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Claudio Murilo 23/11/2015 01:51
    Santa Cruz Trek - Cordillera Blanca - Peru

    Santa Cruz Trek - Cordillera Blanca - Peru

    Um dos melhores e mais difíceis trekkings dos Andes Peruanos.

    Posso dizer que esse trekking surgiu por acaso, e sou muito grato por isso. Estava planejando meu mochilao por Bolivia e Peru em 2012. Teria 27 dias para percorrer os dois países. Meu roteiro seria o classico, incluindo La Paz, Titicaca, Cuzco e culminando em Machu Pichu. Em meio às pesquisas me deparei com alguns poucos relatos sobre um incrível trekking nos Andes, na Cordillera Blanca, em meio a picos de mais de 5000 mts, incluindo vista para o famoso Alpamayo, ou Paramount. Tratava-se do Santa Cruz Trek, caminhada de 4 dias por altitudes acima de 4000 mts, cortando dois vales remotos dentro do P. N. Huascaran, no Peru. Pouquíssimos brasileiros ja pisaram aquelas terras, se bem me lembro vi somente dois relatos na net. A maioria das informações que recolhi foram de sites gringos, então espero contribuir com esse relato para aqueles que desejam fugir dos roteiros tradicionais no Peru e ter uma incrível experiência.

    Tudo começa na cidade de Huaraz, distante 4hs de Lima. Fiz a viagem durante a noite e cheguei por volta das 5h da manhã. Huaraz é conhecida como a Chamonix do Peru, por ser uma cidade que praticamente vive do turismo de montanha. Realmente pela primeira vez estava em um lugar cercado por cultura de montanha por todos os lados. As ruas são cheis de agências, lojas de equipos, pessoas do mundo todo circulando pelas ruas com mochiloes, crampons, cordas e toda aquela parafernalia bastante conhecida pelos montanhistas e escaladores, mas que causa tanta estranheza para quem não vive em nosso mundinho. La era a coisa mais normal. Meu objetivo era fazer sozinho, por conta própria. Conversei com alguns guias que me disseram ser muito duro desse jeito. A grande maioria vai com mulas e arrieros, pois a distância, altitude e peso da cargueira complicariam muito as coisas para mim. Mas eu já estava decidido, e a grana também não dava para contratar ninguém. Ainda no Brasil decidi me hospedar no hostel Benkawasy, por recomendação de um grande montanhista brasileiro que conhecia bem a região, Davi Marski, infelizmente falecido em 2014. O proprietário é um cara muito legal, Benquelo, cujo pai foi um glaciologista famoso no Peru, um dos exploradores pioneiros da regiao. Gracas a isso, tive acesso a mapas detalhados da trilha, além de dicas preciosas. Uma coisa que me preocupava um pouco eram as condições da trilha. Havia ocorrido um grande deslizamento de terra no setor Santa Cruz alguns meses antes que destruiu parte da trilha. Os próprios camponeses que vivem no entorno do parque fizeram os reparos, ja que a empresa privada que administra o parque e o governo federal ficaram no jogo de empurra para ver quem assumiria as responsabilidades. Quando passei por lá, ainda havia muitos trechos em recuperação.

    O trekking normalmente começa pela vila de Cashapampa e termina em Vaqueria. Fiquei sabendo que não poderia começar por Cashapampa devido às condições ruins da trilha por lá. Os guardas do parque poderiam me barrar. A solução seria então começar por Vaqueria. Para mim tudo certo, pensei. Contudo, alguns guias me alertaram que esse era o pior sentido, pois a subida até o ponto culminante, Punta Union, era bem mais dura do que peko sentido normal. Mas fazer o quê, não tinha opção. E confesso que gosto desse tipo de desafio.

    A primeira coisa a se fazer é comprar a entrada. Ela te da direito a 5 dias pelo parque, tempo suficiente para a caminhada. Entrada comprada hora de partir. Ainda tinha a tarde livre pois sairia só no outro dia pela manhã. Aproveitei para andar pela cidade e tomar um café com panquecas de mel no famoso Cafe Andino. Esse lugar é muito legal! Um cafe tematico de 3 andares dedicado ao montanhismo. Tem uma decoração muito maneira, cheia de equipos antigos, uma biblioteca com livros e revistas sobre montanha e viagem, sinuca, wi-fi liberado e um clima muito legal. Um lugar onde a galera vai compartilhar as historias depois de escalar durante o dia. Depois disso, hora de dormir, os próximos dias seriam bem duros.

    Acordei muito cedo, a mochila ja estava pronta, então foi so tomar café e partir para a pequena rodoviária de onde partem os microonibus. A viagem é apertada, dura umas 2h, nas quais vc vai sacolejando por uma estrada de terra, que vai ganhando altura enquando zigue-zagueia pelas montanhas. O visual é impressionante, varias pequenas vilas paradas no tempo e montanhas gigantes dominam a janela do busao. Uma dessas montanhas é o imponente Huascaran, de 6758 mts, é a montanha mais alta do Peru. Finalmente, chegamos na entrada no parque. Hora de descer, para quem ainda não comprou entradas, essa é a hora. Também e necessário registrar-se e ouvir as diretrizes do parque. Feito isso, volta-se pro busao e a viagem segue até Vaqueria, uma vila muito pequena, onde comeca a trilha. Nao deixe para comprar nada aqui, nao tem nada. Traga tudo de Huaraz. Desembarque feito, mochila regulada, hora de partir.

    Entrada do P. N. Huascaran. Existe um escritório do parque no centro de Huaraz onde vc pode comprar suas entradas. Caso nao tenha feito isso, aqui é o lugar.

    Os dois cumes do Huascaran, visual que domina a subida da quebrada (vale) até Vaqueria. Infelizmente, o glaciar vem perdendo volume a cada ano, devido ao aquecimento global.

    O ziguezague da estrada que sobe a quebrada Llanganuco até Vaqueria. Muito sacolejo e paisagens de tirar o fôlego!

    Início da trilha em Vaqueria. Rumo a Punta Union.

    Mapa do circuito que percorri. Fiz da direita para esquerda. Repare na grande quantidade de montanhas assinaladas no mapa e que são possíveis de avistar durante o trekking.

    Nesse primeiro dia o objetivo e caminhar por cerca de 6hs até o primeiro acampamento, Paria, a 3850 mts. A caminhada até lá é muito bonita, cercada por montanhas de uma coloração negra, muito altas. Caminha-se por um vale, em meio a lagos e um riacho. A trilha e muito marcada, larga, uma verdadeira "carretera" como me disse o Benquelo. Um fator que ajuda nisso é que, como havia dito, existem comunidades de camponeses que vive ao redor do parque e trazem seus rebanhos de ovelhas, cabras, vacas e cavalos para pastar no vale. Costume milenar, herdado por seus ancestrais Wari, indigenas que dominaram os Andes centrais e resistiram durante muito tempo aos incas. Uma curiosidade deste trekking tem a ver com isso. Os locais dos campings sao na verdade os locais que os pastores utilizam para descanso, por isso, o chao é cheio de cocô de todos os tipos. Nao tem como fugir disso, vc vai estar literalmente na merda. Inclusive, fui acordado por uma vaca no segundo dia pela manha. Ela tentou enfiar a cabeça dentro da barraca. Espantei-a, meio sonolento e assustado. Quando coloquei a cabeça para fora, havia um presente dela para mim na porta da barraca: um monte de bosta fresquinha...

    Primeiro dia de trilha. A caminhada vai ate o final desse vale, onde começa a subir até o primeiro camping.

    Acampamento Paria, 3850 mts. Nao existe infraestrutura. So uma fossa onde vc pode se virar. Em nenhum acampamento vc vai encontrar mais que isso. Esse é um trekking realmente selvagem.

    Olhando para trás durante o primeiro dia de trilha.

    Superado esse pequeno contratempo, hora de partir. Esse dia seria muito difícil, sem duvidas a caminhada mais dura que já fiz nos meus mais de 20 anos de montanha. Seriam cerca de 8hs de uma ardua caminhada, com subidas constantes, poucos trechos planos, onde se caminha o tempo todo ganhando altitude, ate culminar no ponto mais alto, a 4750 mts. Ao longo do caminho, encontrei algumas expedições. As mulas carregavam todo o equipamento pesado. Os trekkers ian subindo apenas com pequenas mochilas de ataque. A unica pessoa que estava carregando todo seu equipamento, durante todos os dias do trekking era eu. Os membros das expedições ficavam me olhando com aquela cara de espanto e admiração, me vendo subir montanha acima, na garra. Enquanto eu, exausto, olhava para eles e pensava como seria bom entregar minha cargueira para uma daquelas mulas e subir leve, suave. Enfim, como isso não era possivel, o jeito era continuar. Sempre que estou numa situação extrema como essa, procuro mentalizar tudo que ja andei, pensar que a algumas horas estava começando, e agora cada passo me aproximava mais do objetivo do dia. Quando alcancei uns 4500 mts, foi possivel ver a passagem chamada Punta Union, a 4750 mts. Essa passagem divide o vale, depois dela, chega-se à quebrada Santa Cruz, trecho final do trekking. Me animei mais, faltava pouco. Foi quando começou a chover granizo! Pensei "não é possivel". Mas era. A temperatura caiu abruptamente, seguramente abaixo de zero. Sabia que tinha que continuar, nao tinha o que fazer. Continuei subindo, dava 4, 5 passos e parava, sem ar. Nunca havia caminhado em tamanha altitude, é realmente muito difícil. Por sorte, depois de uns 20 minutos, a chuva parou. Subi por mais uma hora, até finalmente alcançar Punta Union. Foi muita alegria! Este é um lugar muito bonito, de onde se tem um visual para varias montanhas, como Artesonraju, Chacraraju, Paria, e o lindo Taulliraju, em cuja base existe uma belíssima laguna de águas azuis turquesa. Hora de descansar, comer, apreciar o visual, confraternizar com os outros trekkers e se preparar para descer até o local do segundo acampamento, o Taullipampa, 4250 mts, de frente para oTaulliraju. Um dos lugares mais bonitos nos quais ja acampei.

    Um dos belos locais de descanso durante a extenuante caminhada do segundo dia. Ao fundo, uma das expedições chegando.

    Neste ponto estava a 4500 mts. O objetivo era chegar naquela linha escura mais alta, onde esta Punta Union. Depois descer ate o acampamento Taullipampa. Poucos minutos depois dessa foto, começou a chuva de granizo. A trilha vai ate aquelas lajes de pedra à sua esquerda. Sobe-se ate o ponto mais alto, pegando uma reta margendo o precipício ate cruzar Punta Union.

    As mulas e os arrieros subindo pela trilha.

    Sem duvida, o trekking mais duro que ja fiz. Mas vale muito a pena! O sentimento que se tem depois de vencer um desafio como esse é altamente gratificante.

    Lago formado pelas águas das geleiras do monte Taulliraju.

    Uma das montanhas que cercam Punta Union, o monte Chacraraju.

    Hora de descer até o acampamento Taullipampa, local do segundo pernoite. A temperatura já estava bem baixa a essa hora, por volta das 15h.

    Ainda havia muito o que fazer. Armar barraca, preparar o rango e dar uma volta pelo acampamento. Estava nublado e o Taulliraju estava encoberto. Fiquei na expectativa para o tempo melhorar e possibilitar a visualização da montanha. Por sorte, o tempo abriu, ceu azulou e o gigante se revelou bem na minha frente. Que linda montanha! Naquele momento tive a certeza que voltaria aos Andes e escalaria alguns nevados.

    No acampamento, esperando o tempo melhorar.

    As outras expedições se preparando para o pernoite. Esse acampamento é enorme.

    Finalmente, o Taulliraju apareceu! Li alguns relatos dizendo que a escalada até o cume é muito técnica e difícil. Passar a noite ali foi muito legal, céu borrado de estralas e um silêncio absoluto, apenas quebrado pelo barulho das águas do pequeno riacho ao lado da barraca.

    Fim de tarde na quebrada Santa Cruz. O terceiro dia consiste em descer todo esse vale até Cashapampa, numa caminhada de 8h, bastante cansativa mas bem bonita, pois vai margeando belas e grandes lagoas de agua verde jade. Na ocasiao em que passei por la, as aguas ainda estavam barrentas devido ao deslizamento ocorrido meses antes.

    Ao longo da trilha passa-se pelo vale que da acesso ao campo base do Alpamayo.

    A forma usual de descer ate Cashapampa e sair de Taullipampa e fazer mais um pernoite no acampamento Llamacoral, umas 4hs depois de Taullipampa. Contudo, resolvi que iria descer direto ate Cashapampa, finalizando o trekking em 3 dias ao inves de 4. Acordei bem cedo e comecei a descer. 20 minutos depois alcancei a primeira laguna, me perdi por cerca de uma hora nesse trecho. Sem conseguir achar o caminho, resolvi subir de volta até o acampamento e acompanhar alguma expedição descendo. No meio do caminho encontrei um arriero que vinha conduzindo algumas mulas. Perguntei e ele me mostrou o caminho correto. Me senti uma das mulas de seu rebanho, com todo respeito ao animal. O caminho correto estava marcado com galhos de arvores pelo chão, como pude me perder ali?? Bem, vencida essa parte, a trilha segue sem problemas, bem marcada e larga. O panorama só muda no ultimo trecho, onde caminha-se cerca de uma hora serpenteando um precipício bem alto, com um rio bem violento abaixo, por uma trilha de uns 30 centímetros de largura, cheia de pedras e cascalhos escorregadios. Toda atenção é necessária.

    Depois disso, chega-se à vila de Cashapampa, ponto final do trekking. O sentimento é de que vc acabou de sair de um mundo perdido. Hora de sentar e esperar o transporte até Caraz, depois de volta a Huaraz.

    Recomendo a todos aqueles que gostam de montanha que conheçam Huaraz e seus arredores. Existe um sem numero de coisas a fazer aqui, e os preços sao bem convidativos. Quanto ao trekking Santa Cruz, é preciso estar bem condicionado, mesmo se for fazer por agência. Apesar da facil orientação, se vc nunca trilhou por alta montanha, nao recomendo fazer sozinho. Para aqueles que tem alguma experiência, venha tranquilo, se puder reserve uma semana a mais para ir ate o acampamento base do Alpamayo, icone do montanhismo mundial.

    Saudações mochileiras e sempre em frente!

    Claudio Murilo
    Claudio Murilo

    Publicado em 23/11/2015 01:51

    Realizada de 17/04/2012 até 19/04/2012

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    3 Comentários
    Dri @Drilify 02/01/2018 15:34

    Claudio parabéns pelo relato ! li e reli é um dos lugares que pretendo ir este ano !!! valeu pelas dicas

    Vagner Ferreira 23/04/2018 11:24

    Muito bom o relato Claudio! Ano passado fiz a Salkantay, e esse ano to querendo ir pra huaraz. Os picos nevados do mapa (e aqui tbm http://www.cordillerablanca.info/trekking/santa-cruz-trek-map.php), voce colheu informações lá no local.. é possivel subir algum acima de 5000m sem guia?

    Claudio Murilo 25/04/2018 10:53

    Obrigado Vagner. Então, na ocasião do Santa Cruz eu não tentei nenhum pico. Eu voltei a Huaraz em 2017 e tentei o Pisco - 5752, mas devido ao mau tempo tive que voltar. É uma montanha de baixa dificuldade tecnica, apesar de ter que usar crampons. Fui sozinho, sem guia. Existem outras montanhas que vc pode tentar sem guia, mas acho que para escaladas no Alpamayo, Huascaran, Taulliraju e outras mais tecnicas vc precisa de alguma autorização, principalmente se tentar em solo. sugiro entrar em contato com a casa de guias em Huaraz para maiores infos.- https://www.agmp.pe - Saudações!

    Claudio Murilo

    Claudio Murilo

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