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Priscila Matias 10/05/2021 19:18
    TransSincorá - cruzando o Parque da Chapada Diamantina

    TransSincorá - cruzando o Parque da Chapada Diamantina

    Relato do primeiro grupo de expedição comercial a finalizar travessia que corta o Parque da Chapada Diamantina do sul ao norte em oito dias

    Trekking Acampamento Longa Distância

    Esse é o relato da primeira expedição comercial a finalizar o Trekking da TransSincorá, uma travessia que corta o Parque Nacional da Chapada Diamantina de sul (Ibicoara) ao norte (Morro do Pai Inácio), totalizando cerca de 123 km de extensão. Ela foi realizada na primeira semana de maio, e levou oito dias para ser concluída. A maior parte do percurso atravessa partes selvagens e pouco exploradas do parque. A travessia foi idealizada e organizada pelo Dmitri, da Chapada Trekking, e nunca havia sido concluída por um grupo comercial antes.

    O ponto de partida do trekking é a cidade de Ibicoara, ao sul da área do Parque da Chapada Diamantina, onde Dmitri nos buscou com o carro de apoio. Começamos o dia com um café da manhã bastante reforçado na comunidade do Baixão, a cerca de 20 km da cidade de Ibicoara. O clima predominante durante o trekking foi nublado, com chuva fina eventual durante o dia e chuva mais forte durante a noite. Foi bastante difícil se manter seco nessas condições... oito dias com roupa e calçado constantemente molhados. Segundo Dmitri, o mês de maio costuma ser seco, então era incomum esse tipo de clima que pegamos. Em contrapartida, houve abundância de agua nos rios e cachoeiras, não tivemos que sofrer com calor na maioria dos dias, nem carregar tanto peso em água nas mochilas. Cruzamos rios e córregos várias vezes durante o percurso.

    Como já estava vacinada e passei todo esse tempo em casa sem viajar ou me expor, achei seguro fazer o trekking, especialmente levando em consideração que o grupo era pequeno (oito pessoas + guias) e iriamos permanecer a maior parte do trajeto isolados de povoamentos e longe de aglomerações. Nas poucas vezes que vimos locais na trilha (como no Baixão e no Vale do Pati) era visível a preocupação dos moradores com os turistas trazendo a doença para esses povoados. É um perigo real para eles, então cada um tem que ser muito consciente no momento em que decide ir para esses locais, para não expor os locais à contaminação. O uso de máscaras era obrigatório nos momentos em que o grupo não estava caminhando. Creio que o mais certo seria que cada um realizasse um teste PCR antes de viajar.

    Primeiro dia do trekking amanheceu com chuva fina. É o dia do ataque à Cachoeira da Fumacinha, em Ibicoara. Como as pedras estavam muito molhadas, fizemos o percurso com MUITA dificuldade. Dois colegas caíram feio no caminho até o acampamento. É bem perigoso fazer esse percurso com pedras molhadas e com uma cargueira nas costas. O clima foi tenso o tempo todo, o medo de cair e se acidentar era real e tornava o percurso muito lento. As pedras viraram sabão, em muitos trechos era necessário se arrastar porque não dava para andar em pé sem escorregar. Resultado: deveríamos ter chegado ao local do acampamento de meio dia, mas chegamos após às 14h00 (quase 15h). Depois de comer, já estava bem tarde para fazer o ataque à Fumacinha, além de todos estarem bastante cansados e tensos do percurso feito. Dmitri estava bem preocupado. Falou que não poderia impedir ninguém, mas que na sua opinião, não era sensato fazer o ataque à Fumacinha naquelas condições. Dos oito, somente dois toparam ir (acompanhados dos guias) – eles voltaram a noite, e ambos se machucaram no percurso devido a quedas. Eu decidi não ir, por ter tido uma experiência semelhante em outra travessia no qual eu topei fazer o ataque a Fumaça por baixo mas voltei tão quebrada que me fez passar o resto do trekking me arrastando de dor. Foi a minha pior experiência de trekking na vida. Aprendi com o erro e não repeti a mesma escolha; não dá para arriscar se machucar ou se esgotar logo no primeiro de oito dias, resolvi seguir o caminho da precaução e vejo que foi a melhor escolha. Infelizmente não vi a Fumacinha, mas terei outras oportunidades para isso com certeza.

    No segundo dia, estava todo mundo moído do esforço físico e tensão do dia anterior. Nesse dia, iríamos subir a Fenda da Fumacinha, um percurso mais técnico de escalaminhada e uso de cordas e escada. Dmitri estava preocupado com as condições da Fenda devido à chuva e considerou abortar o trekking. Porém, como não choveu a noite, ele decidiu que era seguro prosseguir com a expedição. Partimos para subir a Fenda tradicional, a que tem as colmeias de abelhas – recentemente foi aberto um percurso alternativo para evitar os ataques de abelhas, mas a Fenda alternativa é bem mais extensa e possui trechos mais expostos e perigosos. Dmitri achou mais seguro levar o grupo para a Fenda tradicional, tomando os devidos cuidados – ninguém passou desodorante, filtro solar, qualquer tipo de produto químico, e o grupo permaneceu em silencio durante o trecho inicial em que existem as colmeias. Graças a deus deu tudo certo e não houve nenhum acidente. O resto do dia prosseguiu tranquilo. Achei esse o dia mais divertido de todo o trekking, apesar da tensão palpável e preocupação dos colegas. Como estava com uma cargueira muito leve (menos de 8 kg), a subida/escalaminhada foi feita sem grande dificuldade. Achei a subida da Fenda parecida com a subida da Garganta da Serra, aqui em Pernambuco (a qual fiz um relato também publicado aqui no Aventurebox), sendo, porém, bem mais técnica e com a dificuldade da cargueira no lombo. Durante o resto do trekking, esse trecho ficou como um marco para o grupo, tipo o crux da via. Acampamos nas proximidades da Toca do Vaqueiro, que era o ponto de apoio, sendo que para acessar a área de camping tínhamos que cruzar um rio que cobria os tornozelos e tinha correnteza. Fizemos isso umas cinco vezes, foi uma experiência nova, divertida e estranha ao mesmo tempo.

    No terceiro dia, tivemos um dia todo de vara mato em terreno plano - os gerais do Mochobongo. Para mim foi o dia menos atrativo do trekking. Passar o dia pisando em mato alto é equivalente a treinar em areia fofa e torna o passo cansativo. O dia nublado também não ajudou em termos de beleza de paisagem. Acampamos no final do dia em uma área completamente virgem do percurso. Durante a noite, uma chuva de meteoros no céu estrelado deixou o pessoal bem animado (eu não vi, tinha me recolhido para a barraca). Os demais grupos da TransSincorá já irão pegar a maciata de ter o percurso mais bem demarcado por nós.

    No quarto dia, parecia que iriamos repetir a pouca atratividade do terceiro dia, mas logo o terreno se tornou mais dinâmico, abriu um sol bonito e o final da manhã entregou uma paisagem cênica muito bonita. Destaque para a cachoeira da Matinha, um lugar super gostoso para tomar banho e relaxar. No final do dia, uma série de subidas mais puxadas exigiu bastante fôlego, confesso que deu uma canseira boa. Nesse dia, finalizamos numa estrada rural onde o carro de apoio estava nos esperando para nos levar para Mucugê, onde dormimos numa pousada. Dmitri reabasteceu a comida para os próximos dias de trekking, enquanto o grupo pode descansar com as facilidades do mundo moderno: cama, banho quente, roupa limpa e principalmente a possibilidade de lavar nossas roupas à mão e colocar para secar nas varandas dos quartos.

    Quinto dia retomamos a vida de acampamento selvagem em mais um percurso com vara mato intenso nas primeiras horas, rumo às Gerais do Rio Preto. Nas proximidades da saída de Mucugê, encontramos uma linda aranha armadeira, passando super tranquila pela estrada rural. No final do dia, acampamos ao lado de uma cachoeira bem bonita, o córrego do Tomba Cachorro, mas como já chegamos tarde, quase à noite, ficou frio demais para mim encarar aquelas águas congelantes. Os homens do grupo, porém, enfrentaram o gelo da água para poder tomar um bom banho. No próximo dia, estaríamos adentrando no Vale do Pati, e consequentemente abandonando a parte selvagem do percurso.

    Sexto dia do trekking deveria ter sido finalizado na Igrejinha, já dentro do Vale do Pati. Porém, como ela estava fechada para reforma, tivemos que acampar nas proximidades da Toca do Gavião. Chegamos cedo à Toca, comemos e fizemos o ataque ao Cachoeirão por cima. Esse dia foi bem relex, podemos aproveitar bastante o visual para tirar fotos e aproveitar o banho do Cachoeirão. Foi também a primeira vez em que vimos pessoas na trilha – essa já é uma área bem popular do Parque, porém como a abertura do Pati tinha acontecido a poucos dias, achei que ainda estava com pouquíssima movimentação de pessoas (ainda bem!).

    Sétimo e penúltimo dia, continuamos o percurso dentro do Vale do Pati, com um lindo sol no céu (e consequentemente um calor que não havíamos praticamente sentido nos últimos dias, que foram predominantemente nublados). Almoçamos e relaxamos na área do Rancho, e depois partimos para atravessar a área mais bonita do Parque na minha opinião, os Gerais do Vieira, seguido de um percurso de descida intensa da ladeira do Quebra-bunda e ladeira do Bomba. Finalizamos o dia no Capão, em uma das entradas do Parque, onde um carro de apoio nos esperava para nos levar à vila. Foi o dia mais extenso de caminhada, com cerca de 22 km percorridos; os trechos finais de descida foram bem cansativos e exigiram muito dos joelhos. Ao chegar ao Capão, porém, tivemos acesso mais uma vez às benesses da vida moderna, ao pernoitar em uma pousada local. Fiquei um pouco surpresa com a intensa movimentação de pessoas na vila, achei que a cidade estaria mais esvaziada devido a pandemia...

    Oitavo e último dia da travessia, o carro de apoio apareceu para nos deixar na cabeça da trilha. Foi um dia muito tranquilo, no qual seguimos pela trilha que dá acesso à cachoeira de Águas Claras e passa do lado do imponente Morrão. Assim como a etapa anterior, foi um dia de grande beleza cênica, para coroar a conclusão desse projeto inédito e que com certeza irá se firmar como um dos grandes destaques da Chapada Diamantina. Finalizamos o trajeto em uma das saídas do Parque, a poucos quilômetros do Morro do Pai Inácio. O carro de apoio novamente apareceu para levar o grupo (cerca de 5 km) à entrada do Morro do Pai Inácio, onde brindamos a finalização do trekking após uma subida curta porém um pouco sofrida devido ao cansaço acumulado dos oito dias de trekking intenso. Graças a Deus, todo o grupo pode concluir juntos o projeto, não tivemos nenhuma baixa, e a satisfação era bastante nítida no semblante de todos. Do Pai Inácio, fomos para a cidade de Lençóis, onde cada um seguiu seu rumo.

    Agradeço à Chapada Trekking pela oportunidade de realizar um projeto tão grandioso, com muita organização, profissionalismo e bom humor. Dmitri é uma pessoa fantástica, e os guias de apoio – Carlito e Binho – foram extremamente cuidadosos com o grupo, especialmente nos momentos mais tensos. Agradecimento também ao Cristiano Cruz, amigo do Dmitri que acompanhou o grupo e também ajudou no guiamento.

    Ah, toda a alimentação consumida foi preparada pela Chapada Trekking e foi deliciosa!

    Distâncias GPS Garmin Etrex 30

    Dia 1: Baixão / Fumacinha

    Km = 6+{4,5} = (10,5) [10,5]

    Dia 2: Fenda / Toca do Vaqueiro

    Km = (10) [20,5]

    Dia 3: Gerais do Mochobongo

    Km = (10,5) [31]

    Dia 4: Gerais Rio Mucugê / Cach. Matinha / Mucugê

    Km = 8,6+2,7+1,2+{8,8} = (21,3) [52,3]

    Dia 5: Mucugê / Tomba Cachorro

    Km = (17) [69,3]

    Dia 6: Toca do Gavião / Cachoeirão

    Km = 9,6+4,4 = (14) (83,3)

    Dia 7: Mirante Pati-Rancho / Gerais Vieira-Bomba / Capão

    Km = 13,6+9,4+{5,3} = (28,3) [111,6]

    Dia 8: Capão / Aguas Claras / Pai Inácio

    Km = {5,2}+7,1+8,6 = (20,9) [132,5]

    () = Total do Dia

    [] = Acumulado [111,4 km]

    {} = Extras = 23,8 km

    Fonte: Cristiano Cruz

    Fotos cedidas pelos membros do grupo (Cristiano, Thiago, Mauricio e Dmitri)

    Priscila Matias
    Priscila Matias

    Publicado em 10/05/2021 19:18

    Realizada de 01/05/2021 até 08/05/2021

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    6 Comentários
    Fabio Fliess 10/05/2021 19:37

    Que empreitada irada Priscila. Acompanhei alguma coisa que o Dmitri postava nas redes. Parabéns pela trilha, pelo relato e pelas fotos.

    1
    Tem Trilha 10/05/2021 20:53

    Parabéns Priscila. Belíssimas paisagens e caminhos. Pelo que li e as fotos foi com certeza uma experiência única. Obrigado por compartilhar conosco. Que venham outras.

    Marcio Mafra 12/05/2021 17:48

    Usando a gíria local: Massa!!! Acho que a região tem um potencial imenso para o trekking, infelizmente pouco explorado (ou felizmente?) e documentado. O seu relato certamente vai ajudar o interesse de outros trekkers, inclusive eu. Obrigado por compartilhar!

    1
    Peter Tofte 18/05/2021 21:56

    Muito legal. Belo relato. Mas na verdade a Tatu na Trilha de um francês no vale do Capão já fazia isto comercialmente na década de 90. Só que no sentido Norte Sul, saindo do Capão e chegando na Fumacinha/Baixão.

    1
    Danilo Fonseca 08/07/2021 12:03

    Muito bom o seu relato Priscila! Também pude acompanhar a empreitada de vocês através das redes sociais do Dmitri e da Chapada Trekking. Show de bola! Parabens.

    1
    gilson panagiotis heusi 03/08/2023 10:48

    Bom dia Priscila, por acaso vc teria o wikiloc da trilha que vc fez???

    Priscila Matias

    Priscila Matias

    Recife - PE

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