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Marcelo Baptista 13/02/2018 22:42
    Cruzando o Amapá de Carro - Nov/16

    Cruzando o Amapá de Carro - Nov/16

    De Laranjal do Jari até Oiapoque, pela BR 156. Cachoeiras, floresta, vilarejos perdidos no meio do nada. E a fronteira com a Guiana Francesa

    Já estava andando pelas terras paraenses havia 20 dias, quando decidi pegar uma lancha rápida em Santarém (PA) e ir para Macapá (AP). Um barco de viagem normal, daqueles que a gente estica uma rede e fica vendo a vida ribeirinha passar calmamente, leva cerca de 36 horas de Santarém até Macapá. A lancha rápida faz o mesmo percurso em 12 horas. Minha vontade era pegar o barco, mas a programação não permitia perder tempo, infelizmente.

    A "estrada" da lancha é o portentoso rio Amazonas e suas águas marrons. A lancha tem ar condicionado, TV e um pequeno bar que serve lanches. Mas as paradas para almoço e jantar são feitas rapidamente nas cidades ribeirinhas, onde via rárdio são feitas encomendas das quentinhas que a gente escolhe e paga a bordo.

    A chegada em Macapá foi tranquila, por volta das 20h. Uma pequena multidão se acotovelava no porto, alguns para recepcionar os que chegavam, outros para oferecer serviços diversos. Desembarquei na verdade na cidade de Santana (AP), que é coladinha à Macapá.

    De Macapá a Laranjal do Jari

    Depois de dois dias de descanso em Macapá, conhecendo um pouco a capital amapaense, aluguei um carro na Localiza. O destino era Laranjal do Jari, cidade meio perdida às margens do rio Jari, e considerada uma das maiores concentraçoes em palafitas do mundo. Nesse mesmo rio, cerca de uma hora de barco rio acima, se encontra uma das cachoeiras mais incríveis desse Brasilzão: a cachoeira de Santo Antonio. Lá era o meu objetivo, e para lá eu fui.

    Saí de Macapá cedinho, rumo a Laranjal. O GPS do carro (um Sandero Stepway) ficou meio confuso e acabou me levando para a AP-010 ao invés da BR 156. Na verdade, a AP 010 era asfaltada durante quase todo o seu trecho. Perguntando para os moradores de uma pequena vila como é que se fazia para pegar a BR 156 logo achei a trilha certa. Já não existia mais asfalto, de agora em diante, até Laranjal do Jari, só teria uma estrada de areião batido, que ao passar levantava uma poeira densa. Estava de fato adentrando a Amazônia profunda.

    A distância entre Macapá e Laranjal é de cerca de 272 km. Sem conhecer a estrada, com um areião fofo e parando para observar a floresta, rios e animais, cheguei às margens do rio Jari depois de 6 horas de viagem. Em tempo de chuva (inverno amazônico) esse tempo dobra, porque a estrada vira um lamaçal.

    Me hospedei no razoável Hotel Ramalho (Rua Cultura, 252), e logo fui assuntar sobre possíveis barqueiros para subir até a cachoeira de Santo Antonio. Peguei alguns nomes na recepção do hotel, e a sugestão de perguntar por mais alguns no porto da cidade. Faria esses contatos logo pela manhã.

    Logo pela manhã acordei bem disposto para encarar cerca de uma hora de rio acima, afim de encontrar a cachoeira de Santo Antonio. Essa cachu povoava minha cabeça já havia algum tempo, desde que vi umas fotos dela em um site de aventuras. Lugar remoto e localizada em um dos estados menos conhecidos do Brasil (um erro que imputo à ignorância geral), a cachoeira de Santo Antonio estava se materializando para mim. Fui até o porto e esperei uns 10 minutos pelo barqueiro Geleia (tel de contato: 96 99136 5602), gente boa e confiável. O frete ficou em R$100.

    A subida do Rio Jari traz um misto de encantamento e reflexão. Encantamento por navegar em um rio afluente do Amazonas, lindo, volumoso. Reflexão por perceber que as margens do rio acomodam uma das maiores favelas em palafitas existentes no mundo, com todos os impactos ambientais e sociais que isso pode trazer. Realmente causa um conflito de sentimentos o vislumbre dessas duas realidades, que convivem mutuamente.

    Uma hora de barco, e chegamos a cachoeira de Santo Antonio. A visão impressionante da cachu, essa maravilha da natureza que eu planejava há tanto tempo para conhecer, finalmente estava ali, na minha frente. Me joguei do barco direto no rio, nadando e curtindo as águas refrescantes do rio Jari. Ficamos por ali por volta de duas horas, nadando, contemplando e conversando. Consegui ver ainda uma turma dos bombeiros de Laranjal do Jari fazendo um churras na beira do rio, na subida da cachoeira, onde dava para ver a usina hidrelétrica que represa o Jari - uma tristeza do ponto de vista ecológico, mas necessário para a sobrevivência das pesssoas que vivem no AP.

    De volta à Laranjal rio abaixo, fiquei sabendo que em mais ou menos quatro horas de descida do rio é possivel acessar o encontro do Jari com o Amazonas. Quem sabe está aí mais uma aventura para a próxima vez ali?

    Voltando para Macapá, e rumo à Oiapoque

    Depois de uma boa noite de sono, que sucedeu a uma comemoração regada à cerveja em um bar ao lado do hotel, ajeitei as coisas no carro e segui em direção a Macapá novamente. O plano era descansar um dia lá, e seguir viagem no dia seguinte, agora rumo a Oiapoque, famoso por ser erroneamente apontado como o ponto extremo norte do Brasil - e não é! O ponto extremo norte do Brasil é a nascente do rio Ailã, no Monte Caburaí (RR).

    Chegando em Macapá me hospedei no hotel CETA Ecotel (Rua do Matadouro, 640. Tel.: 96 3227 3396) , um hotel meio antigo, porém muito arborizado, no gostoso distrito da Fazendinha. Diária honesta, noite bem dormida, e planos em andamento: logo nas primeiras horas, pegar estrada sentido norte e chegar até a cidade de Calçoene, última cidade com posto de gasolina, e onde o asfalto da BR 156 termina. Dali pra frente, só estrada de terra.

    Logo pela manhã do dia seguinte tomei café no primeiro horário, junto de alguns convidados de um casamento que rolou na noite anterior. Galera animada, mas estranharam muito quando eu falei que estava subindo para Oiapoque. Caras do tipo "o que que esse maluco vai fazer lá?!". De verdade, quando vejo essas reações me alimenta a alma!

    Estrada! A BR 156 rumo ao norte tem 120 km de asfalto, até a cidade de Calçoene. E até chegar Calçoene, são somente seis cidades na beira da estrada: Porto Grande, Ferreira Gomes, Aporema, Tartarugal Grande / Tartarugalzinho, Pracuuba e Amapá. O Estado do Amapá é bem curtinho.

    Sem novidades, a estrada com asfalto é muito boa de trafegar. Parei em algumas cidades para fotografar, com destaque para Ferreira Gomes e seu lindo rio Araguari, e Amapá, onde outro rio, o Amapá Grande, faz a festa das comunidades.

    Cheguei em Calçoene no meio da tarde, onde deu tempo de procurar uma pousada legal para ficar e ainda sair atrás de uma atração meio perdida em Calçoene: o Parque Aqueológico do Solsticio. Demorou um pouco para encontrar, poucas pessoas conhecem, mas acabei achando. Uma preciosidade arqueológica dos indígenas, mas que está largado ao "Deus dará" pelas autoridades. Uma pena mesmo!

    Voltei para a cidade, bati um PF bacana no restaurante do Seu Neves, e fui descansar. Amanhã eu enfrentaria 106 km de terra até chegar a Oiapoque.

    Finalmente, Oiapoque!

    Levantei cedo, uma certa excitação me percorria o corpo. 106 km de terra no meio da Amazônia me separava de Oiapoque.

    A experiência de dirigir para Laranjal do Jari me ajudou bastante neste trecho. Até porque aqui o caminho muda um pouco: a estrada tem vários afunilamentos de via, com imensas valas ao lado. Algumas com 15, 20 metros de profundidade. Um erro ali, vc caindo naquelas valas...baubau!

    Levei quase 6 horas para vencer a estrada de terra. Para minha surpresa, os últimos 32 km são de um asfalto muito bom. Depois vim saber que aquele asfalto faz parte do convênio Brasil-França, uma vez que o país europeu construiu uma ponte novíssima (chamada Bi Nacional) para ligar os dois países e facilitar o tráfego por ali. Por questões burocráticas do Brasil, sil sil a ponte não foi liberada ainda.

    Vi alguns animais mortos a estrada, vi vilarejos perdidos, vi também curumins e indígenas adultos na estrada. Vi um rio meio morto pelo garimpo (rio Caciporé, me confirmaram essa história em Oiapoque). Vi a floresta amazônica, vi a chuva caindo a uns 10 km de distância, uma cortina de água que cria um espetáculo dificil de esquecer.

    E eu vi, finalmente, a cidade de Oiapoque chegar. Lugar de fronteira, igual a tantos outros pelo Brasil, mas com uma influência francesa gigante. As rádios que se sintonizam lá são francesas. Nota-se também a forte migração sulista, pela oferta generosa de churrascarias que têm por ali.

    Cheguei até as margens do rio Oiapoque, que marca a fronteira entre Brasil e Guiana Francesa. Ali existe um monumento que marca o "início do Brasil", e que vale mais pelo simbolismo do que pela exatidão. Do outro lado do rio, está a Guiana Francesa, um pedaço da Europa incrustrado na América do Sul.

    Já que estava por ali, porque não visitar a Guiana Francesa?!

    Depois de dar um rolê por Oiapoque e ficar contemplando o rio, pensei: "porque não dar um pulinho até Saint George du Oyapoque?". A cidade fronteiriça da Guiana mais próxima, de catraia (espécie de barco com uma cobertura) fica a 10 minutinhos pelo rio.

    Desci ao pequeno e perguntei sobre as condições de ir para lá. O barqueiro Careca, paraense gente boa, foi logo mandando o papo reto: "O negocio é o seguinte: você só pode ficar lá 15 minutos, na pracinha central. Nada de sair andando, porque se a Gendamerie (polícia) pega você, é multa!". Trocando em miúdos, eu ficaria clandestino na Guiana Francesa por 15 minutos.

    E assim foi. Descemos o rio 15 minutos, em direção à Saint George. O rio Oiapoque é uma delicia, tranquilo. Chegando em Saint George, logo se percebe a diferença: ruas organizadas, muitos carros de marcas francesas, preços em euro e o casario típico de "colônias". Mas vi também que o fluxo de brasileiros ali é muito grande, e a burocracia de entrada quase não existe. Na prática o que existe é uma tolerância bem grande por parte das autoridades guianesas, que parecem estar preocupadas com outras coisas do que com o fluxo de gente.

    Tentei tomar um café por lá, mas com a porra da xícara custando 5 euros, melhor esperar voltar para Oiapoque mesmo. Passado meu tempo lá (foram mais do que 15 minutos), voltei feliz para o Brasil, ouvindo algumas histórias interessantes do barqueiro Careca sobre extração de ouro que ocorre naquelas bandas, e da quantidade de garimpos clandestinos por lá. Fica evidente a riqueza dessa terra imensa chamada Amazonia.

    Assim termina minha aventura pela BR 156, cruzando o Estado do Amapá de Laranjal do Jari até o Oiapoque. Levarei para sempre na alma esse contato com a cultura amazônica, sua pujança e sua força. Gratidão eterna!

    Marcelo Baptista
    Marcelo Baptista

    Publicado em 13/02/2018 22:42

    Realizada em 26/05/2017

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    2 Comentários
    Renata Balbino 24/07/2020 21:06

    Adorei e me emocionei com seu relato... viajei com vc em cada palavra... uma história rica de personagens, paisagens, desafios. Fantástico.

    Marcelo Baptista 06/08/2020 01:05

    Re, vi agora o seu comentário. Você sabe que a alegria de quem escreve é saber, de alguma maneira, que aquilo que ele escreveu conseguiu tocar o coração de quem lê. Muito obrigado mesmo! Beijoca!

    Marcelo Baptista

    Marcelo Baptista

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