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Guilherme Both 06/08/2018 23:23
    Sozinho em Torres del Paine: 172 km no circuito Q

    Sozinho em Torres del Paine: 172 km no circuito Q

    Trekking solo de 12 dias no Parque Nacional Torres del Paine, região de Magalhães e Antártica Chilena, Chile

    Trekking Montanhismo Longa Distância

    Torres del Paine: os circuitos

    No momento que escrevo este relato, 2018, não é mais possível percorrer as trilhas da forma que fiz em 2015. Torres del Paine é uma das das mecas do trekking mundial e por causa do excesso de visitantes agora é preciso reservar com antecedência os locais de pernoite e alguns trechos só podem ser percorridos em sentido único. Isso requer elaborar um cronograma e segui-lo rigorosamente; já eu estabeleci uma data limite para voltar do parque a tempo de pegar o voo, fiz uma programação bem flexível e basicamente fiz o que me deu vontade.

    A parte mais popular do parque é o circuito W, que tem como principais atrações o mirante do glaciar Grey, Vale do Francês e as Torres del Paine. O circuito O é o W mais a parte de trás do maciço de montanhas, fechando uma volta completa. O setor exclusivo do O é bem menos frequentado que o W e o destaque é o Paso John Gardner, ponto mais alto da travessia. Quem caminha o O mais a perna até o centro de visitantes faz o circuito Q, normalmente só percorrido por caminhantes autônomos, sem a presença de grupos organizados ou guiados. O mapa abaixo mostra os circuitos e os principais pontos citados no texto.

    A preparação

    Um ano antes eu estava em El Calafate, na Argentina, e pretendia percorrer o circuito W em três dias. Uma greve aduaneira impediu a entrada no Chile e frustrou meus planos. Foi sorte: estava mal informado, mal equipado e sem suprimentos, provavelmente minhas lembranças seriam de uma furada onde teria passado trabalho e frio - era Agosto e as temperaturas estavam muito baixas. Resolvi tentar de novo no ano seguinte, aumentando o desafio: iria sozinho para fazer o circuito completo.

    Adquiri uma mochila cargueira maior, de 65 litros, e uma barraca pequena, para uma pessoa. Os bastões de caminhada peguei emprestados; nunca tinha usado e tinha dúvida se eram mesmo necessários. Eram: caminhar com muito peso em terreno difícil é bem mais fácil e seguro com eles. Levei duas lanternas, uma de cabeça e outra sem pilhas, de manivela. Perdi a de cabeça no meio da caminho e tive que me virar com a que sobrou. Para alimentação, 33 porções de comida liofilizada, que calculei serem o suficiente para 2 refeições por dia por 10 dias. Para cozinhar, um mini fogareiro chinês de 7 dólares e uma marmita de alumínio. O chimarrão não podia faltar: cuia, bomba, garrafa térmica e 1 kg de erva-mate. Em Puerto Natales, cidade de onde se parte para o parque, complementei com nozes, castanhas, frutas secas e dois cartuchos de gás. Não é necessário carregar toda comida, há mercadinhos nos acampamentos privados com itens básicos a preços um pouco mais caros que o normal e até refeições em alguns refúgios, a preços altos. Considero que carreguei coisas demais: minha mochila estava perto dos 30 kg e nos dias quentes, quando tirava peças volumosas de roupa, era difícil acomodar tudo. Se refizesse o percurso tentaria levar menos roupas, saco de dormir mais compacto e eliminaria itens volumosos como o binóculo e estojo da máquina fotográfica, que precisava ficar pendurado do lado de fora.

    A preparação física foi quase inexistente. Nos meses que antecederam a expedição fiz várias e longas viagens a trabalho, que atrapalharam os treinos. Quando caminhei com a mochila da rodoviária para o centro de Puerto Natales me perguntei como ia conseguir levar aquele peso todo pelas montanhas. Depois de um ou dois dias me acostumei com a carga e isso não foi mais um problema. O mais perto de uma preparação foi uma caminhada-teste de 20 km de Puerto Natales até o Cerro Dorotea, de onde se enxerga a cidade e o canal Ultima Esperanza do alto.

    Dia 1

    • Centro de Visitantes – Paine Grande
    • Distância: 17 km

    Quando entrei no ônibus em Puerto Natales ainda não tinha decidido por onde começar. Eu esperava que todo o parque já estivesse aberto, mas não: só o circuito W estava disponível. A parte de trás, que completa o O, talvez abrisse na próxima semana se o gelo e a neve ainda acumulados derretessem o suficiente. Isto me fez decidir pelo sentido Oeste – Leste; se tivesse que fazer só o W, as torres ficariam no final e seriam a meta a ser alcançada. O ônibus chegou no ponto do catamarã (Pudeto) e quase todo mundo desceu para pegar o barco até o acampamento Paine Grande. Pensei que se continuasse no ônibus até a Sede Administrativa passaria um dia a mais caminhando e aumentaria a chance de chegar no final do W com o resto da trilha aberta, além de poder ter a vista de longe das montanhas e chegar nelas caminhando. Com esses dois argumentos me convenci e assim acrescentei uma perna no O, que virou o circuito Q.

    No centro administrativo descemos eu e uma brasileira, os únicos que ficaram no ônibus. Caminhamos juntos por 1 hora e meia até o acampamento Carretas, uma área na margem do Rio Grey com um pequeno galpão que serve de refeitório. Parei para comer umas frutas e ela seguiu em frente, queria chegar cedo no Paine Grande. Me senti aliviado: ela disse que estava no Chile trabalhando como guia em Pucón, tinha o ritmo de caminhada bem mais rápido e eu sentia bastante o peso da mochila. Sem meias palavras, estava tomando uma surra para acompanhar o passo dela. De volta na caminhada, agora mais devagar, apreciava a cordilheira com os cumes negros ao longe, vista desde um vale plano coberto de capim ressecado.

    Trecho plano entre Centro de Visitantes e Paine Grande

    Já ventava bastante, mas conforme me aproximava do Lago Pehoé, virou vendaval. Dava para ver o vento: a rajada espalhava borrifos na superfície agitada do lago, marcando na água o caminho da sua passagem.

    Mais próximo do acampamento Paine Grande, sempre costeando o Lago Pehoe, começa um certo sobe-desce. Ali encontrei um americano, esgotado: de traços orientais, era professor de yoga e motorista de Uber em Chicago, e tinha passado uns dias em uma tribo indígena na Amazônia peruana antes de ir para Torres. Levava uma mochila enorme com um carregador solar acoplado, e na cintura um grande estojo de máquina fotográfica. Na cabeça, um chapéu com orelhas e de forro peludo, à moda soviética. Cada vez que parava, colocava as mãos nos joelhos e deixava as costas paralelas ao solo, jogando o peso da mochila nelas em meio a lamentos engraçados. Era ótima companhia, e nos dias seguintes nos encontramos várias vezes.

    Chegamos juntos no acampamento Paine Grande. A tentativa de escolher um local abrigado do vento revelou-se inútil: ele vinha forte e de todos os lados. De noite, o barulho do vento era constante mas podia-se ouvir quando uma massa de ar mais intensa se aproximava: primeiro uma leve pausa, depois algo como um caminhão que se escuta de longe, o barulho aumentando gradualmente até atingir as barracas em cheio. A minha, para uma pessoa, baixa e aerodinâmica, resistiu bem; quando amanheceu vi que várias outras haviam quebrado, inclusive de boas marcas. Apesar do tufão, um grupo de chilenos tomou uma grande bebedeira e incomodou a noite inteira, para fúria de alguns chineses. Consegui descansar, mesmo acordado frequentemente pelo sacudir da barraca, xingamentos em chinês, algazarra e cantoria.

    Acampamento Paine Grande; minha barraca é a azul

    Dia 2

    • Paine Grande – Glaciar Grey – Paine Grande
    • Distância: 22 km
    • Distância acumulada: 39 km

    Acordei e tive de lidar com um problema surgido no dia anterior: bolhas! Logo no primeiro dia! Tomava meu chimarrão matinal e matutava sobre elas e a abertura total das trilhas. Se a parte de trás do parque não abrisse e eu seguisse em direção ao leste, não iria ver o glaciar Grey. Um dia de caminhada sem peso seria bom para as bolhas e poderia ver o glaciar, além de ganhar tempo para a liberação. Decidi manter o acampamento no Paine Grande e fazer um bate-volta no glaciar.

    O caminho começa por um vale estreito, pedregoso dos dois lados. Depois da laguna Los Patos a trilha começa a costear o Lago Grey, com ventos contrários fortíssimos. Antes do refúgio Grey o caminho desce para áreas mais baixas e abrigadas, onde fazia muito calor. Passei por um grande bosque queimado, resultado do incêndio de poucos anos atrás, provocado por um fogareiro derrubado em uma área não autorizada para cozinhar.

    O glaciar é fantástico. Com o binóculo dá para observar as marcas e padrões de escoamento que o rio de gelo esculpiu nas montanhas e no vale por milhares de anos. Foi o único momento que aproveitei o binóculo. Na viagem do ano anterior para a Patagônia argentina ele foi muito útil para observação de animais. Tinha essa mesma expectativa agora, mas a fauna do lado chileno da cordilheira é mais escassa e furtiva. Não valeu o peso extra e era difícil de acomodar, no bate-volta usei uma mochila fina dessas que se dobram e cabem no bolso, sentia cada detalhe dele nas costas.

    Glaciar Grey

    Com o vento a favor demorei três horas para voltar, contra as quatro de ida. O planejamento sobre garantir a visita ao Grey e ganhar um dia para liberação total do parque deu certo, já o alívio para as bolhas caminhando sem peso não. Dois sucessos contra um fracasso é vitória!

    Dia 3

    • Paine Grande – Acampamento Italiano – Valle del Francês – Acampamento Italiano
    • Distância: 15,5 km
    • Distância acumulada: 54,5 km

    Acordei animado com a perspectiva de progresso, depois da segunda noite acampado no mesmo lugar. Neste dia segui sempre com as montanhas à esquerda, e por boa parte da distância com o Lago Skottsberg à direita. Muitas pessoas vinham no sentido contrário, a maioria europeus de meia idade em roupas coloridas. Sentia bastante o peso da mochila, e precisava sentar e apoiá-la para coloca-la ou tira-la. Depois do lago entra-se em uma zona de mata mais fechada, com vários cursos de água. Isso é muito bom no parque: há água potável e gelada praticamente em toda parte, com uma garrafa de 600 ml eu sempre tinha água suficiente até um próximo ponto de abastecimento.

    Cheguei no acampamento Italiano, que é grátis e mantido pelo CONAF. Já estava bem cheio, montei a barraca em um dos poucos espaços livres em um canto de frente para o bosque. Ali me dei conta que tinha perdido as luvas no correr do dia. Puxei conversa com uma garota de jaqueta do Grêmio por que achei que era minha conterrânea: não era, era paulista e estava viajando com um amigo suíço. Foi a minha salvação: ela tinha visto um par de luvas abandonadas embaixo de uma pedra e me mostrou onde era. As luvas aparentavam estar lá desde a temporada do ano passado, mas foi o que garantiu o calor dos meus dedos dali pra frente.

    Entrada do acampamento Italiano

    Acampamento montado, corri para subir o Valle del Francés antes que anoitecesse. Subida pelo leito de pedras do rio, um pouco em cada margem, passando por um glaciar “sujo”, cheio de pedras carregadas da montanha, e pelo acampamento Britânico, um abrigo de troncos e galhos de ar sinistro. Cheguei no centro do vale, onde se enxergam todos os picos ao redor, na hora que o sol se punha e iluminava só o topo das montanhas. Estava só e sorria com o momento e com o silêncio absoluto. Na minha opinião esse foi o cenário mais bonito, superando até as mais famosas torres.

    Pôr do sol no Vale do Francês

    O frio aumentou com a ida do sol e desci o vale correndo com medo que anoitecesse – cometi o erro de subir sem lanterna. Passei reto por alguma indicação para trocar de margem do riozinho e me perdi pela primeira vez na viagem, já meio no escuro. Cheguei no acampamento a tempo de jantar com o resto do pessoal no galpãozinho úmido que servia para este fim e me recolhi para uma noite de sono fria mas sem ventania.

    Dia 4

    • Acampamento Italiano – Base Torres
    • Distância: 24 km
    • Distância acumulada: 78,5 km

    Minha barraca era sucesso nos acampamentos. Modelo Bivak I da Trilhas & Rumos, sempre despertava a curiosidade dos americanos e europeus, pelo tamanho diminuto e facilidade em montar e desmontar. Já o meu kit de dormir beirava o ridículo: um isolante térmico, um colchão inflável ultra-fino (furado), dois sacos de dormir e um liner. Tive uma má experiência em El Chalten um ano antes, quando passei muito frio: lembro de olhar o relógio implorando para que já fosse de manhã e aterrorizado ver que eram só 11 horas da noite! Apesar de volumoso e dificultar as idas no banheiro o kit de 3 camadas foi muito eficiente: o saco extra podia ser vestido quando estava muito frio e usado só de coberta com a temperatura mais amena. Estava ficando bom em guardar toda essa tralha e rapidamente estava com tudo empacotado.

    O cenário era parecido com o dia anterior: montanhas e mata na esquerda, lago Nordernskjold na direita. Minha botina começou a rasgar no pé esquerdo, em um lugar que acumulava suor que deve ter ficado fragilizada pelo sal. Parei no acampamento Francês e fiz um reparo de emergência com silver tape que me deram. O rasgo não abriu totalmente, a camada interna impermeável ficou intacta por toda a viagem, mas muitos outros rasgos surgiram nos dias seguintes e Torres del Paine foi a trilha derradeira da velha companheira.

    Me perdi pela segunda vez. Era início de temporada e a manutenção pós-inverno ainda não tinha sido feita em alguns pontos. Passei por uma ponte caída e me enganei por onde ir, acabei varando um mato fechado e saindo em uma praia de pedras. Vale dizer que nessas horas eu não tinha certeza nem se estava perdido ou se era por ali mesmo. Segui pela praia e passaram uns cavaleiros levando carga, não disseram nada mas fizeram uma cara tão feia que ficou claro que eu estava no lugar errado. Um pouco além enxerguei a trilha mais acima, subi um barranco e estava de volta na rota regulamentar.

    Este foi o dia mais duro de todos. A rota se divide em duas, pela direita vai para o Hotel Las Torres e para a portaria Laguna Amarga, e à esquerda – e para cima – vai em direção às torres. O primeiro trecho é subindo a encosta da montanha, nessa parte encontrei um chileno e duas chilenas perdidos. Tinham saído do hotel e iam acampar no Refugio Chileno, meio caminho das torres, mas pegaram uma curva errada. Estavam um pouco atrapalhados, levando várias sacolas de mão; indiquei o caminho certo e segui em um passo mais rápido, precisava chegar até o acampamento Base Torres, adiante deles. O trecho seguinte é pela lateral de um vale profundo, com laterais muito inclinadas e um rio correndo no seu interior. Conforme a altitude aumentava, neve e gelo apareciam na encosta acima. Cheguei no Refugio Chileno já me arrastando; pensei em ficar ali mas a caminhada do dia seguinte ficaria mais longa, e queria aproveitar o acampamento grátis mais acima. Descansei alguns minutos e continuei.

    Vale no caminho para o Refúgio Chileno

    O mapa indicava mais 1,5 hora até o acampamento base Torres. Não sei o tempo exato que levei, mas foi bem mais do que isso; as bolhas me castigavam, a mochila pesava e sentia muito cansaço. Saí do vale exposto e entrei em um bosque bem fechado, que deixava passar pouca luz. A impressão era que caminhava, caminhava e não chegava nunca. Sentei em um tronco para descansar e pensei de brincadeira que talvez o melhor fosse simplesmente me deixar cair para trás e dormir ali mesmo. Comemorei muito a chegada no acampamento e montei a barraca em um lugar agradável sob as árvores na beira de um riachinho. Encontrei com a guia brasileira que caminhou comigo no primeiro dia. Tinha desistido de fazer o O por causa de bolhas nos pés e ia embora do parque no dia seguinte.

    Um susto para fechar o dia, quando precisei ir no banheiro, a meia noite. Lutei para sair do liner e dos dois sacos de dormir e rumei para a casinha sob a lua cheia, lanterna desligada, sem lentes de contato (sou míope). Do escuro, vejo dois olhos brilhantes olhando direto para mim. Pensei: um puma! É agora que entro na cadeia alimentar andina! Peguei a lanterna recarregável, dei umas voltas correndo na manivela e iluminei o bicho: era um zorro, um tipo de raposa parecida com o graxaim brasileiro, mas bem maior. Aliviado, voltei na barraca para pegar a câmera e tirar um foto, mas ele já tinha sumido.

    Dia 5

    • Base Torres – Torres del Paine – Acampamento Chileno
    • Distância: 5 km
    • Distância acumulada: 83,5 km

    Ainda estava escuro e de dentro da barraca eu escutava o barulho e enxergava a luz das lanternas das pessoas indo do Acampamento Chileno para as torres, para ver o sol nascer lá de cima. Era o que eu queria fazer, mas meu corpo doía dos pés à cabeça por causa do esforço do dia anterior e simplesmente não consegui levantar. Dormi até mais tarde e tomei o café da manhã enquanto alguns já voltavam. Minha alimentação era basicamente a mesma todos os dias: chimarrão e purê de batatas de desjejum, castanhas, amendoins e frutas secas durante o dia e arroz com feijão a noite. O feijão liofilizado ainda ficava com alguns grãos meio duros depois de reidratar, e o caldo não engrossava muito. Antes de adicionar a água, eu gostava de pegar uma pedra e amassar os grãos secos até virarem pó, sem tirá-los do saco plástico, o que deixava o caldo bem mais consistente e eu me sentindo um pouco homem das cavernas usando uma ferramenta rudimentar.

    Comecei a subida já com o sol bem alto. O solo é bem pedregoso e sem vegetação, fazia bastante calor pela falta de sombra. Me divertia com a caminhada mais solta sem o peso da mochila, pulando as pedras. Cheguei nas torres e o tempo fechou, diminuindo bastante a temperatura. Poucas pessoas estavam lá nesse horário, passei um bom tempo sozinho admirando os três picos. Tinha conseguido! Ainda não sabia se ia poder avançar para a parte fechada do parque, mas pelo menos um dos objetivos tinha sido alcançado.

    Torres del Paine

    Voltei para o acampamento e refiz os planos. A idéia original era seguir até o acampamento Serón, já no lado fechado do parque e a cerca de 20 km de distância. No entanto, me sentia moído e sem a menor condição de caminhar tudo isso. Resolvi fazer um dia leve e descer só até o acampamento Chileno, 3 km abaixo. Perto do refeitório e banheiros as barracas eram montadas em tablados de madeira, e a minha precisava ficar fixa no chão, pois não era auto-portante. O lugar mais próximo era ao lado de um poste para amarrar cavalos; me instalei ali mas a barraca ficou com cheiro de estrebaria impregnado por vários dias. O chão era duro e entortava meus specs, feitos de alumínio muito mole. Todos os dias eu vasculhava os lugares que acampava a procura de specs perdidos e mais duros, sempre encontrava e nesse dia não foi diferente. Tomei um mate sentado nas mesas de madeira com vista para o vale e os picos nevados, esperando a noite cair. Um funcionário do camping estava fumando um cigarro e me contou como um helicóptero jogava os suprimentos e botijões de gás para a lanchonete e que em uma noite qualquer ele viu um puma sentado na mesma mesa que conversávamos.

    Mate no Chileno para fechar o dia

    O refeitório a noite estava bem cheio e animado, as pessoas embaladas com a perspectiva de chegada nas torres no dia seguinte e com o vinho de caixinha da lanchonete. Encontrei meu amigo americano do primeiro dia, que me contou que tinha desistido do circuito O. Estava muito duro e afinal eram as férias dele, era suposto ser divertido mas não estava sendo. Lamentei por ele mas dei razão para os seus argumentos. Jantei com um grupo de curitibanos que faziam uma pequena bagunça, em contraste aos contidos europeus e japoneses que compartilhavam o espaço.

    Dia 6

    • Acampamento Chileno – Acampamento Serón
    • Distância: 18 km
    • Distância acumulada: 101,5

    Pesei a mochila em uma balança de mola e gancho: 23 kg! Joguei o peso nas costas e comecei a descida do vale, bem disposto pelo descanso do dia anterior. Percorri rapidamente a distância que anteontem tinha sido bem sofrida, e logo já estava no hotel Torres, um complexo luxuoso de cabanas entre a portaria Laguna Amarga e as torres. Aproveitei para comprar band-aids, o esparadrapo acabou e as unhas de um dedo do pé faziam cortes na lateral do dedo vizinho. Encontrei com o amigo americano, conversamos um pouco e nos despedimos, agora em definitivo.

    Depois do hotel encontrei só uma pessoa o dia todo, um corredor que tinha ido ao Serón e estava voltando. De iníco caminha-se por um caminho estreito que passa por dentro de uma ravina: local ideal para uma emboscada de puma, eu pensava. Os coelhos escondidos saíam correndo quando eu chegava perto e me davam pequenos sustos. Depois segue-se por algo que parece uma estrada, com uma cerca a direita, alternando campos com cavalos e bosques de lengas (árvore nativa). Eu me sentia zureta com o calor, que era a ponto do ar ficar ondulado; usava calças térmicas por baixo de uma calça impermeável estilo motoboy, que já estava toda rasgada por ficar com o fundilho muito baixo devido ao peso dos objetos nos bolsos. Depois da estrada A frente estava o vale do rio Paine, uma baixada bastante extensa. O ambiente e a sensação mudam bastante, agora se caminha no plano perto do rio, enxerga-se longe, os picos estão mais distantes e a vegetação é mais rasteira, com muitas flores e insetos.

    Passando calor no bosque de lengas

    Rio Paine; o acampamento Serón fica no final do vale

    Cheguei no camping Séron: um gramado com algumas árvores e com a casa dos dois funcionários, cercado pelas montanhas ao longe. Vi muitas aves lá: curicacas catavam comida na grama, papagaios nas árvores e teve uma revoada enorme de andorinhas. Lá já estavam três americanos, no final de um mochilão pela América Latina, e uma alemã. Destaco a presença de mulheres europeias viajando sozinhas contra nenhuma sul-americana, sinal de como estes países estão mais evoluídos do que nós em questões de igualdade de gênero e independência feminina. Enquanto conversava com os quatro, observava uma cena pela janela da casa. O funcionário mais gordote sovava uma massa de pão enquanto o outro, com um coque na cabeça e umas calças engraçadas de pelego de ovelha na frente, tocava uma flauta transversal. Na manhã seguinte todos ganhamos pão sovado ao som da flauta, feito especialmente para nós.

    Dia 7

    • Camping Serón – Refúgio Dickson
    • Distância: 18 km
    • Distância acumulada: 119,5 km

    Os americanos queriam ir direto do Serón para o acampamento Los Perros, última parada antes da travessia do Paso Gardner, pulando a estadia no refúgio Dickson. Comentei que talvez fosse com eles, para não atravessar o Gardner sozinho. Quando acordei, eles já haviam partido. Tentei imprimir um ritmo forte para alcança-los, mas obviamente não era possível: eles eram bem mais jovens, mais magros e carregavam muito menos peso. Confesso que fiquei chateado por partirem sem avisar, mas hoje entendo que foi o melhor. Provavelmente teria retardado o avanço do grupo e agora sei que não conseguiria ter ido direto para Los Perros. Enquanto ainda tentava alcança-los, ouvi uns assobios vindo detrás de uma curva no mato: achei que eram eles e gritei de volta. Por pouco não fui atropelado por um bando de cavalos em disparada, carregando carga e tocados por três gaúchos montados.

    Na parte baixa do vale o caminho é bem embarrado, alternando entre campo e mata. Há uma mudança de direção do norte para o leste com um pouco de subida, e atrás dela está o lago Paine. É uma visão linda, a cadeia de montanhas nevadas fica refletida no lago e se enxerga toda a extensão do vale adiante. Seguindo o vale, passei pela Guarderia Coirón. Um casal de ingleses que vinha no sentido contrário me disse que atravessaram o Paso Gardner sem problemas. Apesar disso, o guarda-parques disse que este lado do parque oficialmente estava fechado e eu não podia avançar por estar sozinho, que ainda havia muito neve lá. Conversamos um pouco até que ele cedeu e disse que eu podia avançar por conta e risco se quisesse. Claro que eu queria, não era assim desde o início?

    Lago Paine

    Nada em Torres del Paine é monótono, mas o caminho pelo vale pareceu mais longo que os outros trechos. Estava cansado e queria chegar logo em Dickson, ainda na expectativa de encontrar os americanos. Deu para ver o refúgio de longe, o que só aumentou a sensação de caminhar e nunca chegar. Quando cheguei um guarda-parques já me esperava, o outro tinha passado um rádio avisando que eu não podia avançar além dali sozinho. Os americanos foram adiante e havia dois grupos guiados um dia atrás de mim, então teria que esperar por eles. No refúgio estavam dois australianos, hospedados no alojamento, uma alemã acampada, todos indo em sentido contrário ao meu, três funcionários chilenos e mosquitos, muitos mosquitos. Não picavam, mas entravam no meio do cabelo, orelhas, nariz... tive que ficar de touca e cobrir as aberturas do rosto. Comprei um pacote de macarrão e devorei furiosamente, depois de dias comendo pouco. Conversei um pouco com os chilenos e com a Milene (assim se chamava a alemã) e dormi sob o céu mais estrelado de toda a viagem.

    Chegada no Refúgio Dickson (à distância na esquerda da foto)

    Dia 8

    • De molho em Dickson

    De manhã o guarda-parques já estava rondando o acampamento para garantir que eu não fugisse rumo ao Paso. Saí da barraca e ele já veio me dizer que eu estava proibido de seguir adiante sozinho. Fiquei contrariado, mas esse dia de castigo foi uma das melhores coisas da viagem.

    Barraca em desmontagem

    A área ao redor do refúgio é incrível. De acordo com o pessoal de lá era raro ter um dia de céu tão limpo e total visibilidade, que permitia ver o glaciar Dickson e as montanhas com perfeição. Um dos chilenos estava tão animado com o sol que pulou no rio de águas do degelo várias vezes durante o dia! Além de explorar o parque, tive tempo para conversar bastante com as pessoas que estavam lá.

    Dia de rara visibilidade

    A Milene tinha cansado da disciplina alemã e resolveu trocar de ares. Saiu de um emprego de escritório em Hamburgo e foi ser instrutora de snowboard nos Estados Unidos. Antes de ir para Torres del Paine tinha feito sozinha uma viagem de van para o Alaska. No seu casaco um dos botões tinha sido substituído por uma pedra que trouxe de lembrança. Ela me contava isso enquanto tomávamos sol, vendo o pessoal atravessar uma carga pelo rio através de um barco e um sistema de cordas. Também contou sobre como ficou perdida no parque: tomou uma das trilhas para cavalos marcada no mapa e o dia terminou sem chegar em lugar nenhum. Precisou acampar no meio do nada e viu um filhote de puma, provavelmente esperando o retorno da mãe. Ela foi embora pelo meio da manhã, e antes de ir me deu vários comprimidos para dor. Isto foi providencial, os meus tinham acabado e eu mal consegui calçar as botinas se não tomasse um antes.

    Pessoal do refúgio na labuta

    O resto do dia passei com os chilenos. Cada um era de uma região do Chile: do norte, de Santiago e de Valdívia. Passavam o verão trabalhando na Patagônia e o inverno nas estações de ski. Ri da história de um deles sobre a primeira vez no parque: levou quase nada de comida, um som portátil com o CD Los Grandes Exitos en Español do Cypress Hill e muita bebida, que precisou trocar por macarrão instantâneo. Como só estava eu no camping, eles só precisavam fazer uma ou outra tarefa e passavam o resto do tempo relaxando. Tomamos mate, jogamos futebol, fizemos caminhadas na beira do rio, tudo intercalado por siestas no sol. Fiquei surpreendido pela afinidade que tivemos e com a amizade estabelecida em apenas um dia e meio. Achei que isso ia mudar com a chegada dos dois grupos, mas fiquei alegre ao perceber que não, ainda era tratado como um amigo e não só hóspede do camping.

    Dia 9

    • Refúgio Dickson – Acampamento Los Perros
    • Distância: 11 km
    • Distância acumulada: 130,5 km

    Os dois grupos saíram de forma esparsa, uns mais cedo, outros mais tarde. Um grupo era só de americanos e o outro tinha canadenses também. Os chilenos fizeram questão de se despedir de mim, fiquei contente com o abraço e com as palavras de cada um dos três.

    Havia uma outra pessoa sem grupo, então foi natural que andássemos juntos dali pra frente. O Fergus era australiano filho de pais escoceses e estava viajando pelo Chile, era um tipo sem frescuras e simpatizei com ele de cara. Caminhávamos juntos um pouco, depois ele tomava uma certa distância e me esperava fumando um cigarro. Dessa forma percorremos o bosque de lengas que fica entre Dickson e o glaciar Los Perros. Apesar de ser quase sempre a subir, a caminhada foi fácil por ser mais curta que nos outros dias. O bosque é bem úmido e tem uma característica curiosa, um fungo parasita as árvores e provoca um nó na madeira, que é um mecanismo de defesa da árvore.

    Fungo Cyttaria harioti, o nome popular é llao llao

    Quando passei pelo glaciar tive a sorte de ver uma grande queda de blocos de gelo. O barulho de pedras que rolavam pela encosta era alto e bastante frequente. Chegamos cedo no acampamento Los Perros, que era logo adiante. Tirei uma soneca com vista para as montanhas: montei a barraca sem o sobreteto, que pendurei para secar. Conversei com um casal de canadenses que tinha caminhado junto uma parte do dia. Eles tinham passado um período no Brasil, ela era repórter e fez matérias com indígenas no Mato Grosso. Como sempre meu chimarrão despertava curiosidade e provocava caretas em quem se arriscava a experimentar. Perguntaram por que a cuia era feita de porongo / cabaça; na falta de resposta melhor argumentei que era uma invenção dos guaranis e que ninguém perguntava por que os ingleses tomavam chá em xícaras de porcelana!

    Glaciar Los Perros

    Sesta com vista privilegiada

    Dia 10

    • Acampamento Los Perros – Paso Gardner – Refúgio Grey
    • Distância: 14 km
    • Distância acumulada: 144,5 km

    Eu e Fergus decidimos fazer a travessia do Paso sempre juntos por causa da neve, evitando as separações do dia anterior. Com o aumento da altitude, a vegetação rareia e o cenário fica mais pedregoso. Os guarda-parques tinham razão, havia muita neve e eu provavelmente teria dificuldade em achar o caminho sozinho. Em alguns pontos a neve ainda estava tão alta que só as copas das árvores estavam de fora, e dava para ouvir cursos de água que corriam por baixo da neve. Mais de uma vez caí em buracos até a cintura; minhas calças impermeáveis já tinham ido para o lixo e estava com uma calça comum, que ficou bem molhada dos joelhos para baixo. Havia quatro americanos muito impetuosos e até petulantes, que não seguiam a recomendação de seguir pelos caminhos já pisados, preferindo correr por trechos mais curtos entre montes de pedras que apareciam através da neve. Um deles caiu em um buraco junto as pedras e sumiu totalmente, e quando voltou estava com um dedo quebrado em forma de L. Deram dois analgésicos para ele, esperaram 10 minutos e clec!, fizeram o dedo reto de novo. Achei que só um dedo saiu até barato pela imprudência.

    Muita neve, cara sofrida e boca machucada pelo vento e sol

    No passo propriamente dito não havia mais neve, só pedras. A vista de cima do glaciar é fantástica, fica claro que ele flui como um rio de gelo. Eu e Fergus celebrávamos a chegada no ponto mais alto de todo o circuito, eu ria apesar do lábio muito rachado do sol e do vento. Apreciamos o momento, tiramos algumas fotos e começamos a descida, no que consideramos o “lado de lá”, já parte da reta final.

    Marco do Paso Gardner, divisão entre lado de cá e lado de lá

    Ainda tinha bastante neve do outro lado e a descida era mais íngreme, havia alguns corrimãos que estavam só com o topo de fora, ficando na altura da canela. A neve estava mais derretida que no outro lado, molhava bastante e formou muito barro abaixo, estava bem escorregadio e caí alguns tombos sem gravidade.

    Início da descida: eu, Fergus e o Glaciar Grey

    Atravessar o Gardner foi bastante cansativo e pensamos em parar no acampamento Paso. Chegamos lá e não era nada convidativo, praticamente na encosta e de chão batido ou barro, com uma obra em andamento. Ninguém que estava na nossa frente ficou lá, resolvemos seguir. Dali pra frente caminhamos sempre com o glaciar Grey a vista na nossa direita.

    Fechei a volta completa no parque com a chegada no refúgio Grey, já que tinha estado ali no meu segundo dia. Ganhei um abraço do casal de canadenses, comprimentos de alguns americanos e o Fergus apareceu com duas cervejas para brindarmos a conquista.

    O refúgio estava mudado, uma semana atrás não havia ninguém e agora estava cheio de barracas e pessoas empolgadas começando a trilha. Encontrei o chileno e as duas chilenas que estavam perdidos no meu quarto dia, ainda no clima de celebração jogamos cartas e bebi pisco que eles ofereceram.

    Dia 11

    • Refúgio Grey – Paine Grande – Acampamento Carretas
    • Distância: 20 km
    • Distância acumulada: 164,5 km

    O caminho quase era familiar, já que era a terceira passagem contando a ida e volta do segundo dia. Eu e Fergus partimos cedo; ele queria seguir até o acampamento Italiano, uma perna de 30 km, e eu pretendia chegar a tempo de pegar o catamarã em Paine Grande para Pudeto. No caminho fui trocando de idéia, não havia muito o que fazer em Puerto Natales e estava com folga nas datas, podia ficar mais um dia no parque. Primeiro decidi dormir no Paine Grande e pegar o catamarã na manhã seguinte, mas quando cheguei não gostei do clima, parecido com a primeira noite lá. Muita gente chega de catamarã em um dia, acampa e volta no outro, aproveitando para fazer festa e bebedeira de madrugada. Nada contra isso em outras circunstâncias, mas tinha achado o pessoal bastante desrespeitoso com quem estava lá para fazer a trilha, especialmente com os chineses que reclamaram. Não queria que isso perturbasse a ótima experiência da travessia logo no último dia, então resolvi voltar a pé para o Centro de Visitantes. Além da satisfação de voltar caminhando para o ponto de partida, isso economizaria a passagem do catamarã e o pernoite seria grátis em Las Carretas, o que também é muito satisfatório na cabeça de um pão duro. Me despedi do Fergus e tomei o rumo para o sul.

    Última olhada no catamarã, ainda relutante na decisão de não ir nele

    Eu tinha lido que era bacana chegar no parque via Centro de Visitantes por que se tem a sensação de entrar caminhando nas montanhas. Digo que a sensação de sair totalmente pelos próprios pés também foi ótima. Parava várias vezes para olhar as montanhas, cada vez mais longes.

    Vi vários condores voando baixo, o tempo piorou e o vento aumentou muito, o que forçou os animais a descerem. Quando cheguei no acampamento estava um grande vendaval, foi difícil montar a barraca. Estava sozinho, a pouca luz e o vento davam um ar medonho ao lugar. O galpão que servia de refeitório tinha só três paredes, o lado aberto era virado para um barranco. Terminei de comer e quando saí dei de cara com duas alemãs, que eu não tinha escutado chegar por causa do vento. Nós três gritamos com o susto! Mais um casal alemão chegou logo depois, gostei de não passar a noite sozinho ali. Não dormi muito bem, o vento fazia muito barulho e sacudia a barraca; como na primeira noite no Paine Grande, era possível sentir e ouvir as rajadas chegando de longe.

    Dia 12

    • Acampamento Las Carretas – Centro de Visitantes
    • Distância: 7,5 km
    • Distância total: 172 km

    Empacotei a mochila pela última vez e saí sem pressa, havia bastante tempo até a chegada do ônibus no centro de visitantes. O caminho plano ajudava, e eu me distraía vendo os chimangos, um tipo de gavião, pairarem sobre o capinzal e depois mergulharem, saindo com um ratinho no bico. Cheguei no centro e as duas alemãs do susto já estavam lá. Matei o tempo de espera assistindo um documentário da National Geographic sobre os pumas no parque. Ainda bem que vi depois do circuito, e não antes.

    O ônibus chegou e só embarcamos eu e as alemãs, em uma próxima parada entrou um casal de brasileiros que eu tinha conhecido em Puerto Natales. Foi um alívio o ônibus estar vazio, eu estava bem fedorento e podia sentar isolado em um canto sem ser cheirado por ninguém. Meus pés e botas, depois de bolhas, cortes e inflamações, cheiravam como se fossem do próprio demônio.

    Perto da portaria da Laguna Amarga, passou um ônibus cheio e vi a Milena, a alemã que estava no Dickson, que também me viu e abanou pra mim como se encontrasse um velho amigo. Isso me fez pensar nas pessoas que conheci no caminho, encontros tão efêmeros, mas que foram significativos ao ponto de eu lembrar cada detalhe deles enquanto escrevo, quase três anos depois. Acho que esses dois fatores estão relacionados: o caráter dessas relações é integralmente fugaz, então não há julgamento sobre o passado nem expectativa sobre o futuro, o instante é tudo que existe e colocamos nossa consciência totalmente no momento presente. Me senti um cara de sorte em poder passar dias que pareceram fora do tempo em um lugar tão excepcional que me levou a este estado mental. Não sei se o sentimento das pessoas que conheci foi recíproco, mas tenho o palpite que sim.

    O para-brisas do ônibus começou a cair com a trepidação na estrada, abrindo uma fresta enorme na frente do motorista. Ele parou e sinalizou para outro ônibus, que parou para ajudar. Os dois motoristas colocaram o vidro no lugar e colaram com uma fita. Quando foi dada partida no motor, o pó jogado pelos outros veículos que passavam foi sugado pelo ar condicionado e causou uma verdadeira tempestade de areia dentro do ônibus. Eu estava indo embora de Torres del Paine, mas uma parte do parque parecia querer ir embora comigo, nem que fosse como areia agarrada nas minhas roupas e cabelos.

    Homenagem póstuma a uma companheira caída

    Guilherme Both
    Guilherme Both

    Publicado em 06/08/2018 23:23

    Realizada de 30/10/2015 até 10/11/2015

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    1 Comentários
    Junior (Jota Jota) 13/09/2018 15:09

    Ótimo seu relato, cara! Fiz o Circuito O em jan/2017 sozinho tbm. Lugar incrível! Parabéns pela pernada!

    Guilherme Both

    Guilherme Both

    Londres - Reino Unido

    Rox
    136

    No soy de aquí, ni soy de allá No tengo edad, ni porvenir Y ser feliz es mi color De identidad

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