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Escalada do Dedo de Nossa Senhora - Serra dos Órgãos
A ascensão que faltava nas montanhas do complexo do Dedo de Deus.
Montanhismo EscaladaA foto é de 1996. A mesma da capa do meu relato aqui no AventureBox sobre a escalada do Dedo de Deus, que serviu de inspiração para cumprir não só aquela ascensão, mas as demais aos seus vizinhos.
O Dedo de Nossa Senhora está à esquerda do Dedo de Deus. Este, eu simbolizei discretamente na foto com minha mão esquerda em razão da admiração e sonho com sua escalada, então com 22 anos de idade.
Virou até um pequeno quadro. Fotos eternizam um mísero lapso de tempo, mas dizem muito. Ao longo dos anos, conversou comigo sobre como seria a escalada naqueles picos. Eu não possuía nenhum conhecimento de como galgar aquelas vertentes. Apenas sonhava.
Até que veio a oportunidade do primeiro deles, o Escalavrado em 1999, como um preâmbulo de escalada. Até o momento deste relato, foram dez investidas, uma delas um tanto adversa. A ascensão era mais preservada, o livro de cume bem cuidado (triste ver a situação do livro em 2023).
Passou algum tempo e, em 2014, veio a Cabeça de Peixe. Exigente fisicamente, talvez porque naquela ocasião eu estivesse parado.
Em 2019 foi a vez do tão sonhado Dedo de Deus, justamente o relato a que me referi no início do texto.
Vinte e oito anos havia se passado desde então e ainda faltava o Dedo de Nossa Senhora. Na idade, os 50 anos me convidam cada vez mais a reflexões. Eu havia dividido parte destas reflexões com o amigo Jeferson Costa, que também é instrutor de escalada. E eis que ele lançou a idéia da comemoração da nova década como um presente com esta escalada! Só não foi possível de ser feita em janeiro, mês de meu aniversário. Mas logo que o clima tornou-se mais seco, a oportunidade surgiu no feriado do dia 01/05/2024, também contando com a companhia do meu amigo Marcelo Borges e integrante do AventureBox.
Coleta de água na saída. Se eu soubesse que na caminhada de aproximação teria água (a única das quatro montanhas em que isto é possível na trilha de acesso à base), eu não teria saído carregado. O dia prometia ser esplêndido.
Deixamos o termo de conhecimento de riscos e normas na sede do Parque Nacional da Serra dos Órgãos e às 06h 40min estávamos dando os primeiros passos pela rodovia BR-116 em Guapimirim para acessarmos a trilha que leva até a base da montanha. A caminhada foi sempre feita na mata, trilha bem definida, sendo que houve somente uma bifurcação cuja entrada à direita leva a vias de escalada nos dedinhos do Dedo de Deus. Evitamos esta e seguimos tranquilamente, até que chegamos no colo que liga os dedos de Deus e Nossa Senhora. Mais dez minutos e alcançamos a base da via de escalada, onde três cordadas estavam saindo para a escalada.
Trilha na mata exuberante.
Em função deste congestionamento, nos preparamos calmamente. Lanchamos e nos equipamos para os lances. A saída já seria em artificial e assim seria durante toda a escalada. O artificial é o recurso de escalada em que são usados estribos, fitas e, se você é pragmático, até mesmo os grampos para apoios de mãos e pés em função da ausência de agarras e alta inclinação da via. O granito parece que foi lixado. Apesar de ser curta em extensão, vias deste tipo são comparativamente mais demoradas às vias tradicionais.
Zoom no Dedo de Deus, visto da base da escalada. A porção mais baixa e à direita é o Polegar.
Zoom no distante Garrafão, visto da base da escalada.
Até que chegou nossa vez (não chegou nenhum outro grupo depois do nosso) e Jeferson saiu guiando. Não demorou muito, ele montou a parada e foi a vez do meu xará. Eu era o último, com a função de retirada do material. Esse tipo de escalada envolve cadência e repetição de movimentos coordenados, uma vez que a rocha não condiciona a escolha da melhor agarra. Simplesmente, não há agarras.
Meu xará grudado nas peças onde nem os calangos circulam!!! (brincadeira, inveja dos calangos.) Jeferson estava mais acima, dando segurança.
Agora era a minha vez. Inclinação entre 70° e 80°. Nem dava para apreciar a visão.
E assim progredimos nesta ordem, alternando alguns pequenos trechos de caminhada com os artificiais e com o sol já elevado e começando a torrar os miolos. O aquecimento global é uma realidade e está exigindo cada vez mais hidratação. Não estou ganhando nada com propagandas, mas o Sport Drink é um ótimo repositor hidroeletrolítico, com a vantagem de ser comercializado em pó. Levei uma boa quantidade e isto ajudou muito a evitar câimbras.
Estávamos finalizando o último trecho de artificial quando a primeira cordada, que descia, passou pela gente. Terminamos o último trecho, totalizando acredito uns duzentos metros de ascensão desde a base da escalada. Faltava apenas um trecho íngreme, mas que permitia caminhar, apesar de escorregadio. A luz do sol não era frequente no local, muito oculto por rochas e foram estas que permitiram um movimento de oposição de forças com os braços para evitarem-se os escorregões. Ao fim deste trecho, observamos mais uma cordada que havia terminado o rapel por outro trecho. Todos já haviam descido e o cume estaria disponível apenas para a gente. Jeferson falou que estávamos quase lá e agora uma simples caminhada nos separava do objetivo final. Meu xará, iniciante no mundo da escalada, se encantava com o primeiro cume necessariamente envolvendo escalada.
O vizinho Escalavrado. Tantas vezes a visão tinha sido a inversa.
Então, arrancamos para mais uma celebração. Comigo, se passava um flash na mente, estando ali bem próximo do Escalavrado, o primeiro daquele grupo. Sentindo-me um menino, o cume mais pareceu um local em que voltei no tempo, possivelmente em 1996, como se me banhasse com o elixir da vida eterna, assim já buscavam os alquimistas, representantes da área de química como eu sou. Talvez eu seja o montanhista-alquimista que não busca o elixir da vida eterna, mas uma vida de concretas realizações prazerosas nas montanhas e cujos efeitos perduram (talvez) pela eternidade.
O trio no cume. Da esquerda para a direita, eu, Jeferson Costa (guia e instrutor ABGM) e Marcelo Borges.
A imagem de Nossa Senhora de Fátima com a urna metálica contendo o livro de cume.
Em primeiro plano, as Três Marias. Ao fundo, o Vale da Morte e os contrafortes da Serra dos Órgãos, na porção que abrange os Portais de Hércules.
As Três Marias novamente em primeiro plano e a Agulha do Diabo envolta nas nuvens.
Ficamos no cume por cerca de uma hora e meia quando iniciamos a descida, após termos deixado nossos nomes no livro de cume. Como tínhamos duas cordas de 60 metros, a descida foi rápida e no início da noite completamos a jornada.
O vale ainda conta com vegetação nativa em uma das partes mais inacessíveis da Serra dos Órgãos.
Mais um excelente relato, amigaço! Parabéns!!!!!
Relato inspirador, Marcelo. Parabéns por mais este cume.