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Olivia Ganaro 13/11/2015 21:09
    Travessia Vale do Pati

    Travessia Vale do Pati

    Travessia vale do pati saída pelo vale do capão e término em Andarai.

    Travessia Vale do Pati

    Considerado o trekking mais bonito do Brasil, Pati é o sonho de todo trilheiro. Acordei numa manhã de terça-feira chuvosa e fria no Vale do Capão, abri a barraca no Camping do Seu Dai e pensei... Será? Deitei mais uns minutinhos e repentinamente uma empolgação súbita surgiu me fazendo desarmar a barraca em 5 milésimos de segundos como alguém que fosse perder o último ônibus com destino ao paraíso. E de fato era.
    Minha mochila estava super pesada, retirei algumas roupas e guardei-as ali mesmo com Seu Dai, ela continuou com muito peso mas a euforia era tanta que fui assim mesmo com quase 15 quilos nas costas. Me dirigi até o moto-táxi para contratar um frete rumo ao "Bomba", ponto de início da trilha no Vale do Capão.

    Foram cerca de 15 minutos em cima da moto fazendo malabarismos para não cair, sim... eu tenho pavor de motocicleta mas precisava manter a pose. Tirei uma foto clássica na placa do marco zero e iniciei a trilha. Toda vez que vou a um lugar pela primeira vez fico tentando imaginar suas peculiaridades mas dessa fiz diferente, queria que tudo fosse surpresa e surpreendente.
    Eu já estava apaixonada com o Vale do Capão e diminuir essa sensação era praticamente impossível, eu sabia que tinha de fazer essa travessia e sabia mais ainda que deveria ser naquele dia. Tem coisas que a gente sabe, sente e sonha!

    Com 15 minutos de trilha comecei a ficar com falta de ar, maldita asma, tratei logo de me medicar e a respiração ofegante foi dando espaço à suspiros de encantamento enquanto subia a trilha, aquela paisagem era demais pra mim. Meus parceiros de travessia estavam andando muito mais que eu, o medo de não conseguir acompanhá-los foi batendo, sou baixinha meu passo não rende muito mas tomei uma bomba de aceleração e fui conseguindo manter a aproximação. Com cerca de 1 hora chegamos a uma área que mais parecia um campo de futebol de dinossauros cercado por montanhas em 360 graus, era absurdamente inimaginável que depois daquela subida dolorosa eu me depararia com um visual tão diferente e ainda mais bonito.

    Andamos mais um pouco e chegamos no ponto onde tínhamos que decidir entre ir para o Pati por cima (Gerais do Vieira) ou ir por baixo. Era simples a escolha: ir por cima e pegar uma subida eterna de pedras ou ir por baixo e pegar lama até o joelho. Resolvemos ir por cima e a escolha não poderia ter sido melhor. O Gerais do Vieira é esplêndido, a trilha bem marcada e sempre nos deparamos com uma nova montanha que surge dentre as demais. É arvore, flor, pedra, montanha, água, seu olhar se desvia a todo momento com o intuito de não perder nada da paisagem, uma imensidão de parar os olhos. Andamos horas por cima das montanhas e apenas com um mapa nos localizávamos, a cada mudança da paisagem dávamos uma conferida, afinal estávamos sem guia. As paradas para respirar sem mochila eram as mais esperadas por mim, tive muita dor no ombro mas no ápice do desconforto percebi que a mochila já fazia parte do meu corpo e que quando a retirava era pior.

    Comecei a ter uma crise de ansiedade como se o portal da felicidade fosse fechar e eu estivesse longe dele, a vontade de chegar no Pati era brutal e quando resolvi relaxar vi uma pedra à minha esquerda, me adentrei no mato, não acreditei quando olhei para baixo, era a entrada do Pati e eu à sua direita por cima das montanhas, foi surreal, comecei a vibrar e voltei para a trilha numa empolgação Street Fighter. Caminhei até a chamada "Rampa", uma espécie de mirante onde se tem uma visão panorâmica da entrada do Vale do Pati, é de calar a boca de qualquer um, você se sente pequeno diante tamanha beleza da natureza e ao mesmo tempo grande demais por estar ali.


    Já tínhamos cerca de 6 horas de trilha e conseguia avistar bem abaixo de mim a primeira casa de apoio mas para chegar até a mesma era preciso descer a famosa escada... E que escada! Lá se foi mais uma hora de trilha e eu não tinha mais água, foi difícil descer desidratada, cansada, pernas trêmulas e com a noite caindo. Pegamos outra trilha no final da descida e com pouco mais de 20 minutos chegamos à tão esperada Igrejinha. A primeira impressão foi sensacional, trilheiros de todo canto do mundo dialogando, fazendo suas refeições e preparando uma fogueira, eram cerca de 60 pessoas mas eu estava quase dormindo em pé, tomei um banho gelado (não existe banho quente lá), fiz minha refeição e tratei de logo dormir pois o dia seguinte ia exigir muito esforço físico.

    Os alojamentos por lá oferecem opções para campistas, colchões com cobertores e espaço para quem dorme com isolante, além de refeições completas.


    Segundo dia da travessia e só de saber que eu deixaria a mochila no alojamento para fazer o passeio já me senti melhor, preparei uns lanches com muita "bânana" e foi dada a largada, nosso roteiro seria fazer o Cachoeirão por cima. Foram quase 3 horas de trilha para chegar, caminhamos devagar absorvendo cada detalhe, a paisagem no Pati muda muito rápido e a todo momento do percurso eu olhava para trás, não queria deixar de carimbar aquele cenário na minha memória, ainda não acreditava que estava no lugar dos meus sonhos.

    Seguimos até o Cachoeirão, ali sim fiquei sem ar, sem fôlego, sem palavras, me calei! Tive vontade de gritar, gritei! Era demais pra mim, era inacreditável e diferente de tudo que já tinha vivenciado na natureza, apesar de que não era a cachoeira mais alta visitada por mim, essa possuía 280 metros, a sensação era de liberdade extrema, de mistério em cada pedaço da montanha, uma cachoeira na fenda da montanha com vários coqueiros cravados em sua queda, um lugar intocado, nas laterais eu avistava os vales e ali bem na frente eu supostamente via o que me aguardava nos próximos dias. Fiquei umas 2 horas absorvendo aquele lugar, formando poesias na mente e segurando a emoção. Avistei uma toca e me protegi da pouca chuva, fizemos um lanche e amizades nessa mini caverna, resolvi tomar coragem e sentar na beira da montanha onde tinha uma pedra suspensa, senti medo mas já estava me arrastando até a ponta, tinha que sentir ao extremo e avistar as quedas que ali caíam formando vários poços, inclusive um com formato de coração.

    Resolvemos voltar para a Igrejinha, já não estava tão cheia como no dia anterior, pessoas chegam e pessoas vão, fiz meu lanche, tomei outro banho congelante e sentei na área externa, queria pegar dicas e informações para o dia seguinte na finalidade de definir meu roteiro. A noite foi caindo e o cansaço batendo, todos praticamente dormem muito cedo. Ganhei uma garrafinha de caipirinha local e sentei na fogueira, cada um de um canto do Brasil com seu roteiro e propósito, foi papo pra noite inteira.

    Senti uma energia muito especial, muito querida e esperada, tive certeza que eu estava no lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa, eu não mais lembrava que existia um mundo fora dali, era como se o resto da minha vida fosse se resumir naquela noite, difícil até de explicar, a energia desse lugar é sem dúvidas inesquecível e marcante. Fogueira acesa, meias secando no mormaço das chamas, céu estrelado, e o silêncio de um gato se secando na brasa recebendo cafuné. Nesse momento tive absoluta certeza de que eu não precisava de mais nada para ser feliz. Tudo que eu queria estava ali mas já era madrugada e necessitava dormir.

    Terceiro dia de travessia, precisávamos seguir Pati adentro e eu de um novo coração, o meu já não aguentara mais tanta emoção, estava pedindo socorro, ia parar a qualquer momento. Não fiz o que estava no roteiro, ao invés de subir o castelo preferi ficar na casa de apoio do Senhor Miguel que fazia um pão caseiro delicioso com caldo de cana fresquinho de frente a uma rede que eu me rendi. Meditei, fui ao rio que passa de frente à sua varanda e resolvi seguir trilha para o ponto de apoio que estava cerca de 1 hora adiante atravessando o rio. Cheguei então no ponto de apoio "Prefeitura", acabei reencontrando a turma da caverna que havia conhecido no dia anterior. Tomei uma cerveja pra relaxar, namorei o céu e a sombra que se formara da famosa montanha com formato de castelo, o sol se pôs e mais uma vez me calei, aquela lágrima seca que cai silenciosamente no canto do olho esquerdo. Fomos para a casa base e como estava mais vazia aqueci água para tomar banho. Fizemos nossa refeição e fomos dormir.

    Quarto dia de travessia, acordamos e seguimos trilha para a casa da dona Dagmar, todos foram para o cachoeirão por baixo mas eu fiquei com dona Dagmar, plantei mandioca, catei jaca, tomei café sentada no fogão a lenha e fui ouvir seus hilários casos. Poucas horas de convivência e eu já estava ouvindo um por favor não vá embora mas o dia estava passando e eu precisava seguir até a casa do Seu Jóia.

    Nesse momento da trilha eu tinha resolvido seguir sozinha e então fui na sombra de um senhor que conduzia uma mula, atravessei uma ponte improvisada onde quase fui picada por uma aranha e passei por vários poços do Rio Pati que me acompanharam à esquerda da trilha. Paisagens inesquecíveis, poucos chegam a esse ponto da travessia que com certeza não deixa a desejar. Ao chegar na casa do Seu Jóia me senti na casa da vovó, cheiro de broa assando e café fresco, são duas casas, uma de hóspedes e a casinha deles ambas cercadas pelos 4 lados de montanhas, claro!

    Tirei minhas botas e as meias, troquei meus curativos de uma série de bolhas que resolveram aparecer e pé no chão. Logo fui recebida pela Dona Leu, esposa do Jóia, perguntei onde era a cozinha e fui preparar meu almoço, para minha surpresa o fogão à lenha estava apagado e como não tinha lenha me adentrei no mato para catar. Depois de 1 hora tentativas consegui acender com folhas secas de bananeira, fiz minha refeição e corri para o Rio Pati lavar a alma. Fiquei me banhando e pensando como seria minha saída da travessia e minha volta ao Pati, já queria voltar de todos os jeitos. Permaneci no rio até o pôr do sol, catei umas pedrinhas de lembrança e subi para a casa de apoio. Acendemos uma fogueira, coloquei meus fones e ao som de Pink Floyd deitada no chão comecei a relembrar cada momento da travessia, era muita gratidão por tudo que havia vivenciado e vivido, o céu estava sensacional, o clima e até a solidão, vi duas estrelas caindo e rapidamente fiz meus pedidos "ôxeeee".


    Quinto dia de travessia, acordei às 5 da manhã tomei meu café e contratei uma mula para levar minha mochila, eu estava machucada e a trilha de volta demoraria cerca de 4 horas sendo a primeira de subida íngreme com chuva.

    Foi mais fácil do que pensei, com menos de 4 horas avistei a cidade de Andaraí pois durante o percurso não avistei muita coisa, a visibilidade estava péssima por causa da neblina. Desci mais um escadão de pedra e então cheguei de volta à civilização. A sensação era de ter me tornado outra pessoa nessa travessia, de ter saboreado sentimentos até então desconhecidos por mim.

    Com toda certeza foi o lugar mais bonito que pisei na minha vida. Um lugar riquíssimo em sua fauna e flora, um lugar de paz e pureza com cenários inesquecíveis. Momentos cravados na memória. Difícil esquecer tudo que vi por lá. Já saí querendo voltar e com certeza voltarei pra te ver e sentir Pati!

    Olivia Ganaro
    Olivia Ganaro

    Publicado em 13/11/2015 21:09

    Realizada de 06/07/2015 até 10/07/2015

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    10 Comentários
    Alan Rodrigues Villarta 16/11/2015 19:48

    Ta na lista faz tempo...ainda não desisti ...é auto guiada?

    Olivia Ganaro 21/11/2015 19:07

    Edson a minha deu 92 km devido os passeios que fiz pela travessia. Fiz quase todos rs

    Olivia Ganaro 21/11/2015 19:10

    Alan eu fiz com uma amiga no primeiro dia sem guia e sem gps kkkk fomos com um mapa feito a mão por um amigo bem detalhado mas por 2 vezes nos perdemos las foi auper tranquilo ja atw sabíamos onde tínhamos errado. No segundo pro terceiro dia segui a travessia sozinha e foi super tranquilo tbm. Sair do pati foi mais facil ainda. Trilha muito bem marcada. So seguir a lógica.

    Robson D. Oliveira 21/11/2015 19:42

    Caramba!! sensacional cada palavrinha descrita neste relato! parabéns!!!

    Olivia Ganaro 21/11/2015 20:11

    Obrigada Robson

    Edson Maia 21/11/2015 22:24

    Valeu a dica Olivia! Quem sabe em 2016 eu emplaco essa trip tb.

    Moreira Junior 08/01/2016 18:27

    otimo relato Olivia, to me planejando para ir agora no carnaval sem guia tbm...

    Santos Valdo 16/08/2019 14:11

    Mano que sensacional, relato fod**, obrigado.

    Olivia Ganaro

    Olivia Ganaro

    Lagoa Santa -MG

    Rox
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    Montanhista. Tatuadora, Designer e Colunista sobre esportes radicais, travessias, trilhas e cachoeiras.

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