AventureBox
Crie sua conta Entrar Explorar Principal
Keila Beckman 11/01/2018 23:49
    Circuito Ausangate Via Vinicunca

    Circuito Ausangate Via Vinicunca

    Circuito Ausangate, realizado em 10 dias, por uma rota alternativa que nos levou à montanha colorida, Vinicunca, sem guias e sem mulas.

    Alta Montanha Trekking Montanhismo

    Local: Cordilheira Vilcanota – Tinki – Peru
    Data: Agosto/2016
    Percurso: Tinki – Upis Thermas – Jatum Pucacocha – Anantapata – Vinicunca – Quesiunio – Ausangatecocha – Pampacancha – Huchuy Finaya – Ac. Jampa – Pachanta – Tinki
    Distância: 97 Km
    Tempo: 10 dias
    Participantes: Keila Beckman, Emerson dos Santos, Ivanildo Mendonça Clei Baldez
    Grau de dificuldade: Muito difícil

    Para mais informações acesse meu blog, Troupe da Trip

    A Aclimatação

    O Circuito Ausangate é um trekking que contorna o Nevado Ausangate (6.384m), na Cordilheira Vilcanota, região de Cusco, no Peru.

    A caminhada se inicia e termina no povoado de Tinke (3800m) e se desenvolve, em sua maior parte, acima dos 4300 metros de altitude, transpondo passos de montanha acima dos 5000 metros.

    Desta forma, a fim de evitar o Mal Agudo de Montanha, é imprescindível passar por um prévio processo de aclimatação, adaptando o corpo à baixa concentração de oxigênio e a baixa pressão atmosférica.

    Nos aclimatamos durante 5 dias, antes de iniciar o circuito, sendo 3 deles na cidade de Cusco (3400m), um no povoado de Tinke (3800) e um na Laguna Singrenacocha (4300m - foto acima), que fica a meia hora de deste.

    Para mais detalhes sobre a nossa aclimatação visite meu blog AQUI.


    O Circuito Ausangate Via Vinicunca

    O trajeto original do circuito Ausangate apenas contorna o nevado Ausangate. No entanto, como queríamos conhecer a montanha colorida chamada Vinicunca (ou Winicunca, Cerro Colorado, Rainbow Mountain), prolonguei a caminhada por uma rota alternativa, que eu tive que montar, catando pedaços de tracklogs pelo wikloc, já que não encontrava à epoca, nenhum tracklog com o percurso que eu queria

    O objetivo era percorrer o Circuito Ausangate por essa rota alternativa, sem a ajuda de guias ou mulas. Contrataríamos guia apenas para escalar um nevado chamado Campa.

    Apesar do medo inicial, já que nunca tínhamos estado em elevada altitude ainda, ainda mais com aquela carga todas nas costas (minha mochila ficou com 19 Kg + água + câmera + GPS), focamos na nossa aclimatação e tudo correu bem, como verão a seguir.

    Partimos para o circuito com um Plano A e um Plano B (acampando antes do pretendido), para o caso de ficarmos muito cansados nas subidas dos passos de montanha. Na prática utilizamos todos os acampamentos do nosso plano B, pois as subidas dos passos foram extremamente desgastantes.

    Para mais detalhes do planejamento e informações do nosso dia a dia, como quilometragem percorrida e tempo gasto, acesse meu blog AQUI.

    Veja também todas as dicas para realizar esse circuito AQUI.

    Dia 1 : Tinke (3800) – Upis Thermas(4440 m)

    As 8:00 horas da manhã, sobre um lindo dia ensolarado, demos inicio ao Circuito Ausangate, seguindo o trajeto que o GPS nos indicava, a partir da rua principal de Tinke, onde nosso hostel estava localizado.

    Em poucos minutos de caminhada, logo encontramos com o centro de controle de visitantes (um barraco de madeira), onde pagamos uma taxa de 10 soles para fazer o Circuito Ausangate, recebendo alguns sacos para retornar com o lixo.

    Registros devidamente feitos, prosseguimos com nosso primeiro dia de trilha, que logo se tornou uma longa e interminável subida, por uma estrada de terra.

    Após algum tempo, chegamos a uma bifurcação onde o GPS indicava que deveríamos seguir para a esquerda. Acreditava que, naquele ponto, estaríamos saindo da estrada para cair na trilha. Porém, o pessoal decidiu continuar na estrada, após pegar informações com um morador do local.

    Pouco depois nos deparamos com duas crianças se dirigindo até a beira da estrada, para nos abordar pedindo doces (tinha lido na internet que isso iria ocorrer). Fui então até elas e dei alguns dadinhos que levava comigo, justamente par essas ocasiões .

    Mais à frente encontramos com o Clei, junto a duas crianças. Ele estava colocando um pedaço de garrafa pet na roda das bicicletas delas para que fizesse barulho quando estivessem em movimento. Não preciso nem dizer que elas adoraram, né? Gostaram tanto que, mais tarde, levaram um outro amiguinho até o Clei, para que ele fizesse o mesmo na bike dele.

    Nessa ocasião passou por nós um comboio com dezenas de motos, que as crianças disseram se tratar dos convidados de um matrimômio que ocorreria naquele dia, em Upis.

    Seguimos a caminhada, então, até lá, onde chegamos 12:00. Porém o GPS indicava que nosso local de acampamento ainda estava longe. Ou seja, fomos parar na Upis errada. Estávamos emUpis Pueblo, não em Upis Thermas, onde deveríamos acampar.

    Procurei então por uma trilha que pudesse nos jogar no trajeto do nosso tracklog e a encontrei facilmente, à esquerda, atravessando um pequeno riacho. Seguimos por ela então.

    Foi a partir daqui que começamos a ver as belezas do Circuito Ausangate. Éramos só nós, a imensidão amarelada da puna peruana (vegetação local) que nos rodeava e o grande Nevado Ausangate, lindão, à nossa frente.

    Por toda a subida vinha mantendo meu ritmo bem devagar, e constantemente bebia água, seguindo as orientações que o Maximo Kauch passava nos seus artigos sobre aclimatação. Estava super bem.

    Por outro lado, nosso amigo Emerson não podia dizer o mesmo. Sentia-se muito mal, fraco e com dor de cabeça. Não tivemos dúvida. Estava com sintomas de mal leve de altitude.

    Aliviamos, então o peso de sua mochila, dividindo suas coisas entre nós, que estávamos bem, a fim de que ele pudesse caminhar mais leve.

    Nessa hora nevava e fazia muito frio . Ivan e Clei decidiram então ir mais rápido, à frente, para poderem chegar ao acampamento logo e já montar o acampamento, deixando tudo pronto só para o Emerson chegar e descansar. Eu fiquei com a missão de seguir atrás, devagarzinho, com o Emerson, conduzindo-o em segurança até a área de camping, onde chegamos as 17:40, já sob pouca luz.

    Ao nos avistar, imediatamente Ivan seguiu até nós e carregou a mochila do Emerson até a barraca, onde este caiu no sono rapidamente, de tanta exaustão, após tomar um analgésico.

    Creio que o problema com o Emerson se deu por falta de hidratação, pois desde Cusco ele não vinha tomando água suficiente.

    Bom, medicado e, agora, descansando, só nos restava aguardar a melhora do nosso amigo.

    Preparamos o jantar, jantamos e ficamos conversando, até que o Emerson acordou dizendo que precisava comer, apesar de não estar com fome, senão não conseguiria se recuperar para o dia seguinte.

    Devidamente alimentado, Emerson voltou para a barraca do Clei, com quem dividia a hospedagem, e finalmente pudemos descansar daquele longo dia.

    Antes de cair no sono tive que tomar um remédio pois estava com uma leve dor de cabeça. Após o episódio com o Emerson, em que fiquei com a responsabilidade de levá-lo em segurança até o acampamento, acabei descuidando da hidratação.

    O camping Upis Thermas, ficava a beira de um riacho. Lá existem 5 casas (creio que de locais), um banheiro (casinha de lata com buraco no chão) e uns tanques de águas termais.

    Quando lá chegamos nos deparamos com 11 barracas armadas. Foi o local em que mais vimos pessoas acampando, durante todo o circuito.

    Dia 2 – Upis (4440 m) – Jatum Pucacocha (4590 m)

    Acordei por volta das 8:00, após enfrentar uma noite muito fria, onde o termômetro marcou quase 2 graus negativos, . Apesar de eu estar muito bem abrigada e com um saco de dormir de conforto -18 (Marmot Trestles 0), senti que fiquei no meu limite.

    O sobreteto da barraca estava cheio de pequenos flocos de gelo, tanto por dentro, quanto por fora. O mesmo se dava com a vegetação, que se encontrava, ainda toda branquinha.

    Emerson acordou melhor, neste dia, mas dizia ainda sentir dor de cabeça.

    Chegou-se a cogitar de mandar as coisas dele, para o próximo acampamento, por um muleiro que lá se encontrava, mas acabou não dando certo, apesar dele ter concordado, pois demoramos para desmontar o acampamento e o muleiro acabou partindo.

    Nesse momento, Emerson ficou desnorteado. Olhava para mim, com angústia e tristeza, e falava " E agora Keila. O que eu faço? Eu não sei voltar daqui?"

    Fui então até ele, segurei seu rosto com as duas mãos e disse, olhando nos seus olhos : "Você não precisa voltar. Você vai conseguir. Nós dois vamos atrás, devagarzinho, fazendo várias paradas para comer e hidratar, e você vai melhorar. Confia em mim."

    Emerson tomou então um remédio e, às 9:40, demos início a caminhada do dia, após pagar 5 soles a um senhor que apareceu nos cobrando pelo acampamento.

    Combinamos que faríamos paradas rápidas, a cada meia hora , para descansada, tomar água e comer alguma coisinha. E assim fizemos, não só naquele dia, mas durante todo o circuito, com exceção do terceiro dia, como verão mais à frente.

    A caminhada seguiu subindo o nosso primeiro passo de montanha, o Arapa (4760 m), o qual transpomos as 12:30, deixando para trás a linda paisagem de gramíneas, característica da puna peruana, e adentrandos num local onde predominava terra e muita secura. Senti-me como se estivesse num grande deserto. E como o deserto era igualmente lindo.

    Descendo o passo Arapa, e olhando para trás, avistei uma montanha que eu chamei de Montanha Cérebro, tal a semelhança dela com o órgão de mesmo nome. Incrível.

    A trilha seguiu em geral em descida, com uma paisagem estupeficante a nossa volta, formada por lagoas abraçadas por suas altas montanhas.

    Em determinado momento, nosso tracklog nos levou a um mirante da Laguna Pucacocha, onde havia um banquinho com telhado para se sentar enquanto se apreciava a vista. Lindo, lindo.

    Ficamos um pouco no local e logo voltamos à trilha principal. Prosseguindo com a caminhada, e , às 15:40, chegamos a outro mirante, da mesma Lagoa, onde ficamos boquiaberto.Senti-me muito pequena diante de tanta grandeza.

    Emerson e eu não tivemos dúvida, sentamos e ficando apreciando tudo aquilo, fazendo do local um de nossos pontos de parada.

    Nesse trecho, nosso tracklog indicava que deveríamos seguir pela esquerda, contornando a lagoa e subindo uma pequena encosta . No entanto, vimos nossos amigos, que caminhavam, mais à frente, seguindo pela direita. Decidimos então seguir pelo mesmo caminho, para não nos separarmos, mas ficamos com aquela pulguinha atrás da orelha: "O que será que a outra trilha tinha de especial que o tracklog nos mandava por lá?".

    Prosseguimos então com a caminhada entre dois morros que impediam que tivéssemos qualquer visual , até finalmente avistarmos à Laguna Jatum Pucacocha , onde chegamos, as 16:50.

    Tratamos logo de armar as barracas, antes que o sol caísse, momento em que uma senhora, do outro grupo que lá estava, veio até nós, nos oferecer tâmaras. Eu não gosto de tâmaras, mas é claro que eu aceitei. Ela foi tão gentil conosco, que não queria causar uma má impressão.

    Essa área de acampamento não tinha absolutamente nada. Ali era tudo selvagem. Tanto assim é que não se cobra para acampar neste local. Porém, como o outro grupo estava com auxílio de guias e mulas, eles montaram uma estrutura de lona, onde cavaram um buraco no chão, para servir de banheiro aos seus clientes. Eles nos autorizaram a usar esse banheiro .

    Logo acima desse acampamento, subindo uma pequena encosta, havia uma outra lagoa menor, chamada Uchuy Pucacocha, com um glaciar à sua frente. Não fomos até lá porque estávamos cansados e o sol logo cairia. Precisávamos montar o acampamento logo, já que as temperatura despencava bruscamente quando o sol se punha.

    Emerson chegou super bem ao acampamento, neste dia. Cansado claro, como eu e os demais também estavam, mas super bem . Dor de cabeça, fraqueza, mal estar? O que é isso mesmo? Emerson nem lembrava mais . Aliás, eu também estava super bem . Nada de mal de altitude e, apesar da longa caminhada do dia, me sentia bem inteira.

    Nosso esquema de andar devagar, tomar água e comer a cada meia hora parecia ter dado super certo. Finalmente pude ver o meu amigo curtindo a trilha, após todo o sofrimento por qual passou no primeiro dia.

    A gente pode mais do que imagina, basta acreditar nisso e fazer as coisas certas.

    Dia 3 – Jatum Pucacocha (4590 m) – Anantapata (4740 m)

    O dia amanheceu novamente branquinho, mas logo o sol derreteu todo aquele gelo, que se formou na noite fria.

    Fizemos alguns cliques, tomamos café, desmontamos o acampamento e iniciamos nosso terceiro dia de trilha, as 8:20.

    Neste ponto sairíamos do Circuito Ausangate tradicional, pegando uma trilha alternativa à direita (o Circuito tradicional segue pela esquerda), que nos levaria até Vinicunca, a montanha colorida, após transpormos 2 passos de montanhas (Passo Ausangate e Passo Surini).

    A ideia era acampar em Quesiuno, após Vinicunca, mas tínhamos um plano B (Anantapata), para o caso de ficarmos muito cansados na subida do Passo Ausangate, afinal, se tratava de uma ascensão a quase 5000 metros de altitude (4940m para ser exata).

    No início Emerson seguia a caminhada atrás comigo mas, em determinado momento da trilha, começou a seguir o ritmo do Clei, passando a andar mais à frente.

    Nessa hora Ivan passou a caminhar comigo. Aliás, em todas as nossas trilhas aqui no Brasil o Ivan nunca me deixou sozinha para trás. Nem a mim nem a qualquer outra pessoa que fosse a última da trilha. Enquanto muitos sequer olham para trás, Ivan está sempre de olho nos retardatários.

    Seguimos então subindo a montanha, a passos lentos. Cada passo uma respiração. A dificuldade era tremenda. E eu via que, assim como para mim, para Ivan também não estava sendo fácil. Precisei parar muitas vezes para recuperar o fôlego, mas com uma paisagem daquelas era até difícil.

    Olhando para trás nós podíamos ver a laguna Jatum Pucacocha, onde acampamos, e sua irmã menor, Uchuy Pucacocha, pouco acima, sendo abraçadas pelo gigante nevado às suas costas. Um cenário de tirar o fôlego , literalmente.

    Após 2h40min de subida, chegamos finalmente, ao cume do Passo Ausangate, à 4940 metros de altitude, as 11:00hs onde encontramos com um casal de trekkers e um muleiro, que estavam indo para Vinicunca.

    A paisagem que se escondia por trás desse passo era difícil de acreditar. Parecia que eu estava em uma grande tela de pintura. Montanhas vermelhas, pinceladas de marrom e gramíneas verdes e douradas descendo de suas encostas. Lindo, lindo.

    De lá pudemos avistar o Lodge de Anantapata e , logo atrás o Passo Surini, que se assemelha à Vinicunca, com suas cores dispostas em forma de arco-íris.

    Antes de iniciarmos a descida Clei sugeriu que colocássemeis em prática nosso Plano B, acampando em Anantapata, já que aquela subida tinha sido extremamente puxada e ainda havia um passo maior à enfrentar (Passo - 5000m) naquele dia.

    Apesar de ainda estar muito longe de o sol se pôr, todos concordaram que o ideal era mesmo ficarmos em Anantapata, e descansar para encarar o Passo Surini no dia seguinte, com as energias recuperadas.

    Iniciamos então a descida do Passo, as 11:15, rumo à Anatapata , por uma trilha que segue rumando para a direita .

    Nessa hora Emerson disse que tinha se esforçado muito na subida, e acabou se desgastando muito rapidamente. Estava novamente com dor de cabeça e sentindo-se fraco. Disse que queria, então, seguir nosso esqueminha do dia anterior até o final do circuito: andar devagar e parar, a cada meia hora, para tomar água e comer algo.

    Eu li um artigo do Máximo Kauch em que ele falava que os corredores não conseguiam segurar os pés; que por serem muito bem preparados, andavam mais rápido, sem perceber que estavam fazendo isso, motivo pelo qual era comum vê-los passando mal em alta montanha, onde era necessário se manter a passos lentos. Emerson é um corredor. Creio que voltou a passar mal devido a isso.

    Durante a descida encontramos uma flor em meio à secura do solo. Inicialmente achei que fosse uma flor de pano, que pudesse ter caído de alguma choula que tenha passado por ali, mas logo olhei em volta e vi várias flores iguais, espalhadas para todo lado. Incrível como brota vida de uma terra que parece tão estéril.

    Após descermos o passo, chegamos a uma área plana, onde logo iniciamos uma nova subida.

    Em determinado momento meu GPS nos indicava seguir para a esquerda, saindo da trilha bem demarcada que seguíamos. Gritei então para Clei e Ivan, que estavam mais à frente, retornarem, pois o caminho era por ali.

    Eles ficaram meio receosos, achando que deveríamos seguir a trilha que estávamos, pois não viram nenhuma trilha por onde eu queria seguir. Pedi, então, que esperassem , que eu iria verificar.

    Deixei minha mochila no chão, com o Emerson, e segui para a esquerda, conforme indicava o tracklog, num trecho sem trilha, subindo, em seguida, uma pequena encosta, onde encontrei uma trilha bem demarcada. Segui por essa trilha, por algum tempo, a fim de verificar se ela realmente levaria a Anantapata e pude constatar que sim.

    Provavelmente , aquela trilha bem demarcada que seguíamos nos levaria direto à subida do Passo Surini, sem passar por Anantapata.

    Fui então até um ponto daquele cume em que os meninos pudessem me ver e gritei à eles informando que tinha encontrado a trilha. Como Clei e Ivan já estavam bem mais acima, apenas caíram para a esquerda, dali mesmo, subindo a encosta . Eu por outro lado, tive que descer de volta até o Emerson para pegar minha mochila e prosseguir com a caminhada.

    Após subirmos a encosta, iniciamos a última descida do dia, beirando um precipício, até chegar ao grande platô gramado onde se encontra Anantapata, atravessando, antes, um pequeno riacho, quase seco , de águas alaranjadas.

    Quando chegamos, por volta das 14:15, não avistamos ninguém. O local parecia vazio. E realmente estaria, não fosse a presença de 3 pessoas, que ali trabalhavam.

    Eles disseram que poderíamos acampar por ali, mas não sabemos se isso era realmente permitido, ou se eles apenas foram legais conosco, pois vimos um outro grupo, que chegou, pouco depois de nós, acampar longe do Lodge, próximo ao rio.

    A noite, jantamos junto com nossos novos amigos, que dividiram conosco a sopa que tinham preparado. Tive receio de tomar, por causa daquele meu medo de contaminação , mas achei muita falta de educação recursar. Em contrapartida, servimos à eles o nosso Liofoods.

    Devidamente alimentados, fomos dormir, pensando no dia seguinte, quando, finalmente, encontraríamos a tão sonhada Vinicunca.

    Nessa área em que ficamos, próxima ao Lodge, não havia banheiros (os mesmos se encontravam apenas dentro do Lodge), nem qualquer outro tipo de estrutura para uso de quem estivesse acampado. Havia, no entanto, uma torneira, com água corrente, onde pudemos pegar água. De qualquer forma, como disse anteriormente, não sei se é realmente permitido acampar ali. Na dúvida, acampe mais afastado, próximo ao riacho.

    Dia 4 – Anantapata (4740 m) – Quesiuno (4380 m)

    Foi novamente uma noite bem fria. As barracas e a vegetação não amanheceram congeladas, mas havia gelo nas gramíneas próximas à torneira em que estávamos coletando água.

    Após o café da manhã, desmontamos acampamento, nos despedimos dos amigos peruanos e iniciamos a nossa caminhada do dia, rumo à Quesiuno, as 8:30.

    Este era o grande dia. O dia em que chegaríamos a tão sonhada montanha colorida, Vinicunca.

    A trilha seguiu inicialmente plana mas, em poucos metros, começamos a subir o Passo Surini. Achei a subida bem puxada, porém um pouquinho mais fácil que a do Passo Ausangate.

    Em 2 horas de caminhada já estávamos no topo do Passo , as 10:30, a 5000 metros de altitude, onde pudemos avistar , pela primeira vez, a linda Vinicunca, ainda bem longe do nosso alcance.

    Comemoramos os nossos primeiros 5000 metros, fizemos alguns cliques e logo iniciamos a descida do Passo, por uma trilha estreita , em uma encosta inclinada de solo vermelho.

    Em cerca de 20 minutos finalizamos a descida do Passo, à beira da Laguna Surini, a qual contornamos pela esquerda, para então iniciar uma nova subida, mais suave, porém não menos cansativa.

    Após essa subida encontramos uma segunda lagoa, chamada Quiullacocha. Seguimos em frente, contornando a mesma pela direita, até chegar em uma nova subida, por onde seguimos rumando para a esquerda, em direção à Vinicunca.

    Vencido mais esse trecho, avistamos Vinicunca já bem próxima. A vontade era não parar mais de caminhar enquanto não chegássemos até lá, mas, abruptamente o tempo fechou e começou uma nevasca, nos forçando a colocar roupas quentes e impermeáveis. Era incrível o frio que fazia quando vinham essas nevascas.

    Devidamente abrigados seguimos com a caminhada subindo por onde nosso tracklog indicava, me batendo uma angústia nessa hora, pois o mal tempo começava a esconder Vinicunca de nós.

    A ideia era chegar à montanha colorida pela frente, caminho pelo qual o tracklog nos levava. No entanto, ao chegarmos no topo da montanha, onde deveríamos seguir para a esquerda, indo de encontro com a "frente" de Vinicunca, verificamos que se tratava de uma trilha muito perigosa, para passarmos nas condições climáticas em que nos encontrávamos (nevando e ventando). Trilha estreita, em terreno muito inclinado, que seguia contornando a montanha, pelo lado do vale, estando exposta à todo o vento que de lá soprava.

    Emerson, Ivan e eu, concordamos que seria melhor contornar essa montanha por uma trilha que seguia pelo lado que estávamos. Apesar de também ser uma trilha relativamente perigosa, era mais segura que a trilha que contornava pelo lado do vale, pois havia uma montanha no meio, bloqueando todo o vento. Não chegaríamos à Vinicunca pela frente, como queríamos, mas estaríamos mais seguros. Seguimos os três por esta trilha então.

    Essa trilha foi bem tensa. Muita terra solta, num terreno inclinado, onde só havia espaço para colocar um pé à frente do outro. Felizmente foi um trecho rápido, e logo já estávamos de cara com a "lateral" de Vinicunca, onde chegamos as 13:30.

    O que dizer de Vinicunca? Até hoje eu não tenho palavras. Ela era infinitamente mais linda e grandiosa que qualquer foto que eu tenha visto dela .

    Para a nossa alegria, suas cores estavam bem vívidas, naquele momento, devido a neve que havia caído e molhado o solo. A mesma neve que afugentou todos os turistas que lá estavam, antes de chegarmos, dos quais vimos somente as pegadas.

    A montanha era toda nossa. E toda nossa com um visual incrível pois, assim que chegamos, o tempo milagrosamente limpou. Emerson disse que Deus fez aquilo por nós e eu acredito nele.

    Infelizmente não podíamos ficar o resto do dia ali. Ainda havia um logo caminho à trilhar até nossa área de camping, antes que a noite caísse. Assim, por volta das 14:00 horas iniciamos a descida até Quesiuno, por uma trilha diferente da que chegamos.

    O caminho até Quesiuno foi uma longa descida de 3 horas, alternada com dois trechos de trilha plana, antes de, finalmente ,chegarmos as 16:40.

    Durante o percurso entre Vinicunca e Quesiuno, cruzamos, por três vezes, com casinhas que indicavam se tratar de banheiros (ali era uma rota de turistas) e com uma pequena aldeia.

    Quesiuno, também era uma espécie de aldeia. Haviam algumas casas cercadas por pedras, três banheiros (buraco no chão cercado por uma lona) e uma construção nova, em madeira, que se destacava das outras.

    Fomos até lá e verificamos se tratar de um estabelecimento que estava sendo construído para receber melhor os turistas. O dono, chamado Francisco, nos permitiu acampar por ali, pagando uma pequena quantia de 5 soles por cabeça.

    Depois de armarmos as barracas e colocarmos mais roupas para enfrentar o frio da noite, preparamos nosso jantar e capotamos.

    Foi um puxado dia de caminhada, onde chegamos por duas vezes a 5000 metros (no Passo Surini e na montanha que serve de mirante para Vinicunca, localizada bem à sua frente).

    Dia 5 – Quesiuno (4380 m) – Ausangatecocha (4670 m)

    Acordei, neste dia, com barulho de automóvel e pessoas falando. Coloquei a cabeça para fora da barraca para dar uma espiada e vi várias vans estacionadas, lotadas de turistas. Outros muitos já estavam em caminhada, rumando à Vinicunca. Foi aí que eu descobri que ali era a porta de entrada dos turistas normais para visitarem, a montanha colorida.

    Era tanta gente, mas tanta gente, que eu fiquei até admirada de não ter encontrado nenhum tipo de lixo na trilha. Estava impecavelmente limpa. Ou os turistas são muito bem educados ou os locais fazem uma boa manutenção da trilha.

    Assim como nos dias anteriores, tratei de já deixar minhas coisas em ordem (colocando tudo nos sacos estanques) e fui tomar café com o grupo.

    Pouco antes, Clei havia ido até o rio para pegar água e aproveitou para lavar a sua calça. Pendurou para secar e quando foi pegar para guardar , a calça estava completamente dura. Foi muito hilário. A calça congelou só no tempo em que tomávamos nosso café.

    O mais estranho é que não me lembro de estar fazendo tanto frio assim naquela manhã, que inclusive estava ensolarada. Acho que já estava acostumada ao clima frio do lugar.

    Enquanto desmontávamos o acampamento, o Francisco, dono do local chegou (ele mora em Chilca, povoado próximo dali).

    Clei deu umas dicas para ele, sobre o que poderia fazer no seu estabelecimento, para melhorar a recepção aos turistas. Desenhou tudo em um pedaço de papelão e entregou ao Francisco, do qual vi brilhar os olhinhos. Ele parecia ter ficado encantado com as ideias do Clei.

    Como tracei a mão a trilha entre Quesiuno e o início da trilha do vale que nós levaria até Ausangatecocha (a partir de onde eu tinha um tracklog seguro novamente) pegamos algumas informações com o Francisco, antes de partir.

    Francisco disse que deveríamos seguir até o final da estrada e lá subir uma trilha à direita, até chegarmos ao Vale que levaria ao nosso destino. Quando encontrássemos com o Vale, deveríamos rumar para a direita, sem descer até ele, seguindo em direção ao grande nevado branco, até o nosso acampamento, pelas encostas das montanhas.

    Chegada a hora, fizemos uma fotinha com nosso anfitrião, nos despedimos e demos inicio ao quinto dia de caminhada, as 10:15, rumo a Ausangatecocha, pela estrada que passa às portas do estabelecimento do Francisco.

    Todo o trajeto na estrada foi tranquilo, bem plano. Porém, ao término da estrada, quando adentramos na trilha, começamos a pegar algumas subidas e descidas leves, alternadas com trechos mais planos. Ora estávamos andando sobre gramíneas, ora sobre pura terra solta, em estreita trilha que seguia pelas inclinadas encostas das montanhas de solo vermelho.

    Pouco antes de chegarmos à beira do vale que nos levaria ao acampamento Ausangatecocha, encontramos uma casinha com cercado de pedras, onde haviam 3 totens bem grandes. Clei acreditava que se tratavam de túmulos. Parece que os incas enterravam seus entes daquela forma, sentados. Se essa informação estiver correta, os quechuas da região ainda mantém as tradições de seus antepassados incas.

    No local também havia um rapazinho, por volta de uns 10 anos de idade, de bicicleta, com o qual o Ivan foi pedir informações da direção de Ausangatecocha, a qual bateu com as informações passadas pelo Francisco e com o tracklog que eu estava seguindo.

    Adentrando no Vale de Ausangatecocha, seguimos pelas encostas da montanha com o grande nevado branco sempre a nossa frente, até chegarmos à uma planície onde havia uma casinha,que se dividia em dois cômodos, sendo um deles um banheiros com vasos sanitários e pias.

    Quando chegamos , as 14:00, Clei já havia varrido o local para que pudéssemos dormir lá dentro. Disse que seria melhor, assim não teríamos que desarmar a barraca no dia seguinte.

    Ajeitamos então nossas coisa lá dentro e preparamos duas sopas para comermos, misturadas com carne moída da Liofoods. Para acompanhar, matamos o restante do salame que ainda tínhamos.

    Depois do almoço Ivan foi lavar o banheiro, para podermos usar . Disse que a coisa estava feia por lá.

    Após isso fomos até a Laguna Ausangatecocha, a qual chegamos com uma pequena caminha,

    Não nos demoramos muito pois o dia já começava a cair, retornando em pouco tempo à casinha, onde conversamos um pouco e caímos no sono, as 18:00

    Esse foi um dia curto de caminhada propositalmente. Planejamos que esse seria nosso dia de descanso, a fim de que pudéssemos subir, no dia seguinte, o tão temido Passo Palomani (que diziam ser o mais difícil do circuito), com todas as nossas energias recuperadas.

    Dia 6 – Ausangatecocha (4670 m) – Pampacanha (4470 m)

    Após tomarmos nosso café da manhã e arrumarmos nossas mochilas, partimos, as 8:30, com destino à Huchuy Finaya.

    A subida do passo Palomani foi bem dura. Realmente é o passo de montanha mais difícil do circuito, sendo o mais alto e o que mais demorado para transpor. Porém o Passo Ausangate e o Passo Surini não ficam muito atrás não.

    A trilha seguiu em sua grande parte como a do restante do circuito, ora por entre gramíneas, ora por entre trechos de rocha, ora por trechos de terra solta em encostas íngremes. O diferencial foi o trecho que passamos, já bem próximo ao topo, em que havia neve.

    Foram 3 horas e meia, de uma puxada subida, onde foi preciso controlar ao máximo a respiração para não perdermos o fôlego.

    Como nos passos de montanhas anteriores, subi dando uma respirada (inspiração+expiração) por passada, o que era bem fácil de se fazer, tendo em vista o lento ritmo em que Emerson e eu estávamos. Isso me ajudou muito a encarar melhor a subida e o peso da minha mochila.

    Chegando ao topo, às 12:00, encontramos com o Ivan e o Clei. Verifiquei nessa hora que meu GPS marcava 5130 metros de altitude.

    Caminhei um pouco sobre a linda crista da montanha, que, aliás, também era colorida, e logo iniciamos a descida, avistando, com poucos metros de caminhada, um lago rosa, a beira do nevado, à nossa esquerda. Isso mesmo, rosa. Pensa numa coisa impressionante? Infelizmente nenhuma das fotos que eu tirei conseguiu captar toda a intensidade daquele rosa.

    A trilha segue sempre em descida em direção à Pampacancha, com uma paisagem estupenda à nossa volta. Emerson e eu não nos contemos, tivemos que parar por vários momentos para apreciar tudo aquilo e fazer alguns cliques.

    As 14:50, chegamos à Pampacancha, uma planície meio alagada, localizada no fundo de um vale, e às margens de um riacho, onde não existe qualquer estrutura para camping.

    Montamos as barracas, vestimos roupas quentes , jantamos e fomos dormir, assim que o sol caiu.

    Dia 7 – Pampacanha (4470 m) – Huchuy Finaya (4660 m)

    Neste dia, iniciamos a trilha as 9:20, subindo a montanha à esquerda do nosso acampamento, no fundo do vale de Pampacanha, após atravessar um pequeno trecho alagado.

    Após uma inclinação maior no início, a caminhada seguiu subindo de maneira mais suave, até passarmos a enfrentar áreas mais planas, onde nos deparamos com uma casinha igual aquela de Ausagnatecocha , a qual verificamos estar trancada à cadeado.

    Provavelmente ali era a área de camping de Huachuy Finaya, no entanto nosso tracklog indicava que deveríamos seguir mais à frente, a fim de ficarmos mais próximos da subida do Passo Campa (também chamado Jampa).

    Seria perfeitamente possível acampar neste lugar, já que a distância até o local, onde o GPS indicava que deveríamos ficar, não passava de 1,5 Km. Porém, não havia muita vantagem nesta hora, pois estava tudo trancado. No máximo teríamos água encanada.

    Confesso que não fiquei nem um pouco triste com o fato de encontrarmos tudo trancado, e não podermos dormir dentro do abrigo, ou utilizarmos o banheiro. Tenho um pouco de aversão à isso pois o que me leva para a trilha é, justamente, o fato de ficar longe de tudo o que eu já tenho na minha casa; de ficar longe da minha zona de conforto.

    Seguimos então para a aldeia de Huchuy Finaya, localizada a 4660 metros de altitude , embaixo de uma pequena nevasca, que se intensificou quando lá chegamos, as 12:15.

    Acampamos entre duas casas, dentro de um cercado de pedras. Uma delas não tinha porta, e se tratava de uma espécie de local de armazenamento de "feno" ou seja lá o que for aquilo que encontramos dentro dela.

    Depois que a nevasca passou fomos dar uma olhada em volta. Haviam 2 rios lá, mas apenas um dele tinha água transparente. Coletamos água deste rio e retornamos ao acampamento, onde jantamos e logo fomos dormir.

    Dia 8 – Huchuy Finaya (4660 m) – Acampamento Jampa (4810 m)

    Depois de uma noite gelada daquelas, tomamos nosso café da manhã, levantamos acampamento e partimos, as 8:20, rumo ao acampamento base Campa (também chamado Jampa).

    Logo no início da caminhada, demos uma parada no rio, para coletar água, e verificamos que a vegetação em volta estava toda congelada. Consequência da fria noite que enfrentamos.

    Seguimos a caminhada, Passo acima, numa trilha, sempre em subida, porém não tão íngreme quanto a dos outros passos que tínhamos encarado. Apesar disso, foi uma subida também muito difícil e desgastante onde era preciso controlar a respiração para não perder o fôlego.

    Por volta das 12:30, chegamos ao topo do Passo Campa, à 5080 metros de altitude, após aproximadamente 4 longas horas de caminhada. Foi o passo de montanha que mais levamos tempo para subir, durante todo o circuito, o qual perdeu apenas para o Passo Palomani.

    Que lugar mágico. Estávamos muito, mais muito perto mesmo de um glaciar, descendo a encosta de uma montanha, também bem próxima. Em frente à ele, uma infinidade de totens, onde pudemos sentir uma energia incrível.

    Ali, avistamos Clei e Ivan parados olhando, à frente deles, uma trilha estreitíssima, que seguia pela inclinadíssima encosta de uma montanha cheia de pedregulhos. Um verdadeiro precipício.

    Olhei para aquilo e pensei "Meu Deus... diga que não é por ali que teremos que passar". Logo Ivan veio até mim, perguntando se aquele era o caminho. Disse que não sabia, mas logo tratei de consultar o GPS e verifiquei que sim. Não havia trilha alternativa.

    Ficamos ali parados, atônitos. Todos, inegavelmente, esperando para ver quem seria o corajoso à ir na frente, "experimentar" a trilha . E o corajoso foi o Ivan, que logo se pôs a caminhar sobre ela.

    Assim que vi o Ivan percorrendo a trilha pensei: "caraca...que coisa de maluco...preciso registrar isso". Sem dúvida alguma posso dizer que este foi o lugar mais perigoso, de todo o circuito.

    Após capturar alguns segundos de filmagem da travessia do Ivan, Emerson e eu adentramos na trilha. Eu estava com tanto medo mas com tanto medo que não toquei na câmera em nenhum momento. Segui com a cabeça abaixada, olhando apenas para o chão, me concentrando onde eu iria pisar. Olhar para o lado era algo que eu definitivamente não queria fazer. Mas, com poucos passos dados, logo pude perceber a trilha se alargando. Não ficou tão larga quanto eu gostaria, mas já não oferecia o perigo todo que o seu início, bastando prestar atenção. Ufaaaa...

    Durante a descida, avistamos, longe, duas grandes lagoas, encontrando, algum tempo depois, com uma placa indicando uma área de Camping à esquerda, chamada Jampa.

    Descemos a pequena encosta que levava até o Acampamento e finalmente, as 13:50, chegamos ao nosso destino do dia, ou melhor, naquele que achávamos ser o nosso destino.

    O acampamento Jampa possuía um banheiro (buraco no chão cercado por uma estrutura em madeira) e uma mina de onde brotava água, formando uma pequena poça. Meio estranha a água dali, mas com jeitinho, dava para pegar água limpa.

    Assim que colocamos nossos pés lá, caímos no gramado, exauridos. Esse foi mais um passo de montanha bem puxado, apesar de a subida não ter sido tão íngreme quanto a dos outros.

    Devidamente descansados, montamos o acampamento, jantamos, mesmo sobre o forte sol que ainda fazia, e ficamos aguardando o Flávio, que nós guiaria no Nevado Jampa (também chamado Campa). Lembro de ter comido bastante neste dia. Queria ficar bem forte para a encarar a subida do Nevado Campa.

    Pouco depois do nosso jantar, o Flávio apareceu, informando que estávamos no acampamento errado. Como já passava, e muito, do horário em que combinamos o nosso encontro, ele imaginou que tínhamos ido para o acampamento errado, e foi atrás de nós, com a sua mula.

    "Como assim errado? A placa está dizendo que aqui é o Acampamento Jampa?" falamos . Ele disse que estávamos certos. Ali era o acampamento Jampa, mas o acampamento BASE jampa, ficava mais para cima, à 1 hora dali, na descida do Passo. "E agora?", pensamos. Já estávamos com o acampamento montado, e mortos de cansaço. Não estávamos em condições de enfrentar mais subida naquele dia.

    Perguntamos ao guia então se podíamos dormir ali mesmo e ele disse que sim, mas informou que a subida do nevado Campa ficaria mais puxada no dia seguinte, devido ao aumento do percurso.

    Logo ele retornou ao acampamento base para buscar suas coisas e desceu para acampar conosco no acampamento Jampa, para nossa surpresa, na companhia de uma mulher e um bebê. Era sua esposa e sua filha.

    Achei bem estranho ele levar à família ao serviço, mas logo entendi o motivo: ela trazia uma trouxa cheia de coisas para vender, que ela dizia serem "artesanatos". Aliás, no local já haviam duas choulas vendendo os seus "artesanatos" também.

    Queria muito levar alguma lembrança dali para minha família, namorado e amigos. Uma lembrança feita das mãos dos quechuas que lá habitavam; uma lembrança feita no coração das montanhas do circuito Ausangate, então, não me demorei a escolher algumas coisinhas para eles. Porém, ao voltar para Cusco, tive uma grande decepção, como ao final verão.

    Depois de pegarmos com o Flávio os equipamentos (calças e jaquetas reforçadas para frio, botas semi-rígidas, crampons e piolets), enviados pela empresa Andexplora, que também nos disponibilizou o próprio guia, ajeitamos as mochilas de ataque e fomos para as nossas barracas.

    Fui dormir ansiosa para que chegasse o dia seguinte logo; o dia em que eu escalaria minha primeira montanha de gelo e neve, em elevada altitude. Já tinha subido uma montanha assim antes, na Patagônia, quando fiz o Passo Marcone, durante a Volta ao Gelo Continental Patagônico Sul, mas nunca tinha feito uma montanha desse tipo, ainda mais no ar rarefeito.

    Estava confiante. Sentia-me forte e totalmente aclimatada. Agora era descansar para encarar o grande desafio.

    Dia 9 – Acampamento Jampa (4810 m) – Pachanta (4330 m)

    Acordamos as 3 horas da manhã, em meio a um frio congelante.

    Comemos rapidamente alguma coisa para nos dar energia e, as 4:00, demos início à caminhada, rumo ao cume do nevado Campa.

    Ao contrário dos dias anteriores, em que sempre acordei bem disposta, neste dia despertei me sentindo muito fraca.

    No início achei que pudesse ser apenas sono, que no decorrer da caminhada aquilo passaria. Mas não passou. Quanto mais subíamos pior eu me sentia.

    Não vendo nenhuma melhora no meu estado e vendo toda a dificuldade que eu estava tendo para subir aquela montanha, apenas carregando uma mochila de ataque leve, informei o pessoal que retornaria ao acampamento, pois estava me sentindo muito mal.

    Emerson falou: "Que é isso? Não. Você vai com a gente. Me dá a sua mochila, que você vai ficar mais leve e se sentir melhor."

    Acabei aceitando a ajuda e continuei subindo, por cerca de uma hora, praticamente, me arrastando, até tomar a decisão, definitiva, de desistir da escalada. Eu sabia que naquele estado eu não conseguiria caminhar no gelo, muito menos escalar as partes que fossem necessárias. Desisti então, enquanto era tempo; enquanto ainda era possível eu retornar sozinha para o acampamento, sem prejudicar a escalada de ninguém.

    Emerson tentou me fazer continuar, dizendo que eu era forte, que eu conseguiria, e, chorando eu disse "Não consigo Emerson. Estou muito fraca. Continuem vocês."

    Emerson disse então que não me deixaria sozinha, que iria voltar comigo. Nessa hora fiquei desesperada. Disse que não; que ele não podia fazer aquilo; que ele estava bem; que não podia desistir por minha causa, mas ele continuou firme na sua decisão. Até hoje eu lembro perfeitamente de suas palavra:

    "Você ficou comigo o tempo todo. Me ajudou o tempo todo. Eu vou voltar com você"

    Nos abraçamos, nessa hora, e choramos juntos. Não por termos deixado de subir aquela montanha, mas pela grandiosidade daquele momento; por termos nos mantido juntos, durante todo o circuito, sempre apoiando e incentivando um ao outro, nas horas mais difíceis.

    Clei e Ivan prosseguiram, então, com a escalada, enquanto Emerson e eu retornamos ao acampamento, onde chegamos após 1 hora de caminhada, encontrando tudo coberto de branco. Logo fomos para dentro da barraca, onde caímos no sono.

    Quando acordei, já com o sol a pino, e a temperatura mais agradável, fui até a esposa do Flávio perguntar a que horas eles retornariam, a qual me informou que a previsão era as 11:00 horas.

    Bateu 11:00, bateu 12:00, bateu 13:00 e nada deles aparecerem. Começamos a ficar preocupados. A esposa do Flávio então, nem se fala. Não tirava os olhos da montanha enquanto ninava sua filha nos braços.

    Nessa hora uma das pessoas que estava no acampamento veio até nós, saber o que estava acontecendo. Falamos que era para nossos amigos terem retornado da montanha, à mais de duas horas atrás, mas eles ainda não haviam chegado.

    O moço então, gentilmente, se dispôs a ir verificar se os avistava, e logo retornou com boas notícias: "eles já estão chegando". Que alívio.

    Clei chegou dizendo que a escalada tinha sido difícil, que a parte em que era para ter uma rampa de neve não existia mais, que o local agora era lotado de penitentes, o que dificultava muito a subida. Ivan, por outro lado, estava meio calado.

    Com o retorno deles, desmontamos acampamento e demos início à descida até Pachanta, as 14:45, onde ficaríamos no hostel da família do Flávio. Flávio iria para lá também, já que era onde morava, mas partimos antes dele, pois ele tinha uma mula que o levaria mais rápido.

    Seguimos a caminhada pela trilha que partia ali mesmo do Acampamento Jampa, conforme indicado pelo Flávio. Não era a trilha do nosso tracklog (que continuava a descida do dia anterior, a partir da placa do acampamento), mas também levaria à Pachanta, segundo ele, que informou, ainda , se tratar de uma trilha mais fácil.

    A trilha seguia óbvia por um caminho bem demarcado no chão, em meio a diversas lagoas, que formavam, junto às montanhas que as circundava, uma paisagem estupenda. Sem dúvida alguma um dos lugares mais bonitos do circuito.

    Emerson e eu ficamos tão maravilhados com a paisagem da área das lagoas que acabamos nos distraindo tirando fotos. Quando voltamos à caminhada, perdemos a trilha de vista. Como uma trilha bem demarcada daquela tinha desaparecido, assim, dos nossos olhos?, pensamos. Naquele momento, nem avistávamos mais Ivan e Clei, que estavam mais à frente, a fim de ter ao menos uma direção à seguir.

    Falei, então, ao Emerson que precisávamos encontrar a trilha rápido, pois o sol já estava caindo. E se o sol caísse sem estarmos na trilha novamente, estaríamos perdidos. Emerson até cogitou de voltarmos para a trilha do nosso tracklog mas analisado o GPS verifiquei que ela estava muito longe dali.

    Enquanto procurávamos a trilha, observamos algumas viscachas, pulando em meio as rochas. No mesmo instante, surgiram, do nada, três adolescentes, saltando por cima das mesmas rochas, gritando para a gente "o caminho é por aqui". Rapidamente nos pomos a seguir os garotos e localizamos a trilha, que, agora, na verdade, se tratava de uma estrada.

    Depois disso, os garotos simplesmente desapareceram dos nossos olhos.

    Emerson veio até mim e disse que, enquanto procurávamos a trilha, ele estava rezando, pedindo a Deus que nos ajudasse, que nos indicasse o caminho. E esses meninos apareceram, do nada, nos dizendo por onde seguir, sem sequer termos tempo de indagá-los. Emerson disse que eles eram anjos enviados por Deus. Fiquei muito impressionada com aquilo.

    Seguimos, então, caminhada pela estrada até Pachanta, onde chegamos as 17:50, já com pouca luminosidade, encontrando com nossos amigos.

    Como o lugar era precário, e eles estavam extremamente esgotados, afinal, além de escalarem o Campa, ainda caminharam por mais 3 horas até Pachanta, decidiram finalizar o circuito ali mesmo. Contrataram então um carro para os levar até Tinke, onde poderiam descansar melhor. Emerson e eu ficamos para fechar o circuito.

    Nos hospedamos no hostel da família do Flávio e consumimos algumas coisas com eles, a fim de ajudá-los.

    O lugar não era dos melhores, mas perto do que vínhamos passando, nos últimos dias, dormindo no chão, com o frio da noite entrando por baixo da barraca, aquilo, era um verdadeiro luxo.

    Depois de jantarmos a comidinha preparada para nós (sim... eu comi, apesar de continuar com o mesmo receio) caímos no sono dos deuses. Aliás, nos sentíamos exatamente assim, de tão bem tratados que fomos pela família do Flávio.

    Dia 10 – Pachanta (4330 m) – Tinke (3800 m) - Cusco (3400m)

    Acordei neste dia com barulho de marteladas. Já estava claro, mas o sol ainda não tinha dado as caras.

    Dei uma espiada lá fora, através da janela de vidro e vi que as águas termais estavam funcionando. Dois homens estavam mergulhados nela naquele momento.

    Queria acordar o Emerson para irmos lá também, mas com o frio que fazia, acabei desistindo da ideia e voltei a me deitar.

    Quando o Emerson finalmente acordou, tomamos o nosso café da manhã, compramos umas coisinhas da mãe do Flávio, para ajudar a família, dentre elas as pulserinhas que ficaram sendo o símbolo da nossa parceria, e as 8:30, demos inicio à caminhada do último dia do Circuito Ausangate via Vinicunca, por uma estrada.

    No início enfrentamos algumas subidas, mas logo a estrada se tornou uma longa e interminável descida até Tinke.

    Neste trecho cruzamos com várias pessoas pelo caminho, ora em motos, ora em carros, tendo uma delas parado para nos oferecer carona. Agradecemos a gentileza e continuamos com a nossa caminhada.

    Em determinado momento, Emerson perguntou se já estava chegando. Peguei meu GP para verificar e, enquanto o analisava, ainda movimento, uma moto surgiu atrás de nós. Cheguei, então, um pouco mais para a beira da estrada e levei o maior escorregão, caindo de bunda no chão, sem antes, porém, causar um belo estrago no meu bastão, o qual entortou a ponta em L, de tanta força que eu fiz para evitar a queda.

    Lembro de ter ficado meio desorientada na hora da queda, como se eu tivesse apagado, e que demorei a me levantar dali, mas tirando a dor no joelho , tudo parecia bem. Eu estava enganada, como verão mais à frente.

    Passado o susto, desentortamos o bastão, o quanto conseguimos, e continuamos a descida até Tinke, passando por um povoado chamado Pichimoro, onde fomos abordados por diversas criança pedindo doces.

    Disse para as crianças que não tínhamos mais doces, e comecei a dividir o último chokito que me restava na mochila. Porém as crianças não paravam de aparecer. Mais e mais brotavam de dentro das casas, e eu dizendo "Não temos mais. desculpa, Não temos mais".

    Foi difícil dar as costas a elas e deixá-las lá, à ver navios, sem o tão desejado doce.

    Continuamos, então, com a nossa caminhada, descendo, pela estrada, mas logo vimos que tínhamos passado do ponto onde deveríamos entrar à esquerda. Retornamos para o local certo e descemos uma pequena encosta, seguindo agora por uma trilha que passava em meio a algumas casas, desemborcando, ao final em uma estrada que já tínhamos percorrido, no primeiro dia do circuito, onde havia uma ponte de terra, sobre um rio.

    Andamos mais alguns metros e, em pouco tempo, chegamos à rua principal de Tinke fechando, finalmente o Cicuito Ausangate via Vinicunca, as 12:20

    A missão estava cumprida, e com louvor, pois, além de termos conseguido carregar todo o nosso equipamento em elevada altitude, não tivemos grandes problemas com o mal de montanha, já que apenas um dos integrantes do grupo sofreu de mal leve, e em apenas 2 dias.

    Se foi tudo perfeito? Não, não foi. É claro que ocorreram desentendimentos, episódios que me deixaram triste e outros que me deixaram brava mas eu quero guardar comigo apenas os bons momentos. Das lembranças ruins a gente tira alguma lição e depois apaga da memória.

    Obrigada Emerson, Ivan e Clei por terem aceito esse desafio. Vocês foram guerreiros. Tenho muito orgulho de todos vocês.

    Desafios são o que me movem. E eu sempre estarei a procura deles. Não só pelo fato de gostar de encará-los, mas também para provar, à mim mesma, que o meu problema nunca irá me impedir de fazer nada nessa vida, apesar dos médicos sempre terem dito o contrário.

    O Retorno ao Brasil

    Dois dias, depois do término do circuito (dia de retornar ao Brasil), acordei com um incômodo próximo a minha cintura, no lado direito. Acreditava que tinha dormido de mal jeito, no entanto, sentia que a dor piorava a cada tossida que eu dava.

    Desde o Brasil, eu vinha tossindo muito, e fiz todo o circuito nesse estado, porém sabia que se tratava apenas de uma alergia. Porém, depois de começar a sentir essa dor estranha, comecei a me indagar se a elevada altitude e todo o frio que peguei, durante o circuito, teriam agravado a minha situação e eu estaria agora com algum problema sério no pulmão, já que era quando eu tossia que mais doía.

    Embarcamos, então, de volta ao Brasil, e a aquela dor foi aumentando, mais e mais, no decorrer da viagem. Passei a ter que ficar pressionando o local com a mão esquerda , a fim de me dar algum alívio. Cada tossida era um martírio.

    Quando cheguei à São Paulo, tive ainda que encarar mais 5 horas de ônibus até minha cidade, onde cheguei e passei dois dias de cama antes de, finalmente, decidir ir procurar um médico, no Pronto Atendimento da Unimed, o qual tirou um Raio X do meu pulmão e verificou que estava tudo dentro da normalidade, me receitando um remédio para dor, sem sequer saber o que eu tinha.

    Não satisfeita, já que, mesmo tomando os remédios receitados, a dor não cessava, marquei uma consulta com um ortopedista, especialista em torax, para uma semana depois (não tinha vaga antes)o qual me pediu um novo Raio X, agora de arcos costais e pediu que eu fosse tomando um remédio para dor até o meu retorno, que não fez qualquer efeito.

    Mais uma semana se passou, até o meu retorno ao médico, onde vim a ter a surpreendente notícia de que estava com uma costela quebrada, em duas partes, com fratura quase total.

    Lembra da queda que tive no último dia de caminhada? Provavelmente foi ali que eu quebrei essa costela. Foi a única queda que eu tive.Agora, a pergunta que não quer calar: Porque não senti nada na hora? Porque só vim começar a sentir dor 2 dias depois? Essa nem o médico soube explicar.

    Fiquei 6 meses me recuperando dessa fratura, sem poder fazer qualquer atividade física , nos primeiros 4 meses. No carnaval de 2017, finalmente pude colocar novamente a cargueira nas costas e ir para a trilha, testando a costelinha na Travessia Baependi - Aiuruoca, junto ao Emerson e a outros queridos amigos.

    |VEJA MAIS |

    No meu blog, Troupe da Trip, você encontra o Relato Completo desta trip, com mais algumas informações, bem como Dicas detalhadas de tudo o que você precisa saber para realizar este circuito.

    Lá você também encontra o nosso Planejamento, estratégia de Aclimatação e detalhes de como chegar à Laguna Singrenacocha.

    No meu Wikloc você pode baixar outro Tracklog deste circuito com todos os pontos de água encontrados pelo caminho.

    Keila Beckman
    Keila Beckman

    Publicado em 11/01/2018 23:49

    Realizada de 13/08/2016 até 22/08/2016

    Visualizações

    6440

    2 Comentários
    Carlos Araújo 14/01/2018 10:08

    Nossa!!! Que aventura!!!!

    Edson Maia 15/01/2018 13:41

    Aí sim Keila! Alucinante essa travessia! Está na minha lista para breve.

    Keila Beckman

    Keila Beckman

    São Manuel - SP

    Rox
    378

    Apaixonada por montanhas desde que estive pela primeira vez em uma delas, em 2011.

    Mapa de Aventuras
    www.troupedatrip.com


    Mínimo Impacto
    Manifesto
    Rox

    Fabio Fliess, Bruno Negreiros e mais 442 pessoas apoiam o manifesto.