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Fernando Cabral 23/02/2021 19:04
    Que falta faz a bússola

    Que falta faz a bússola

    Circuito parcial dos picos de Monte Verde

    Trekking

    Monte Verde é uma pequena joia incrustada na Mantiqueira. Sua rua principal é voltada para o turista interessado em chocolate, cerveja, vinhos e comidas. Embora a cidade seja minúscula, os preços são compatíveis com centros turísticos da Europa e dos Estados Unidos. Só falta cobrarem em dólar ou euro.

    Mas, saindo da rua principal, ainda existe uma Monte Verde atraente para quem gosta de trilhas, montanhas, acampamentos.

    A cidade está localizada na divisa do Estado de Minas com São Paulo. Do lado de lá da serra, despencando, morro abaixo para o sul, está São Francisco Xavier. Mas o relato desta descida de Monte Verde até São Francisco ficará para outro dia. Não que o trajeto não valha um registro; especialmente a volta, que fiz sob um temporal intenso, iluminado por raios e ensurdecido por trovões que ecoavam nas encostas e pareciam não ter fim no bate e rebate nos paredões.

    Mas, no dia anterior a esta descida, saí para fazer o circuito dos picos de Monte Verde. Dependendo de como se conta, podem ser cinco, seis, sete... Levei um companheiro. O que lhe faltava de preparo físico, ele compensava com disposição e coragem.

    O primeiro trecho é suave. Uns três ou quatro quilômetros quase no plano. Depois a subida começa. Subimos 400 metros em quatro quilômetros. No entanto, a distribuição não é regular. Alguns pontos são mais íngremes, outros menos. Neles a falta de preparo aparece.

    Por trilha muito bem marcada, chegamos ao Pico da Onça, o limite para muitos. Mas nós estávamos afoitos. Queríamos ir adiante. Um guia que estava com uma turma no Pico da Onça nos alertou para dois problemas. O primeiro era que dali em diante a trilha ficava confusa e até desaparecia em vários trechos. O outro era que, na Pedra Redonda, a trilha estava fechada por que aquela região estava sendo explorada por empresa particular.

    Mas, como coragem e burrice são duas coisas que andam juntas, fomos.

    Foi ficando cada vez mais difícil achar a trilha. Em alguns pontos ela desaparecia como se por ali ninguém nunca houvesse passado. Em outros pontos parecia haver muitas trilhas seguindo para todas as direções.

    Nestas alturas meu companheiro já estava esgotado. Quando a trilha sumia, eu pedia para ele ficar ali guardando o lugar enquanto em explorava em volta.

    Na falta de qualquer marca de tênis ou bota, eu me satisfiz quando encontrei rastros de cavalo. Achei estranho um cavaleiro ter passado por ali. Não era plausível. Mas, no início, os rastros estavam naquilo que parecia uma trilha. Mesmo assim, trilha e rastros sumiam quase misteriosamente. É que, sob a floresta, há muita folhagem fofa. Como era época de chuva, normal os rastros desparecerem.

    Sim, o GPS. Eu tinha um GPS. No entanto, ele mais parecia uma biruta de aeroporto em dia de vento revolto. Ora não tinha sinal nenhum; ora parecia mais desorientado do que nós. Preferi continuar tentando seguir na trilha. Cada vez que eu encontrava um rastro do cavalo eu me animava. Pensei que enquanto eu seguisse o cavalo estaria bem guiado.

    No entanto, não foi bem assim. O cavalo passou por trechos da mata que nenhum cavaleiro teria conseguido passar montado. Havia galhos baixos em cima e troncos nas laterais. Os galhos cortariam o pescoço de qualquer pessoa montada e os troncos quebrariam os joelhos. Além disto, mesmo em terreno onde havia rastro do cavalo, não havia rastro de tênis ou bota. Portanto...

    Portanto, aquele cavalo não estava seguindo trilha alguma. Ele estava perambulando em busca de capim -- uma façanha impossível de se realizar sob aquela floresta densa.

    Eu estava sob a mata fechada, sem trilha, sem GPS confiável.

    Devido a estudos prévios da região, eu tinha uma noção da topografia do local. Estávamos indo em direção à Pedra Partida, um ponto de destaque com mais de 2.000 metros de altitude. Então, em vez de continuar olhando para o chão em busca de trilha, eu passei a olhar para cima, tentando ver o pico.

    Num local mais aberto, vislumbrei o morro à minha direita. Tinha que ser ele. A encosta era íngreme, um dossel bem fechado em cima. Embaixo, samambaia e taquara. O jeito era quebrar mato. Quebrar mato morro acima! Ai, ai.

    Na subida, nenhuma opção era garantida. Depois de subir uns dez ou quinze metros aparecia um barranco, um tabocal fechado, um empecilho definitivo. Eu tinha que voltar e tentar outro caminho. Meu companheiro, exausto, descansava até eu avançar para algum ponto que parecia sem retorno.

    Assim fomos, rasgando mato e carne. Depois de mais de uma hora nesta subida arrastada, encontrei uma ravina coberta de mato por onde descia a água da montanha. Piso irregular e inseguro, muitos galhos pelo caminho, mas muito melhor do que pura e simplesmente vencer tabocas e samambaias.

    Ademais, ali eu tinha certeza que estávamos no caminho do topo, onde quer que ele estivesse.

    Aliviou um pouco. Depois de mais de duas horas de escalaminhada e alguns cortes nas taquaras, chegamos ao alto do Pico da Pedra Partida.

    Depois de descansar no alto do pico e tirar algumas fotos, seguimos adiante. Mas isto já é outra estória.

    A fiel bússola

    Se depender de mim, nunca saio para o mato sem uma bússola. Depois do sol e das estrelas, é o instrumento de navegação mais primitivo que existe. Para quem sabe usar, raramente falha. Não depende de luz, de energia, de nada. Naquele nosso perrengue de atravessar um mato sem trilha, lá estava ela, sempre nos orientando. Quando eu não via trilha alguma, eu olhava a agulha e avançava. Primeiro, para sudoeste, até topar um morro de pedra cujo nome não sei. Dali em diante, sempre para noroeste.

    Quando me desviei, foi exatamente quando abandonei a bússola para acompanhar as marcas deixadas pelo cavalo. Perdi muita altura, o que me obrigou a subir de novo. O pior é que dei uma volta longa e tive que subir barranco acima.

    Na subida, quando a visão era zero, eu tinha duas orientações: primeiro, a bússola, para me manter no caminho mais reto possível para o norte; segundo, o aclive porque minha meta estava no topo.

    Foi uma lição que já aprendi mais de uma vez: consulte a bússola. Confie nela. Ela pode até tirar você da trilha, mas nunca tira você do rumo.

    No que me diz respeito, todo perrengue me diverte. Mas meu companheiro, comedor de carboidrato, estava nas últimas e sem condições de dispender mais energia procurando caminhos. Por isto, da Pedra Partida em diante, redobrei meus cuidados para não me desvirar um milímetro do caminho. Onde a trilha sumia (e sumiu várias vezes), me submeti à agulha e não perdemos mais tempo.

    Para mim a bússola ainda é um instrumento mágico. Mágico, e de porte obrigatório.

    Clique aqui para ver a trilha no Wikiloc.

    Fernando Cabral
    Fernando Cabral

    Publicado em 23/02/2021 19:04

    Realizada em 10/01/2021

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    4 Comentários
    Edson Maia 24/02/2021 07:30

    A bússola nunca falha! Eu tb já passei por dificuldades com o GPS, nessa hora foi a agulha magnética quem safou a turma. Ótimo relato!

    Bruno Negreiros 24/02/2021 22:35

    Que relato bacana, Fernando. Fico imaginando o que foi esse vara-mato aí.

    Fernando Cabral 25/02/2021 06:25

    Pois é, Bruno, fácil não foi. Vencemos 150 metros verticais em 500 metros horizontais. Declividade média de 30%. Mas os obstáculos maiores foram as taboquinhas fechadas, as samambaias e os paredões que tínhamos que contornar. Tudo feito quase às cegas, porque não víamos mais do que uns poucos metros em volta de nós. Nestas horas a bússola e um tanto de intuição ajudam bastante.

    Bruno Negreiros 25/02/2021 08:06

    Que perrengue bom hein?!

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