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Claudio Werneck 20/02/2017 18:19
    Dedo de Deus, 1.692m - Via Leste / Maria Cebola

    Dedo de Deus, 1.692m - Via Leste / Maria Cebola

    Parque Nacional da Serra dos Órgãos.

    Claro que pra quem gosta de um bom desafio, uma imponente montanha é sempre um prato cheio. Atividades ao ar livre, em locais de difícil acesso e que podem tomar um dia inteiro, envolvem muitas variáveis. No final, o prazer da aventura é bem mais do que subir uma montanha.

    Não tenho como precisar, mas a escalaminhada para subir e descer Dedo de Deus pode chegar a 70% de todo o percurso. Sendo assim a escalada em si representa pouco perante o tamanho da aventura. E o segredo é exatamente este: fazer esta primeira etapa com calma, economizando energia para encarar a via que não é difícil, mas em alguns pontos cobra o seu preço e depois descer em segurança.

    Éramos 5 e da entrada da trilha sobre a RJ116, gastamos quase duas penosas horas para chegar na Toca da Cuíca, a base da via Leste. Ali encontramos outro grupo de sete pessoas, alguns deles já equipados e subindo pelos cabos de aço.

    Esta é uma seqüência de mais de 200 metros intercalando cabos de aço. Por segurança vale a pena estar conectado a eles com um mosquetão de aço e utilizar um par de luvas grossas de borracha para evitar machucar as mãos. Pode parecer fácil, mas todos os cabos de aço são perigosos devido à inclinação do terreno. Em parte se escala por eles e em alguns pontos eles auxiliam na escalaminhada, importante estar atento e "inteiro".

    Sempre ofegantes, o cansaço nos faz lembrar a toda hora o tamanho do desafio. Por esta parte da escalaminhada ser quase toda dentro da mata a "via" não é exposta, o que dá uma sensação de segurança. Mas na verdade pelas condições do terreno sempre húmido, em um pequeno descuido facilmente pode-se ter uma lesão ou fratura.

    Chegamos na bifurcação da trilha de subida com a de descida. A partir daí a progressão se torna ainda mais difícil e acontece com o auxílio de pedaços de corda, raízes e degraus naturais. Pouco mais de 20 minutos e passamos o outro grupo antes de chegar na base da escalada. E lá, com a chegada do outro grupo tivemos que abrir espaço pra que todos se acomodassem.

    Encordados, partimos. Este primeiro esticão tem boas agarras mas é uma parte exposta e com as proteções bem espaçadas. Detalhe é que a partir daí, em muitos pontos se perde o contato visual e por isso é importante antes de sair das paradas traçar a estratégia para cada esticão.

    A via segue contornando arbustos, pedras, árvores e galhos. Desta maneira o atrito na corda chega a incomodar a guiada e a chegada na primeira parada dentro de uma gruta é um alívio. Reunidos, traçamos a estratégia para o segundo esticão sempre com o outro grupo em nosso encalço. Nesta hora, ninguém quer ficar para trás. Ganhar tempo é importante pois mesmo com o céu azul e sem nuvens, devido à localização da montanha nunca se descarta uma virada do clima.

    A saída aérea para o segundo esticão é relativamente fácil. de cima de um galho se alcança boas agarras e a partir daí é firmar a mão e escalar por uns 4 metros até uma curva na borda do precipício de uns 500 metros. Sim 500 metros e pra quem sai de uma gruta para uma borda como essa, a sensação é no mínimo desconfortável. Os grampos seguem espaçados e o próximo só se vê após a curva, já quase no vazio.

    Este pedaço da variante chamada "Maria Cebola" para mim é o mais impactante. Um diedro quase horizontal, que forma uma rampa de 10 metros de extensão por 2 de largura, inclinada para fora. Um trecho fácil, que qualquer criança poderia fazer brincando se estivesse ao nível do chão, mas que tira o fôlego que muita gente. Uma boa dica para toda esta aventura é levar pouca coisa, apenas o indispensável inclusive de equipamento, em passagens como essa quanto menor a mochila mais fácil será a progressão.

    Sigo escalando, quase que engatinhando pela base do diedro utilizando toda a técnica de entalamento de mãos possível. Nessa parte, esse foi o único momento em que me senti seguro e pude respirar fundo o suficiente para tentar relaxar. Talvez, aqui uma proteção móvel pudesse ajudar o psicológico. Ao final do diedro, num platô entre algumas árvores montei a segunda parada. Importante a integração entre a cordada e o tato pela corda pois o desafio é grande e o contato visual é impossível.

    Fôlego recuperado, é preciso desescalar uns 3 metros para o acesso à sequencia de chaminés. A entrada é estreita e a beira do precipício é preciso seguir na crista de uma pedra para não ficar com o corpo entalado. Na seqüencia se chega a um corredor de 6 m comprimento por 60 cm de largura, relativamente amplo para a ser a base de uma chaminé. Estratégia traçada e com a mochila presa no cabo extensor começo a subir. Por ser estreito, a progressão é difícil para quem tem uma estatura acima da média. Mas com a adrenalina e a vontade de botar os pés no cume, a chaminé de pouco mais de 20 metros não era um obstáculo relevante.

    Subo rebocando a mochila pendurada por uma fita. O local é úmido, com pouca luz, frio e claustrofóbico. No meio do trajeto há uma pedra entalada em que se pode ficar de pé, respirar tranquilo, se virar, vestir outra vez a mochila e seguir até sair dos túneis para uma plataforma totalmente exposta ao lado da montanha. Um alívio sair daquele buraco e chegar naquela vista impressionante. Fazia um pouco de frio e estávamos no sol outra vez.

    Uma nova reunião e depois de uns 10 minutos sinto um cheiro característico de ozonio, olho no relógio e vejo que a pressão atmosférica caiu. De imediato busco no horizonte algum sinal de chuva e não vejo nada. Me debruço na beirada da plataforma, olho para baixo e vejo a umidade da mata formando um nevoeiro fino, esparso, tomando volume e subindo rápido. Eram por volta das 13h, a hora mais quente do dia. Eu sabia o que aquilo queria dizer e que com sorte o nevoeiro só se dissiparia depois que o calor passasse ou que começasse a ventar forte.

    Sim o tempo estava virando e o que já vinha em ritmo forte se tornou ainda mais intenso. Agora as poucas palavras dispensadas eram apenas técnicas. Não havia tempo para comentários, fotos ou brincadeiras. chegamos a mais uma gruta e na saída dela, depois uns 6 metros escalando se chega a um platô separado da montanha por um fosso, nele temos a escada de ferro que dá acesso ao cume. Respiro aliviado, nos faltavam poucos metros, o nevoeiro era denso e tinha tomado a montanha por completo deixando tudo praticamente molhado.

    A sensação de se chegar a um cume como esse é indescritível. Em segundos os pensamentos afloram, misturam-se lembranças do esforço, junto vem a vontade de gritar, agradecer, etc. A adrenalina emana pelos poros e por fim todas essas emoções se transformam em apenas uma. Ao final, ninguém conquista uma montanha ou cume, estes são patrimônios de todos. O que se ganha aqui é o aumento dos seus próprios limites e horizontes. Esta é sempre uma batalha contra você mesmo.

    Eram 14:30 e pouco mais de 30 minutos foi o suficiente pra descansar, comer algo e tentar tirar umas fotos. O nevoeiro clareava, estávamos quase no seu limite e algumas vezes se abria acima de nós um céu azul entre uma ou outra brecha, mas eu tinha a certeza de que não poderíamos esperar muito mais.

    Iniciamos a volta com a preocupação de pegar chuva na descida. Chuva e frio no rapel não é bom para ninguém. Ao sairmos da escada vamos no sentido oposto ao que chegamos caminhado por uma beirada protegida por apenas algumas gramíneas. O denso nevoeiro escondia o precipício e para alguns esta situação é até mais confortante pois não permite ver aonde se está e assim o perigo parece menor.

    Ao final desta lage, uma passada difícil ao pular para outra pedra onde se inicia o rapel. Parada equalizada, corda para baixo e o primeiro rapel segue sem problemas desviando de alguns arbustos, algumas pedras e pronto, chega-se a outra base à beira do precipício. Tem início o mesmo procedimento, equalização, corda para baixo, prussik, freio, check. E agora o final do rapel é negativo dá um pouco de trabalho mas se chega em outra plataforma. O terceiro e último rapel é curto e a partir daí a escalaminhada para descer acontece pela crista oeste utilizando cabos de aço.

    Deste ponto em diante todo cuidado é pouco pois o cansaço é nosso pior inimigo. O declive é alto, a crista é longa e alguns cabos apresentam um desgaste excessivo inclusive com abraçadeiras frouxas que podem permitir que este se solte dos grampos. Alguns deles tem pontas oxidadas e expostas que podem perfurar algumas luvas facilmente.

    Com as pernas e braços cansados vencemos esta parte para chegar à trilha de descida. Nada fácil pois esta ainda acontece em grandes desníveis por dentro da mata. Uma sequencia de passadas que colocam à prova a perícia e a concentração de cada um. É de extrema importância não relaxar até atingir a bifurcação com a trilha de subida e seus cabos de aço. Qualquer pessoa normal chega a este ponto exausto e um escorregão ou mesmo a falta de força nos braços pode culminar em uma queda com consequências graves.

    Já anoitecendo e passados os cabos, a trilha de descida amenizou um pouco a situação de stress. Em poucos minutos já era noite, com as headlamps ligadas seguíamos em silêncio e agora sim o ritmo era ainda mais lento. A medida que descíamos, ouvíamos os carros na estrada cada vez mais perto e a garoa ficava um pouco mais forte.

    Mas nada mais importava, tínhamos feito a montanha e a sensação de missão cumprida era algo sem precedentes.

    Claudio Werneck
    Claudio Werneck

    Publicado em 20/02/2017 18:19

    Realizada em 24/09/2016

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