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Tepuy Roraima - Descobrindo o mundo perdido

Tepuy Roraima - Descobrindo o mundo perdido

Fomos descobrir o mundo perdido... Descobrimos a gente mesmo.

Montanhismo Trekking Acampamento

Esse relato é um pouco longo mas se você quer ir ao Roraima, vale a pena ler até o final e assistir ao nosso vídeo.

A bronca com o Roraima era antiga para o Jr, meu parceiro de montanha. No final da década de 90 ele tinha tentado o feito, mas teve que abortar ainda no acampamento base, por motivo de saúde de membros da equipe.

De lá pra cá, sempre que íamos para uma montanha ou falávamos sobre expedições, o assunto vinha a tona: "Temos que voltar para o Roraima".

E em dezembro de 2017 o Jr me chama pelo whatsapp e diz: "Bilhetei para Boa Vista. Vamos?" Na hora, sem pensar muito, topei a parada. Começaram os preparativos. Confesso que o Roraima não estava entre as minhas montanhas preferidas, tanto é que o Jr cuidou de praticamente todos os preparativos preliminares.

Nossa saída prevista para início de março estava chegando e eu precisava entrar no clima. Aí comecei a me motivar vendo vídeos, estudando sobre a montanha e tal, mas aquela empolgação costumeira às vésperas de uma expedição até aquele momento pertenciam só ao Jr.

Sempre procuramos fazer "expedições raiz", sem essa história de guias, carregadores, empresas de turismo, mas na Venezuela teria que ser diferente. Qual foi a idéia do Jr então? "Vamos contratar uma equipe só para nós. Não queremos turistas junto." E assim foi... Em pesquisas chegamos ao Alejandro, um venezuelano "pana" nas últimas e assim fechamos o pacote. A exigência: seremos apenas nós, um guia, um porteador e uma cozinheira, todos pemones da aldeia indígena.

Saímos do Paraná rumo a Boa Vista, Roraima. Nosso trajeto por terra foi pela Argentina até chegar em Puerto Iguazú e de lá, Foz do Iguaçu. Deixamos o carro no Parque Nacional do Iguacú onde o Jr tem uns chegados e partimos ao aeroporto. Pegamos o vôo a guarulhos e de lá para Brasília e finalmente Boa Vista, onde chegamos passado de duas da madrugada. Nossa primeira noite foi no conforto dos isolantes térmicos no saguão do aeroporto de Boa Vista, até chegar a manhã do dia seguinte.

Um taxi coletivo de uma cooperativa local, onde previamente tínhamos contratado nos pegou ainda escuro. Um calor amazônico insuportável nos recepcionou no amanhecer e após o motorista buscar outras duas moças que fariam a viagem, iniciamos a ída a Pacaraima na fronteira com Venezuela, distantes 230km da capital.

A viagem foi tranquila e divertida e durou pouco mais de três horas. Chegamos na fronteira, pegamos outro taxi e paramos para fazer o permisso. Documentação em dia e um terceiro taxi até Santa Elena, distante uns 10km da fronteira.

Lá na cidade, iniciamos a saga de conseguir comprar "rum venezuelano" para aquecer nossas noites e conseguir um taxi até San Francisco onde passaríamos a noite e nosso novo amigo Alejandro nos esperava. Chegamos no final da tarde na pousada simples. Conhecemos nossos porteadores pemones, conferimos nossos materiais, tomamos um bom banho gelado e fomos jantar, tomar a melhor-pior cerveja do mundo e tentar dormir.

No terceiro dia, cedo pegamos o 4x4 rumo a kumarakapay, a aldeira indígena que marca o início da trilha. Tudo pronto e iniciamos um trekking de 23km até o acampamento base. Nosso combinado com os guias era fazer o trecho que comumente é feito em dois dias em um só. Paramos para um lanche rápido no acampamento rio Tek, onde tomamos um banho de rio gelado. Já escuro chegamos ao acampamento base onde comemos e dormimos.

Naquela noite não dormi direito. Passei mal e já no dia seguinte acordei sem forças. Acho que foi a água com tratamento inadequado e o meu excesso de confiança que me traiu. Atrasamos um pouco a retomada da expedição até que os remédios fizessem efeito (ou tentassem). A subida ao topo do Roraima, que normalmente é feita em quatro horas, se transformaram em mais de oito. Quando chegamos já era noite.

O quinto dia foi de recuperação. Fizemos uma caminhada curta até o vale dos cristais passando pelas jacuzzis e de lá até o abismo de las ventanas. as nuvens estavam cobrindo o topo do Roraima e quase não vimos nada. Voltamos ao acampamento e ficamos nós e nossos amigos penones jogando conversa fora até a noite.

O sexto dia era o dia de cume. Partimos cedo depois de um café reforçado e em pouco tempo estávamos a 2810 metros, no ponto mais alto do Roraima, na pedra do Maverick. Que vista! Que dia! Olhar aquele abismo de mais de mil metros e olhar para o horizonte aquela savana venezuelana com seus relevos sem sinal de civilização foi surreal. Ficamos contemplando a vista por um bom tempo e de lá, partimos a cueva del guateros - uma caverna no topo de uma montanha. Que lugar magnífico. Voltamos novamente as jacuzzis para um banho geladíssimo e de lá, ao acampamento novamente onde passamos mais uma noite.

No sétimo dia, voltamos ao abismo de las ventanas onde as nuvens proporcionaram breves aberturas de visual. Na volta serpenteamos os arenitos da região por lugares onde comumente turistas não passam. Chegamos ao final da tarde no acampamento onde tomamos outro banho gelado. Antes do jantar, fomos ver o pôr-do-sol - o mais lindo que já vi na vida - ao pé do abismo.

Para mim, foi a parte marcante, transformadora da viagem. Lições aprendidas numa montanha que nem tinha pretensão em conquistá-la mas que trouxe para a vida. Ficamos parados, inertes vendo o sol sumir no horizonte, acompanhado de uma brisa forte e fresca que era aquecida por alguns goles de rum.

O oitavo dia iniciou-se cedo. Acordamos já com as mochilas previamente prontas, ajudamos a desmontar o acampamento e iniciamos a descida. Chegamos ao acampamento base em pouco mais de duas horas onde passamos sem pausa rumo ao rio Kukenan. Atravessamos e seguimos ao rio Tek onde paramos para o acampamento. Em pouco menos de uma hora nossos guias chegaram exaustos. Após um longo banho de rio, ficamos lá, deitados a sombra de uma mangueira olhando para aqueles dois gigantes: a nossa frente o kukenan e a direita o magestoso Roraima. A noite chegou, jantamos e fomos para a barraca.

Na manhã do nono dia, após o café, partimos todos para Kumarakapai onde o 4x4 nos pegaria. Chegamos lá ansiosos para tomar algumas melhor-pior cerveja do mundo. Foram várias até nossos guias chegarem. A viagem de 4x4 foi ao sol do meio dia. Terrível, mas chegamos pouco mais de uma da tarde. Ficamos lá, aguardando um ônibus de linha que nunca chegou (não sabemos se quebrou ou se simplesmente não foi aquele dia) até que perto das cinco da tarde, um taxi chegou trazendo uma familia. Acertamos com o motorista e ele nos levou até Santa Elena. Uma viagem divertida pois soubemos que o motorista é um italiano que veio ainda criança para a Venezuela. O assunto foi salame, pizza, massa e por aí foi..

Em Santa Elena, novo taxi até a fronteira, baixa do permisso, e um terceiro taxi agora em solo brasileiro até a capital Boa Vista. Já no hotel, banho de uma hora cada um, contato com as famílias, partimos para jantar.

No décimo dia passamos entre hotel com ar condicionado a toda, saída para almoço, jantar com direito a várias cervejas para relembrar os bons momentos vividos na montanha. Pouco depois da meia noite, rumamos ao aeroporto para iniciar a saga da volta. Chegamos cedinho em Brasília onde esperamos a conexão até Guarulhos. Nova espera até pegarmos o vôo de volta a Foz onde chegamos final da tarde. Pegamos o carro, permisso na Argentina, estrada praticamente vazia, chegamos a fronteira com o Brasil, já a pouco mais de 120km de casa.

Hoje, 17/12/2018, enquanto escrevo esse relato, lembro-me o quanto essa montanha me fez bem. Da superação de adversidades, do auto-conhecimento, da grandeza da criação... Alguns contrastes marcaram essa viagem. A beleza inigualável da gran sabana, das montanhas em forma de mesa, da simplicidade e felicidade do povo pemon, da vida difícil que o povo venezuelano está vivendo, das dificuldades da vida na fronteira, da fuga de muitos para o Brasil em busca de um futuro digno...

De todas as montanhas em que estive, certamente o Roraima está entre as melhores. Não é a mais difícil, não é técnica, não exige preparo extraordinário, mas ela é mágica. Lá, você vai em busca do mundo perdido, e acaba se encontrando.

Luiz Carlos Piccinin
Luiz Carlos Piccinin

Publicado em 13/10/2018 14:23

Realizada de 08/03/2018 até 18/03/2018

2 Participantes

Junior Baggio Viavertical

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Luiz Carlos Piccinin

Luiz Carlos Piccinin

Pato Branco, PR

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Sou empresário, montanhista, canoista, ex-paraquedista, fundador da equipe ViaVertical.

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