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Pico Paraná via Caratuva
Subimos o Pico Paraná, ponto mais alto do Sul do Brasil, acampando no Pico Caratuva.
Montañismo Trekking AcampadaEmbora o objetivo dessa aventura fosse claro e bem definido, subir o Pico Paraná não é tarefa fácil. Há muitos relatos de pessoas que não conseguiram chegar ao ponto mais alto do Sul do país. E de fato, são muitas variáveis: preparo físico, equipamentos adequados, experiência em subir montanhas, condições climáticas, etc. Dessas variáveis, a única totalmente fora do nosso controle era a previsão do tempo. Para as demais, tentamos nos preparar, mas posso dizer que não estávamos 100% prontos em nenhuma delas.
Meu irmão sempre foi o mais atlético. Maratonista, cruzou os Andes de bicicleta, passou os 5.000m de altitude no Cordon del Plata (evento este que motivou essa e futuras aventuras). Já minha namorada e eu, com a pandemia, largamos a academia e ficamos trancados em casa. Chegamos perto do sedentarismo, ao ponto de uma caminhada me deixar ofegante. Para ter alguma chance de subir o Pico Paraná precisávamos melhorar essa situação. Uns 4 meses antes dessa aventura começamos a correr em uma pista de atletismo próximo de nossa casa. Começamos devagar, distâncias curtas, mas com o tempo e constância dos treinos, conseguimos atingir 5k, 10k, e eu fiz até minha primeira meia-maratona. Em relação ao preparo físico, foi o que deu pra fazer.
Os três aventureiros: eu, minha namorada e meu irmão. Selfie com o Pico Paraná ao fundo.
Fisicamente acreditávamos estar "ok" (preparados é uma palavra forte). Porém, nunca havíamos feito uma trilha com mochila cargueira (e aqui já entra a falta de experiência). Eu e minha namorada nunca havíamos feito uma trilha assim. Já acampamos algumas vezes, mas a maioria delas perto do carro. A experiência mais próxima disso foi acampar, alguns meses atrás, no Cânion do Funil, onde não tínhamos isolantes térmicos para os sacos de dormir e estávamos levando edredons embaixo do braço!
Calma, aprendemos muito desde então. Deixamos os edredons em casa e compramos isolantes térmicos, além de várias outras coisas, como roupas mais adequadas, mochilas cargueiras, etc. Mesmo assim, não tínhamos ideia de como seria subir uma montanha com a mochila cargueira. Se iríamos aguentar (estaríamos essencialmente caminhando, por que não iríamos aguentar!?) ou se desistiríamos dessa empreitada (imagina fazer a trilha do Pico Paraná, sem muita experiência e ainda mais com cargueira... Impossível!). Fomos sem ideia de como essa aventura iria terminar.
Nosso objetivo original era ir direto ao cume do Pico Paraná e ali acampar. Porém, essas dúvidas, especialmente sobre o preparo físico, nos fizeram repensar nossa estratégia. Resolvemos então dividir nossa aventura em duas. No primeiro dia, iríamos subir até o Pico Caratuva e alí acamparíamos. Com quase a mesma altitude, porém mais perto, o Pico Caratuva era um objetivo muito mais tranquilo de ser atingido. No dia seguinte, já mais perto do Pico Paraná, iríamos descer o Pico Caratuva e acampar no Pico Paraná. Não teríamos assim aquela parte inicial do Morro do Getúlio e também evitaríamos aquela parte da trilha entre os Picos Caratuva e Itapiroca, cheia de pedras e raízes. No terceiro dia retornaríamos ao ponto inicial da aventura, a Fazenda Pico Paraná.
Vista do Pico Paraná a partir do Pico Caratuva. É logo ali!
Bom, até aqui falei sobre nosso preparo e estratégia para subir o Pico Paraná. Bora para a aventura em si! Saímos de Porto Alegre na segunda-feira, 27/09/2021, às 4:30 da manhã. Foi um dia inteiro de viagem até chegarmos a Fazenda Pico paraná, pouco depois das 16h. Neste dia, por sugestão do responsável da fazenda, cujo nome já me esqueci, subimos até a Pedra do Grito (uns 20 min de caminhada na trilha ao Pico Paraná) para vermos o pôr do sol. E que pôr do sol! Parecia que a viagem já tinha valido a pena somente por este pôr do sol.
Acampamos na fazenda neste dia. No dia seguinte, iniciamos a subida ao Pico Caratuva por volta das 8:30. A parte inicial da subida, o Morro do Getúlio, não é uma subida difícil, mas é cansativa, especialmente o início. Após umas 2h chegamos na bifurcação, onde se escolhe qual pico queremos subir.
Bifurcação dos diferentes picos.
A subida ao Pico Caratuva, embora curta (estimativa de 2h), é bem íngrime. Foram várias paradas para descanso, o que nos tomou mais do que as 2h previstas. Outro pequeno imprevisto que tivemos foi em relação a água. Nesta subida ao Pico Caratuva há um ponto de água (um dos poucos pontos com água devido à seca na região nesta época). Esse ponto fica logo após a bifurcação da trilha do Pico Caratuva para os picos Taipabuçu e Ferraria. Porém, essa bifurcação não é sinalizada, e acabamos passando dela sem perceber. Seguimos subindo, inicialmente ao lado de um pequeno córrego (o ponto de água!), até nos distanciarmos dele. Após um tempo, decidimos parar a subida e retornar até esse ponto para pegar água. Abastecidos de água, seguimos subindo e chegamos ao cume do Pico Caratuva pouco após as 14h. O principal objetivo do dia estava vencido. No cume do Pico Caratuva, assinamos o caderno de cume, montamos nossas barracas, e aproveitamos essa vista para tirar algumas fotos. Antes de escurecer jantamos e decidimos ir dormir cedo.
Vista dos Picos Taipabuçu e Ferraria, a partir do Pico Caratuva.
Por volta das 23h começou a chover. Uma chuva fraca no início, mas que logo se tornou em uma pequena tempestade, com raios e rajadas de vento. Estar no meio de uma tempestade no alto de uma montanha nunca é uma boa ideia. Confesso que este foi o momento mais tenso de toda essa aventura. Pelo menos para mim, minha namorada dormia profundamente e só acordou quando liguei a lâmpada que iluminava a barraca. A tempestade durou pouco mais de uma hora. Depois disso, tudo ficou calmo. E apesar disso, essa foi a pior noite de sono que tive em um bom tempo.
Pela manhã tudo estava encharcado, mas ao menos não estava chovendo e o tempo parecia firme. Esperamos o nascer do sol, mas não vimos nada por causa do tempo nublado. Fizemos algumas fotos, tomamos café e começamos a arrumar as coisas. Neste ponto estávamos discutindo o que faríamos. O plano original era descer o Caratuva, subir o Pico Paraná e acampar lá no cume. Entretanto, depois da tempestade que pegamos ali, e o tempo ainda prometendo chuva, resolvemos mudar de planos.
Resolvemos que iríamos descer o Caratuva, deixar nossas mochilas cargueiras no Acampamento A1, e partiríamos de ataque ao Pico Paraná. Depois, retornaríamos ao A1 para pegar nossas coisas e voltaríamos para a Fazenda Pico Paraná. Esta foi a melhor decisão de toda essa aventura. Subir as seções com grampos, levando as cargueiras, teria se mostrado quase impossível para a gente (já foi tenso sem levar quase nada, imagina com as cargueiras). Evitamos também pegar mau tempo no cume do Pico Paraná.
Amanhecer no Pico Caratuva. Vista espetacular, mas sem nascer do sol.
Com os planos atualizados, começamos a descida do Pico Caratuva. A trilha que liga o cume do Pico Caratuva ao acampamento A1 da trilha principal do Pico Paraná não é muito utilizada. O início da trilha não é bem demarcado, e é cheio de caratuvas. Existe também uma bifurcação que leva ao pico Taipabuçu. Além disso, no cume existe também uma trilha que liga a trilha principal do Pico Paraná, mas essa trilha é utilizada por equipes de salvamento, e é ainda menos utilizada. Sabendo disso, conseguimos pegar a trilha certa. Depois dessa parte inicial, a trilha é por dentro de uma mata fechada, e é bem demarcada.
Depois de 1h30min, chegamos no acampamento A1. Montamos uma barraca, deixamos todas as nossas coisas dentro dela e seguimos somente com água e uns lanches para o Pico Paraná. Sem as cargueiras, conseguimos andar mais rápido e logo nos encontramos na primeira seção de grampos. E como ficamos felizes por não estarmos com as cargueiras! Se tivéssemos mantido o plano original, provavelmente teríamos desistido de subir, e não teríamos visto pico algum. Apesar de ser bem perigoso, subimos as seções de grampos sem problemas, e por volta do meio dia estávamos no Acampamento A2. Descansamos um pouco, fizemos um lanche e seguimos subindo.
A subida entre o acampamento A2 e o cume do Pico Paraná passa por áreas abertas, áreas mais fechadas pela vegetação e é preciso passar por cima de várias pedras. Essa subida foi desgastante, especialmente por causa do sol que resolveu dar as caras. Apesar de tudo isso, do cansaço, do sol e todas as partes tensas dessa subida, chegamos ao cume do Pico Paraná por volta das 13h30min. Nem acreditava estar nesse lugar! O pico estava aberto, com neblina somente nos vales abaixo. Cena espetacular que havia visto apenas em vídeos do YouTube.
Caixinha do cume. Finalmente colocando nosso nome naquele caderninho.
Contemplamos a paisagem, tiramos algumas fotos, assinamos o caderninho do cume e, por volta das 14h começamos a descida. Nesse ponto já sabíamos que, se fôssemos voltar até a Fazenda Pico Paraná iríamos fazer parte da trilha no escuro. A descida do Pico Paraná até o acampamento A1 ocorreu sem problemas, mas demorou mais do que eu havia imaginado. Poderíamos ter acampado no A1 e retornado na manhã seguinte, mas estávamos sem água e sonhando com um banho quente. Deixamos o acampamento A1 por volta das 17h.
Se subir o Pico Paraná sem as cargueiras foi a decisão mais acertada, fazer toda a descida até a fazenda, com parte da trilha durante a noite, foi a decisão mais ariscada. Escureceu quando estávamos na metade do trajeto entre o acampamento A1 e a bifurcação dos picos (a parte que evitamos na subida ao Pico Paraná, cheia de pedras e raízes!). Fazer essa parte da trilha no escuro, com uma leve chuva, foi o segundo momento mais tenso dessa aventura. Fizemos essa parte da trilha com bastante cuidado. Apesar da trilha ser bem demarcada, ficamos preocupados em nos perder. Com chuva, no escuro e sem um bom lugar para acampar, se nos perdêssemos estaríamos em grandes apuros. Ficamos observando atentamente as marcações da trilha, bem como os principais pontos dessa parte, como a bifurcação para o Pico Itapiroca, a bica dágua, uma seção de grampos. Depois de todos esses pontos, e quase 3h de caminhada, chegamos na bifurcação dos picos.
Volta da trilha no escuro. A alegria em chegar nessa bifurcação.
Ficamos felizes em chegar nessa bifurcação, especialmente por estarmos fazendo uma parte desconhecida da trilha no escuro. Depois desse ponto, a trilha ficaria mais fácil e também já havíamos feito ela no dia anterior, então conseguimos reconhecer boa parte dela. Saímos desse ponto por volta das 20h. Apesar do cansaço, afinal estávamos caminhando desde as 8h da manhã, levamos pouco menos de 2h para chegar até a Fazenda Pico Paraná, por volta das 22h.
É desnecessário dizer que chegamos na fazenda exaustos. Ficamos um tempo sentados na grama para nos recuperar um pouco, ainda precisávamos montar acampamento e fazer alguma coisa para comer. Apesar da decisão ariscada que tomamos, finalizamos a trilha sem nenhuma queda, sem nenhum machucado. Nesse dia, conseguimos atingir o ponto mais alto do Sul do Brasil, coisa que às vezes duvidei que conseguiríamos fazer. Nesse dia, ainda tomamos o nosso sonhado banho quente.
Ainda hoje penso o quanto conseguimos realizar nessa aventura. Sem muita experiência em trilhas, conseguimos atingir o segundo ponto mais alto da região Sul (Pico Caratuva), fizemos uma trilha pouco utilizada e não nos perdemos (descida do Caratuva) e conseguimos atingir o ponto mais alto da região Sul (Pico Paraná), além de fazer boa parte da trilha de volta no escuro. Tudo isso sem qualquer incidente.
Apesar de ouvirmos que não devemos começar pela montanha mais alta (e com razão!), aprendemos muito. Mesmo se não tivéssemos atingido o cume do Pico Paraná, somente a experiência proporcionada por uma aventura dessas teria valido a pena. Sorte nossa, conseguimos também atingir todos os nossos objetivos. Missão realizada com sucesso!
