trilha segue por cristas, com bambus que podem machucar bastante, passando pelo Alto dos Ivos (2.523 m). Depois de um bom trecho, entra-se em um bosque de bromélias, muito bonito. Depois a mata começa a fechar e aí a trilha é bem óbvia até a fazenda do Pierre, onde tudo termina (e onde existem pontos de água).

    A navegação é mais simples que dos dias anteriores, mas mais difícil que a do primeiro dia. A dificuldade física é elevada, por conta da forte descida, são 1.400 metros acumulados (ainda com subida acumulada de 400 metros). Também é o dia de vencer a maior distância, cerca de 10 km.

    Quem leu até aqui, deve ter percebido que a travessia não é nada simples. Ao contrário, é muito exigente em todos os sentidos. Porém, o visual do lugar e a sensação de conquista compensam, ou melhor, ultrapassam todo o perrengue. É uma travessia que deve estar na lista de todo mundo que realmente gosta da montanha.

    Edgar Perlotti
    Edgar Perlotti

    Publicado em 07/08/2015 14:07

    Realizada de 01/06/2011 até 04/06/2011

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    Edgar Perlotti

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    Monte Santo de Minas - MG

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    Mineiro de nascimento, paulistano por bastante tempo, mergulhador e entusiasta do montanhismo, cicloturismo, kayaking e tudo que tenha a ver com o mundo outdoor

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